Day: janeiro 22, 2022

Guilherme Casarões: O xadrez internacional das eleições de 2022 

As eleições presidenciais de 2022 serão (também) disputadas fora do Brasil – e não me refiro a qualquer teoria conspiratória sobre envolvimento estrangeiro no processo eleitoral. Já está claro que a política externa será, como nunca, elemento central das principais candidaturas ao mais alto cargo da República. Por isso mesmo, será fundamental acompanhar os passos internacionais dos presidenciáveis. 

Trata-se de uma novidade, já que, nos períodos democráticos do país, questões internacionais raramente foram prioritárias nos programas de governo ou debates entre presidenciáveis. Com sabedoria e certa dose de desdém, Ulysses Guimarães costumava dizer que “o Itamaraty só dá – ou tira – voto no Burundi”. 

Ele tinha alguma razão: vista como instituição de Estado, descolada da política partidária e das idiossincrasias individuais, a diplomacia brasileira foi capaz de manter um perfil comedido, técnico e relativamente consensual ao longo do tempo. Poucos temas de política externa serviram para demarcar diferenças eleitorais irreconciliáveis, talvez à exceção das controvérsias sobre a ALCA ou a aproximação brasileira de governos autoritários, do Irã à Venezuela.  

O cenário começou a mudar de modo significativo em 2018, pelas mãos do então candidato Jair Bolsonaro. Apresentando-se como antissistema, o deputado prometeu transformar radicalmente a inserção internacional do Brasil. Além de desfazer o legado petista, propôs ruptura radical com a tradição diplomática, construída por diversos governos ao longo do século 20. 

As preocupações de Bolsonaro, populista puro sangue, eram tão-somente eleitorais. De olho no apoio do agronegócio, das lideranças evangélicas ou de grupos conservadores, o candidato politizou diversas pautas caras às nossas relações com o mundo. Agressões à China, que estaria “comprando o Brasil”, ou às Nações Unidas, que seria um “antro de comunistas”, tornaram-se tão frequentes como os elogios emocionados (e promessas unilaterais) a Donald Trump ou Benjamin Netanyahu. 


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Além dos arroubos antidiplomáticos em entrevistas e nas redes sociais, um dos aspectos pouco explorados da campanha de Bolsonaro foram as viagens internacionais. Nos dois anos que antecederam às eleições, o deputado realizou missões oficiais a Israel, onde se batizou evangélico; aos Estados Unidos, onde se reuniu com armamentistas, liberais do mercado financeiro e Olavo de Carvalho; e a Taiwan, de onde retornou com uma moção de repúdio do governo chinês. 

Mais que contatos internacionais, as viagens pré-eleitorais, no quadro político brasileiro, possuem importante função de construir identidades políticas. É artifício útil, por exemplo, a candidatos que se apresentam contra o establishmentvigente. Foi também o caso do conservador Jânio Quadros, que abraçou o antiimperialismo em polêmica visita a Havana, ou do neoliberal Fernando Collor, que oscilou entre o thatcherismo e a socialdemocracia europeia em longa (e inédita) turnê de campanha. 

Os pré-candidatos à presidência em 2022 já estão se movimentando no tabuleiro global. A diferença é que, agora, os dois principais concorrentes – o ex-presidente Lula e o atual, Bolsonaro – não precisam moldar novas identidades políticas, mas defender seu legado externo. 

Ano passado, testemunhamos um primeiro embate internacional entre ambos. Poucos dias após o fiasco da participação do presidente brasileiro na reunião do G20, que escancarou o isolamento de Bolsonaro nos círculos diplomáticos, Lula foi recebido calorosamente por lideranças de esquerda em viagem pela Europa. 

A queda de braço animou as redes sociais e colocou em disputa dois projetos: um isolacionista, populista e profundamente ideologizado, em que o desprezo da comunidade internacional é visto como virtude e que já causou danos graves à inserção brasileira; outro, nostálgico e ambicioso, mas que parece ignorar as profundas transformações geopolíticas e domésticas que nos afastou do sonho de potência emergente. 

Como a política externa promete ser uma das medidas de grandeza das candidaturas de Lula e Bolsonaro, outros pré-candidatos também começaram a se posicionar nesse xadrez, tencionando viabilizar uma terceira via eleitoral. 

À direita, o ex-ministro Sergio Moro, recém-chegado dos EUA, busca distanciar-se do antigo chefe falando em meio ambiente e cooperação internacional. Há algumas semanas, o embaixador da União Europeia no Brasil foi ao Twitter elogiar o livro do ex-juiz. Por sua vez, o governador de São Paulo, João Doria, mede forças com o ex-aliado Bolsonaro na captação de investimentos estrangeiros, na cooperação sanitária pelas vacinas e nos temas ambientais. Ao contrário do presidente, Doria participou da COP-26, em Glasgow, em cúpula de governadores. 

Ciro Gomes, à esquerda, aposta em agenda externa mais nacionalista e desenvolvimentista que a de Lula, de quem já foi ministro e aliado. Exalta feitos diplomáticos dos governos petistas, como o BRICS e a cooperação sul-sul, mas condena seus resultados econômicos. O traço mais marcante da agenda externa de Ciro, a admiração pelo modelo econômico chinês, vem a reboque dos contatos internacionais de seu partido, o PDT. Contudo, a ausência de um roteiro de viagens coloca o pedetista como o menos “globalizado” dentre os principais concorrentes ao Planalto. 

A boa notícia da internacionalização das campanhas presidenciais é que, à exceção do próprio presidente, todos os demais candidatos parecem alinhados aos preceitos básicos da diplomacia nacional. Em temas, ênfases e graus variados, defendem multilateralismo, cooperação e integração. Igualmente importante, esses políticos deverão comprometer-se a não somente resgatar o lugar do Brasil no mundo, mas também a reanimar e atualizar os meios diplomáticos que foram esvaziados e subvertidos nos últimos anos. 

O futuro do Brasil depende disso. Oxalá o debate eleitoral traga reflexões e propostas à altura do que o país merece. 

*Guilherme Casarões é doutor e mestre pela Universidade de São Paulo (USP) e mestre pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) (Programa SAN Tiago Dantas). Leciona Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP)e na FGV-SP. Pela Contexto é autor do livro Novos olhares sobre a política externa brasileira.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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João Gabriel de Lima: Cultura da retribuição

João Gabriel de Lima / O Estado de S. Paulo

O episódio é ilustrativo de uma prática cultural americana: o “giving back”. Não se trata apenas de doar. Parte-se do pressuposto de que o sucesso de uma pessoa, ou empresa, não é um feito individual. Ele se deve a todo um ambiente social: a escola onde o empreendedor estudou – muitas vezes pública –, a comunidade onde ele prosperou, os investidores que confiaram nele. Daí o nome “giving back”. Mais que uma doação, trata-se de uma retribuição.

Uma anedota recorrente nas alamedas da Universidade Stanford, na Califórnia, conta que Bill Gates pagou caro para ter um concorrente de peso. No início dos anos 1990, o bilionário da Microsoft doou US$ 6 milhões para a construção do Gates Building, que hoje abriga a escola de Ciência da Computação do câmpus. Estudaram lá, entre outros, Sergey Brin e Larry Page – os dois bolsistas que, mais tarde, criariam o Google.

Tal mentalidade não era comum no Brasil, mas o recém-divulgado censo do Grupo de Instituições e Fundações de Empresas mostra uma mudança positiva. O Gife, como é conhecido, congrega os braços de responsabilidade social de várias companhias. Há 20 anos, contabiliza o total investido por seus associados. Nos últimos levantamentos esse montante ficou na casa dos R$ 3 bilhões. No censo atual, com dados de 2020, chegou-se ao número de R$ 5,3 bilhões, um aumento de 71% em relação ao levantamento anterior.

Parte desse crescimento se deu por causa da pandemia. “Houve um esforço tremendo para atender às demandas sociais geradas pelo coronavírus, e, ao que tudo indica, o novo patamar de investimento deverá se manter daqui para frente”, diz Gustavo Bernardino, gerente de programas do Gife. Ele é o entrevistado do minipodcast da semana.

O detalhamento da pesquisa mostra uma mudança no perfil do investimento. Educação sempre foi a prioridade, ao lado de cultura e inclusão produtiva. O novo censo mostra que os institutos e fundações despertaram, nos últimos anos, para as imensas carências sociais do País, que ficaram evidentes na pandemia. Educação segue sendo uma prioridade – mas, agora, ao lado de programas de combate à fome e à pobreza.

O investimento das empresas não diminui, obviamente, o papel do governo. Em 1988, os brasileiros optaram por um modelo de bem-estar social – e escreveram na Constituição que o Estado é responsável por ele. A experiência internacional mostra, no entanto, que uma cultura de “giving back” é essencial, entre outras coisas, para eleger líderes comprometidos com programas sociais de qualidade. Nessa área, o que é bom para Stanford é bom para o Brasil.

