Day: janeiro 19, 2022
Sergio Leo: Após 16 anos, mudou a liderança europeia; e nós com isso?
Ao deixar, em dezembro, o comando na Alemanha exercido nos últimos 16 anos, Angela Merkel levou consigo um buquê de elogios - e deixou o temor de um vácuo de poder na União Europeia, com o fim de sua liderança histórica. Teve, também, despedidas menos diplomáticas, como a da ex-ministra de Relações Exteriores da Espanha e ex-vice-presidente do Banco Mundial Ana Palacios, em artigo na imprensa: “a estratégia liderada pela Alemanha, de aguardar, até que tempos desesperados permitissem medidas desesperadas, manteve a União Europeia intacta; mas também possibilitou ao bloco evitar a tomada de posições claras sobre questões importantes.”
Mesmo na dúvida sobre quem assumirá a liderança da Europa, é possível prever algumas consequências para nós, abaixo do Equador, dessa nova etapa na História do continente europeu.
Analistas esperam de seu sucessor, Olaf Scholz, político de centro muito experiente, certa continuidade do pragmatismo de Merkel, com maior disposição para tomar riscos na direção de sua ambição de unir e fortalecer a atuação da Europa na cena mundial. Marcado, a princípio, pela fidelidade à politica ortodoxa na economia, Scholz foi, por duas vezes, ministro de Finanças de Merkel, e, no cargo, deu impulso a propostas de aumento na taxação de grandes empresas e sustentou esquemas de proteção governamental de salários e empregos privados durante a crise financeira e a chegada do Covid.
Em sua coalizão partidária, o novo chanceler alemão fez da defesa do meio ambiente um dos pilares de sua coalizão governista e buscou no aliado partido Verde lideranças com forte militância ecológica para sua vice-chancelaria (que terá atribuições amplas na execução da política ambiental) e para seu ministério de Relações Exteriores.
Os países de maior relevo no bloco têm impulsionado os acordos multilaterais para enfrentar a mudança climática. Na França, Macron, que enfrenta em breve uma campanha eleitoral, deve reanimar críticas e represálias contra os exportadores agrícolas competidores dos europeus, como o Brasil, que acusa de elevado desmatamento associado à produção agropecuária.
Desavenças no novo “pacto de estabilidade” fiscal para manter a coesão europeia; desafios na relação com a Rússia e a China, e no esforço de posicionar-se na disputa desta com os EUA; ondas da pandemia e continuidade da pressão de imigrantes, tudo isso conspira contra uma ação mais coerente e assertiva da liderança europeia no cenário internacional. O problema Putin, na Rússia se confunde com outro desafio, o de garantir o provimento confiável de energia à Europa, especialmente na Alemanha, até agora disposta a manter o projeto do enorme gasoduto Nord-Stream, que aumentará a dependência europeia do gás russo.
O ambiente político perturba o esforço de falar pela Europa numa só voz. Iminentes eleições na Itália também devem roubar atenções do primeiro-ministro italiano, Mário Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, outro nome que chegou a ser cotado para o papel de referência da União Europeia desempenhado até recentemente pela ex-chanceler alemã.
A transição para a economia verde, aliás, estava no topo da pauta na visita que, em sinal de deferência, Scholz fez à Itália em uma de suas primeiras viagens. A Europa será firme contra um Brasil leniente nessa área, esteja no comando da máquina continental europeia um líder ou um triunvirato.
Outro tema comum é o crescimento da extrema-direita, nos calcanhares de todos os principais líderes do bloco, e na gestão da Hungria e a Polônia. Os verdes na direção da nova coalizão governante na Alemanha já pressionam para manifestações mais firmes em relação a Rússia e China. França e Itália, até como mensagem para seus públicos internos, são sensíveis a essas pressões.
Não estamos entre as principais ameaças à unidade europeia; mas certamente estamos no radar dos europeus. A depender das escolhas políticas e econômicas a serem feitas pelos brasileiros em relação ao próprio país, uma Europa mais atenta à transição para uma economia de baixo carbono e menos leniente com aventuras autoritárias pode fortalecer demandas protecionistas e afastar potenciais aliados em nossas demandas – políticas e econômicas - na esfera global.
* Sergio Leo é jornalista, consultor e especialista em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Fernando Exman: Uma história sobre a guerra no Senado
Fernando Exman / Valor Econômico
O presidente Jair Bolsonaro terminou o ano passado, começou 2022 e avança sobre o mês de janeiro sem definir quem ocupará, no Senado, uma função estratégica. A liderança do governo está vaga e, até agora, não há sinal vindo do Palácio do Planalto sobre uma definição. O mais grave problema do Executivo em relação a este tema, contudo, não é quando o seu novo representante chegará para o primeiro dia de trabalho. É como isso ocorrerá.
O Senado vem se mostrando uma Casa mais hostil ao governo do que a Câmara. Hospedou a CPI da Covid, atrapalhou planos da equipe econômica, como a reforma tributária, e nos últimos meses tornou-se área de atuação de outros três pré-candidatos à Presidência. É um terreno que merece atenção especial dos articuladores políticos do governo.
Bolsonaro ficou sem líder na última quinzena do ano, sempre um período de pauta cheia, mas pelo menos agora os trabalhos no Legislativo estão praticamente paralisados devido ao recesso parlamentar. Além disso, na ausência do titular, os vice-líderes podem executar alguma missão eventual, mesmo que sem a mesma autoridade.
Porém, do ponto de vista de quem terá pouco tempo para trabalhar antes que toda a atenção dos senadores se volte para a campanha eleitoral, seria bom contar com alguém adiantando as amarrações necessárias para acelerar a tramitação dos projetos mais urgentes e barrar eventuais pautas-bomba.
