Day: janeiro 17, 2022
Luiz Gonzaga Marchezan: A propósito de “A mão de Deus” (2021)
Paolo Sorrentino é um admirador controlado do desmedido Federico Fellini. Algo que já demonstrou com A grande beleza (2013), em que elogia A doce vida (1960). Federico Fellini e Paolo Sorrentino por meio de sentimentos, emoções e valores, voltam-se para as originalidades da cultura italiana, seu espírito e natureza. Fellini, a partir de um emiliano; Sorrentino, pelo viés do napolitano. E, assim, os exageros fellinianos inspiram a medida calculada que Paolo Sorrentino dá aos excessos que escolhe do n apolitano a fim de representar sua fanfarronice.
Federico Fellini e Paolo Sorrentino trabalham com memórias sempre divertidas que trazem de Rimini e Nápoles, lugares a partir dos quais desdobram para suas narrativas representações de hábitos e comportamentos que lhes possibilitem leitura da natureza do italiano, sempre arredia a consensos, escolhas, opções. Os dois diretores, para isso, lidam com personagens aparentemente vazias, que, no entanto, contam com vozes desassossegadas constantemente voltadas para valores de suas origens; assim, elas se colocam de maneiras teatrais e ostentam as especulações que fazem, mesmo distantes de um conhecimento seguro sobre as coisas do mundo, e no âmbito de citações de autoimagens dos dois diretores em cenas de seus filmes.
A personagem Maradona apareceu também em A juventude (2015), de Paolo Sorrentino, representado pelo ator Roly Serrano. Maradona, como na vida de então, fora de controle do seu corpo e mente. Aliás, uma vez considerado o cenário do filme – um hotel spa suíço, percebemos que todas as personagens se encontram com seus corpos e mentes sob o controle de fisioterapeutas e médicos do luxuoso local.
O maestro e compositor Fred Berlinger (Michael Caine) encontra-se em profunda crise existencial e ao lado de sua filha, Lena Berlinger (Rachel Weesz), também em crise, porque abandonada pelo marido. Mick Bayle (Harvey Kertel), diretor de cinema e amigo do maestro, vê-se deprimido e avaliando sua vida e obra como medíocres; Jimmy Tree, ator de cinema, certifica-se de que precisa mudar os papéis que representa no cinema. O tema musical do filme, cantado, no final, nada menos do que por Sumi Jo, traz exatamente o motivo central da narrativa: a perda do controle da medida pessoal para com a vida.
Paolo Sorrentino, com A mão de Deus (2021), voltou a divertir-se com memórias italianas, com as identidades pessoal e cultural do italiano, rir com os valores fundadores da cultura italiana; com as memórias do cinema italiano, felliniano, principalmente.
O término da história de A mão de Deus (2021) traz a decisão corajosa de Fábio (Fillipo Scotti) partindo de Nápoles para Roma a fim de estudar cinema, nos moldes como Moraldo (Franco Interlenghi), progatonista de Os boas-vidas(1953), alter ego de Federico Fellini, parte de Rimini para Roma, com o mesmo objetivo. Mais, nos dois filmes, os dois protagonistas que, solitariamente, deixam suas cidades, serão saudados nas estações de trem por dois meninos que abanam as mãos em sinal de despedida.
Paolo Sorrentino e, de modo mais fantasioso, Federico Fellini trabalham na linha divisória entre o neorrealismo e o cinema novo italiano, daí, promoverem, a partir de invenções biográficas, situações difusas próximas de paradigmas existenciais que transparecem como algo natural e mesclado com o imaginário, o biográfico e o cultural.
*Luiz Gonzaga Marchezan é mestre em Letras (1987), pela UNESP, Doutor em Letras (1994), pela FFLCH-USP, e Livre-docente em Teoria da Literatura (2019), pela UNESP-Ar., à qual se vincula como Professor Associado do Departamento de Linguística, Literatura e Letras Clássicas, do Curso de Graduação em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários. Seus principais interesses de pesquisa e suas publicações situam-se no domínio das relações intersemióticas manifestadas no texto literário, especialmente, no conto contemporâneo e na ficção regionalista nacional.
**Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
***As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
Henrique Brandão: ‘O Canto livre de Nara Leão’ mira no passado e acerta no presente
Lilia Lustosa: Não olhe para cima, não saia da caverna
Ricardo Marinho: Histórias que precisamos contar de um passado distante e recente
André Amado: Uma visão criativa da Segunda Guerra Mundial
Acessa todas as edições (Flip) da Revista Política Democrática online
Acesse todas as edições (PDF) da Revista Política Democrática online
Luiz Henrique Lima: O Cerrado pede socorro
Não se fazem políticas públicas e não se decidem investimentos privados sem planejamento. E não se faz planejamento sem informação de qualidade.