*Escritor, professor da Faap e doutorando em ciência política na Universidade de Lisboa

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,a-cultura-da-retribuicao,70003957638


Marco Antonio Villa: O pesadelo está próximo do fim

Marco Antonio Villa / Revista IstoÉ

O Brasil inicia o ano já pensando no próximo, ou seja, no novo presidente da República que assumirá a 1º de janeiro de 2023, isto após superar o pior pesadelo da nossa história, a presidência Jair Bolsonaro. Há um sentimento de alegria, de que as urnas, em outubro, vão possibilitar ao eleitor escolher o substituto daquele que conspirou — e ainda conspira — diuturnamente contra o Estado democrático de Direito.

Mas até o final feliz deste terrível drama, temos todo um ano a percorrer.

E, com a mais absoluta certeza, Bolsonaro não vai perder a oportunidade de buscar o conflito, o confronto, com os democratas, com os Poderes constituídos, com a Constituição de 1988. Para complicar este quadro temos a permanência da pandemia com efeitos ainda impossíveis de serem quantificados. E a contínua luta obscurantista de Bolsonaro contra a vacina e as recomendações sanitárias indispensáveis para enfrentar a Covid-19.

Pelos primeiros sinais apresentados por Bolsonaro logo na primeira quinzena de janeiro, a tendência é de que aumente seu isolamento político. Não há nenhum indicador que apresente uma possibilidade de que as pesquisas de intenção de voto alterem o atual quadro, extremamente desfavorável à sua reeleição. Ele será o primeiro presidente da República derrotado na tentativa de ser reeleito — diferentemente de Lula (em 2006) e Dilma (em 2014).

Desta forma, caso ele permaneça na Presidência até outubro, o Brasil assistirá pela primeira vez a um candidato derrotado governando por mais um trimestre. E, o que poderá ser sombrio para o País, com a possibilidade de tentar tensionar ainda mais o clima político.

Se a sorte de Bolsonaro já foi lançada e condenada à derrota, ainda é cedo para afirmar que a eleição será decidida no primeiro turno ou de que já há um vencedor no segundo turno. Evidentemente que Lula aparece, neste momento, como favorito. Mas até o dia 2 de outubro mauita água ainda vai correr sob a ponte. Nas duas últimas eleições tivemos surpresas nos meses de agosto (2014) e setembro (2018). Neste pleito a conjuntura política é muito mais complexa desde o restabelecimento das eleições diretas para a Presidência da República, em 1989.

O afastamento da possibilidade de Bolsonaro chegar ao segundo turno será extremamente benéfico ao processo eleitoral. Permitirá um debate de ideias, mesmo com a presença — inevitável — das agressões, tão típicas de uma eleição brasileira. E os dias de aflição serão apenas um registro da história.

Fonte: IStoÉ
https://istoe.com.br/o-pesadelo-esta-proximo-do-fim/


Ascânio Seleme: Estava escrito nas estrelas

Ascanio Seleme / O Globo

escritora e astróloga Marcia Mattos publica desde o ano 2000 o mais famoso anuário da astrologia brasileira, o Livro da Lua. Seus acertos são incontáveis e os erros quase todos justificáveis. Por isso, ela é ouvida por muita gente importante no Brasil. Claro que Marcia não fala sobre seus clientes, mas sabe-se que em anos bicudos como este, seus principais ouvintes são empresários e políticos abismados com o mar de incerteza que divisam no horizonte. Nesta semana, Marcia falou para um grupo de mais de 40 CEOs de grandes empresas nacionais reunidos pela Vistage Worldwide, uma organização especializada em “mentoria para executivos”. A palestra foi levada a sério pelos CEOs, que anotaram todas as suas previsões. Afinal, em se tratando de 2022, é bom não facilitar e ir coletando todas as dicas disponíveis no mercado.

Marcia não confirma a palestra, mas executivos presentes ao evento contam que ouviram dela a leitura dos mapas astrais do mundo e do Brasil. Já no primeiro minuto da palestra escutaram o que já sabiam, e os mapas confirmam, o mundo vai mal, mas o Brasil vai ainda pior. Segundo a astróloga, o país passa por “tensões planetárias particulares”. O fundo do poço, claro, foi em 2020, quando explodiu a pandemia de coronavírus. Para os que acham que é óbvio falar sobre o leite derramado, vale lembrar o que o mais famoso e importante astrólogo francês, Andre Barbeau, previu em 1987. Analisando astros e estrelas, Barbeau avisou que 2020 seria o pior ano do século XXI e que uma pandemia se espalharia pelo mundo matando milhões de pessoas.

Em 2021 se estabeleceu um platô na curva astral do planeta, que se apresenta visualmente como se fosse um gráfico da Bolsa. Depois da queda exponencial do ano anterior, houve certa estabilidade.

A boa notícia é que está chegando ao fim a fase dos extremos, da polarização, dos antagonismos desmedidos. Fase que não deu nenhuma chance ao centro, onde todos se sentiam obrigados a tomar uma posição contra ou a favor de alguma coisa. O esvaziamento do centro, segundo Marcia Mattos, ocorreu no mundo inteiro e, pela consulta dos mapas astrais, deve ser lido de maneira filosófica, mas também pode ser entendido politicamente. Ela explicou que o caminho do meio que se lê nos mapas é um conceito budista milenar, onde um indivíduo ou uma comunidade encontra total equilíbrio e controle sobre seus impulsos e comportamentos diários. Esta fase volta em 2023, disse Marcia aos atentos CEOs.

Ao longo do ano em curso, as tensões polarizadas seguem até outubro, que no Brasil é justamente o mês das eleições. Haverá momentos extremados pelo menos até agosto deste ano. O ano astral, disse Marcia ao seu público de executivos, será de “destronamentos”. A tendência apontada pelos astros é que países que realizarem eleições este ano, como o Brasil, mudem seus governantes. Este “destronamento” é interpretado pela astróloga como uma evocação da mitologia grega, em que o filho mata o pai rei e assume a sua dinastia. No caso concreto dos tempos modernos, significa o fim de uma era. “Em outubro, no Brasil, vai haver uma virada de jogo, uma mudança radical, a interrupção de uma direção”.

Você pode não acreditar em nada disso, tudo bem, mas tem um pouco mais. Segundo a astróloga, de 2023 a 2030 as curvas astrais subirão ininterruptamente, sobrevindo um período de forte “produção de bem estar”. Ainda assim, alguns problemas gerados na pior fase não serão resolvidos nesta época de bonança. No Brasil, por exemplo, a casa dois do mapa, que rege a economia, mostra o descontrole das finanças públicas, a derrama de dinheiro sem critério e sem acompanhamento de aplicação. A regência de Netuno indica que o dinheiro público se “dissolve” ao longo desta fase.

Pela leitura de Marcia, o pior é que “vai ficar por isso mesmo”. A mudança de direção inequívoca apontada pelos astros para 2023 não será acompanhada por cobranças e punições por erros e crimes cometidos nos anos anteriores. Márcia não pode dizer se a mudança será o “destronamento” de Bolsonaro por Lula, como indicam as pesquisas, porque Lula não tem mapa astral. A verdadeira data de seu nascimento é desconhecida, são quatro e nenhuma delas é confiável. Mas pelo que se viu, deve ser Lula mesmo. Ao final, ele vai se aliar ao Centrão para governar passando uma borracha nos desembolsos orçamentários escandalosos.

PT x Freixo

A possibilidade existe, mas é tão ridícula que parece ficção. As articulações do PT, que no plano nacional podem até mesmo resultar numa aliança de Lula com Alckmin, são obtusas, antiquadas e muitas vezes vexaminosas nos estados. No Rio, por exemplo, o PT pode ajudar a eleger o governador Cláudio Castro, um político quase bolsonarista. Ao negar apoio ao deputado Marcelo Freixo (PSB), favorito em todas as pesquisas, e acenar com a possibilidade de disputar com candidatura própria, com André Ceciliano, o partido de Lula aposta no azar, divide a esquerda e fortalece o candidato da direita. Até o prefeito Eduardo Paes (PSD), que em janeiro do ano passado disse a Bolsonaro que “seria um parceiro seu no Rio”, já avisou que pode apoiar Ceciliano. O PT não pode se queixar da companhia. Paes é um sujeito bacana, agradável, bom papo e festeiro.

Queiroz

Se contribuir para a reeleição de Castro, o PT indiretamente estará também contribuindo para fortalecer a candidatura do famoso Fabrício Queiroz, pré-candidato para a Câmara Federal. Que tal o PT apoiando a milícia? Com os convescotes petistas nos estados, o partido de Lula vai apoiar uma penca de candidatos do Centrão, sobretudo no Nordeste, onde faz aliança até com o diabo. Não estranhe, portanto, se por estas combinações que apenas a política brasileira é capaz de produzir, o PT acabar subindo no mesmo palanque de renomados golpistas e negacionistas Brasil adentro.

Discurso correto

Ao invés de ficar marolando à direita, sem firmeza e sem respaldo da base, Lula deveria admitir e angariar o apoio dessa turma dando um deadline. Mais ou menos assim: “Até o final de março aceito todo mundo no meu barco, depois desse prazo quem permanecer apoiando Bolsonaro não embarca no meu governo”. Esse seria um Lula que os eleitores petistas aplaudiriam, embora preferissem que ele dissesse que jamais aceitaria ao seu lado qualquer um que apoiou ou fez parte do governo do capitão.

