Day: janeiro 19, 2022
Livros didáticos de História omitem genocídios comunistas
Leandro Norloch / Folha de S. Paulo
O "Quebrando o Tabu" causou indignação semanas atrás por afirmar que o regime comunista da China, responsável pela morte de dezenas de milhões de pessoas, tinha pontos positivos como "moradia para todos" e "estabilidade política".
O post foi apagado logo em seguida e a página devidamente reconheceu o absurdo da afirmação. Ainda assim, o caso mostra o desconhecimento mesmo de brasileiros escolarizados sobre o assunto.
Parte da culpa é dos livros didáticos. Boa parte deles passa em branco pelas matanças praticadas por ditadores comunistas do século 20.
A coleção de Ensino Médio "Diálogos em Ciências Humanas", da editora Ática, percorre o século 20 sem gastar uma linha para tratar do Holodomor, dos milhões de mortos na China de Mao ou dos crimes de Stálin. Até mesmo no capítulo "Guerras, Holocausto e genocídio no século 20" não há menção sobre matanças causadas por ditadores comunistas.
De quatro coleções de Ensino Médio analisadas pelo economista Arthur Cohen, a única a discutir algum genocídio comunista foi a "Humanitas.doc", da editora Saraiva. Explica a falta de alimentos que matou milhões de ucranianos de fome em 1932 e 1933 (tema, aliás, do excelente filme "A Sombra de Stálin", do Netflix).
Em três livros de história do 9º ano do Ensino Fundamental, que serão distribuídos em 2022 na rede pública, a situação é um pouco melhor. Dois mencionam as mortes por fome durante o regime chinês e os crimes de Stálin. Omitem o Holodomor e diversas outras mortes em massa. São os livros "Araribá Mais História", da editora Moderna, e "História Sociedade e Cidadania", da editora FTD.
Um terceiro livro analisado, "Teláris História", editora Ática, menciona o Holodomor, mas não a fome e as mortes na China de Mao.
Pesquisadores estimam que as mortes causadas pelo regime chinês cheguem a 55 milhões. Falar sobre o século 20 sem citar essas atrocidades é uma omissão tão grave quanto ensinar Brasil Colonial sem mencionar a crueldade da escravidão.
Se depender dos livros didáticos de História, os estudantes se formarão acreditando que a crise de fome da Etiópia de 1984 foi causada pelo capitalismo, e não por um ditador que teve apoio de Fidel Castro. E sem ter ouvido falar do genocídio do Khmer Vermelho, que matou incríveis 21% da população do Camboja.
Muito se comenta sobre narrativas de esquerda que professores e autores de livros didáticos ensinam. Também é preciso ficar atento à história que eles deixam de ensinar.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/leandro-narloch/2022/01/livros-didaticos-de-historia-omitem-genocidios-comunistas.shtml
Luiz Carlos Azedo: Contagem regressiva para as federações acirra tensões partidárias
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
A nova legislação eleitoral, que estabeleceu o prazo até 2 de abril para que os partidos formem federações, acirra as contradições internas e tensiona as alianças partidárias, principalmente no campo da oposição, que tem muitos candidatos. Mesmo com o favoritismo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo, a federação do PT com os partidos de esquerda esbarra nos conflitos existentes com o PSB, para montagem dos palanques regionais. O PT lançou candidatos onde normalmente não teria maiores dificuldades para composição, com o simples propósito de forçar o PSB a recuar de algumas pretensões regionais e aceitar suas imposições.
Desde o início, a dança de acasalamento entre Lula e o ex-governador Geraldo Alckmin alimenta as tensões entre o PT e o PSB. O ex-tucano continua cotadíssimo para ser o vice da chapa, porém isso pode vir a ocorrer por outra legenda, porque tanto o PSD, de Gilberto Kassab, quanto o Solidariedade, de Paulinho da Força, namoram Alckmin. Quando o PSB passou a exigir o apoio à candidatura do ex-governador Márcio França ao Palácio Bandeirantes para fechar a aliança, setores do PT passaram a atacar o acordo e exigir o apoio dos socialistas à candidatura do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Em troca do apoio a Lula e da indicação Alckmin para a vice, o PSB também exige apoio dos petistas em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Acre e Pernambuco.