Um debate está dado. A pressão dos servidores públicos por aumentos salariais é crescente, e não há espaço no Orçamento para agradar a todas as categorias - algumas da elite do funcionalismo e outras integrantes da base eleitoral de Bolsonaro, todas insatisfeitas.
É possível listar, também, uma série de vetos presidenciais à espera da apreciação dos parlamentares. Os grupos de pressão que trabalham para derrubá-los não tiraram férias, como nos casos dos vetos feitos a trechos do novo marco legal da cabotagem e do Refis das empresas de pequeno porte e do Simples. Caso artigos do Orçamento também sejam barrados pelo Executivo, uma vez que o prazo de sanção termina nesta semana, dificilmente o governo terá sucesso no esforço de fazer sua vontade prevalecer sem um time de líderes completo, alinhado e com credibilidade para negociar.
Interessados na vaga sempre aparecem. Ainda mais diante de um cenário em que Bolsonaro não aceitará nenhuma indicação de partidos políticos para os ministérios, quando os titulares das pastas se desincompatibilizarem para disputar as eleições. A liderança do governo é, sim, um posto que dá prestígio. Ela garante acesso privilegiado aos gabinetes mais influentes da Esplanada dos Ministérios e do Palácio do Planalto, além de propiciar maior poder nas discussões que definem a destinação dos recursos das emendas ao Orçamento. Ativo valioso.
Mas, na visão de alguns dos interlocutores do futuro indicado, ou seja, outras lideranças partidárias, o primeiro desafio será convencer a todos que os acordos fechados serão cumpridos à risca e terão respaldo do Palácio do Planalto. Isso será determinante para melhorar - ou não - o ambiente dentro e fora da base.
O histórico do presidente, contudo, não ajuda. “A relação de Bolsonaro com seus líderes é de contratado. Ele dá zero consideração”, diz um senador influente da oposição. “Não estou dizendo que as pessoas são mercenárias. Estou dizendo que o tratamento é como se fossem mercenários que ele contrata. É assim que ele os trata. Não estou falando dos colegas, mas da cultura do Bolsonaro."
Essa fonte lembra ainda que, em sua tradição de negar a política, o presidente nunca construiu relações baseadas em projetos comuns ou compromissos históricos. E com frequência abandonou os que antes o ajudaram.
Mas, então o que seria essa cultura? E quais os riscos de adotá-la na prática política?
O livro “Uma história da guerra”, de John Keegan, é leitura útil. Além da figura do mercenário, explica o autor, há várias outras formas de engajamento numa organização militar, voluntária ou forçada. No caso dos mercenários, existe uma relação comercial por meio da qual determinado indivíduo vende um serviço militar - não só em troca de dinheiro, mas também de incentivos como doações de terras, concessão de cidadania ou tratamento preferencial.
Um elemento central do contrato entre o soberano e suas forças regulares é que elas sejam alimentadas, abrigadas e pagas tanto na guerra quanto na paz. Por isso, há diversos exemplos históricos de mandatários que acabam caindo na tentação de adquirir serviços militares apenas quando estes se fazem necessários. Em outros casos, Estados suplementam suas forças contratando mercenários, muitas vezes por longos prazos e com resultados satisfatórios para ambas as partes. Essa é a base do sistema mercenário.
Por outro lado, quando se tenta reduzir o tamanho das forças ou dos benefícios entregues, há risco de motim.
E o texto vai além: “O perigo inerente à utilização de mercenários é que os fundos necessários para sustentá-los podem acabar antes que o contrato chegue ao final estipulado, ou que a guerra dure mais que o esperado, com o mesmo resultado, ou ainda, se um Estado foi tão miserável, complacente ou apático a ponto de depender exclusivamente deles, que os mercenários venham a perceber que constituem o poder efetivo”, escreve Keegan. “Nessas circunstâncias, são antes a seus empregadores que aos inimigos que os mercenários representam uma ameaça: eles tomam partido em disputas internas, fazem greve ou chantagem para receber o que lhes é devido ou por pagamentos extras, podem até passar para o lado do inimigo. Na pior das hipóteses, tomam o poder.”
Bolsonaro não é o primeiro presidente com essa mentalidade. Talvez, pelo seu histórico militar, apenas aja com mais naturalidade. Ainda pode enfrentar as consequências de manter relações desse tipo.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/uma-historia-sobre-a-guerra-no-senado.ghtml
Hélio Schwartsman: Falta caridade ao debate público
Hélio Schwartsman / Folha de S. Paulo
Princípio da caridade. O nome não é muito bom, já que evoca esmolas e favores, mas a ideia é das mais interessantes. E o que diz o princípio da caridade? Ele diz que, no curso de uma discussão intelectual, devemos conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível. Isso significa que devemos tratá-las em princípio como racionais e bem-intencionadas. Só poderemos considerá-las falaciosas e malévolas quando não houver outra leitura possível.
Se há algo em falta no debate público hoje, é o princípio da caridade. As pessoas preferem desenhar espantalhos em suas mentes e argumentar contra essa imagem a discutir o que de fato está escrito num texto. A tática funciona muito bem se o objetivo é "vencer" a discussão ou posicionar-se ideologicamente para ganhar pontos com os amigos, mas ela mata na origem a possibilidade de uma discussão intelectualmente profícua.
Li duas vezes o texto de Antonio Risério publicado no domingo na Ilustríssima e não vi nada de escandaloso nele. O autor não nega o racismo contra negros. Pelo contrário, diz logo na primeira frase que ele é real.