Contra o jogo

Para agradar a bancada evangélica, Bolsonaro anunciou com pompa e circunstância que enquanto for presidente não legaliza o jogo de azar no Brasil. Foi com a mesma solenidade que um dia disse que faria de Angra do Rei uma Cancún brasileira. A original é um dos maiores resorts de cassinos do México.

O rebelde

Alguém tem dúvida de que Ciro Gomes seria um bom presidente? O Brasil que já perdeu com Serra deve perder também com Ciro.

Cala a boca, Queiroga

Há alguns limites no jornalismo que não estão sendo seguidos nestes dias. Um deles, é o de não dar voz a quem só defende o mal coletivo, a destruição comunitária. Estes devem ser acompanhados e fiscalizados, até mesmo ouvidos, mas não publicados. A menos que seja como denúncia categórica. É o caso do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. De que vale publicar, sem criticar, declaração do insano de que “mais vale perder a vida do que a liberdade”, defendendo que quem não quiser tomar a vacina está exercendo sua liberdade? Vale nada, apenas serve como palanque para os negacionistas, de quem ele espera arrancar votos em outubro com a nossa colaboração.

Hay prensa

Não importa a nacionalidade ou a cor da bandeira, basta estar no governo e não gostar da crítica para atacar quem descobre seus malfeitos e os denuncia. Foi assim durante as gestões petistas, quando o ex-jornalista Franklin Martins sonhou com o controle externo da mídia, por censura, claro. Vem sendo assim, com intensidade muito maior no governo de Bolsonaro, que ataca jornalistas dia sim, outro também. E acontece agora o mesmo com o aloprado Boris Johnson, primeiro ministro britânico que ameaça cortar as contribuições do Estado para a BBC por não suportar suas críticas. Desnecessário mencionar Rússia, China, Turquia, Hungria, Venezuela, Nicarágua ou Cuba. O velho ditado “hay gobierno, soy contra”, hoje poderia ser lido “hay prensa, soy contra”.

Terra arrasada

Enganaram-se redondamente os que acreditavam que a saída de Ernesto Araújo da chefia das Relações Exteriores daria ao Itamaraty novos ares e ambiente de reconstrução. O clima na chancelaria brasileira segue sendo de desolação. Mesmo não havendo mais o discurso disruptivo de Araújo (não porque o sucessor Carlos Alberto França seja mais articulado e menos atrasado, mas porque este não importa e nem é ouvido, para a sorte dos brasileiros), o Itamaraty continua parecendo uma terra sem dono. O mais bonito e glamoroso prédio da Esplanada dos Ministérios, hoje parece uma caverna abandonada. Nem na ditadura sentia-se um ar tão pesado quanto agora.

Frei Chico vive

Este jornalista cometeu um colunicído na semana passada. Deu por morto o Frei Chico, um dos irmãos de Lula. Frei Chico segue vivo e com saúde. Quem morreu, pobre, foi Vavá, um dos mais chegados ao ex-presidente, de quem aliás, Lula não foi autorizado pela Justiça a se despedir por estar preso. Peço desculpas ao Frei Chico e seus familiares pelo erro grosseiro.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/estava-escrito-nas-estrelas-25363743


Marcus Pestana: As relações de trabalho no século XXI

Nem sempre as cabeças acompanham a frenética velocidade das mudanças. É difícil seguir o vertiginoso processo de inovações. Inteligência artificial, robótica, engenharia genética, criptomoedas, física quântica, ciência da computação, comunicação 5G, energias limpas, internet. Ufa, há um novo mundo pela frente.

Diante de tamanho dinamismo, há várias opções: se trancar em casa dizendo “não tenho lugar neste mundo, me deixa no meu canto”; tentar acompanhar as mudanças em curso; se cercar de jovens inovadores e crescer no seu vácuo; ou, impor uma resistência conservadora (às vezes com verniz “progressista”) ao novo que se anuncia. A “vanguarda do atraso” não dá tréguas!

Esta percepção, renova a convicção de que o polo democrático não deve se alinhar à uma esquerda retrograda e anacrônica, que nada está entendendo sobre os desafios presentes e, diante de novos problemas, responde com velhas e surradas teses.

Digo isto à propósito das declarações de Lula sobre uma suposta “revogação” da reforma trabalhista. Para começo de conversa não há revogação. O que é possível é um novo governo do PT propor uma contra reforma.

O mundo do trabalho hoje exige flexibilidade, agilidade, descentralização, desburocratização, livre negociação. O marco regulatório das relações de trabalho, a CLT, datava de 1943. O mundo mudou, companheiros!

A reforma trabalhista que fizemos manteve todos os direitos trabalhistas presentes na Constituição. Regulamentou o teletrabalho, tão valorizado em tempos de pandemia. Estabeleceu que o negociado prevalece sobre o legislado, valorizando a livre negociação. Permitiu que se o trabalhador quisesse, pudesse partir suas férias em 3 períodos de dez dias.          

Acabou com o caos jurídico em relação à terceirização de atividades fins, reduzindo a judicialização e afirmando a tendência moderna de arranjos produtivos flexíveis com foco na qualidade, especialização, produtividade e eficiência. Deu ao trabalhador terceirizado o direito à transporte, alimentação e assistência médica. Acabou com o Imposto Sindical obrigatório e automático, que era descontado na folha de todos os trabalhadores, alimentando a inércia de lideranças sindicais com seus orçamentos milionários. Introduziu o trabalho intermitente com direitos sociais, permitindo mais de um vínculo ao trabalhador. Clareou a paridade de salário por sexo ou raça com maior proteção ao trabalhador em relação às discriminações.

A alegação de Lula é risível. Que a reforma foi inócua para a geração de empregos. Reformas trabalhistas não criam empregos. Melhoram o ambiente para investimentos. Mas não compensam desastres como a política econômica do PT (2009-2016) e os efeitos da pandemia. Os números de demandas na Justiça do Trabalho despencaram 27%, de 2017 para 2020. E os números sobre desemprego não socorrem Lula.

Ao contrário da Espanha, que na crise mundial de 2008 pulverizou as formas de contratação e aí sim precarizou as relações de trabalho, não o fizemos. Não deve servir de modelo.

Quanto aos trabalhadores de aplicativos, que trabalham sem nenhuma cobertura de direitos, temos um desafio de pensar criativamente soluções, mas não como quer o PT, inspirado na velha CLT, mas de olhos no mundo contemporâneo inovador, concebendo um novo modelo de seguridade social.     

*Marcus Pestana, Presidente do Conselho Curador ITV – Instituto Teotônio Vilela (PSDB)

Fonte: Congresso em Foco
https://congressoemfoco.uol.com.br/blogs-e-opiniao/colunistas/as-relacoes-de-trabalho-no-seculo-xxi/


Cristovam Buarque: Opção pelo conformismo no Brasil do Bicentenário

Cristovam Buarque / Blog do Noblat / Metrópoles

Neste ano em que o Brasil completa seu bicentenário, Darcy Ribeiro completaria 100 anos de idade. É dele a frase: “Ou nos indignamos, ou nos conformamos”. Durante nossa história, nos conformamos com a escravidão, com a corrupção, com a desigualdade, com o desflorestamento, a deseducação, com a persistência da pobreza. Nos conformamos com estas tristes características da economia e da sociedade, e não construímos um país com eficiência, justiça e sustentabilidade. Por 350 anos, a escravidão das pessoas era tão aceita que o fato não era percebido como uma anormalidade moral.

Agora, no nosso bicentenário, vemos como normal a realidade que nos transmite a televisão: lado a lado a fome que maltrata e mata 20 milhões de pessoas famintas, e notícias de que somos o celeiro do mundo, o maior exportador de alimentos; ao lado também de farta propaganda de alimentos para convencer quem já come a comer mais; e também programas de culinária,novelas e reality shows onde os personagens passam parte do tempo esbanjando comida, ao redor de mesas ou em frente de geladeiras e fogões.

Diante deste quadro, Darcy diria: “Ou nos conformamos, ou nos indignamos com a simultaneidade da fome com o excesso de comida. Aparentemente, a opção brasileira continua pelo conformismo. Salvo para grupos de pessoas de boa vontade, que as televisões também mostram, exercendo a generosidade de levar comida para alguns dos que não têm. Graças a estas pessoas e empresas que não se conformam, centenas de de pessoas recebem comida uma ou outra vez, durante um dia ou outro dia. Mas estes gestos pessoais de boa vontade que alimentam alguns não são capazes de transformar o país para que a fome não ocorra em nosso território.

No conjunto, a sociedade brasileira optou pelo conformismo, que mantém as perversidades tão toleradas que nem são percebidas como imorais. Tanto quanto a escravidão era aceita, “porque os escravos são negros”, a educação de qualidade é negada porque “a criança é pobre”, a fome ao lado da gastronomia porque “uns têm, outros não”. As pessoas se conformam com a realidade injusta moralmente, até absurda logicamente, mas real e permanente porque aceita como uma opção coletiva pelo conformismo.

Fonte: Blog do Noblat / Metrópoles
https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/opcao-pelo-conformismo-por-cristovam-buarque


Maria Quitéria, mulher que se vestiu de homem para lutar na Independência do Brasil

Guilherme Henrique / BBC News Brasil

A Independência do Brasil completa 200 anos em 2022. A data que marca o bicentenário em torno do 7 de Setembro, quando país deixou de ser colônia portuguesa, é cercada de discordâncias em torno de sua real importância para a nação que começava a se formar, assim como personagens ainda pouco explorados nos livros didáticos.

