Day: janeiro 21, 2022
Fernando Gabeira: Programa de governo, ter ou não ter?
Fernando Gabeira / O Estado de S.Paulo
Começou pela economia, ainda que de forma tímida, um debate sobre o programa de governo para o Brasil.
É apenas um momento iluminado, uma vez que as campanhas tendem a adotar um idioma emocional, no qual prevalece um jogo de torcidas.
Alguns analistas acham o programa algo muito secundário, uma vez que pouquíssimas pessoas se decidem confrontando, sistematicamente, ideias dos candidatos. Outros vão mais longe: de que adiantam programas, se os vencedores os esquecem e, às vezes, nem são cobrados por eles?
No entanto, antes que os ânimos se exaltem, é importante discutir os rumos do País. Nem que seja para nos situarmos ou mesmo para deixar em banho-maria algumas saídas que podem ser úteis, em caso de crise futura.
Começar pela economia é mais do que evidente. As ruas mostram gente sofrida e faminta, dados da Organização das Nações Unidas (ONU) indicam que não estamos bem diante de outros países, nosso crescimento é ridículo. Retomar a economia, reduzir o desemprego, combater a fome parecem ser ideias fortes nesta eleição de 2022. Elas dependem para seu êxito de outras variáveis.
Quando se examina a eleição americana, com características diferentes, observa-se que parte da resposta foi buscada no meio ambiente: empregos verdes. Falar em empregos verdes no Brasil seria uma transposição mecânica do debate americano? Não creio. Grandes investimentos buscam projetos ambientais, sobretudo em países ecologicamente estratégicos, como o Brasil. O governo Bolsonaro percebeu isso e chegou a anunciar um esforço nesse sentido, mas sua política destruidora não lhe dá a mínima chance de avançar nesse terreno.
O processo de saneamento básico no Brasil é um espaço para empregos verdes, da mesma forma, as obras de infraestrutura que possam adaptar as cidades brasileiras à dura realidade do aquecimento global e eventos extremos.
Um projeto econômico terá de se abrir também para a educação. Impossível pensar em ampliar empregos, reduzir desigualdades, sem contar com esse poderoso instrumento, que, aliás, não pode, pela sua importância, ser reduzido apenas às vantagens materiais.
Creio que será impossível ignorar a infraestrutura digital. Ela é um reforço à educação, abre uma chance de um governo inteligente, que reduza a máquina, sem a perda de eficácia.
A própria política externa vai depender de alguns temas que enriqueçam nossa clássica posição pela paz. De novo o meio ambiente pode ser a chave para reduzir o grande desgaste internacional produzido por Bolsonaro. Uma clara posição sobre o aquecimento global e o papel do Brasil pode nos recolocar com mais rapidez numa posição compatível com nossa história e importância.
Estamos atravessando uma pandemia, perto do fim, creio, e o papel do SUS foi muito valorizado, pois, sem ele, o impacto seria mais devastador. Mesmo assim, a classificação científica de grupo de risco por idade não foi a única referência. Os dados mostram que os mais pobres sofreram mais e é razoável afirmar que a ideia de grupo de risco deve ser avaliada também pelo nível de renda.
O Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz se tornaram duas instituições populares, referências nas nossas esperanças de imunização. Elas são apenas a ponta do iceberg científico que o governo Bolsonaro manteve submerso. Instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), todos os instrumentos que nos permitem conhecer melhor nossa realidade foram torpedeados pelo poder. As pesquisas minguaram, os cérebros deixaram o País.
A cultura tornou-se um campo de guerra. Não foi possível financiar um festival de jazz, porque Miles Davis, por exemplo, não canta a glória de Deus. Esse é um campo que, recuperado por uma economia de paz, também responde por algum impulso no crescimento.
Não tenho a intenção de entrar em detalhes, pois o espaço é limitado. O que me parece claro é que grande parte das interrogações programáticas tem resposta na própria sociedade.
Moratória no desmatamento da Amazônia? Não é preciso procurar longe. As próprias entidades que atuam lá se reuniram e traçaram um programa completo que prevê até o congelamento das contas dos principais desmatadores.
Tudo isso reforça a ideia de que discussões programáticas são importantes porque, apesar da importância do ódio nas campanhas eleitorais, as ideias sobrevivem como um farol a distância, no meio de uma batalha naval.
Um aspecto singular do debate é que pode envolver todos os candidatos menos um, o que se propõe à reeleição. O que pode dizer da economia, se falhou? Seu ministro da Economia começou como um talismã e terminou como um estorvo.
O que pode dizer sobre cultura, além de sacar a arma? O que pode dizer do meio ambiente se, insatisfeito com a destruição na superfície, prepara-se para entrar nas cavernas, para arruiná-las também?
Sem ele o futuro não é necessariamente brilhante. Com ele o futuro não existe.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,programa-de-governo-ter-ou-nao-ter,70003956414
Elena Landau: Lamento Lula não ter investigado a fundo as privatizações
Elena Landau / O Estado de S.Paulo
A campanha está nas ruas. Assessores econômicos começam a esboçar o programa dos candidatos divididos em dois grupos: um, pró-gasto, para o nacional-desenvolvimentismo – finalmente – dar certo, e o outro, da responsabilidade fiscal como base para o crescimento sustentável. Todos sem maiores detalhes sobre políticas sociais e ambientais. Posto Ipiranga saiu de férias e não voltou. Ciro Nogueira assumiu a campanha e a chave do cofre.
Lula ainda não indicou seu porta-voz para a economia. Isso vem gerando especulações sobre o caminho que vai escolher mais à frente. PUBLICIDADE
Por enquanto, vou me guiando pela Gleisi Hoffmann, presidente do PT e bem próxima de Lula. Tem lugar de fala. Ela promete a revisão de contratos “lesivos” e o fim da “privatização selvagem”.
Fico curiosa em saber como será definido o que é lesivo, afinal, seu partido gastou R$ 289 bilhões em subsídios na tal “Bolsa Empresário” – o equivalente à soma dos gastos anuais de saúde e educação. E em que critério se encaixariam as refinarias da Petrobras?
“Privatização selvagem” chega a ser cômico. Bolsonaro privatizou menos do que o PT. Lula vendeu um banco público, e a Celg entrou na fila da privatização pelas mãos de Dilma. O Programa de Desestatização nem suspenso foi. Foram realizados leilões de óleo, que permitiram a criação de empresas como OGX, e de energia, como Jirau e Belo Monte, além de concessões de estradas e aeroportos.
Essas bravatas não são novidade. Em 2002, Lula prometeu fazer uma devassa nas privatizações e reestatizar empresas. Assumiu e deu o dito por não dito. Prosseguiu com as tais políticas “neoliberais” até explodir o Mensalão.
Lamento muito que ele não tenha investigado a fundo as privatizações. Mas era previsível. Politicamente era mais conveniente deixar suspeitas no ar. Foi assim que se originou a lenda urbana da tal privataria tucana. O PSDB, por sua vez, nunca deu uma resposta à altura. Como esquecer a infeliz jaqueta de Alckmin?
Se Lula estava tão convicto dos desvios na privatização do governo FHC, com o qual contribuí por três anos, deveria ter vasculhado tudo. E não o fez.
Bolsonaro é igual. Acusa diretor da Anvisa sem prova. É tática recorrente. Cruel com os bons servidores. Recai sobre eles o ônus da prova invertido: mostrar que não roubou.
Mas o mundo gira. Recentemente fui citada pela CUT como referência na condução da desestatização. Gostaram de minhas críticas à privatização da Eletrobras – malconduzida do início ao fim. De carrasca das estatais virei companheira.