Depois de São Paulo, a maior confusão está em Pernambuco, principal reduto eleitoral do PSB, que controla a administração do estado desde 2007. O ex-prefeito do Recife Geraldo Júlio (PSB), que seria o sucessor natural do governador Paulo Câmara, não quer ser candidato. Muitos acreditam que a recusa seja uma forma de confundir os adversários, evitando o chamado “sereno”, ou seja, ficar exposto muito tempo antes das eleições. Os deputados federais Danilo Cabral e Tadeu Alencar, ambos do PSB, já se assanham para disputar a vaga, sendo o segundo mais próximo ao prefeito do Recife, João Campos (PSB), e da ex-primeira-dama Renata Campos, que controlam a legenda. Nesse lusco-fusco, o senador Humberto Costa (PT), se apresentou com pré-candidato ao governo de Pernambuco.
No Rio de Janeiro, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB) quer uma aliança com o PT para disputar o governo estadual. As negociações caminhavam na direção de o atual presidente da Assembleia Legislativa, Andre Ceciliano (PT), ser candidato ao Senado, sacramentando a aliança. Entretanto, uma ala do PT não quer apoiar a candidatura de Freixo e, diante das tensões com o PSB, já cogita apoiar o ex-prefeito de Niterói Rodrigo Neves ou lançar a candidatura da Ceciliano, que poderia ver a ter o apoio do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD). Por já ter ocupado interinamente o governo fluminense, Ceciliano não poderia se candidatar à reeleição, o que é música para o prefeito carioca.
As divergências em relação a São Paulo repercutem em outros estados. No Acre, o deputado estadual Jenilson Leite (PSB) é pré-candidato ao governo do estado; o ex-governador Jorge Viana (PT), também. No Espírito Santo, o governador Renato Casagrande é candidato à reeleição, mas o PT ameaça lançar a candidatura do senador Fabiano Contarato (PT), que brilhou na CPI da Saúde. No Rio grande do Sul, o ex-deputado Beto Albuquerque (PSB) enfrenta a oposição do deputado estadual Edegar Pretto (PT).
Terceira via
Também estão complicadas as negociações entre os partidos da chamada terceira via. Tanto o PSDB, do governador João Doria, como o Podemos, do ex-ministro Sergio Moro, se movimentam para formar uma federação e, partir daí, tentar um movimento de aglutinação dessas forças que resultasse numa candidatura mais robusta de centro. Ciro Gomes (PDT) sonha com o apoio do PSB, mas precisa quebrar resistências internas no PDT, no qual uma ala não esconde o desejo de apoiar o ex-presidente Lula. Os partidos cobiçados para as alianças são a União Brasil, que não tem candidato próprio, o MDB, o PSD e o Cidadania, cujos candidatos são Simone Tebet (MS), Rodrigo Pacheco (MG) e Alessandro Vieira (SE), respectivamente.
O União Brasil, resultado da fusão do DEM com o PSL, conversa com Sergio Moro, mas enfrenta resistência de parte considerável de sua bancada, que é antilavajato. O MDB lançou a candidatura de Simone Tebet, que pode ser mantida ou ser candidata a vice. O grupo ligado ao atual presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), e ao ex-presidente Michel Temer se aproxima do governador João Doria. Outra ala pretende apoiar o ex-presidente Lula.
O PSD lançou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), como pré-candidato à Presidência, mas a legenda não se movimenta como quem realmente pretende ter uma candidatura própria, nem Pacheco, que para deslanchar eleitoralmente precisaria da união de Minas, o que parece ser impossível até agora. Kassab conversa com todo mundo, mas não se pode descartar um acordo com o ex-presidente Lula, com a indicação do vice, principalmente se PSB der um cavalo de pau e fizer uma coligação com Ciro Gomes.