Esses dois temas estão relacionados à história de Maria Quitéria de Jesus (1792-1853), que se vestiu de homem, com a alcunha de 'soldado Medeiros', para participar das lutas independentistas em seu Estado, a Bahia, contra as tropas portuguesas resistentes às mudanças regimentais na política brasileira daquele período.

Primeira mulher a integrar as Forças Armadas, Maria Quitéria foi condecorada por D. Pedro 1º como heroína, exaltada pelo Exército a partir da década de 1950 e rosto emblemático na luta de organizações femininas pela anistia durante a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

Reprodução/ Gravura de Augustus Earle exposta na Biblioteca Nacional da Austrália - 1823
Legenda da foto,Reprodução/ Gravura de Augustus Earle exposta na Biblioteca Nacional da Austrália - 1823

As disputas na Bahia

Para entender a história de Maria Quitéria e sua entrada nas lutas independentistas, é preciso contextualizar o 7 de Setembro. A data, que marca o grito de D. Pedro 1º às margens do rio Ipiranga, não representa o que aconteceu de fato no Brasil, segundo alguns pesquisadores. O escritor Laurentino Gomes, no livro 1822, diz o seguinte:

"As demais províncias ou ainda estavam sob controle das tropas portuguesas, caso da Bahia, ou discordavam da ideia de trocar a tutela até então exercida por Lisboa pelo poder centralizado no Rio de Janeiro, caso de Pernambuco, que reivindicava maior autonomia regional", diz a obra.

Patrícia Valim, professora de História da Universidade Federal da Bahia (UFBA), corrobora essa versão. "O 7 de Setembro é a nossa primeira grande derrota enquanto país, ou na formação de um, porque é uma data fruto de um acordo feito em São Paulo. Muito diferente do que houve na Bahia e do contexto no qual a Maria Quitéria está inserida", afirma.

As lutas na Bahia se intensificaram em fevereiro de 1822, quando tropas portuguesas e soldados brasileiros travaram conflitos em torno do comando da província da Bahia, na contenda entre o português Luís Madeira de Melo e o brasileiro Manuel Pedro de Freitas Guimarães.

As disputas perduraram até julho de 1823, quando os portugueses se renderam. Nesse meio tempo, há a figura de Maria Quitéria, cuja presença na guerra de independência não foi nada simples.

Reprodução do boletim do Movimento Feminino pela Anistia
Legenda da foto,Reprodução do boletim do Movimento Feminino pela Anistia

Contrariando a família

Maria Quitéria nasceu em São José das Itapororocas, antiga Freguesia de Nossa Senhora do Porto da Cachoeira, atual município de Feira de Santana. Seu pai era o lavrador Gonçalo Alves de Almeida, e a mãe era Quitéria Maria de Jesus.

Boa parte do que se sabe sobre a trajetória de Maria Quitéria está em biografias escritas na década de 1950, quando comemorações em torno de seu centenário se avolumaram. O livro de Pereira Reis Junior, de 1953, é um exemplo.

Esses relatos partem de registros de jornais da época e também da escritora britânica Maria Graham, que escreveu um livro sobre sua viagem ao Brasil entre 1821 e 1823, intitulado Journal of a Voyage to Brazil, de 1824.

A partir daí, é possível saber que a mãe de Maria Quitéria teria falecido quando a filha ainda era criança, e que o pai casara-se uma porção de vezes nos anos seguintes.

O patriarca era proprietário da Fazenda Serra da Agulha, onde plantava algodão, criava cabeças de gado e detinha duas dezenas de negros escravizados. "Eles não eram ricos, mas também não tinham dificuldade", afirma Valim, da UFBA.

Maria Quitéria cresceu sendo criada por madrastas e pouco afeita aos trabalhos de casa, condição inerente às mulheres daquele período. "A família queria que ela bordasse, mas ela se recusava. Maria Quitéria gostava de montar a cavalo, cavalgar. Também manejava armas de caça, como espingarda, algo fora dos padrões", conta a historiadora.

O Soldado Medeiros

Maria Quitéria soube da guerra quando emissários de uma Junta Provisória instalada para governar a Bahia em meio às disputas com Portugal chegaram ao Recôncavo Baiano à procura de homens para participar da luta armada a favor da independência do Estado.

Ao saber da notícia, Maria Quitéria tentou convencer seu pai a deixar que ela participasse da guerra, mas o pedido foi prontamente recusado. Então, Quitéria foi à casa de uma das irmãs, Teresa, e pegou a roupa de seu cunhado, José Cordeiro de Medeiros, além de cortar os cabelos. Nascia, então, o "Soldado Medeiros".

A versão corrente entre os biógrafos é que Maria Quitéria teria se apresentado ao Batalhão Nº 3 de Caçadores do Exército Pacificador como filho de seu cunhado, já que usava vestimenta masculina. A mentira deu certo.

Reprodução/ Quadro de Domênico Failutti - 1920 - Pertence ao Museu Paulista (ou do Ipiranga)
Reprodução/ Quadro de Domênico Failutti - 1920 - Pertence ao Museu Paulista (ou do Ipiranga)

"Ela assumiu a identidade masculina com muita propriedade. Apesar de ser iletrada, ela tinha um conhecimento militar de montaria, tiro ao alvo, que fazia diferença naquele contexto de conflito. Eram habilidades irrecusáveis pelos militares brasileiros", diz Valim.

Pouco tempo depois do sumiço da filha, Gonçalo, o pai, é informado pela irmã de que Maria Quitéria decidira se juntar às tropas disfarçada. Gonçalo vai à cidade de Cachoeira, encontra a filha e informa o major José Antônio Silva Castro de que o soldado Medeiros, na verdade, era uma mulher. "O pai pediu que ela voltasse imediatamente, sob pena de ser amaldiçoada, mas ela não retornou", conta Valim.

O major permitiu que Maria Quitéria continuasse no Batalhão, já que possuía habilidades destacáveis com armas de fogo. Ela tinha 30 anos na época. Em março de 1823, um registro de Portaria do Governo Provisório da Vila de Cachoeira mostra que o Major pediu ao Inspetor dos Fardamentos, Montarias e Misteres do Exército que enviasse "saiotes, e uma espada" para que ela fosse devidamente fardada como mulher.

Registros apontam a participação de Maria Quitéria em ao menos três combates. Enquanto a independência era gritada em São Paulo por D. Pedro 1º, os conflitos cresciam na Bahia. Maria Quitéria participou do primeiro deles em outubro de 1822, na região da Pituba. Depois, em fevereiro do ano seguinte, em Itapuã. Nesse período, ela foi promovida a 1º cadete.

Em abril de 1823, Maria Quitéria comandou um grupo de mulheres civis que se uniram para lutar contra os portugueses na Barra do Paraguaçu, no litoral do Recôncavo. A resistência vitoriosa foi fundamental para garantir não só a independência baiana, mas também para alçar a figura de Quitéria como heroína da pátria.

Os conflitos seguiram até 2 de julho, quando os últimos portugueses que ainda resistiam decidiram abdicar do combate. A data é celebrada como o dia da independência da Bahia até hoje. "Essa celebração marca uma oposição ao 7 de Setembro e a história criada em São Paulo. História mantida até hoje, com o que é contada no Museu Paulista e centraliza a narrativa em torno da independência", ressalta Valim.

Com o fim da guerra, Maria Quitéria vai ao Rio de Janeiro em agosto de 1823 para ser recebida por D. Pedro 1º. Ela foi condecorada com a insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro, medalha criada como símbolo do poder imperial como forma de homenagear brasileiros ou estrangeiros que tenham lutado pela independência do país.

O debate sobre as representações

É na visita ao Rio que Quitéria conhece Maria Graham. A escritora britânica descreve Quitéria como "iletrada, mas viva" e que "tem a inteligência clara e a percepção aguda". A lista de elogios à militar brasileira segue, com a avaliação de que "se a educassem, viria a ser uma personalidade notável''.

É também a partir do encontro com a escritora que a discussão em torno da compleição física de Quitéria começa a ser travada. Seu primeiro retrato foi feito pelo pintor inglês Augustus Earle (1793-1838), a pedido de Graham, em 1823. A tela está exposta na Biblioteca Nacional da Austrália, junto de parte do acervo do pintor.

"É um retrato cujo rosto não apresenta aspectos muito femininos. É mais quadrado, sem muitas nuances que demonstrem ser uma mulher. Na verdade, é bem similar à figura masculina", afirma Nathan Gomes, mestrando em História do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

Reprodução/ Pintura de Edward Finden - Publicada no livro Journal of a Voyage to Brazil - 18244
Maria Quitéria em reprodução da Pintura de Edward Finden, publicada no livro Journal of a Voyage to Brazil

A pesquisa de Gomes investiga como a imagem de Quitéria foi mudando ao longo dos anos. No segundo retrato, de 1824, feito pelo também inglês Edward Finden (1791-1857), a militar brasileira aparece de corpo inteiro, com vestimenta militar e uma paisagem que tenta reproduzir o Brasil à época, com um pando de fundo idílico.