*ECONOMISTA E ADVOGADA
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,lamento-muito-que-lulanao-tenha-investigado-a-fundo-as-privatizacoes,70003956643
União Brasil busca um candidato, Moro muda alvo, linguagem e estratégia
Eliane Cantanhêde / O Estado de S.Paulo
Praticamente todos os partidos, grandes, médios e até pequenos, têm candidatos à Presidência em outubro, seja para valer, seja para esquentar a cadeira até o baile de fato começar. Já o União Brasil, fusão de DEM e PSL, não lançou nenhum nome e passa a ser um “partidão” disputado na eleição. Mas nada a ver com o velho partidão, hein!
Com 81 deputados, os 52 do PSL e os 29 do DEM, o União Brasil tem a maior bancada da Câmara e R$ 1 bilhão de fundo eleitoral e partidário. Um dote e tanto para uma noiva indecisa que, neste momento, parece mirar Sérgio Moro, do Podemos.
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Em terceiro lugar nas pesquisas, mas sem atingir dois dígitos, Moro é por enquanto candidato a ser a terceira via numa eleição polarizada entre o favorito Lula, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL, que tem a vantagem de disputar a reeleição. E Moro fez uma guinada e tanto na campanha, no discurso e no alvo.
A previsão era de que ele mirasse Bolsonaro, para colher o eleitorado conservador desiludido com o presidente, enquanto fechava uma espécie de pacto com João Doria, do PSDB, e Luiz Henrique Mandetta, do então DEM: o mais bem colocado nas pesquisas e com mais capacidade de chegar ao 2.º turno levaria o apoio dos outros.
A realidade, no entanto, é mais forte do que avaliações e estratégias. E a realidade foi mostrando a consolidação de Lula na dianteira e a insistência de Bolsonaro em dar tiro no pé sozinho e em afugentar o eleitorado que é conservador, mas não brucutu, negacionista ou absurdo. Logo, Moro trocou de alvo e de linguagem.
Quando Lula o chamou de “canalha”, Moro devolveu: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro”. E engrenou: “Deveria estar preso”. Poderia ser só um rompante, mas é pragmatismo. Moro vê que sua chance é bater de frente com Lula e tirar de Bolsonaro a condição de grande adversário do petista no 2.º turno. Além dos bolsonaristas arrependidos, quer atrair os antipetistas de todas as cores.
As crescentes divisões do bolsonarismo contribuem para a estratégia: Abraham Weintraub e Ernesto Araujo atacando o Centrão, Eduardo Bolsonaro e Fábio Faria tomando as dores, Damares Alves disputando vaga ao Senado com Janaina Paschoal. E esses rachas se refletem no próprio União Brasil.
De outro lado, uma aliança de Lula com Geraldo Alckmin atrapalha Moro, assim como a determinação de Doria. Alckmin é o ímã de Lula para atrair o centro e a direita equilibrada e Doria quer ser o candidato desse centro e dessa direita. Quanto mais todos racham, mais Lula trabalha pela união e o União Brasil exercita a paciência, para escolher o noivo certo, na hora certa.
*COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
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Ministérios descumprem decreto para dar transparência a orçamento secreto
André Shalders e Breno Pires / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA – Cinco dos sete ministérios que receberam verbas do orçamento secreto em 2021 ignoraram até agora um decreto do presidente Jair Bolsonaro (PL) que tinha por objetivo dar transparência às indicações de recursos por parte de políticos. Ao contrário do que determinou a norma assinada pelo presidente no dia 9 de dezembro, os ministérios da Saúde, da Educação, da Ciência e Tecnologia, da Cidadania e da Agricultura não divulgam em suas páginas na internet documentos com a comunicação entre as pastas e o relator-geral do Orçamento. É por meio destas comunicações que o Congresso aloca recursos do orçamento secreto, a pedido de parlamentares da base do governo.
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A falta de transparência no uso das emendas de relator-geral - a base do esquema revelado em série de reportagens do Estadão -, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a determinar, em dezembro passado, a ampla publicidade dos documentos relacionados às demandas e à execução das emendas. O decreto de 9 de dezembro procurava, em tese, cumprir a decisão do STF e dar publicidade. Mas, mesmo nos ministérios que começaram a divulgar documentos, há falta de informações detalhadas sobre quem é autor dos pedidos de repasses. PUBLICIDADE
Dois dos ministérios que ignoraram o decreto de Bolsonaro estão entre os que mais receberam verbas do orçamento secreto em 2021. Ao longo do ano passado, o Ministério da Saúde empenhou (isto é, reservou para gastar) R$ 7,6 bilhões em recursos das emendas de relator. Já o Ministério da Agricultura recebeu empenhos da ordem de R$ 1,1 bilhão – no ano passado, os empenhos da rubrica somaram, ao todo, R$ 16,7 bilhões.
Após o questionamento da reportagem, a Agricultura publicou na quarta-feira um link genérico para a Plataforma +Brasil, que centraliza informações sobre convênios do governo, mas não tornou públicas as comunicações com o relator do Orçamento. “Em breve, estas informações também estarão disponíveis nesta página”, diz o site da pasta. Já o Ministério da Cidadania disse, em resposta ao Estadão, que pretendia publicar as informações ainda nesta semana, o que não ocorreu. Os demais ministérios também foram procurados pela reportagem, mas não responderam.
De acordo com o decreto assinado por Bolsonaro e por Paulo Guedes, os ministérios tinham até a segunda-feira, dia 10 de janeiro, para publicar em seus sítios na internet a comunicação mantida pelas pastas com o relator-geral do Orçamento da data do decreto em diante – ou seja, a partir do dia 9 de dezembro de 2021. Já para as comunicações de antes de 9 de dezembro o prazo é maior – até o começo de fevereiro deste ano.
Segundo o texto do decreto, os ministérios deveriam publicar “as solicitações que justificaram as emendas do relator-geral”. Essas informações deveriam ser “organizadas de acordo com as programações orçamentárias correspondentes” e “divulgadas nos sítios eletrônicos de livre acesso dos respectivos Ministérios”, na forma da Lei de Acesso à Informação.
Até o momento, só as pastas da Defesa e do Desenvolvimento Regional (MDR) deram cumprimento, em parte, ao decreto. A pasta do Desenvolvimento, comandada pelo ministro Rogério Marinho (PL), porém, despejou informações de forma desorganizada, em documentos de formato PDF, não editável, com vários e-mails repetidos e com tabelas cortadas pela metade – em muitos casos, inviabilizando que se saiba qual parlamentar é o responsável pelas indicações. Além disso, o MDR não deixou claro quais indicações foram acatadas e resultaram na distribuição de recursos.
Já o Ministério da Defesa deu transparência às indicações datadas do ano de 2020, diretamente enviadas por senadores – os pedidos dos congressistas somam R$ 193 milhões. Apesar disso, a pasta não apresentou os nomes por trás do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar, que indicou R$ 543 milhões - não sabemos os padrinhos. Só se pode verificar que, em 2020, os principais beneficiados foram o então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) e os senadores Chico Rodrigues (DEM-RR), Lucas Barreto (PSD-AP) e Eduardo Gomes (MDB-TO).
Pelo decreto de Bolsonaro, o Ministério da Economia também deveria publicar a lista dos “links” nos quais as demais pastas estão publicando as informações – o que ainda não aconteceu. Em resposta ao Estadão, a pasta comandada pelo ministro Paulo Guedes disse que a divulgação ocorrerá “tão logo (as páginas) sejam informadas pelos órgãos executores”.
Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, o descumprimento do decreto presidencial pode acarretar sanções para os responsáveis.