No mais, parte de um truísmo —a constatação de que qualquer ser humano pode em tese adotar atitudes racistas em relação a outros humanos— para fazer críticas a setores do movimento negro americano e as estende ao identitarismo.
Se essas críticas procedem e se podem ser generalizadas para o Brasil e para outras pautas identitárias é o que valeria a pena discutir. Numa sociedade aberta, ninguém, incluindo Deus, o papa, o presidente e movimentos sociais, está blindado de questionamentos.
Fico feliz que a Folha, apesar das patrulhas externa e interna, não tenha renunciado a tentar promover o debate de assuntos que estão se tornando tabu. Mesmo que apenas uma minoria de leitores tire proveito intelectual, os demais podem beneficiar-se dos efeitos catárticos, o que também é válido.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2022/01/falta-caridade-ao-debate-publico.shtml
Bruno Boghossian: Bolsonaro renova credenciais eleitorais com a turma do desmatamento
Bruno Boghossian: / Folha de S. Paulo
Jair Bolsonaro renovou suas credenciais com grileiros, madeireiros e produtores rurais interessados em driblar o combate ao desmatamento. Num evento em Brasília, ele anunciou que o governo reduziu em 80% o registro de infrações nessa área. "Paramos de ter grandes problemas com a questão ambiental, em especial no tocante à multa", celebrou.
O presidente cumpriu uma promessa de campanha. Antes de tomar posse, Bolsonaro aproveitava viagens pelo interior e encontros com grupos do agronegócio para divulgar uma plataforma de redução da fiscalização ambiental. Ele afirmava que acabaria com a "festa" do que chamava de "indústria da multa".
Nos últimos três anos, quem fez a festa foram outros personagens. O garimpo ilegal avançou no país durante o governo Bolsonaro, com o incentivo público do capitão. No ano passado, o desmatamento da Amazônia Legal cresceu 29% e atingiu o maior nível em 14 anos, segundo dados do instituto Imazon divulgados pelo Jornal Nacional.
Não é difícil reconhecer o sucesso do governo na busca por esses resultados. Na gestão Ricardo Salles, o Ministério do Meio Ambiente reduziu verbas do Ibama, esvaziou o poder dos fiscais do órgão e dificultou a aplicação de multas. Seguindo ordens de Bolsonaro, autoridades ambientais reduziram a queima de máquinas usadas em atividades de desmatamento ilegal.
Ao lado da facilitação do acesso a armas de fogo, o afrouxamento do controle ambiental é um dos poucos feitos que Bolsonaro entregou para segmentos importantes de sua base eleitoral. O presidente deve se agarrar a esses pontos da agenda para compensar o fracasso registrado até aqui em sua agenda autoritária e em suas investidas sobre as escolas.
Com essa plataforma de campanha, Bolsonaro não deve enfrentar dificuldades para receber, mais uma vez, o apoio dos setores mais atrasados do agronegócio e de desmatadores em geral. Nenhum outro candidato tem tantos serviços prestados nessa área como o presidente.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2022/01/bolsonaro-renova-credenciais-eleitorais-com-a-turma-do-desmatamento.shtml
Vinicius Torres Freire: Aumenta o risco de inflação ainda alta em 2022
Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo
A safra de grãos do Brasil seria recorde. O preço do petróleo subiria apenas um pouquinho mais. Com sorte, os reservatórios das hidrelétricas encheriam ao menos a ponto de se evitar racionamento ou aumentos extras da conta de luz.
Faz uma semana, se escrevia nestas colunas que o gato da inflação começava a espiar o telhado. Agora, meros sete dias depois, o bicho começou a subir a escada.
Sabia-se que a safra de grãos não seria recorde. As notícias pioraram. O preço do milho sobe. A safra de soja vai pior do que o esperado. É seca num lugar, chuva em excesso noutro. Rações animais e óleos, pois, ficam mais caros; falta pasto. O feijão vai ficar caro.
O preço da arroba do boi está nas alturas históricas a que chegou no ano passado (na média do último mês, 21% mais cara que no início de 2021). Segundo pesquisadores do Cepea, a volta das vendas para a China sustenta os preços da carne. O Cepea é o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura da USP.
A inflação no atacado volta a subir em janeiro, engordada especialmente de minério de ferro e soja. Há ainda o risco de interrupções em fábricas e portos na China, por causa da ômicron, adiarem a volta ao normal do abastecimento de peças e insumos para a indústria. Como se não bastasse, há o petróleo.
O preço do barril (tipo Brent) passou dos US$ 88 nesta terça-feira (18). Tinha havido um refresco no final do ano passado, quando o Brent raspou nos US$ 70. Desde o início do ano, subiu mais de 12% e passou do valor mais alto em 2021.
O problema de fundo é restrição de oferta, acompanhada de recuperação da economia mundial, que continua (mas não mais no Brasil).
A Opep, com apoio da Rússia e de outros amigos, aumenta a produção de modo comedido; alguns países nem conseguem produzir a "cota" do cartel. Talvez o rumor de confusão na Ucrânia ajude a elevar o preço do barril.
Seja qual for o motivo, o problema de base é cartel, é política. Alguém pode imaginar Vladimir Putin se comovendo com as queixas de Joe Biden sobre a inflação mundial?
Sim, a chuva também levou mais água para os reservatórios das hidrelétricas do centro-sul. A esta altura do ano, não estavam tão cheios desde 2016. Não é lá grande coisa, mas a hipótese de crise desastrosa, racionamento, passou e bem. No entanto, o custo da luz está nas alturas, e ainda haverá aumentos por anos, pois a conta da escassez do ano passado, entre outros problemas, está represada.