Finden não estava no Rio de Janeiro, diferentemente de Earle. Gomes acredita que o segundo retrato tenha surgido a partir do que ele chama de "elementos não-originais". "Existem semelhanças, mas com diferenças. A insígnia não era a utilizada no Brasil, assim como o fardamento e a arma, que é um modelo inglês", diz o pesquisador.

Ele também acredita que o retrato de Finden, publicado no livro de Graham sobre sua viagem ao Brasil, tenha sido "construído por várias mãos", incluindo as da própria escritora e também dos editores da obra.

O último retrato, de 1920, feito pelo italiano Domenico Failutti, está exposto no Museu Paulista. A obra foi encomendada pelo intelectual Affonso Taunay (1876-1958), que reorientou o museu na década de 1920 para torná-lo símbolo da Independência. No retrato, Quitéria aparece ainda mais feminina, com busto saliente, as maçãs do rosto mais avolumadas e a boca delineada.

Gomes afirma que tem deslocado sua pesquisa à questão étnica e o tom da pele de Maria Quitéria, com receio de propor um debate que não aconteceu quando os quadros foram pintados. A imagem de 1920 mostra a militar fenotipicamente mais próxima de negros e indígenas. Já os retratos do século anterior mostram-na caucasiana, com traços europeus. "Ao olhar a recepção do quadro de 1920 na imprensa, não houve contenda sobre o tom da pele da Maria Quitéria. Não há registro de isso ser uma preocupação do Failutti. Talvez essa seja a tentativa de propor uma discussão em torno do tom da pele dela que tem mais a ver com a ótica dos nossos tempos", afirma.

Valim, da UFBA, diz que a discussão em torno da imagem de Quitéria é importante, já que envolve a narrativa em torno da independência do Brasil.

"Esse retrato, apesar de estar exposto no Museu Paulista, tenciona o 7 de Setembro enquanto uma ideia europeia e paulista de Independência. As lutas do Nordeste tiveram negros, indígenas, gente de todo tipo, mas esses fenótipos não aparecem", analisa.

O legado de Maria Quitéria

Os relatos biográficos apontam que Maria Quitéria morreu sozinha, em sua cidade natal e em condições financeiras delicadas. Ela se casou e teve uma filha, cujo paradeiro é desconhecido. Seu pai nunca a perdoou por ter participado da guerra, apesar de ela ter sido tratada como heroína em seu retorno das lutas independentistas.

Em 1953, data que marcou o centenário de morte de Quitéria, seu nome foi trazido à baila em uma série de homenagens dentro das Forças Armadas. Em junho daquele ano, Getúlio Vargas bancou a construção de uma estátua de bronze em Salvador, com cerca de 1,60 m de altura, localizada ainda hoje no Largo da Soledade, no centro histórico da capital baiana.

No início de 1954, o Exército criou a Comenda Maria Quitéria, uma medalha em homenagem ao seu centenário. Alguns pesquisadores apontam o fato de que, a partir daquele momento, Quitéria foi alçada ao papel de mito dentro da corporação.

"Talvez um dos pontos mais interessantes seja o fato de a narrativa produzida pelas Forças Armadas construir Maria Quitéria como a personificação dessa mistura que caracteriza a fundação brasileira: filha de português, com características indígenas e nascida no interior do Brasil", diz um trecho da pesquisa de Raphael Pavão, mestre em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), que analisa a trajetória da militar na caserna.

Estátua de Maria Quitéria em Salvador
Getúlio Vargas bancou construção de estátua de bronze em Salvador, com cerca de 1,60 m de altura, localizada ainda hoje no Largo da Soledade, no centro histórico da capital baiana

Para Giovana Zucatto, mestra em sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e cuja pesquisa analisa a inserção de mulheres nas Forças Armadas, a trajetória de Maria Quitéria, e suas respectivas homenagens, não impactaram a presença de mulheres entre os militares.

"Ela é uma figura que ocupa uma certa mitologia no que diz respeito à incorporação de mulheres nas Forças Armadas. Ela é utilizada como símbolo. As mulheres só voltam ao combate na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), e como enfermeiras. A entrada das mulheres nas Forças Armadas só foi oficializada na década de 1980. Não tivemos mulheres na Guerra do Paraguai (1864-1870), por exemplo", analisa.

Atualmente, quase 34 mil mulheres integram as Forças Armadas, segundo dados do Ministério da Defesa divulgados em março do ano passado. A parcela feminina representa menos de 10% do contingente militar total do país (em torno de 350 mil). Apesar do avanço nos últimos dois anos, a pesquisadora afirma que o cenário ainda não é inclusivo.

"Poucas mulheres chegaram à posição de general no Brasil, a maioria delas com atuação na área da saúde. São posições que não têm influência política nas decisões das Forças", complementa Zucatto.

Em 1996, o Exército homenageou Maria Quitéria como Patrono da corporação, ao lado de figuras como Duque de Caxias (1803-1880) e Marechal Rondon (1865-1958). Ela se tornou patrono do Quadro Complementar de Oficiais.

"Foi algo influenciado pelo processo de redemocratização e a entrada de mulheres no Exército, que acontece a partir de 1992. É importante, mas não deixa de ser simbólico que ela seja homenageada em um quadro de apoio", pondera a pesquisadora.

Para além do legado nas Forças Armadas, a figura de Maria Quitéria se espraiou por outros setores. Durante a ditadura militar, o nome da combatente foi utilizado para nomear o boletim informativo do Movimento Feminino pela Anistia de São Paulo, criado em 1975 e liderado pela advogada e ativista Maria Therezinha Zerbini (1928-2015).

Depois, na década de 1980, o nome da baiana foi utilizado pelo partido Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para dar nome a uma editora criada em Salvador.

"Certamente o legado dela foi mais polissêmico do que as Forças Armadas gostariam. Há uma disputa em torno da memória da Maria Quitéria para além dos limites do Exército", comenta Nathan Gomes.

De acordo com Patrícia Valim, essa contraposição é saudável e condiz com a sua trajetória.

"Maria Quitéria está em todos os lugares. Há uma popularização dessa história, da personagem, com traços brasileiros, quase uma indígena quase negra. Esse é um resgate importante. Ela deveria ser a nossa Frida Khalo (1907-1954)", finaliza.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59953275


Brizola: o legado do político de trajetória única na História brasileira

Maiá Menezes / O Globo

Na galeria dos personagens mais relevantes da História política brasileira, Leonel de Moura Brizola, que hoje completaria 100 anos de nascimento, deixa um espólio que ajuda a desenhar o passado do país. Uma dinastia familiar heterogênea ideologicamente. Mas sua herança política se pulverizou – e seguirá dispersa nas eleições deste ano. Estudiosos, netos, políticos denotam a certeza de que o chamado brizolismo teve seu ciclo, mas se encerrou. Alguns acreditam que o ideário voltará, outros que se espalhou por vários partidos, mas aliados muito próximos veem que hoje o PDT, partido que fundou, não levanta mais a bandeira do trabalhismo, parte do tripé que fez de Brizola o herdeiro político de figuras icônicas como Getúlio Vargas e João Goulart.

Eleições:PDT oficializa a pré-candidatura de Ciro Gomes a presidente com promessa de rever reforma trabalhista e reeleição

Posse do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola Foto: Arquivo / Agência O Globo
Posse do Governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola Foto: Arquivo / Agência O Globo

- Brizola foi o herdeiro de um legado trabalhista, deixado por Jango, iniciado por Getúlio. Teve uma sobrevida, mas não conseguiu leva-lo à Presidência. O trabalhismo cumpriu seu papel histórico. Mas,  quando a gente vê o Ciro Gomes (pré-candidato do partido à Presidência este ano), nada tem a ver com trabalhismo brizolista. Não existe mais – avalia o cientista político João Trajano Sento-Sé, estudioso do brizolismo e do fenômeno que fez de Brizola governador de dois estados, Rio Grande do Sul, sua terra natal, e Rio de Janeiro. Único político com a marca de ter governado dois estados no Brasil.

No Rio, orbitaram em torno dele nomes como o dos ex-governadores Marcello Alencar e Anthony Garotinho. Sua principal marca foi a criação dos Cieps, projeto também abandonado.

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Resistência. Em agosto de 1961, Brizola comandou, do Palácio Piratini, a Cadeia da Legalidade que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart Foto: Arquivo / Agência O Globo / 30/08/1961
Resistência. Em agosto de 1961, Brizola comandou, do Palácio Piratini, a Cadeia da Legalidade que garantiu a posse do vice-presidente João Goulart Foto: Arquivo / Agência O Globo / 30/08/1961

Os sinais de que o homem parece ter sido maior que o partido foi a debandada e movimentos pró-brizolistas dentro do PDT, depois da morte do ex-governador, em 21 de junho de 2004.

Coordenador, em 1982, da campanha de Brizola ao governo do Rio, defensor reverente do brizolismo, Vivaldo Barbosa deixou o PDT em 2010.