“O decreto tem a finalidade de regulamentar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação (LAI) e da própria Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pelos ministérios, em relação ao RP-9 (código usado para identificar as emendas de relator)”, diz o advogado Bruno Morassutti, que é mestre em Direito, especializado em direito público e processo civil. “O Tribunal de Contas da União (TCU) analisa todos os anos as contas dos ministérios, e um dos critérios é justamente o cumprimento da LAI e da LRF. Se o ministério não trouxer argumentos técnicos razoáveis para não estar cumprindo o decreto, os responsáveis pela pasta, os ministros, podem ter as contas rejeitadas ou julgadas com ressalvas”, diz Morassutti, que é co-fundador da agência Fiquem Sabendo, especializada em transparência pública.
“E, claro, na eventualidade de existir algum problema que demonstre um descumprimento deliberado (intencional), aí é possível que o TCU multe o gestor público e remeta o assunto ao Ministério Público Federal para que tome as medidas cabíveis”, completa Morassutti.
Autoria
No caso do MDR, porém, a falta de transparência é maior em relação às indicações feitas antes da decisão do STF e do decreto. Até agora, a pasta não publicou os documentos que recebeu do Congresso com indicações dos mais de R$ 8 bilhões que executou de emendas de relator-geral naquele ano. Como o Estadão mostrou, em diversas reportagens, a pasta comandada por Rogério Marinho foi o motor do tratoraço e empenhou, só em dezembro de 2020, mais de R$ 3 bilhões, para apoiadores da candidatura do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) à Presidência da Câmara dos Deputados.
Como também mostrou o Estadão, um documento assinado pelo relator-geral do Orçamento de 2020, deputado Domingos Neto (PSD-CE), deixou claro que houve registros sobre as indicações de parlamentares no esquema do orçamento secreto no Ministério do Desenvolvimento Regional. Neto confirmou que a liberação de recursos se deu por meio de conluio com a Secretaria de Governo da Presidência da República e que deputados e senadores que tiveram cotas solicitaram diretamente ao governo recursos que totalizaram R$ 5,4 bilhões do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
O Tribunal de Contas da União também tem tido dificuldade para obter as informações do Ministério do Desenvolvimento Regional sobre os autores das indicações. Em um dos processos em tramitação na Corte, o MDR alegou que não poderia informar ou identificar os parlamentares que direcionaram recursos das emendas do relator-geral (RP9) para celebração de convênios que tiveram sobrepreço, conforme apontado pelo Estadão.
Controle
Tanto o decreto presidencial como uma nova resolução do Congresso para tratar das emendas de relator-geral foram publicados após a intervenção do Supremo Tribunal Federal (STF), que veio em uma liminar, concedida pela ministra Rosa Weber, no dia 5 de novembro, determinando a suspensão dos pagamentos do Orçamento Secreto e a ampla publicidade. A determinação da ministra foi ratificada pelo plenário da Corte por 8 votos a 2, dias depois.
A resolução do Congresso, aprovada no dia 29 de novembro, só estabeleceu a obrigatoriedade de transparência das novas indicações de repasses. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco(PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), chegaram a afirmar ao Supremo que não seria possível obter as informações do passado, mas, como isso não é verdade, tiveram de recuar, e foram solicitadas diretamente as informações ao relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar(PSL-AC) - sem se explicar por que não incluiu o relator-geral de 2020, Domingos Neto.
Após a reação do Congresso, o Supremo resolveu ceder e liberou a continuidade dos pagamentos, desde que governo e Congresso concordassem em dar transparência à aplicação dos recursos – o que todavia ainda não aconteceu. A ministra Rosa Weber estendeu até o início de fevereiro o prazo para apresentação dos documentos que demonstrem os autores das solicitações de repasses executados desde 2020 até a liminar da Corte.
No Supremo, o ministro Alexandre de Moraes disse que o Congresso “reagiu adequadamente à mensagem emitida pela Corte, reconhecendo e assumindo o ônus de dar ampla divulgação e satisfação à sociedade e aos órgãos de controle". Os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia discordaram. “A continuidade do serviço público só poderia servir à liberação dos recursos se o vício quanto à falta de publicidade tivesse sido devidamente sanado, o que não ocorreu. Assim, a lógica da ocultação, os parlamentares incógnitos e os destinatários imperscrutáveis subsistem”, afirmou Fachin em seu voto.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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Primeira deputada negra do Brasil é reconhecida como doutora
Edison Veiga / DW Brasil
Há reconhecimentos que custam a chegar. No caso de Antonieta de Barros (1901-1952), o título universitário foi concedido quase 70 anos após a sua morte — para ativistas, uma reparação histórica. Em dezembro, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) passou a considerá-la doutora honoris causa, in memoriam.
Mulher negra atuante em um contexto de segregação racial e pouco espaço para o ativismo feminino, Antonieta de Barros não se limitou a uma só atividade. Foi jornalista, escritora, educadora, militante política.
"Trazer o legado de uma mulher negra como Antonieta e torná-la doutora honoris causa na UFSC significa recontar parte da luta das mulheres negras neste estado ainda tão racista, sexista e conservador", afirma a educadora Joana Célia dos Passos, professora na universidade. "Significa questionar a narrativa de que Santa Catarina se fez hegemonicamente pelo trabalho dos imigrantes europeus."
"Antonieta de Barros tem importância fundamental na memória política, cultural e histórica de Santa Catarina", avalia Eliane Debus, professora no Departamento de Metodologia de Ensino do Centro de Educação da UFSC e autora do livro infantil Antonieta, que conta a trajetória da educadora. "Não estamos falando de resgate [histórico]. Aqui vale a palavra 'construção'. Construção de uma história para não se perder na memória."
Militante pela educação
Nascida em Florianópolis, Antonieta era filha de uma lavadeira, escrava liberta, com um homem sobre quem pouco se sabe — pode ter sido funcionário dos correios e músico, conforme diz a pesquisadora Jeruse Romão em seu livro Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil.
Viúva quando a menina ainda era criança, sua mãe alugava cômodos para estudantes para garantir o sustento. E foi assim que Antonieta acabou se alfabetizando. De acordo com o dossiê apresentado à UFSC como justificativa para a homenagem recém-realizada, ela "sentiu em sua infância e juventude o que significava ser mulher negra e pobre, num estado do sul do Brasil, majoritariamente branco e com forte adesão à eugenia como política social".
Logo, tornou-se ela própria uma militante pela educação, entendendo que só com acesso aos estudos as minorias poderiam experimentar alguma ascensão social.
No início dos anos 1920, fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, destinado a alfabetizar marginalizados. Foi diretora do jornal A Semana e do periódico Vida Ilhoa — seus artigos se pautavam pela crítica ao racismo e a defesa do empoderamento feminino.
Em 1934, no primeiro processo eleitoral brasileiro em que mulheres puderam votar e serem votadas, ela concorreu a uma cadeira na Assembleia Legislativa do estado pelo Partido Liberal Catarinense. Acabou como suplente.
Entre 1935 e 1937 assumiu o cargo. Tornou-se então a primeira mulher negra brasileira a ocupar um mandato eletivo, sendo a primeira deputada estadual no Brasil e também a primeira negra no parlamento catarinense, também conforme texto apresentado pela UFSC.
Ela voltaria a ser suplente na década seguinte, desta vez pelo Partido Social Democrático (PSD), assumindo novamente a vaga na assembleia estadual em 1948 — mais uma vez, uma presença feminina solitária no parlamento.
Seus mandatos no Legislativo foram pautados por questões referentes à educação. Ela apresentou um projeto de lei para criar um concurso para o magistério, foi autora de projeto buscando a criação de um dia em comemoração ao professor e, em plenário, defendeu uma maior estruturação da carreira de docência no estado, regulamentando cargos como os de diretor e inspetor escolar.