O Cidadania está muito dividido. A candidatura do senador Alessandro Vieira conta com apoio nas bases da legenda, mas não empolgou a bancada federal na Câmara. O presidente da sigla, Roberto Freire, tem simpatia por uma federação com o PSDB, porém, o líder da bancada na Câmara, deputado Alex Manente (SP), não esconde a simpatia por Moro. Não existe ainda uma maioria formada e integrantes da cúpula da legenda conversam com todo mundo, inclusive Simone Tebet e Ciro Gomes. Por causa das alianças locais, qualquer decisão será traumática.
Bernardo Mello Franco: Bolsonaro transformou destruição em projeto de governo
Bernardo Mello Franco / O Globo
A Amazônia registrou o maior índice de desmatamento em dez anos. De janeiro a dezembro, a floresta perdeu 10.362 km² de mata nativa. Isso equivale a metade do território de Sergipe.
Os números foram divulgados na segunda-feira pelo Imazon. No mesmo dia, Jair Bolsonaro comemorou a redução de 80% nas multas aplicadas pelo Ibama. “Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental”, festejou.
O presidente transformou a devastação em política de governo. Trata a fiscalização como problema e a derrubada de árvores como solução. Sua cumplicidade com o crime ambiental é explícita. Grileiros, madeireiros e garimpeiros ilegais sabem que têm um aliado no Planalto.
A certeza da impunidade eleva a ousadia dos desmatadores. No ano passado, quase metade (47%) da destruição ocorreu em terras da União, mostram as imagens de satélite.
O estrago se estende às unidades de conservação, que deveriam ser preservadas como santuários verdes. Nelas a área devastada aumentou 140% na comparação entre 2018 e 2021. Prova de que o desmanche do Ibama se repete no ICMBio, responsável pela proteção das reservas federais.
No discurso de segunda, Bolsonaro fez elogios a Ricardo Salles, responsável por implementar sua política antiambiental. O ex-ministro deixou o governo na mira da polícia, sob suspeita de envolvimento com contrabandistas de madeira. Agora quer se eleger deputado para reaver as mordomias e o foro privilegiado.
Seu substituto, Joaquim Leite, pilota a mesma agenda com menos espalhafato. Nesta semana, o ministro publicou artigo em que defende um certo “ambientalismo de resultados”. Sem apresentar fatos ou dados, escreveu que o governo “fortaleceu o combate a incêndios e desmatamento ilegal”. Faltou explicar por que a destruição da floresta continua a aumentar.
Ambientalistas alertam que a devastação da Amazônia está mudando o regime de chuvas, o que tem causado prejuízos bilionários ao agronegócio. Mesmo assim, grande parte do setor insiste em aplaudir o capitão.
Bolsonaro já declarou que está no poder para destruir, não para construir. Na Amazônia, o projeto é seguido ao pé da letra. E pode ter consequências irreversíveis para o clima, a economia e a vida humana.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/bolsonaro-transformou-devastacao-em-projeto-de-governo.html
Armando Castelar Pinheiro: O PT e os Bourbon
Armando Castelar Pinheiro / Valor Econômico
“Eles não aprenderam nada, e não esqueceram nada”. A frase, atribuída a Talleyrand, influente político da época, refere-se aos Bourbon, família que retornou ao poder na França, em 1814, com a queda de Napoleão. Para ele, as políticas do rei Luís XVIII (e seu irmão, depois Carlos X) ignoravam as mudanças ocorridas na França com a Revolução Francesa e, depois, com Napoleão.
Não é raro ver essa citação em referência ao Partido dos Trabalhadores (PT). Isso, talvez, por sua tendência a não reconhecer erros e, assim, a não mudar, insistindo sempre nas mesmas políticas. Em certo grau, um padrão presente no artigo de Guido Mantega publicado este mês no jornal Folha de São Paulo.
O artigo só vê méritos nas políticas dos governos do PT e atribui nossos problemas apenas àqueles que vieram depois. Porém, já ao parecer datar em 2014 o fim das administrações petistas, ignorando a brutal recessão de 2015-16, gerada no governo Dilma, a maior da nossa história, o artigo, por ausência, chama a atenção para os erros, que não foram poucos, da gestão petista.