- O partido fez um descaminho. O PDT deixou de ser baluarte de defesa do brizolismo. A bancada votou a favor da reforma da Previdência, da privatização da Eletrobras. O tripé direito trabalhista, Previdência e interesses nacionais foi abandonado – diz Vivaldo, hoje filiado ao PT, defensor da pré-candidatura do ex-presidente Lula, de quem, em 1989, de forma surpreendente Brizola aceitou ser vice num segundo turno derrotado por Fernando Collor de Mello.

As eleições deste ano marcam ainda mais as cisões do antigo brizolismo. Entre os netos de Brizola, dois são a favor do apoio a Ciro Gomes e um a Lula.

-O terno do meu avô deve estar roto de tanto revirar no túmulo. Há uma esquizofrenia parlamentar. Pedetistas votando a favor da reforma da Previdência, contra o trabalhador. Temos hoje até aliança com ACM Neto, na Bahia. Vejo meu avô vivo na mente do povo brasileiro – diz Leonel Brizola Neto.


Num jantar em 2003, com a presença de Jorge Bornhausen e José Sarney, em Brasília Foto: O Globo / Ivaldo Cavalcante
Leonel Brizola e o então candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro, Jorge Roberto Silveira, em plena campanha no centro do Rio Foto: O Globo / Marcelo Sayão
Leonel cumprimenta o ex-presidente Lula, logo após sua posse, em 2002 Foto: O Globo / Gustvo Miranda
E, 1997, participando ao lado de Lula de comício contra a privatização da Vale do Rio Doce Foto: O Globo / William de Moura
Com o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, no jardim do Palácio das Laranjeiras em 1993
Nas eleições presidenciais de 1989, apoiando Lula Foto: O Globo / Chiquito Chaves
Leonel Brizola, em 1983, na posse de Jamil Haddad na prefeitura do Rio de Janeiro Foto: Arquivo / J.Marinho
Leonel Brizola ao lado de Darcy Ribeiro e Jamil Haddad num encontro com representantes de Associações de Moradores, em 1983 Foto: Arquivo / O Globo
O então governador do estado do Rio em entrevista para a imprensa - 1983 Foto: O Globo / João Roberto Ripper
Em 1979, ao voltar do exílio no exterior Foto: Arquivo RBS
Leonel Brizola na Câmara dos deputados em 1958 - imagem rara de um dos primeiros programas feitos para a TV brasileira Foto: Reprodução de Simone Marinho
Foto de Leonel Brizola que fez parte da exposição ‘Um brasileiro chamado Brizola’ Foto: Divulgação
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Num jantar em 2003, com a presença de Jorge Bornhausen e José Sarney, em Brasília Foto: O Globo / Ivaldo Cavalcante
Leonel Brizola e o então candidato ao governo do estado do Rio de Janeiro, Jorge Roberto Silveira, em plena campanha no centro do Rio Foto: O Globo / Marcelo Sayão
Leonel cumprimenta o ex-presidente Lula, logo após sua posse, em 2002 Foto: O Globo / Gustvo Miranda
E, 1997, participando ao lado de Lula de comício contra a privatização da Vale do Rio Doce Foto: O Globo / William de Moura
Com o então prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, no jardim do Palácio das Laranjeiras em 1993
Nas eleições presidenciais de 1989, apoiando Lula Foto: O Globo / Chiquito Chaves
Leonel Brizola, em 1983, na posse de Jamil Haddad na prefeitura do Rio de Janeiro Foto: Arquivo / J.Marinho
Leonel Brizola ao lado de Darcy Ribeiro e Jamil Haddad num encontro com representantes de Associações de Moradores, em 1983 Foto: Arquivo / O Globo
O então governador do estado do Rio em entrevista para a imprensa - 1983 Foto: O Globo / João Roberto Ripper
Em 1979, ao voltar do exílio no exterior Foto: Arquivo RBS
Leonel Brizola na Câmara dos deputados em 1958 - imagem rara de um dos primeiros programas feitos para a TV brasileira Foto: Reprodução de Simone Marinho
Foto de Leonel Brizola que fez parte da exposição ‘Um brasileiro chamado Brizola’ Foto: Divulgação
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-Precisamos de unidade. Mas apoiar o Ciro não faz sentido. Ele trabalhou em duas multinacionais. Vai contra todo o ideário de perdas internacionais de meu avô.

O oposto pensa a deputada estadual, pelo Rio Grande do Sul, Juliana Brizola, gêmea de Brizola Neto, defensora de Ciro.

-Não sou pensadora sobre o trabalhismo. Mas sei que meu avô sempre se posicionou contra a precarização do trabalho. Sei que o berço de Ciro é outro (Brizola, nascido pobre, em Cruzinha, no Rio Grande do Sul). Mas ele tem um projeto de desenvolvimento nacional.

Leia: Bolsonaro deve sancionar Orçamento com fundo eleitoral de R$ 4,9 bi, mas com espaço para aumento

Fora da dinastia familiar, o presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, ressalta que é irrevogável o apoio a Ciro, apoiado também por outro neto do ex-governador, Paulo Brizola Neto. Ex-jornaleiro, Lupi conta que se encantou pelo político depois de ler uma reportagem e decidir pegar um ônibus com amigos de faculdade para ouvir o discurso de Brizola no túmulo do ex-presidente Getulio Vargas, na volta do exílio, em 1977. O conheceu em sua banca de jornal no Rio, próxima ao apartamento do ex-governador, na Avenida Atlântica.

Momento histórico. Em 1989, o apoio a Lula no segundo turno Foto: Júlio César Guimarães / Agência O Globo / 13/12/1989
Momento histórico. Em 1989, o apoio a Lula no segundo turno Foto: Júlio César Guimarães / Agência O Globo / 13/12/1989

-O processo ideológico não tem herança individual para ninguém. O trabalhismo está vivo – afirma, garantindo não ver incoerência alguma entre o comportamento do partido desde então e o ideário brizolista.

TSE:  Moraes determina que Bolsonaro preste informações sobre suposta propaganda eleitoral antecipada

Político épico, em 25 de agosto de 1961 liderou a histórica campanha da Legalidade. O episódio garantia que os ministros da Aeronáutica vetassem a posse constitucional do vice-presidente João Goulart, após a renúncia do então presidente Jânio Quadros. Um golpe era iminente. A insurgência política de Brizola foi decisiva para evitar. Em 1962, iniciou sua via política no Rio, ao transferir o título. Mas suas propostas de resistência ao golpe militar de 64 o levam ao longo exílio de 15 anos no Uruguai.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/epoca/centenario-de-brizola-legado-do-politico-de-trajetoria-unica-na-historia-brasileira-25363841


Bolsonaro investe em comparações com Dilma para desgastar Lula

Ricardo Della Coletta, Mateus Vargas e Marianna Holanda / Folha de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro (PL) deve investir cada vez mais em comparações de seu mandato com o governo Dilma Rousseff (PT), como parte de sua estratégia eleitoral contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com interlocutores, o plano é agir para ressuscitar os anos Dilma na memória do eleitorado e acenar para um público que se mobilizou pelo impeachment da petista ao longo de 2015.

O plano já tem sido colocado em prática pelo mandatário em declarações recentes: ressaltar índices negativos registrados na administração da petista para defender dados adversos divulgados em seu próprio governo.

Com essa essa ação, Bolsonaro também quer evitar que o PT transforme a campanha presidencial numa comparação dos oito anos de Lula no poder com o atual presidente. Lula deixou o Palácio do Planalto em 2010 com altas taxas de aprovação e baixo desemprego.

A ideia de Bolsonaro é reforçar que o período petista no poder também compreende a gestão Dilma e que a recessão iniciada em seu mandato tem reflexos até hoje.

A avaliação de aliados de Bolsonaro é que o PT vai tentar esconder a crise econômica desencadeada no governo da sucessora de Lula e que é preciso evitar que a gestão Dilma não esteja presente no debate eleitoral.

Em entrevista a uma rádio do Espírito Santo na segunda-feira (17), Bolsonaro investiu contra a administração da petista.

"[Em] 2014, 2015, o Brasil perdeu 2,5 milhões de empregos. Quando se fala emprego, é com carteira assinada, que tem um controle por parte de órgãos do governo federal. E não teve pandemia, não teve nada. Era o governo do PT, da senhora Dilma Rousseff", disse Bolsonaro.

No dia seguinte, em conversa com apoiadores, ele insistiu no argumento.

"Deus nos salvou do socialismo. Garotada, que em grande parte apoia, não sabe o que foi este governo aqui, fica gritando aquele papo furado, falando de inflação. Inflação, sim, tem inflação. O mundo todo está com inflação. Tivemos inflação de 10% com a Dilma, não teve pandemia, nada. Nós tivemos 10% com pandemia", afirmou.

A referência ao socialismo não é por acaso. Auxiliares afirmam que um dos motes da campanha deve ser tentar repetir a fórmula já empregada em 2018: tachar seus adversários, da centro-direita à esquerda, de comunistas e socialistas.

Em 19 de janeiro, houve nova estocada em Dilma. "Eu decidi disputar a Presidência depois da eleição da Dilma. Poxa vida, alguém tem de fazer alguma coisa. Era um deputado, para ser educado, do baixo clero", afirmou.