Também apresentou projeto de lei prevendo mais acesso das mulheres a conteúdos curriculares e defendeu a criação de ginásios, como política pública, para ampliar os anos escolares das populações mais pobres.
Valorização do legado
"Antonieta foi uma mulher negra, filha de pais que haviam sido escravizados. Professora, escritora, primeira mulher em Santa Catarina e primeira mulher negra no país a assumir um cargo público, era alguém de força e coragem", avalia Debus.
"Acreditamos que o silêncio sobre as narrativas a respeito de mulheres negras precisa ser quebrado. Devemos fazer muito som e reverberar as histórias do protagonismo negro em Santa Catarina."
É nesse contexto que a própria Debus lançou o livro Antonieta, com a biografia da educadora contada de uma maneira atrativa para o público infantil. "[A obra] se configura como uma possibilidade alargada de desenvolver práticas de leituras literárias antirracistas", diz.
Diversos esforços vêm sendo colocados em prática nos últimos anos para promover uma valorização da história e do legado de Antonieta. Em 2019, por exemplo, o centro de Florianópolis ganhou um mural imenso com o retrato da personalidade.
A obra, assinada pelos artistas Thiago Valdi, Tuane Ferreira e Gugie, mede 32 metros de altura e 9 metros de largura.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/primeira-deputada-negra-do-brasil-%C3%A9-reconhecida-como-doutora/a-60484920
ONU aprova resolução que condena negar o Holocausto
DW Brasil
A Assembleia Geral da ONU adotou nesta quinta-feira (20/01), em reunião em Nova York, uma resolução que rejeita e condena qualquer negação do Holocausto. A proposta foi feita pelos embaixadores da Alemanha e de Israel.
Os 193 membros da Assembleia concordaram, sem votação, com a proposta – apenas o Irã se distanciou do texto. A ONU também instou as empresas de mídia social a tomarem medidas ativas para combater o antissemitismo online.
"A Assembleia Geral está enviando uma mensagem forte e inequívoca contra a negação ou a distorção desses fatos históricos", disse a embaixadora alemã na ONU, Antje Leendertse. "Ignorar fatos históricos aumenta o risco de que eles se repitam", acrescentou.
O ministro israelense do Exterior, Jair Lapid, e a ministra alemã do Exterior, Annalena Baerbock, divulgaram comunicado conjunto no qual destacaram que a negação do Holocausto é um tema em torno do qual a comunidade internacional está unida e fala de forma uníssona. "Comprometemo-nos a manter viva a memória das vítimas e a garantir que os horrores do passado nunca mais se repitam", ressaltaram.
Apelo conjunto entre Alemanha e Israel
A embaixadora alemã em Israel, Susanne Wasum-Rainer, e o embaixador israelense na Alemanha, Jeremy Issacharaoff, publicaram um apelo conjunto antes da reunião desta quinta-feira em Nova York.
"Esta resolução deve ser um sinal de esperança e inspiração para todos os Estados e sociedades que defendem a diversidade e a tolerância, lutam pela reconciliação e compreendem que lembrar o Holocausto é essencial para evitar que crimes do tipo se repitam", escreveram os dois diplomatas em texto publicado pelos jornais alemão Tagesspiegel e israelense Maariv.
Os dois embaixadores disseram que a negação do Holocausto é um ataque às vítimas e seus descendentes, ao povo judeu e à "condição básica de sociedades pacíficas e coexistência pacífica em todo o mundo".
Definição de negação do Holocausto
A resolução estabelece uma definição de negação do Holocausto, o que inclui tentativas de distorcer fatos históricos.
Também são considerados negação esforços intencionais para desculpar ou minimizar o impacto do Holocausto ou seus principais elementos, incluindo colaboradores e aliados da Alemanha nazista; minimização grosseira do número de vítimas do Holocausto em contradição com fontes confiáveis; tentativas de culpar os judeus por causarem seu próprio genocídio; declarações que consideram o Holocausto como um evento histórico positivo; tentativas de obscurecer a responsabilidade pelo estabelecimento de campos de concentração e extermínio planejados e operados pela Alemanha nazista, colocando a culpa em outras nações ou grupos étnicos.
Um aniversário sombrio
O texto foi aprovado no dia em que se completam 80 anos da Conferência de Wansee, quando líderes nazistas se reuniram em Berlim para planejar o assassinato sistemático de até 11 milhões de judeus na Europa. Uma cópia da ata da reunião de janeiro de 1942 foi descoberta por acaso, em 1947, e está preservada até hoje, tornando-se um símbolo do genocídio que já estava em andamento na época.
Ao contrário do que se afirma frequentemente, o extermínio organizado dos judeus não começou naquele dia de 1942. Meses antes, centenas de milhares deles já haviam sucumbido vítimas da "solução final", em especial nos territórios da União Soviética ocupados pelas tropas alemãs desde meados de 1941. À época da conferência, 500 mil judeus, incluindo mulheres e crianças, já haviam morrido, a maioria por fuzilamento.
Alemanha "nunca esquecerá"
Baerbock disse que mesmo 80 anos após a Conferência de Wannsee é essencial lembrar como os diplomatas alemães se tornaram cúmplices dos crimes nazistas.
"Os funcionários do Ministério do Exterior que se colocaram a serviço dos crimes e do genocídio do regime nazista também são culpados pelo sofrimento", disse. Baerbock lembrou as vítimas do Holocausto e prometeu: "Nunca esqueceremos o que a Alemanha fez com elas".
A Assembleia Geral da ONU designou o dia 27 de janeiro, o dia da libertação do campo de concentração de Auschwitz, como o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/assembleia-geral-da-onu-aprova-resolu%C3%A7%C3%A3o-que-condena-negar-o-holocausto/a-60503114
Ivan Siqueira: "Combate à intolerância religiosa deve começar na escola"
João Rodrigues, da equipe da FAP
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, comemorado neste 21 de janeiro, visa alertar sobre o problema da intolerância gerado pelo desrespeito às diversas crenças existentes no mundo. No Brasil, casos de intolerância religiosa têm sido cada vez mais comuns.
O podcast da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) desta semana conversa com o professor Ivan Siqueira, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE), sobre o tema.
O Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa é celebrado em alusão a morte da Ialorixá baiana Gildásia dos Santos – a Mãe Gilda, fundadora do terreiro de candomblé Ilê Asé Abassá. Em 2000, a candomblecista teve sua casa e seu terreiro invadidos por um grupo de outra religião, e foi acusada de charlatanismo. Após a publicação de uma matéria jornalística intitulada: “Macumbeiros e Charlatões lesam o bolso e a vida dos clientes”, Mãe Gilda e o marido foram perseguidos, sofreram várias agressões físicas e verbais, e depredações dentro do espaço religioso. Após o ocorrido teve um infarto fulminante e morreu.
O racismo estrutural da sociedade brasileira, a importância do ensino religioso nas escolas e as políticas públicas que devem ser adotadas pelo Estado no combate à intolerância religiosa estão entre os assuntos do programa. O episódio conta com áudios da TV Brasil, Vanir dos Santos, Mário Sérgio Cortella, Adventistas Brasil e TV Câmara.
O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Youtube, Google Podcasts, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues.
RÁDIOFAP
Sob Bolsonaro, desmonte da política ambiental do país foi inclemente
Entrevista Especial - Bazileu Margarido
Equipe da RPD Online, com a participação especial de Benjamin Sicsu
O ano de 2021 representou, na prática, o desmonte da política ambiental e das instituições que atuam na área ambiental, consolidando um aprofundamento do que se viu nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro, critica Bazileu Margarido, ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama), entrevistado especial da edição de número 39 (Janeiro/2022) da Revista Política Democrática online.