O ano está no comecinho, e parte desses prejuízos pode ser compensada, em tese. Mas a hipótese de baixa mais rápida da taxa de inflação (que ainda seria de uns 5% no final deste 2022) está indo rápido para o vinagre. A alta terrível de juros e a estagnação econômica vão segurar preços. Obviamente, não é um consolo.
A conversa fiada e as mentiras sobre os preços dos combustíveis voltaram ao noticiário político, mesmo durante as férias da turma. Jair Bolsonaro mente mais ainda: voltou a dizer que a carestia é causada pelo ICMS e, patranha ainda mais descarada e ignara, por casa da roubalheira na Petrobras.
Gasolina e diesel estão caros porque a Petrobras cobra preços do mercado mundial, traduzidos pelo preço do dólar no Brasil. Ponto. Na média de dezembro, o dólar fechou em nível próximo dos picos de 2021 e 2020. Antes disso, real tão desvalorizado apenas se vira no rescaldo da crise da eleição de Lula 1, em 2003.
O dólar vai ficar mais barato, de modo relevante? Improvável, pois Bolsonaro está no poder, avacalhando o governo e uma eleição que já seria tumultuada, com o capital estacionado fora do país, esperando que bicho vai sair das urnas.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2022/01/aumenta-o-risco-de-inflacao-ainda-alta-em-2022.shtml
Elio Gaspari: O Brasil na armadilha argentina
Elio Gaspari / O Globo
O general Juan Domingo Perón foi deposto em 1955, e seu fantasma ainda influencia a política argentina. Dizem-se peronistas o presidente Alberto Fernández e sua vice, Cristina Kirchner, que governou de 2007 a 2015. Ela é a viúva de Néstor, presidente de 2003 a 2007. Era peronista Carlos Menem (1989-1999). O que é um peronista, não se pode saber, mas sabe-se que, desde 1955, o andar de cima argentino tentou criar alternativas a esse fantasma e fracassou. Como se cantava em Buenos Aires: Se siente / Se siente / Perón está presente.
Perón foi um ladravaz que emulou políticas sociais da época em seu primeiro governo (1946-1952). Tinha o apoio do andar de baixo, a que chamava de los descamisados. (De certa forma, fez na Argentina o que Getúlio Vargas fazia no Brasil sem roubar. Pindorama foi salva de uma perenização do “varguismo” pelo governo e pela personalidade de Juscelino Kubitschek.)
O andar de cima argentino tentou de tudo. Dois civis foram depostos, e dois generais dispensados, até que, em 1973, um terceiro abriu as portas para o retorno de Perón. Doente, ele colocou a mulher, uma ex-dançarina de cabaré panamenho, na Vice e morreu um ano depois. Seguiu-se, a partir de 1976, a mais sanguinária das ditaduras militares da região. Produziu uma sucessão de quatro generais. Um deles, aloprado, teve a ideia de invadir as Ilhas Malvinas. Surrado pela Inglaterra, foi dispensado.
O peronismo retornou em 1989 com Carlos Menem e lá ficou por dez anos, até que o andar de cima elegeu o presidente Fernando de la Rúa. Abandonado pela banca internacional, ele fugiu da Casa Rosada. Em 2003, pelo voto, o peronismo retornou com Néstor Kirchner.
Entre 2015 e 2019, Mauricio Macri derrotou o peronismo e presidiu a Argentina com uma agenda liberal. Perdeu a reeleição para Alberto Fernández.
Em 1943, quando Perón surgiu como secretário do Trabalho, o motor da economia argentina já estava rateando. Passaram-se 79 anos, ao longo dos quais a Argentina andou para trás. Causa vertigem lembrar que, em 1923, ela tinha uma economia maior que a Alemanha ou o Japão.
A sabedoria convencional costuma atribuir ao que chama de populismo peronista o declínio argentino. O buraco está mais em cima, numa classe de endinheirados que também produziram desastres econômicos, duas ditaduras, massacres e uma guerra maluca. O peronismo é ruim, mas suas alternativas revelaram-se sempre piores pela incapacidade de produzir algo racional e eficaz. O quê? Sabe-se lá, mas o Brasil produziu JK. Da elite argentina saiu só Máxima Zorreguieta, a atual rainha da Holanda, filha do ministro da Agricultura do governo de um dos generais. (Ele não foi convidado para o casamento com o príncipe, atual rei.)
Enquanto não se consegue uma explicação para a cegueira do andar de cima argentino, resta lembrar uma observação de sir Cecil Beaton, o fotógrafo da Casa Real inglesa. Em 1971, depois de um carnaval e de uma visita às mansões e fazendas das terras do Sul, ele escreveu: “Alguns sul-americanos têm um estranho cheiro doce”.
Moro não desistirá
Sergio Moro se faz ouvir e garante que não existiu, não existe, nem existirá a possibilidade de desistir de sua candidatura à Presidência.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/o-brasil-na-armadilha-argentina-25359427
Destruição do Cerrado 'empurra' mosquito da dengue para as cidades
Roberta Jansen / O Estado de S.Paulo
RIO - Um estudo de cientistas da Universidade Estadual Paulista (Unesp), publicado na revista científica PLOS, demonstra que o avanço da destruição do Cerrado está diretamente ligado ao aumento do número de casos de dengue na região. O trabalho mostra que, se o ritmo do desmatamento continuar semelhante ao atual, em 2030 toda a área do Cerrado terá um aumento considerável dos casos da doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, de origem africana.