Na semana anterior, ele já havia destacado a inflação registrada durante o mandato de Dilma para se defender das críticas pela alta dos preços de 2021 medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Nos 12 meses do ano passado, o IPCA acumulou variação de 10,06%.

"Olha só, se não me engano em 2014 ou 2015 a inflação foi de 10% também. Me aponte qual crise aconteceu nesses dois anos? Não teve crise nenhuma. Nós tivemos aqui a questão da Covid", disse Bolsonaro na ocasião.


Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Lula participa do Festival “Democracia Para Siempre” na Argentina. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
Viagem Lula à Europa. Foto: Ricardo Stuckert
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Assessores presidenciais destacam que a inflação é um dos principais obstáculos para a reeleição de Bolsonaro.

Nesse sentido, ele pretende endossar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que atropela a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e permite, sem necessidade de compensação, o corte temporário de tributos sobre combustíveis e energia elétrica.

O presidente busca terceirizar as responsabilidades pela inflação. Ele tem dito que o aumento de preços ocorre no mundo todo e que, no Brasil, a culpa é de governadores que adotaram quarentenas para conter a Covid-19.

Bolsonaro é vetor de desinformação sobre a pandemia e afirma que o ideal era derrubar as restrições de circulação, ainda que a doença tenha matado mais de 620 mil pessoas no Brasil.

O atual presidente é o segundo colocado nas pesquisas para eleição ao Planalto deste ano, atrás de Lula. Em eventos recentes, Bolsonaro também tem apontado como méritos de sua gestão a oposição a grupos que apoiam as candidaturas petistas, como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).

"Todos devem se lembrar que tínhamos algumas dificuldades no passado. Por exemplo, a atuação do MST. Nós praticamente anulamos as ações do MST", disse o presidente na segunda, em evento com representantes do agronegócio.

Para o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), Bolsonaro sabe das fragilidades a serem exploradas contra o PT por já ter disputado um segundo turno contra o partido —contra Fernando Haddad, em 2018.

"O presidente Bolsonaro disputa a eleição contra aqueles candidatos que se apresentarem. Como já foi ao segundo turno com o PT, ele sabe exatamente as fragilidades a serem exploradas contra o seu adversário [Lula]. Eu vejo que há uma lógica à comparação do mundo real, dos fatos concretos, de como as coisas aconteceram", afirmou à Folha.


Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR
Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerimônia Militar em Comemoração ao Aniversário de Nascimento do Marechal do Ar Alberto Santos-Dumont. Foto: Marcos Corrêa/PR
Solenidade Militar de Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira. Foto: José Dias/PR
Missa com parlamentares e familiares. Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro bate um pênalti na Arena da Condá, Chape, em Chapecó. Foto: Alan Santos/PR
Presidente, ministros e aliados posam para fotografia nos trilhos da FIOL. Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
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Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerimônia Militar em Comemoração ao Aniversário de Nascimento do Marechal do Ar Alberto Santos-Dumont. Foto: Marcos Corrêa/PR
Solenidade Militar de Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira.  Foto: José Dias/PR
Missa com parlamentares e  familiares. Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro bate um pênalti na Arena da Condá, Chape, em Chapecó. Foto: Alan Santos/PR
Presidente, ministros e aliados posam para fotografia nos trilhos da FIOL. Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
 Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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A estratégia bolsonarista ocorre em meio a sinalizações do PT de que Dilma deve permanecer em segundo plano na campanha. O partido ainda discute que papel dar à ex-presidente na corrida eleitoral.

Recentemente, um dos vice-presidentes do partido, Washington Quaquá, disse que Dilma não tinha mais relevância eleitoral. Ela tampouco foi convidada para o jantar que sacramentou a aproximação entre Lula e Geraldo Alckmin (ex-PSDB), possíveis aliados e m uma chapa presidencial.

Em 2016, ao ler voto favorável ao impeachment da Dilma em votação na Câmara, o então deputado Bolsonaro fez apologia ao torturador Brilhante Ustra.

A ex-presidente foi torturada durante a ditadura militar. O voto foi repudiado por diversas instituições, como a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

"Perderam em 64. Perderam agora em 2016. Pela família e pela inocência das crianças em sala de aula, que o PT nunca teve. Contra o comunismo, pela nossa liberdade, contra o foro de São Paulo, pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff", disse Bolsonaro.

Morto em outubro de 2015, Ustra foi chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política, e o primeiro militar condenado pela Justiça como torturador.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/bolsonaro-investe-em-comparacoes-com-dilma-para-desgastar-lula.shtml


Alberto Aggio: Gabriel Boric anuncia seu ministério

Na manhã desta sexta-feira, 21 de janeiro, o presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, anunciou oficialmente os membros do Ministério que, com ele, irá governar o país a partir de 11 de março de 2022, com mandato previsto até 2026.

À primeira vista, o presidente eleito cumpre o que disse em campanha e o que vinha confirmando nos últimos dias: montou um Ministério onde existe paridade de gêneros (inclusive, mais mulheres), com pessoas provenientes de várias regiões do país e com um pluralismo político bastante claro. É um gabinete amplo, com a presença de várias vertentes da esquerda chilena, desde a sua coalisão de apoio (Apruebo Dignidad – PC mais Frente Ampla) original até pessoas vindas da chamada ex-Concertación, especialmente socialistas e ex-socialistas. Mas há a presença também do PPD, PR e PL.

Mario Marcel, novo ministro da Fazenda do Chile

Em relação à Concertación que governou o Chile por mais de 10 anos apenas a Democracia Cristã ficou de fora. Como afirmou o consultor Mario Albuquerque, “as sensações são boas. Uma parte importante da Concertación se integra, com particular peso para o Partido Socialista (PS), mas é relevante mencionar a entrada de Mario Marcel na Fazenda, o que permitiu tranquilizar os mercados”. Vale mencionar que há ai também algo inédito na História do Chile: pela primeira vez um presidente do Banco Central deixa seu cargo para assumir o Ministério da Fazenda. Embora independente, Mario Marcel apresenta-se como declaradamente social-democrata, favorável à estabilidade fiscal e ao controle monetário.

Outra novidade é a presença de Izkia Siches, que foi a chefe de campanha eleitoral de Boric, na pasta de Interior e Segurança Pública. Pela primeira vez na História uma mulher irá responder por esse setor de governo no Estado chileno. Para o mesmo consultor, “apesar dos temores da direita, o perfil do novo governo não tem nada que ver com a esquerda populista do tipo Venezuela”. De fato, a nova chanceler do Chile, Antonia Urrejola, por várias vezes tem manifestado posições criticas aos governos da Venezuela e da Nicaragua, afastando Boric de qualquer vínculo com esse tipo de esquerda. Por fim, e ainda de outra forma, chama atenção, pelo simbolismo, a indicação de Maya Fernández Allende, neta de Salvador Allende e filha de Tati Allende, a filha do ex-presidente que mais se envolveu com a política no governo do seu pai e depois do golpe se exilou em Cuba, onde se suicidou.

Camila Vallejo, de líder estudantil a Ministra de Estado

O anúncio do Ministério Boric evidencia que se ultrapassou a coalisão originária, Apruebo Dignidad, que o sustentou na disputa eleitoral do primeiro turno. É uma nova coalisão a que dará sustentação ao governo Boric. É certamente distinta da Concertación ou da Nueva maioria (último governo Bachelet). Da coalisão originária há muita gente, inclusive Camila Vallejo representando o Partido Comunista (PC) na Secretaria Geral de Governo, o que coloca esse partido como um “partido de governo”, definitivamente. Não é uma coalisão integralmente pós-eleitoral, como foi a Geringonça, em Portugal, porque foi se formando entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais. Mas talvez tenha algo dela.

Para além da unidade programática, de projeto e de ação administrativa, o governo Boric terá que acompanhar de perto os trabalhos da Assembleia Constituinte, sem interferir nela, e garantir uma expectativa positiva para que o chamado “plebiscito de saída” (para aprovar ou rejeitar a nova Constituição) tenha um grande êxito participativo.

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/gabriel-boric-anuncia-seu-ministerio/


Hubert Alquéres: O elefante na sala

Hubert Alquéres / Horizontes Democráticos

Eles são um terço dos brasileiros e representam o maior fenômeno de massas dos últimos quarenta anos. Resultado do êxodo rural e do processo de transformação do Brasil de uma sociedade agrária para essencialmente urbana, os evangélicos são, na sua grande maioria, pretos, pobres e pardos. Vivem nas periferias dos grandes centros, onde o Estado é ausente, em situação de vulnerabilidade e incertezas.

Na próxima década deverão ser a maioria da população, configurando em um curto período histórico outra brutal transformação no perfil do Brasil. Só para ter uma dimensão do fenômeno: 91% dos brasileiros em 1970 eram católicos e apenas 5% evangélicos. A velocidade da expansão, principalmente das vertentes pentecostais e neopentecostais, aparece em um recente dado fornecido pelo IBGE. Por ano, são criadas mais de 14 mil igrejas evangélicas no país.

Explicar esse fenômeno e entender o universo de seus fiéis é um grande desafio, tanto para as forças políticas do país como para pesquisadores e intelectuais.