Mestre em Economia e ex-chefe de gabinete do Ministério do Meio Ambiente, Bazileu Margarido afirma que, na prática, o Brasil presenciou um desmantelamento orquestrado da política ambiental, das instituições, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, de toda a estrutura, enfim, de fiscalização dos crimes ambientais, particularmente do desmatamento na Amazônia, com reflexos graves para o país.
O país vive hoje uma situação de extremo isolamento com relação ao meio ambiente, fato comprovado com Bolsonaro isolado na reunião do G20 e sua ausência na COP26, avalia Bazileu. Para ele, a sociedade civil pode ajudar a mudar essa realidade reagindo à situação que nós temos hoje, em que o Poder Executivo promove um processo de desmantelamento da política ambiental e das instituições ambientais, que o poder Legislativo tende a aprovar com facilidade projetos de flexibilização da fiscalização das leis, do marco legal do meio ambiente. "Em uma palavra, o que a sociedade civil pode fazer em relação à política ambiental hoje vigente é denunciar", completa.
"Vemos hoje uma ampliação enorme da consciência da sociedade em geral, seja no Brasil, seja no mundo, com relação aos temas ambientais", avalia Bazileu. "Outro fator que vai ser cada vez mais importante, principalmente no Brasil, é através da pressão econômica", completa.
Na entrevista à Revista Política Democrática online, Bazileu Margarido também comenta temas como o papel da sociedade civil em relação ao meio ambiente, eleições 2022 e projetos como o da Usina de Belo Monte e seus impactos, entre outros. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Revista Política Democrática Online (RPD): 2021 não foi exatamente um ano inesquecível, para o Brasil, na área de meio ambiente. Batermos recordes de desmatamento e não conseguirmos convencer a comunidade de nações de que seremos capazes de formular e acionar políticas públicas de combate a essa mazela. Qual é sua visão?
Bazileu Margarido (BM): Agradeço à Fundação Astrojildo Pereira esta oportunidade de conversar sobre tema tão relevante para o momento atual do Brasil e do mundo, que é a questão ambiental, políticas ambientais para o Brasil e o mundo.
2021 representou, na verdade, um aprofundamento do que nós vimos acontecer nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro – o desmonte da política ambiental e das instituições que atuam na área ambiental. Antes de iniciar o governo, em 2019, já tinha havido uma sinalização nesse sentido quando, na própria montagem da equipe ministerial, o presidente revelou publicamente sua intenção de transferir as atribuições do Ministério do Meio Ambiente a outros órgãos do governo. Não fosse a reação contrária do agronegócio, temeroso da repercussão da medida pelos parceiros comerciais do Brasil, este teria sido o título principal da reforma administrativa do novo governo.
Na prática, no entanto, presenciou-se o desmantelamento orquestrado da política ambiental, das instituições, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, de toda a estrutura, enfim, de fiscalização dos crimes ambientais, particularmente do desmatamento na Amazônia, através do PPCDAm, programa de proteção e controle do desmatamento na Amazônia. A operação foi tão paulatina como inclemente. Vários chefes de fiscalização do Ibama perderem seus cargos por terem exercido com competência o combate ao garimpo ilegal em Terras Indígenas no sul do Pará. No tocante ao setor madeireiro, os efeitos foram ainda mais impactantes. Estima-se que tenhamos retroagido cerca de dez anos na área desmatada na Amazônia. No primeiro ano de governo, registrou-se aumento de quase 35% no corte da madeira. No ano seguinte, quase 10% a mais. Em meados de 2020, a área desmatada superaria os 11 mil quilômetros quadrados, ilustração funesta do índice de uma década atrás. Até 2012, quando tivemos uma queda contínua do desmatamento na Amazônia, a gente tinha chegado a pouco mais de 4 mil e 500 quilômetros quadrados. Mais do que dobrou com relação aos menores índices que nós já tivemos no país.
Isso teve obviamente reflexos em vários cenários. O Brasil, por exemplo, chegou à COP26, a convenção de mudanças climáticas, em uma situação de extremo isolamento com relação ao meio ambiente. Já tínhamos percebido isso um pouquinho antes, quando da reunião do G20, com a presença dos principais de chefes de Estado do mundo. No coquetel de abertura da reunião, o isolamento do Bolsonaro patenteou-se quando, depois de transitar como um fantasma entre os demais célebres convidados, terminou conversando com o garçom, tal como constrangedoramente registrado pelas câmeras de televisão.
Mas tenho a impressão de que foi apenas um episódio. Logo após o encerramento da COP26, o mundo recebeu as imagens impactantes do garimpo ilegal praticamente fechando o Rio Madeira com cerca de 200 barcos enfileirados. As cenas transmitiam a desativação de toda a capacidade do país de combater os crimes ambientais e de implementar uma agenda ambiental proativa, agenda que tem de contemplar, também, ações voltadas para o desenvolvimento sustentável, particularmente – mas não apenas – no Norte do país.
RPD: O maior dos problemas ambientais do Brasil hoje é a questão da Amazônia. Precisamos dar uma resposta para o mundo sobre essa questão e o combate efetivo ao desmatamento e a fiscalização terão de envolver a sociedade civil. Qual é sua visão a respeito?
BM: De que maneira a sociedade civil pode ajudar nessa arena de combate ao desmatamento na Amazônia? Respondo: reagindo à situação que nós temos hoje, em que o Poder Executivo promove um processo de desmantelamento da política ambiental e das instituições ambientais, que o poder Legislativo tende a aprovar com facilidade projetos de flexibilização da fiscalização das leis, do marco legal do meio ambiente. Em uma palavra, o que a sociedade civil pode fazer em relação à política ambiental hoje vigente é denunciar.
Dispomos de três grandes instrumentos para pautar uma política ambiental para a Amazônia. Um é de comando e controle, onde a sociedade pode colaborar quando é convocada. Mas, nos dias de hoje, quando o governo desorganiza a estrutura já existente, a sociedade não tem como atuar proativamente, tem que atuar amplificando as denúncias desse desmonte.
O segundo instrumento muito importante é o ordenamento territorial. Na questão do ordenamento territorial, a sociedade tem uma situação muito mais reativa para não deixar passar os projetos que agravam a situação, e tem vários, principalmente na regularização de terras na Amazônia. Grileiros invadem, desmatam e, depois, vão buscar no poder público a legalização daquela situação provocada por atos ilegais, crimes ambientais. Os projetos que estão pressionando a agenda são os projetos que flexibilizam, que ampliam a possibilidade de regularização, de legalização desses atos ilegais. Nesse caso a sociedade também tem muito mais uma função reativa de impedir que esses projetos sigam em frente.
A terceira agenda, em que a sociedade vem atuando de maneira importante, tem iniciativas muito importantes: é a área do desenvolvimento sustentável. Não adianta apenas fiscalizar, coibir, usar os mecanismos de comando e controle. É necessário também propor uma agenda de como é possível fazer, o que é possível, como aproveitar aquela riqueza, aquela biodiversidade enorme da Amazônia em prol do desenvolvimento, em prol da melhoria da qualidade de vida.
Acho que é uma grande agenda. Temos experiências importantes nessa área, na área de bioeconomia. As pesquisas e os projetos da sociedade em torno de iniciativas de aproveitamento da biodiversidade da Amazônia estão ganhando cada vez mais espaço na mídia, na academia e na sociedade civil. Eu acho que é uma agenda de importante atuação da sociedade. Carlos Nobre tem trabalhos importantíssimos, riquíssimos nessa área. Tem muito trabalho no Instituto Escolhas. Tem muitos trabalhos na área do desenvolvimento sustentável. Acho que é um espaço importante de atuação da sociedade civil.