“O aumento dos casos de dengue está relacionado à redução da cobertura vegetal do Cerrado”, afirma o engenheiro florestal Arlindo Ananias Pereira da Silva, da Unesp, principal autor do estudo. “Se não houver política pública específica e regionalizada, algumas regiões vão ter um impacto muito grande.”
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O Estado de maior preocupação é Minas Gerais. Dos atuais 2,2 mil casos por 100 mil habitantes, os registros da doença pulariam para 4 mil por 100 mil habitantes. Para impedir que a projeção se concretize, alertam os cientistas, o País terá que controlar o desmatamento e adotar novas políticas ambientais e de saúde pública.
Em 2020, houve em todo o mundo 2,7 milhões de casos de dengue. Desse total, 36,5% foram no Brasil. Mais da metade deles foi registrada no Cerrado. De 2008 a 2019, a dengue matou 6,4 mil pessoas em território brasileiro.
Desmate e monocultura, com mais calor e menos predadores, favorecem o Aedes
O avanço do Aedes aegypti em áreas tropicais é relacionado à urbanização, sobretudo em cidades sem infraestrutura de saneamento básico. A perda do hábitat e a redução de predadores naturais ‘empurra’ o inseto para áreas urbanizadas, espalhando a dengue.
“Quando o mosquito está inserido em ambiente florestal, há meios de controle, com os predadores e também por conta da cobertura vegetal, o microclima”, explica o pesquisador. “Com o desmatamento e a monocultura, você aumenta as temperaturas, amplia a oferta de alimento e reduz os predadores naturais; isso é tudo o que o mosquito quer para se reproduzir.”
O Cerrado ocupava originalmente pouco mais de 20% do território brasileiro. Mas, desde o início dos anos 70, sofre grande pressão do agronegócio, intensificada nos anos posteriores. Desde 2005, segundo o trabalho, a taxa de desmatamento vinha diminuindo. Mas em 2020 houve um aumento de 13,2% em comparação ao ano anterior. Atualmente, o bioma concentra a maior parte da produção agropecuária do País.
Depois da Mata Atlântica, o Cerrado é o bioma que mais sofreu alterações por causa da ocupação humana. É considerado um dos 25 ecossistemas do planeta em alto risco de extinção. Atualmente, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, restam aproximadamente 34% da área original do Cerrado. Cientistas mais pessimistas acham que, até 2030, o ecossistema pode estar totalmente destruído.
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Sob Joaquim Leite, política ambiental de Salles e Bolsonaro continua
Phillippe Watanabe / Folha de S. Paulo
Saiu Ricardo Salles, entrou Joaquim Leite, e quase nada mudou na governança ambiental, muito criticada, do governo Jair Bolsonaro (PL), dizem especialistas da área ambiental.
"A entrada do Joaquim é uma mudança de embalagem", resume Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede que congrega dezenas de instituições de pesquisa ambiental e da sociedade civil.
Na mesma linha, Natalie Unterstell, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA) e coordenadora do Política por Inteiro, diz: "Tudo muda para tudo ficar como está", fazendo referência a uma frase do livro "O Leopardo", de Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
O ponto central, dizem os especialistas, é que os ministros estão seguindo a política ambiental ditada por Bolsonaro. "O verdadeiro ministro do Meio Ambiente é o Bolsonaro", diz Astrini. "No ministério, um sinal de melhoria seria coroado com demissão. Se você melhorar a gestão ambiental, você vai ser demitido."
Permanece, sob Leite, os baixos níveis de multas ambientais, ao mesmo tempo em que há altos índices de desmatamento. A fragilização do ministério e de órgãos como Ibama e ICMBio também permanecem, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem.
Salles pediu para sair do governo no momento em que era alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) por uma operação da Polícia Federal que investigava suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras a partir de modificação de regras com o objetivo de regularizar cargas apreendidas no exterior.
O ex-ministro também era alvo de um inquérito que investiga sua atuação na apuração da maior apreensão de madeira do Brasil. Salles se colocava ao lado dos madeireiros.
Segundo Astrini, a saída de Salles não teve nada a ver com um possível fraco desempenho ambiental. "O desempenho estava a contento do Bolsonaro. Se a PF não tivesse feito a denúncia no Supremo, ele seria o ministro até hoje."
Leite é próximo a Salles e, mesmo logo após a troca de ministros, apostava-se que a mudança não traria alterações de fato.
"A grande questão é que do ponto de vista de orientação, de política, não houve nenhuma mudança. O ministério continua estando muito aquém das necessidades de um Ministério do Meio Ambiente do Brasil, um ministério tacanho, com pouco protagonismo e com pouquíssimo conhecimento técnico, apesar do corpo técnico experiente", diz Adriana Ramos, assessora política e de direito socioambiental do ISA (Instituto Socioambiental). "O ministro não parece usufruir desse conhecimento."
Segundo os especialistas ouvidos, fica clara a continuidade do modelo de gestão ambiental ao se ver que as medidas postas em prática por Salles continuam em vigor. Uma das principais é a paralisação do Fundo Amazônia, no qual há bilhões de reais que poderiam ser usados para programas de preservação ambiental no bioma.
Para reativá-lo, bastaria que o novo ministro reconstituísse os conselhos paralisados por Salles. O ex-ministro interrompeu as atividades do fundo por, segundo ele, terem sido detectados problemas nos contratos do fundo com projetos. Alguns meses depois, Salles já falava que as negociações para retomada do fundo estavam paralisadas porque havia o desejo brasileiro de que o governo federal tivesse prevalência no processo de decisão sobre a destinação do dinheiro.