As políticas defendidas para um novo mandato do PT são uma volta ao passado. Além da reversão do teto de gastos e da reforma trabalhista, propõe-se mais gastos públicos, mais política industrial e uma revisão dos objetivos de política monetária, para darem menos peso à inflação e mais à atividade econômica e ao impacto sobre as despesas com juros. Em suma, um retorno à Nova Matriz Econômica, ainda que esse termo não seja citado no texto.
Mantega foi, de longe, a principal autoridade econômica do governo do PT, chefiando o Ministério da Fazenda de 2006 a 2014. Mas, em artigo que saiu neste espaço faz uma semana, Nilson Teixeira argumenta que propostas como essas visam apenas a campanha eleitoral, servindo “para agradar as bases mais aguerridas”, e não são “uma sinalização (...) sobre a linha a ser adotada” em um eventual terceiro mandato de Lula.
Para Nilson, de fato, houve aprendizado: o “ex-presidente Lula conhece as vantagens de uma inflação baixa e da responsabilidade fiscal”. E, após “oito anos como presidente, Lula sabe que” as medidas defendidas pelos segmentos radicais do partido “são pouco eficazes ou insuficientes e não afastam a necessidade de reformas”.
Afinal de contas, se eleito, que Lula irá governar? Como pergunta Bolívar Lamounier, em artigo no jornal Estado de São Paulo deste domingo, 16 de janeiro, irá ele “assumir a postura do argentino Menem, tentando levar o PT para o neoliberalismo?”, ou “fincará pé no (...) intervencionismo populista, muito mais do agrado de suas hostes arraigadamente intervencionistas”?
Os Bourbon acabaram sendo expulsos outra vez da França em 1830, quando nova revolta depôs Carlos X, que pouco antes suspendera a liberdade de imprensa e dissolvera o parlamento. O argumento central de quem defende que, se eleito, Lula será um Dr. Jekill, e não um Mr. Hide, na imagem usada por Bolívar, é exatamente que é mais racional para o PT aprender com o passado e adotar boas políticas do que permitir que o mau desempenho da economia leve ao fracasso de seu governo. Argumento que, porém, não funcionou para os Bourbon, Dilma ou, parece, Jair Bolsonaro, por exemplo.
É, porém, um argumento forte, ainda que haja um risco considerável de que esse cenário não se realize. Em especial, é preciso reconhecer que o desafio que se colocará para o novo governo, quem quer que seja eleito, é bem maior do que o enfrentado por Lula em 2003-10. As reformas serão mais custosas e os resultados vão custar mais a aparecer. Isso pode mudar o racional político de que caminho seguir.
O PT herdou de FHC um governo com elevado superávit primário e uma dívida que era alta, mas por ser em grande parte indexada ao dólar e ter havido forte desvalorização cambial no período eleitoral. Com o novo governo abandonando o discurso heterodoxo e abraçando o tripé de política econômica de FHC, o real se valorizou e a dívida caiu. O cenário externo também ajudou muito. O dólar despencou internacionalmente - a taxa de câmbio efetiva real dos EUA caiu 21% em 2003-10. Isso elevou o preço em dólar das commodities, facilitando o ajuste de nossas contas externas, a valorização do real, o controle da inflação e a aceleração do crescimento. A forte expansão chinesa também ajudou bastante.
Hoje a dívida pública é bem mais alta e não vai cair só com a valorização do real. De fato, ela vai subir em 2022, com o setor público tendo déficit primário, a alta da Selic elevando as despesas públicas com juros e a economia crescendo pouco, ou nada. O cenário externo tende a piorar, com o crescimento global desacelerando, inclusive na China, e o Fed (e outros BCs) elevando os juros e reduzindo seu balanço, o que já pressiona o risco-país dos emergentes. Nesse cenário, dificilmente o dólar se desvalorizará e é mais provável que o preço das commodities caia do que suba.
A incerteza eleitoral só deve se dissipar mais para o meio do ano, quando se saberá se a atual polarização entre o atual e o ex-presidente se manterá. Com isso, a dúvida sobre o que Lula viria a fazer, se eleito, não tende a desaparecer tão cedo.
*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/o-pt-e-os-bourbon.ghtml