RPD: Belo Monte foi uma agressão? Ou foi uma necessidade? Deve ser mantida? É um modelo de futuro? É uma vergonha do passado?
BM: Belo Monte é um projeto equivocado do ponto de vista ambiental e do ponto de vista econômico. É uma hidrelétrica implantada em regiões ainda preservadas na bacia do Xingu e que atinge áreas e populações indígenas. Mas também, do ponto de vista econômico, Belo Monte é uma hidrelétrica de baixíssima eficiência. São mais de 11 gigawatts instalados para gerar uma potência média de 4,5 — se não me engano. É uma das hidrelétricas menos eficientes que temos. A montagem do consórcio para construção de Belo Monte foi uma iniciativa majoritariamente estatal. A modelagem econômica, no seu início — depois o BNDES conseguiu passar algumas ações para a frente —, era majoritariamente estatal porque as empresas privadas não viam em Belo Monte um bom negócio. Um custo altíssimo, uma hidrelétrica que custou mais de 30 bilhões de reais, e uma eficiência muito baixa.
Temos um problema de difícil solução nessa agenda das hidrelétricas. A Amazônia é uma grande planície. Há poucas áreas de declive. Qualquer barragem inundará uma área enorme, e isso impacta o meio ambiente. Em Belo Monte, esse impacto foi bastante reduzido pelo uso de turbinas a fio d´água, que aproveitam mais a vazão do rio do que a altura da barragem. Mas isso fez com que a usina tivesse um lago proporcionalmente pequeno em relação ao projeto original e uma capacidade de acumulação baixa. Gera, assim, energia quando o rio tem alta vazão, isto é, no período de inverno amazônico, de dezembro a março. No período de seca há uma forte redução da energia gerada. Essa situação se aplica a todas as hidrelétricas que se planejam construir na Amazônia. A topografia da região exigirá grandes lagos de contenção, porque a água represada se espalha na planície, cobrindo uma área que inviabiliza o projeto. E a tecnologia disponível que permite a redução do lado, aproveitando a força da vazão, ainda é de baixa eficiência, porque produz apenas em um período do ano, durante o período de vazante a produção da hidrelétrica é baixíssima.
Temos, no entanto, outras opções de geração de energia no País, a eólica e a solar, que são as tecnologias que mais crescem no mundo nos últimos cinco anos.
RPD: E a biomassa? Há projetos na região Norte, de aproveitamento do dendê, com perspectivas bastante promissoras. E, diferentemente das opções eólica e solar, a tecnologia envolvida é nacional. O custo indireto disso para o país não nos é mais vantajoso?
BM: A geração de energia partir de biomassa tem um potencial enorme. O país é um país agrícola. Isso tem crescido no aproveitamento do bagaço da cana, por exemplo, mas ainda está em um ritmo lento. Toda produção agrícola gera resíduos passíveis de geração de energia. A palha do arroz tem uma capacidade significativa de geração de energia. Na região Norte, em particular no Amazonas e Pará, vi projetos para aproveitamento de resíduos das serrarias. Um bom aproveitamento da madeira está na ordem de 45%, 50% de toras que viram tábuas. Todo o restante é resíduo, serragem, que pode ser aproveitado economicamente para geração de energia. É um potencial enorme disponível.
Mas temos hoje uma presença maior na implantação de projetos de energia solar e energia eólica. Em eólica, ainda temos alguma capacidade instalada no país na cadeia de insumos da indústria, como a fabricação de pás. Mas nós poderíamos, se tivéssemos apostado nessas fontes de energia com mais intensidade, com maior capacidade de planejamento, ter uma participação mais importante.
RPD: O que poderia ser feito para que o meio ambiente, o desenvolvimento sustentável, ocupasse lugar de destaque nas escolhas do eleitorado?
BM: Essa é sempre uma dificuldade, alvo de muitos debates. A agenda de florestas, de emissões, é muito mais premente, muito mais importante. É uma agenda que, pela sua dimensão, sua importância, sua relevância, pelos impactos que gera no Brasil, na sociedade civil que atua nessa agenda de meio ambiente, atrai muito as atenções. É natural que assim seja.
O desafio é transformar isso em voto. Já houve épocas em que esse tema despertou mais as atenções do eleitor, do voto em si. Como trazer o meio ambiente para o dia a dia das pessoas? Hoje os impactos das mudanças climáticas são um fator importante porque as pessoas estão mais conscientes dos problemas, pois está afetando o nosso dia a dia.
Mas é preciso ainda relacionar as mudanças climáticas à experiência no âmbito do consumo. E, dentro dessa agenda do consumo consciente, há ainda a questão dos resíduos, que também afeta o dia a dia das pessoas. As pessoas convivem com o problema do descarte ilegal perto de suas casas. A consciência com relação a seu próprio consumo, não só adquirir os produtos de que você precisa, mas como descartar os resíduos desse consumo, isso também é algo que faz parte da vivência diária das pessoas. A cada dia isso tem tido uma atenção maior por parte da sociedade.
RPD: Uma questão sobre a qual se conhece muito pouco é o que pensa o brasileiro sobre a questão ambiental. Poucas pesquisas foram feitas a esse respeito. Precisamos estudar com mais rigor o que o brasileiro das várias regiões acha do meio ambiente. Como você vê esse mundo novo, onde cada vez mais as pessoas se comunicam e provavelmente se comunicam mais em questões ambientais? E como elas podem interferir nas políticas públicas que devem ser exercidas e executadas para melhoria da vida do cidadão brasileiro?
BM: Esse é um tema ótimo. Quando a gente faz uma avaliação mais ampla desses temas todos, eu acho que a conclusão a que se chega claramente é que há uma ampliação da consciência da sociedade em geral em torno dos temas ambientais, principalmente por conta das mudanças climáticas. Como já disse, isso passou a fazer parte do cotidiano das pessoas. Então há uma ampliação enorme da consciência da sociedade em geral, seja no Brasil, seja no mundo, com relação aos temas ambientais.
Mais importante ainda, há uma ampliação da consciência junto à juventude. Hoje o jovem está no mínimo sensibilizado pelo tema. Se ele não está engajado em uma ação efetiva, ele no mínimo está sensibilizado. Essa força que vem do engajamento e da conscientização do jovem vai amadurecer com o tempo. Eu acho que o cenário é de ampliação da consciência. Ele pode, no Brasil, não se transformar em voto em curto prazo, ter uma dificuldade, ou a gente precisa elaborar estratégias para impulsionar esse voto em torno dessa temática. Mas de maneira geral o que a gente assiste, participa é a ampliação da consciência da sociedade civil no mundo, e a COP26 foi outro exemplo extraordinário. A juventude deu um show na COP. As cenas da COP que mais se apresentaram pelo mundo foram as ações da juventude. Acho que nós não podemos deixar isso de lado. A juventude tem todas essas ferramentas na mão para usar os recursos digitais de engajamento para a mobilização da sociedade.
Outro fator que vai ser cada vez mais importante, principalmente no Brasil, é através da pressão econômica. Já estamos assistindo aos grandes gestores de fundos de investimento fazerem uma pressão danada: "nós não financiamos". Temos um exemplo no Brasil muito forte. O governo federal ensaiou uma política de revitalização da indústria do carvão, de geração de energia do carvão, principalmente no sul de Santa Catarina. A atividade carvoeira ali é importante. O BNDES falou: "sinto muito, mas eu não financio". Se ele financiasse, ia receber uma represália a nível internacional, não conseguiria acessar fundos em lugar nenhum.