Ao mesmo tempo, Noruega e Alemanha se mostravam surpresos com a situação e afirmavam que estavam satisfeitas com o funcionamento do fundo, que passava por auditorias internacionais.
Apesar da semelhança administrativa, há uma visível diferença entre eles. Salles tinha uma postura combativa, mais ousada e irônica, tanto em entrevistas quanto em redes sociais. Já Leite é mais discreto e pouco se expõe nas redes sociais.
Unterstell avalia que a entrada de Leite pode ter sido uma tentativa de aliviar a imagem ambiental do país.
"Eles achavam que o Joaquim Leite era um remédio publicitário e que, com um discurso menos agressivo, diminuiriam as críticas ao Brasil", afirma a coordenadora do Política por Inteiro. "Eles fracassaram com essa estratégia."
O Brasil continua sendo visto com preocupação, devido aos elevados níveis de desmatamento na Amazônia, pelo mercado externo.
Tem umas coincidências na vida né... Parece que o navio do #greenpixe estava justamente navegando em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro bem na época do derramamento de óleo venezuelano... pic.twitter.com/ebCoOPhkXJ
— Ricardo Salles (@rsallesmma) October 24, 2019
"Um era mais histriônico e mais político, com uma presença pública mais proativa. E o outro com uma presença pública praticamente inexistente", afirma Ramos.
Na COP26, Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, no Reino Unido, a passagem de Joaquim Leite foi pálida, diz Unterstell. Inclusive, o Brasil foi para a COP quando os dados de desmatamento na Amazônia já tinham sido computados pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), mas não foram tornados públicos.
Se a mudança de ministro não trouxe alterações de fato, as mudanças na liderança do Legislativo trouxeram, diz Suely Araujo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama.
Segundo Araujo, as "boiadas" ambientais não andavam nos primeiros anos de governo, pela falta de base governamental no Legislativo, o que muda com a aliança com o centrão. "O Arthur Lira deixou de promover deliberações, que envolve debate, e ele só promove votações com textos que aparecem do nada."
A especialista cita como exemplo o PL (projeto de lei) 6299/2002, que foi incluído para votação em regime de urgência. O projeto, que muda regras relacionadas a agrotóxicos, foi barrado.
Segundo Araujo, que acompanha o Legislativo há mais de duas décadas, está muito forte uma postura antimbiental, principalmente na Câmara, de desconstrução da política ambiental, "chancelada pelo presidente da Câmara e pelas lideranças que o apoiam, a maioria governamental".
A especialista do Observatório do Clima diz que 2022 tendo a ser um ano com ainda mais judicialização de temas ambientais, algo que já ocorreu em 2021, inclusive com uma decisão do STF, em dezembro, que restaurou a proteção a mangues e restingas, que tinha sido alterada por uma decisão do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) em 2020, que, naquele momento, era presidido pelo ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles.
A Folha procurou o Ministério do Meio Ambiente para comentar, mas, até a publicação desta reportagem, não houve resposta.
Procurado pela Folha, a assessoria de Arthur Lira afirmou que "refuta qualquer tentativa de colar no presidente a pecha de antiambientalista".
"Todas as pautas aprovadas são pautadas por decisão do colégio dos líderes e não pela decisão unilateral do presidente. Vários foram os projetos pautados como o Projeto de Lei 528/21, do 1º vice-presidente da Câmara, deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que institui o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), a fim de regular a compra e venda de créditos de carbono no País", disse a assessoria do presidente da Câmara, em nota.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/01/sob-joaquim-leite-politica-ambiental-de-salles-e-bolsonaro-continua.shtml
Demissão em massa e bafômetro obrigatório: o que o STF julgará em 2022
Manoela Alcântara / Metrópoles
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa 2022 com a previsão de julgar matérias com impacto direto na vida dos cidadãos e na análise de casos por tribunais em todo o país. Somente para os seis primeiros meses do ano, a Suprema Corte prevê analisar 38 recursos com repercussão geral. Isso significa que a tese formulada pelo STF sobre uma matéria pode ser aplicada a todos os casos semelhantes nas demais instâncias.
Em pauta, estão assuntos como demissões em massa, planos de saúde, constitucionalidade da terceirização, atendimento em creches, testes de bafômetro e outros. A cada mês, até junho, o STF terá a missão de dar desfecho aos processos, com efeito multiplicador.
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Antes da Emenda Constitucional 45/2004, a chamada Reforma do Judiciário, qualquer processo em tramitação que envolvesse questões constitucionais, ainda que com temas idênticos ou com relevância limitada, poderia chegar ao STF, que é a última instância do Judiciário.
Com a repercussão geral, ficou delimitado ao STF o julgamento dos recursos extraordinários com temas de questões relevantes sob os aspectos econômico, político, social ou jurídico.
Início das análises
A abertura do ano Judiciário após o recesso de dezembro e janeiro no STF será em 1º de fevereiro, com sessão solene. Em 2 de fevereiro, primeiro dia de votações em plenário, começa a análise acerca das demissões em massa.
Os ministros julgam o Recurso Extraordinário (RE) 999435, que discute a necessidade prévia de negociação coletiva com sindicatos dos trabalhadores para dispensa em massa de empregados. Será tratada ainda a penhora de bens de família do fiador em contrato de locação comercial. Além disso, os ministros votarão se um tribunal de segunda instância pode determinar a realização de novo júri, caso o réu tenha sido absolvido devido a uma suposta contrariedade à prova dos autos.
Gravações e atos obscenos
Em março, o STF aprecia recurso sobre a possibilidade de renovação sucessiva de autorização de interceptação telefônica para fins de investigação criminal. Hoje, existem 96 processos com andamento suspenso em instâncias inferiores.