Autor de Povo de Deus, livro que vem influenciando parte da esquerda e políticos como Ciro Gomes, Lula, Marcelo Freixo e Tabata Amaral, o antropólogo Juliano Spyer compara a situação dos evangélicos com a de um elefante na sala. Ele está lá, todos percebem, mas ninguém quer falar sobre o assunto por ser incômodo.

Para muitos analistas essa é a imagem característica do evangélico brasileiro

Seu livro é até agora o que mais fornece subsídios para decifrar o complexo mundo dos evangélicos nas suas variadas vertentes. Em parte, a expansão dos pentecostais e neopentecostais se explica por ser uma “religião simples, pregada por pessoas simples para outras pessoas simples”.

Há questões terrenas nessa conversão.

Pelas páginas de Povo de Deus fica evidenciado que as igrejas evangélicas prestam serviços de bem-estar nas periferias, por meio de redes de solidariedade, além de abrir possibilidades para o ingresso no mercado de trabalho, incentivar a educação e fortalecer laços familiares. Desempenham um papel essencialmente positivo.

Contribuem ainda para a diminuição da violência doméstica, ao combater o alcoolismo e, segundo Juliano Spyer, propicia a ascensão na escala social, com parte de seus fiéis se transformado em classe média, pela via do empreendedorismo.

Em outras palavras, cumprem um papel que caberia ao Estado ao ofertar serviços para quem vive em meio a um mundo de vulnerabilidade e incertezas.

E valem também para quem ingressa no sistema carcerário. Para sobreviver dentro de nossas penitenciárias, o preso tem apenas duas possibilidades: ou adere a uma facção criminosa ou se envolve em uma das inúmeras igrejas evangélicas.

Isso explica por que os pentecostais e neopentecostais crescem tanto entre presos e ex-presidiários. Essas igrejas são a única alternativa ao alcance de suas mãos para escapar das garras do crime e para se reinserir na sociedade.

Igrejas evangélicas são presença marcante nas periferias das cidades brasileiras

O autor de Povo de Deus não transmite uma visão idílica sobre os evangélicos nem desconhece que seu código moral é conservador, refratário a muitas bandeiras civilizatórias. Nem ignora que sua representação política, por meio de bancadas evangélicas, embute o risco da invasão teocrática do Estado, constituindo-se numa ameaça ao caráter laico do Estado.

Mas alerta para a necessidade do diálogo positivo com esse imenso contingente de pessoas onde é preciso levar em consideração o “caráter heterogêneo do mundo evangélico e sua realidade complexa”. Isso descarta estereótipos ou visões preconceituosas, como considerar os evangélicos como mercadores da fé e fanáticos.

Segundo Spyer, a esquerda erra ao tratar os evangélicos como inimigos e, de forma simplista, reduzir a “teologia da prosperidade” a uma concepção “neoliberal”. Boa parte da rejeição dos evangélicos à esquerda ocorre porque ela insiste em criticá-los por estimularem o empreendedorismo, como se fosse um absurdo as pessoas quererem prosperar.

Spyer dá o caminho das pedras: é preciso acentuar os pontos em comum com os evangélicos em vez de ameaça-los com uma agenda identitária, como muitas vezes a esquerda age.

Mesmo no terreno dos valores é possível encontrar um patamar comum.

O fortalecimento dos laços familiares, a defesa da família diante da ameaça de sua desestruturação em função do efeito da violência e das drogas, não é uma bandeira de esquerda ou de direita, mas uma necessidade concreta.

Da mesma maneira, o empreendedorismo é um valor positivo, sobretudo em um mundo em que o chão de fábrica não gera empregos na proporção das necessidades dos brasileiros.

O elefante na sala, instrumentalizado em eleições passadas, estará novamente no centro da disputa presidencial. Exigirá ser ouvido e tratado com respeito, e não de forma utilitarista.

Com a palavra, os candidatos.

(Publicado originalmente em Metrópoles, em 19 de janeiro de 2022; https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/artigos/o-elefante-na-sala-por-hubert-alqueres)

Fonte: Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/o-elefante-na-sala/


Modesto Carvalhosa: Sonambulismo e Fundo Eleitoral

Modesto Carvalhosa / O Estado de S.Paulo

Em meio ao nosso crônico sonambulismo político, continuamos a falar do astronômico Fundo Eleitoral. Mas nunca se vai ao cerne da questão para contestar essa infame expropriação dos recursos públicos, que afronta todas as regras do Estado Democrático de Direito. Apenas discutimos o seu pantagruélico montante — como a dizer que, se o assalto continuasse a ser de R$ 2 bilhões, como em 2018 e 2019, e não de R$ 4,9 bilhões, como agora, nós o aceitaríamos de bom grado.

Ficamos sempre na indignação inconsequente e frustrante, alimentada pela rotina dos escândalos diários patrocinados pelas lamentáveis autoridades que comandam o País. Mas esses protestos se liquefazem nas conversas, na mídia e nas mensagens nas redes sociais, para tudo continuar como está, apesar da repulsa de 90,7% do povo brasileiro a esse monstruoso “auxílio-reeleição”.

Nesse clima de meras lamentações e resignações, mesmo os poucos deputados e senadores decentes que votaram contra o saque eleitoral jamais entraram com a arguição de inconstitucionalidade da Lei n.° 13.487/2017, que criou esse “Fundo Especial de Financiamento de Campanha” (FEFC).

Os fundamentos para a declaração de inconstitucionalidade são claros. De acordo com o artigo 17, § 3.º, da Carta Magna, as únicas fontes de recursos públicos atribuídos aos partidos políticos são o Fundo Partidário e o acesso gratuito ao rádio e à televisão. Não se pode admitir que, sendo os partidos pessoas jurídicas de direito privado — agremiações particulares, portanto, fora do organograma do Estado —, possam receber, ainda, outros recursos orçamentários. As benesses constitucionais que os constituintes de 1988 concederam aos partidos são numerus clausus, ou seja, não podem ser ampliadas por mera autorização legislativa votada pelos próprios interessados. Do contrário, teríamos — como agora temos com o Fundo Eleitoral — uma porta escancarada de apropriação de verbas orçamentárias para atender permanentemente aos interesses da casta política que domina e afunda cada vez mais este País.

Os donos dos partidos e seus apaniguados vão se apropriar, neste ano, de R$ 4,9 bilhões para cooptarem os votos dos eleitores. Em vez de compromissos com políticas públicas, os partidos hegemônicos vão entupir de dinheiro os marqueteiros, os cabos eleitorais, os diretores de associações de bairro, os megablogueiros, os influencers, os reis da música sertaneja e do funk, os rappers e os repentistas de aluguel e ainda a imprensa marrom na conquista de votos, na base da mais vulgar ilusão e do mais baixo clientelismo. Alegam os nossos parlamentares que o FEFC substitui as contribuições eleitorais dos empreiteiros e fornecedores do Estado, agora proibidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Ocorre que, somados os caixas 1, 2 e 3 das eleições anteriores a 2018, essas doações empresariais não chegavam nem a 5% do Fundo Eleitoral aprovado por 80% dos representantes do povo no Congresso Nacional.

Além do vicio formal, há uma insanável inconstitucionalidade material nesse sumidouro dos recursos públicos. Isso porque ele está sendo abastecido por 30% das verbas orçamentárias que devem obrigatoriamente ser aplicadas nas áreas da saúde e da educação, a cargo da União, dos Estados e dos Municípios - artigos 23 e 24 da Constituição Federal (CF).

E o FEFC é também absolutamente inconstitucional por ferir frontalmente todos os princípios que regem o exercício do poder público, que defluem do artigo 37 da CF.

O primeiro é o do interesse coletivo, na medida em que a atual derrama de quase R$ 5 bilhões nas mãos dos políticos profissionais vai deturpar inteiramente a livre escolha dos eleitores, que serão cooptados pelo poder econômico, promovido pelo próprio erário. O segundo princípio é o da moralidade no exercício do mandato legislativo, que indeclinavelmente deve visar ao bem comum, e nunca ao interesse dos próprios deputados e senadores e de seus esclerosados partidos. O terceiro é o da impessoalidade, não podendo a lei favorecer os grandes partidos, que receberão muito mais desse megafundo eleitoral do que os partidos fisiológicos menores. O PT, a quem coube, em 2017, a iniciativa e a relatoria dessa infame lei, receberá, neste ano, meio bilhão de reais, e os partidos do Centrão outros tantos.

E a FEFC infringe, por isso mesmo, os princípios da finalidade e da motivação, sendo óbvio que os políticos profissionais procuram com esses bilhões garantir a sua reeleição, o que contraria a vocação democrática da contínua renovação dos quadros políticos. E, ainda, o FEFC fere os princípios da oportunidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, na medida em que é inoportuno, desmesurado e inadmissível diante da miséria e da fome que se expandem e crescem a cada ano em nosso País.

O FEFC é uma afronta ao povo brasileiro. Por tudo isso, é necessário que os poucos parlamentares e partidos que se opuseram a essa sangria se dirijam ao STF para que os seus ministros declarem a inconstitucionalidade formal e material do Fundo Eleitoral. 

É ADVOGADO E AUTOR DE “UMA NOVA CONSTITUIÇÃO PARA O BRASIL” (LMV, 2021)

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,sonambulismo-e-fundo-eleitoral,70003954466