Convém analisar também o reflexo disso no comércio internacional. Principalmente na Europa, os produtos vindos de atividades predatórias vão perder espaço. Tivemos um exemplo agora no final do ano passado com a carne brasileira, com grandes redes de supermercado na Europa tirando os produtos da prateleira: "não entra mais carne vinda de desmatamento aqui nas nossas prateleiras". Isso vai se expressar também e de maneira importante a partir da taxação do carbono. As principais medidas legais que tinham que ser aprovadas no Parlamento Europeu já foram aprovadas. Hoje a Europa tem uma agenda de implementação, e essa agenda de implementação vai crescer com o tempo. À medida que isso for implementado efetivamente, e o produto brasileiro vindo do desmatamento parar na alfândega e ter que voltar para trás, ou ter que pagar uma taxa de carbono para entrar, que vai encarecer o produto, isso vai começar a ter impactos no Brasil e forçar atitudes para que o poder público, iniciativa privada e sociedade adotem medidas para responder a essa questão.
É uma questão do crescimento da consciência da sociedade que pressiona a agenda. A pressão econômica, principalmente pressão internacional, vai fazer a gente se mexer, mesmo se tratando de governos negacionistas, como o atual, que seja somente até o final deste ano. Essa é a mensagem de otimismo tem de ser muito reforçada. É só até o final deste ano.
*Bazileu Margarido é engenheiro de produção e mestre em economia. Foi presidente do Ibama (2007-2008), secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002), chefe de gabinete da ministra de meio ambiente Marina Silva de 2003 a 2007 e atualmente é assessor econômico da liderança na Rede no Senado.
** Entrevista produzida para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Sérgio C. Buarque: Em ano eleitoral, política de emprego ou assistência social?
Em toda campanha eleitoral, e nem precisa ter um nível tão alto de desemprego, a geração de emprego e renda surge como uma recorrente proposta dos candidatos. Eles não dizem, nem mesmo sabem, como vão fazer este milagre, mas repetem porque supõem que respondem às expectativas do eleitorado. E, quando prometem emprego e renda, quase sempre os políticos estão pensando em alguma forma de assistência social, distribuição de renda ou, na melhor das hipóteses, estímulo a ocupações de pessoal sem qualificação profissional em atividades de baixa remuneração e produtiva de medidas muito importantes, mas que estão muito longe de constituir política efetiva de geração de emprego e de elevação da renda dos trabalhadores.
As promessas políticas são vazias porque, no fundamental, os governos não criam empregos, exceto a ocupação de pessoal nos órgãos e instituições públicas, e a mobilização de mão de obra nos investimentos governamentais. Mas, neste caso, os governos agem para ampliar ou melhorar a infraestrutura econômica e social e prestação de serviços públicos à sociedade. O emprego é um resultado positivo, mas não é ou não deve ser a motivação. Continua sendo emprego, claro. Entretanto, os governos não podem e não devem contratar pessoal como uma forma de combate ao desemprego ou uma política de geração de renda e emprego. Na verdade, o empreguismo tem sido uma praga que vem corroendo a capacidade de investimento de muitos governos, especialmente nos municípios.
Esta política de emprego e renda deve contemplar três componentes complementares: formação de condições macroeconômicos favoráveis – taxa de juros, estabilidade cambial e monetária –melhoria do ambiente de negócios – desburocratização, simplificação do sistema tributário, marco legal de investimentos setoriais, e segurança jurídica – e aumento da competitividade sistêmica – promoção da educação, da qualificação profissional, e do desenvolvimento científico e tecnológico.
A política de emprego orientada para os três componentes citados acima tem um caráter estrutural de dinamização e equilíbrio futuro do mercado de trabalho. Algumas medidas geram efeito imediato sobre o desemprego, principalmente quando se trata das condições macroeconômicas e do ambiente de negócios; outras amadurecem lentamente, mas são fundamentais para preparar o futuro. O resultado da atuação governamental voltada para o aumento da competitividade sistêmica amadurece muito lentamente no tempo, mas a melhoria do ambiente de negócios requer medidas simples e de efeito muito rápido.
A qualificação profissional deve ter alta prioridade dos governos para viabilizar o equilíbrio entre a demanda por trabalho qualificado e a adequada oferta de mão de obra. A política de formação profissional provoca resultados positivos nos dois lados do mercado de trabalho: de um lado, favorece o aumento da produtividade, do outro, eleva a empregabilidade dos brasileiros, ou seja, a capacidade dos trabalhadores conseguirem empregos de qualidade e boa remuneração. Na verda de, qualquer promessa ou pretensão sincera de geração de emprego e elevação de renda sem uma atuação decisiva na qualificação será inútil e enganosa. Especialmente grave diante da difusão acelerada das novas tecnologias que provoca mudança radical nos processos produtivos e nos produtos, acompanhada de crescentes exigências de formação técnica e profissional.
Política de geração de emprego e renda não pode se limitar a medidas assistencialistas e de curto prazo, menos ainda à oferta de vagas de emprego nos governos, exceto para real aumento dos serviços públicos. Para avançar na dinamização do mercado de trabalho com geração de emprego de qualidade e elevação efetiva da renda-salário, é necessário promover mudanças estruturais na economia: na melhoria dos fundamentos macroeconômicos e do ambiente de negócios, e na elevação da competitividade sistêmica, com destaque para a educação e a qualificação profissional. Do contrário, o Brasil vai continuar no círculo vicioso de medíocre cre scimento econômico, desemprego e pobreza estruturais. E, desta forma, permanecerá condenado às iniciativas de assistência social e às falsas e mentirosas propostas dos candidatos. As pressões do imediato conspirando contra o futuro.
* Sérgio C. Buarque é economista com mestrado em sociologia, professor da FCAP/UPE, consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade. É sócio fundador da Factta Consultoria. Fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será? É membro do Movimento Ética e Democracia.
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Reinaldo Azevedo: Esquerda do PT fortalece Lula moderado
Reinaldo Azevedo / Folha de S. Paulo
Correntes do PT avessas a uma chapa Lula-Alckmin e potenciais aliados à esquerda cumprem o seu papel: criticam a eventual aliança, apontam as contradições tidas por inelutáveis, ressuscitam momentos em que os dois políticos estiveram em trincheiras opostas —inclusive na eleição de 2006— e pintam a composição com as tintas de uma conciliação inaceitável. A coisa chega a ter um lado pitoresco.
Ao longo da história, os setores mais à esquerda do partido sempre prestaram um serviço ao líder: cobraram dele a radicalização, de modo a lhe dar a oportunidade de fazer a escolha pela moderação. Não chega a ser um jogo combinado. Trata-se de acordos —ou desacordos— tácitos. Assim, a resistência ao ex-tucano não é um problema, mas um dado do jogo.
Alckmin será o vice de Lula? Não sei. Mas ou haverá esse sinal de que o ex-presidente pretende, se vitorioso, um governo além das fronteiras da esquerda, ou outro se fará necessário. O compromisso —que, parece-me, é público— já está anunciado. E, é evidente, pensando o que penso, avalio que um governo o mais amplo possível é uma solução, não um problema.
A exemplo de todo político que conta realmente com uma militância —sim, Bolsonaro também tem a sua...—, o líder petista tem de ser haver com seus puristas, seus exclusivistas, seus sectários, seus extremistas. A questão é saber se vai liderá-los, escolhendo o caminho, ou será caudatário de visionários do próprio delírio. Em seu processo de construção, o PT fez muitas escolhas que seriam insanas caso fosse ele o protagonista da história.