Os ministros ainda votam um tema que pode destravar 5.637 ações em outras instâncias. Eles apreciam recurso sobre aplicação do Estatuto do Idoso em contrato de plano de saúde firmado antes de sua entrada em vigor.
Há ainda previsão para que seja julgado artigo do Código Penal que tipifica como crime a prática de ato obsceno em local público, aberto ou exposto ao público.
Direitos trabalhistas
Em abril, somente duas pautas em votação podem nortear 70.906 ações. Um dos recursos trata de embargos contra decisão que reconheceu a constitucionalidade da terceirização em toda e qualquer atividade. Há hoje 8.541 processos sobrestados sobre o tema.
Ainda no âmbito trabalhista, será analisada a validade da norma coletiva de trabalho que suprime direitos relativos ao tempo gasto pelo trabalhador em seu deslocamento entre casa e trabalho. A matéria é objeto de 62.365 processos suspensos.
Creches e bafômetro
Em abril, o STF delibera sobre o dever de o Estado garantir o atendimento em creches e pré-escolas às crianças até 6 anos. No Brasil, 20.266 processos tratam do assunto e estão parados.
A polêmica sobre obrigatoriedade da realização do teste do bafômetro também está na lista da Suprema Corte. O caso será analisado no RE 1224374, que discute a regra do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que classifica como infração de trânsito a recusa do motorista a se submeter ao teste do “bafômetro”.
Em junho, os ministros deliberam sobre licença-maternidade e estabilidade provisória da gestante contratada pela administração pública por prazo determinado ou ocupante de cargo em comissão.
Os 38 recursos que geram repercussão podem ser encontrados na página do STF. Veja no link.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/demissao-em-massa-e-bafometro-obrigatorio-o-que-o-stf-julgara-em-2022
Crise com funcionalismo público pode gerar impacto político para Bolsonaro
Ingrid Soares / Correio Braziliense
Após prometer aumento salarial apenas a algumas categorias, em especial a policiais, visando a reeleição, o presidente Jair Bolsonaro (PL) acabou deflagrando um crise com o restante do funcionalismo público e passou a correr sério risco político com a decisão.
Servidores federais têm grande poder de mobilização no Congresso, o que pode impactar na sustentação do governo. A análise é de que o presidente sairá ainda mais arranhado, independentemente do cenário.
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou, ontem, não haver espaço no Orçamento para a concessão de reajustes salariais a servidores. O general ainda colocou em dúvida o aumento já prometido a categorias como servidores da Segurança e da Saúde. Ao ser questionado pela imprensa sobre o assunto, enfatizou: "Você sabe muito bem que não tem espaço no Orçamento para isso, né?".
Perguntado se o reajuste ficaria restrito a servidores da Segurança e da Saúde, Mourão afirmou: "Não sei nem se o presidente vai conceder isso aí. Não sei, vamos aguardar o presidente bater o martelo. O espaço orçamentário é muito pequeno".
Bolsonaro também já foi alertado por integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o risco jurídico de conceder aumento salarial apenas para as forças policiais e que o reajuste deveria ser concedido a todo o funcionalismo público para evitar uma enxurrada de ações.
O diretor-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, observou que os servidores públicos são numerosos, organizados e possuem enorme poder de pressão sobre o Legislativo, sobretudo em ano eleitoral.
"Bolsonaro e (Paulo) Guedes (ministro da Economia) contribuíram de forma relevante para a indignação das diversas categorias de servidores públicos, ao insistirem, junto ao Legislativo, para a alocação de recursos no Orçamento de 2022 com a finalidade da concessão de aumento seletivo, exclusivamente para servidores da área de segurança. Parafraseando um ditado popular: cutucaram o 'leão' com a vara curta, ainda mais ao retirarem recursos da Receita Federal de forma a compor o aumento para os servidores da segurança", avaliou.
Castello Branco destacou que, "racionalmente, não há espaço orçamentário para a concessão de aumento generalizado para todos os servidores públicos, a não ser com o cancelamento de outras despesas obrigatórias, o que desencadearia efeito cascata, muito provavelmente afetando as finanças de estados e municípios". "Mas a preocupação atual é muito maior com o calendário eleitoral do que com a responsabilidade fiscal", acrescentou.
O especialista frisou que cada ponto percentual de aumento salarial dos servidores públicos gera impacto de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões. "Um hipotético pequeno aumento de 5% para todos os servidores, muito aquém do que eles pretendem, ocasionaria aumento da despesa entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões. Racionalmente, não há espaço fiscal para o aumento."
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4978601-risco-de-impacto-politico-para-bolsonaro.html
Governo diz ao STF que aumento no valor do fundo eleitoral é constitucional
Daniel Gullino / O Globo
BRASÍLIA — A Advocacia-Geral da União (AGU) denfendeu, em manifestação enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF), que o aumento de valor do fundo eleitoral é constitucional. A AGU defendeu a rejeição de uma ação apresentada pelo partido Novo questionando o valor do fundo, que pode chegar a até R$ 5,7 bilhões.
"Não se apresenta razoável partir da premissa de que a destinação de recursos para campanhas eleitorais, definida por critérios legais, estaria a depender de um sarrafo quantitativo para sabermos se atende ou não ao princípio constitucional da moralidade", diz a manifestação da AGU, que foi referendada pelo presidente Jair Bolsonaro.
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O caso é relatado pelo ministro André Mendonça. Na semana passada, em seu primeiro despacho como ministro do STF, Mendonça pediu informações à Presidência da República e ao Congresso Nacional sobre o caso.