Recusou-se, por exemplo, a participar do Colégio Eleitoral que elegeu Tancredo Neves. Sempre considerei a decisão lamentável, mas nunca temerária. Não tinha o protagonismo. A solução se daria com ou sem a concordância da legenda, que apostava na definição da própria identidade. Oportunista, sim, mas com risco zero à democracia. Em 2022, sendo a legenda mais bem-sucedida em eleições realmente democráticas, há o peso da responsabilidade de um eventual quinto mandato.
"Alckmin é um aceno do PT para os mercados, Reinaldo?" Ah, caras e caros, não me dedico a jogos dessa natureza. Esses "mercáduz" de que falam são os mesmos que viam virtudes naquele tal que achava o estupro uma distinção, coisa de merecimento? Para quem quilombolas se pesavam em arrobas? Que tinha um torturador como herói? Que prometia extinguir o Ministério do Meio Ambiente?
Curioso! Nunca se cobrou do biltre uma "Carta ao Povo Brasileiro" assegurando compromissos com a ordem democrática, não é mesmo? Ao contrário até! Dava-se de barato que o ogro era apenas um ser meio apalhaçado, que serviria para conjurar as forças que não queriam a volta do PT, mas que ele acabaria, no fim das contas, se submetendo aos limites institucionais.
Mentira! Fiel a si mesmo, à sua pregação e a seus extremistas, tentou romper os limites da legalidade e, como resta sabido, testou as possibilidades de um golpe de estado. Não venham com a conversa de que Lula está obrigado a oferecer credenciais de confiabilidade a esses "mercáduz" —Alckmin ou outras quaisquer.
Os que jamais cobraram de um postulante com evidente discurso fascistóide o compromisso com a civilidade gostariam agora de arrancar de um candidato de oposição a promessa solene de que nada mudará, por exemplo, no teto de gastos —que acabou faz tempo— ou na reforma trabalhista? E o fazem em nome do que chamam "previsibilidade"? Ora...
Se o PT realmente levar adiante a aliança com Alckmin, o ex-governador, parece-me, representa a garantia adicional de um modo de fazer as coisas, buscando, reitere-se, o diálogo amplo. Até porque, no semipresidencialismo informal que temos, ninguém governa sem o Congresso.
Mas é evidente que o ex-tucano não seria a garantia de que Lula, se eleito, deixaria tudo como está. A continuidade tem várias nuances, não é mesmo? E todas elas se juntarão contra o PT, de novo, num eventual segundo turno. Afinal, os conservadores e reaças brasileiros não sabem nada sobre mal menor. Mas têm tradição firmada no mal maior.
Bolsonaro é a prova.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/reinaldoazevedo/2022/01/petistas-que-atacam-alianca-com-alckmin-fazem-um-favor-a-lula.shtml?origin=uol
Luiz Carlos Azedo: Quem será o adversário principal para Lula? Moro ou Bolsonaro?
Luiz Carlos Azedo / Nas entrelinhas / Correio Braziliense
Numa campanha eleitoral, quem está na frente e/ou logo atrás se atacam mutuamente. Isso não define para ambos, porém, quem é realmente o inimigo principal. Na corrida pelo voto, essa equação é um jogo no qual a intuição do candidato, às vezes, vale mais do que as pesquisas eleitorais de ocasião. Por isso, é muito cedo para saber se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva errou ao chamar de “canalha”, e para a briga, o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, responsável principal por sua condenação na Operação Lava-Jato. Terceiro colocado nas pesquisas, atrás do presidente Jair Bolsonaro, o ex-juiz não deixou por menos e partiu para cima de Lula no Twitter: “Canalha é quem roubou o povo brasileiro durante anos…”
Motivos não faltam para a atitude de Lula: (1) deixou-se levar pelo fígado, afinal passou 580 dias em preso em Curitiba depois de condenado pelo juiz; (2) resolveu confrontar Moro para testar sua reação e sondar a repercussão nas redes sociais; (3) já considera Bolsonaro uma carta fora do baralho e teme que Moro chegue ao segundo turno. Todas as alternativas podem ser verdadeiras.
Ex-assessor de imprensa de Lula, no seu Balaio, o jornalista Ricardo Kotscho tripudia dos que ficam dando palpites sobre a campanha de Lula, dentro da campanha e fora dela, inclusive na mídia: “À medida que se amplia a vantagem de Lula sobre os demais candidatos em todas as pesquisas, sinalizando para uma vitória já no primeiro turno, aumenta o número de assessores voluntários que querem dar palpites no rumo da sua campanha, apontando o que ele deve ou não fazer.”
Entram nesse balaio, segundo Kotscho: “Cientistas políticos tucanos, colunistas lavajatistas, economistas da Faria Lima, da Bolsa de Valores, da PUC, da USP e da Unicamp, dirigentes sem expressão e sem votos do PT, pregadores da Praça da Sé, motoristas de táxi, ex-BBB, comentaristas da GloboNews e até ilustres membros do Centrão e da Academia Brasileira de Letras, parece que todos, aliados e adversários, querem contribuir de alguma forma”.
Lula é um expert em campanha eleitoral. Ganhou duas eleições à Presidência, contra José Serra (PSDB), em 2002, e Geraldo Alckmin (então no PSDB), em 2006, e elegeu um poste do saias, a ex-presidente Dilma Rousseff, na sua sucessão, ao derrotar, novamente, o tucano Serra. Também tem experiência em perder eleições presidenciais, pois disputou em 1989, derrotado por Fernando Collor no segundo turno, e 1994 e 1998, para Fernando Henrique Cardoso, no primeiro turno.
Realmente, o petista sabe o que quer. Como lidera com folga, um “já ganhou” é inevitável, principalmente quando sai uma pesquisa na qual poderia levar a disputa de roldão já no primeiro turno. De certa forma, Kotscho critica esse oba-oba e manda um recado para os palpiteiros do PT: “Lembro-me como ele reagia, quando algum assessor mais prestativo vinha-lhe falar, empolgado: ‘Chefe, tive uma boa ideia’. E ele desconversava: “Se a ideia é muito boa, guarda para você. Eu não preciso de ideias. Eu preciso de votos”.
Bate-boca
Toda campanha à Presidência é um embrião de governo, que se materializa após a vitória eleitoral. Um lugar no estado-maior eleitoral é um cargo cobiçadíssimo por assessores, correligionários e aliados. Amigo de Lula, Kotscho acompanha o líder petista desde as greves do ABC e conhece muito bem sua turma. Ao lado de Frei Beto, deixou a “cozinha” do Palácio do Planalto por não ter ganas de poder. Nos tempos em que era a fonte mais segura no governo, só tinha a concorrência do “anão que ficava debaixo da mesa” de Lula e vazava informações para a imprensa. Nunca disse quem era a figura.
Deixando a palha de lado, alguns temas que envolvem a campanha de Lula serão objeto de especulações no mundo político e empresarial, alimentadas pelos próprios petistas por meio da imprensa. Um deles é o vice na chapa, que realmente pode vir a ser o ex-governador Geraldo Alckmin. Outro, o verdadeiro papel do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega na elaboração do programa de governo. Terceiro, a real influência do PT nas decisões, principalmente do ex-senador Aloizio Mercadante, atual presidente da Fundação Perseu Abramo, e da deputada Gleisi Hoffman (PR), presidente do PT.
São temas que têm muito a ver com a política de alianças de Lula, que alavancou seu favoritismo à esquerda e, agora, sinaliza que vai ampliá-las em direção ao centro. A polarização com Bolsonaro consolidou seu favoritismo até agora, seria natural o desejo de que o presidente da República venha realmente a ser o seu inimigo principal. Nesse sentido, quem mais ganharia com o bate-boca com Lula é Moro.