No ano passado, o Congresso estabeleceu, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que o fundo eleitoral poderia chegar a R$ 5,7 bilhões em 2022. Esse trecho da LDO foi vetado por Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelo Congresso em dezembro.
Depois, na votação de fato do Orçamento, os parlamentares estabeleceram um valor de R$ 4,9 bilhões para o fundo. Dentro do governo, existe a dúvida sobre se o valor de R$ 5,7 bilhões precisa ser retomado, mas para não haver desrespeito à LDO, que estabelece as bases para o Orçamento. Bolsonaro tem até sexta-feira para sancionar ou vetar a lei orçamentária anual.
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Após a derrubada do veto, o Novo apresentou uma ação no STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade do trecho da LDO que trata do fundo. A AGU, no entanto, não concordou com os argumentos do partido.
Um dos pontos questionados foi a alegação da legenda de que o aumento no valor do fundo seria um desvio de finalidade por parte dos maiores partidos, para benefício próprio, já que a maior parte dos recursos é dividida proporcionalmente ao tamanho das bancadas.
"A forma de distribuição legalmente estabelecida, em verdade, vai ao encontro de uma lógica de alocação de recursos a prestigiar, por um lado, uma distribuição igualitária entre partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral e, por outro, uma distribuição equitativa considerando percentual de votos na última eleição e a representação nas Casas", argumentou a AGU.
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O governo também alegou que o veto de Bolsonaro à LDO ocorreu por "interesse público", por entender que remanejamento de recursos para o fundo poderia prejudicar outras ações, e não por inconstitucionalidade.
Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/governo-diz-ao-stf-que-aumento-no-valor-do-fundo-eleitoral-constitucional-1-25359895
Carlos Pereira: Ameaça não é sinônimo de risco
Carlos Pereira / Folha de S. Paulo
Celso Rocha de Barros, um dos intelectuais de esquerda mais tolerantes e fraternos que conheço, me deu o prazer em sua coluna do dia 16/01 de estabelecer um diálogo crítico com meu livro, Making Brazil Work, coautorado com Marcus Melo, e com a coluna que publiquei no Estadão no dia 10/01.
Celso argumenta que nosso livro foi importante para explicar o Brasil de 20 anos atrás, mas não seria mais útil para interpretar o que ele denomina de "crise política dos últimos anos".
No livro, afirmamos que existem três condições necessárias para que o presidencialismo multipartidário alcance funcionalidade: 1) o presidente precisa ser constitucionalmente forte e capaz de dominar a agenda legislativa; 2) a existência de moedas de troca institucionalizadas sob a discricionariedade do Executivo; e 3) instituições de controle robustas e independentes.
Se tais premissas institucionais não foram modificadas, não se pode concluir que a explicação que oferecemos para o funcionamento do presidencialismo multipartidário perdeu a validade.
Celso confunde ameaça com risco. Por exemplo, se a Marinha brasileira zarpar do Atlântico Sul para atacar os EUA, a grande potência do norte estaria sendo mais ameaçada do que se os navios estivessem ancorados na baía de Guanabara. Mas ninguém consideraria os EUA sob risco real, pois a ameaça brasileira não seria crível.
Ou seja, a questão a saber é se as ameaças de Bolsonaro à democracia são críveis. A credibilidade de uma ameaça é diretamente proporcional aos custos de cumpri-la. Bolsonaro não dispõe dos recursos políticos, sociais e nem institucionais para arcar com tais custos.
Celso sugere que para mim a democracia só estaria em risco se houvesse golpe. Entretanto, golpe é consequência de enfraquecimento institucional, o que não tem ocorrido no Brasil, mesmo diante das ameaças de Bolsonaro.
Não estou argumentando que o Brasil estaria imunizado para sempre contra iliberalismos de direita ou de esquerda. Mas quanto mais o jogo democrático é jogado, menores as probabilidades de quebra democrática diante do amadurecimento e da densidade institucional já adquiridos pelo país.
Celso argumenta que "para quem morreu sem vacina, nossa democracia falhou". Na realidade, há uma confusão entre incompetência governamental e mal funcionamento da democracia. Em última instância, mistura governo ruim com autoritarismo. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Governos autoritários podem ser eficientes e democracias podem ser ineficientes, e vice-versa.
Outro aspecto importante é não interpretar impeachment como uma questão de merecimento, como faz Celso. Bolsonaro não foi "degolado" porque foi domesticado, mesmo que tardiamente, ao jogar com as armas do presidencialismo de coalizão. Montou uma coalizão minoritária, mas suficiente para obstaculizar tentativas de abreviamento do seu mandato. Além do mais, posicionou aliados estratégicos na presidência das casas legislativas. Entretanto, tem pago caro por essa proteção.
Por fim, o argumento de que "tudo se justificaria para evitar o grande desastre", até mesmo votar em líderes pouco retilíneos, foi uma provocação que fiz para os eleitores pragmáticos, que votaram em Bolsonaro em 2018 para evitar o PT, mas que se frustraram profundamente com o péssimo governo do capitão.
Agora, paradoxalmente, consideram votar em Lula com o "nariz tampado" com o argumento da necessidade de derrotar Bolsonaro. Esses eleitores não precisam ter o desprazer de votar em Lula no primeiro turno. Se querem, de fato, aniquilar o bolsonarismo, a melhor opção não seria Lula ganhar no primeiro turno, mas sim Bolsonaro não ir para segundo turno. Bolsonarismo e o lulismo são gêmeos fraternos.
*Carlos Pereira é professor titular da FGV-Ebape, no Rio de Janeiro
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/ameaca-nao-e-sinonimo-de-risco.shtml