O gestor, público ou privado, que atua sem amparo em dados fidedignos, suficientes e tempestivos assemelha-se a um cirurgião que opera com os olhos vendados ou a um piloto que conduz a aeronave com pane nos aparelhos e sem comunicação. O risco de fracasso, desastre ou tragédia é muito alto.
Muitos erros podem ser cometidos na formulação de políticas públicas ou na tomada de decisões de investimentos privados. Nenhum, contudo, é pior que destruir a base de informações que permite a realização do planejamento.
Faço essas considerações a propósito da perspectiva de descontinuidade dos programas de sensoriamento remoto do Bioma Cerrado, o Prodes-Cerrado e o Deter-Cerrado, conduzidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE há mais de vinte anos. As informações obtidas a partir desses programas são vitais para pesquisas acadêmicas e para a formulação de programas de proteção ambiental e de estratégias de melhoria da produtividade de forma sustentável na agricultura e na pecuária.
O Cerrado é um dos nossos biomas mais importantes e sensíveis e o único presente em todas as regiões do país, estendendo-se do Paraná ao Maranhão e de Minas Gerais a Rondônia, tendo papel fundamental no abastecimento de água e na geração de energia. Todavia, ao contrário da Floresta Amazônica, da Mata Atlântica e do Pantanal, o Cerrado não foi prestigiado na nossa Constituição como patrimônio nacional, cuja utilização far-se-á dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos (art. 225, par. 4º).
Os últimos dados divulgados pelo INPE em dezembro de 2021 revelaram o crescimento no desmatamento do Cerrado, que alcançou, no período de doze meses até julho/2021, a área de 8.531 km2, a um ritmo de quase 24 km2/dia ou 1 km2/hora, ininterruptamente, dia e noite, inclusive domingos e feriados. Entre as consequências da destruição, principalmente por queimadas, estão a perda da biodiversidade, a ameaça às nascentes e aquíferos, a erosão de encostas e a aceleração das mudanças climáticas.
Os recursos que financiavam as atividades do Prodes-Cerrado e do Deter-Cerrado eram extraorçamentários, oriundos de doação do Banco Mundial, esgotada em 2021 e cujo convênio não foi renovado pelo governo federal. Por incrível que pareça, não há previsão de novos recursos no orçamento de 2022. Não estamos falando de nenhuma fortuna. São necessários apenas R$ 2,5 milhões anuais para que tais programas tenham continuidade. Para se ter uma ideia, cada parlamentar federal, deputado ou senador, pode indicar até R$ 17,6 milhões em emendas impositivas ao orçamento da União de 2022. Além disso, cada bancada estadual pode apresentar R$ 212,9 milhões em emendas impositivas. Custa-me crer que a proteção do Cerrado não tenha recebido uma fração ínfima de tais recursos. Ainda é possível remediar o problema, mediante a edição de créditos adicionais, mas é necessário urgência pois as equipes de cientistas e técnicos especializados estão sendo desmobilizadas e será difícil reorganizá-las.
Além dessa trágica interrupção na geração de informações sobre o Cerrado, o Brasil enfrenta hoje o prolongado apagão de informações no Ministério da Saúde sobre a evolução da pandemia da Covid-19, bem como nova ameaça de insuficiência de recursos para a realização do Censo Demográfico do IBGE, que deveria ter sido concluído em 2020.
Nenhum inimigo ou traidor da Pátria é tão perigoso quanto aquele que destrói, debilita, adultera ou boicota a capacidade do país de conhecer a sua própria realidade para poder transformá-la em benefício dos brasileiros.
*Luiz Henrique Lima é professor e auditor substituto de conselheiro do TCE-MT
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-cerrado-pede-socorro/
Disputa pelo comando da bancada evangélica no Congresso expõe roteiro de divergências
Bruno Góes / O Globo
BRASÍLIA — De olho nas eleições deste ano, integrantes da bancada evangélica travam uma guerra para ocupar a presidência da Frente Parlamentar no Congresso, composta por 115 deputados e 13 senadores. Um racha na Assembleia de Deus, a maior denominação evangélica do Brasil, vem gerando uma disputa nas últimas semanas expostas em posts nas redes sociais e áudios vazados com trocas de acusações e ofensas.
Estratégia virtual: WhatsApp avalia derrubar limites de mensagens e gera temor de impulso a fake news em ano eleitoral
Os deputados Cezinha de Madureira (PSD-SP) e Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ) são os protagonistas do embate. Em 2020, um acordo na bancada combinou um revezamento na presidência da Frente. Cezinha, ligado ao Ministério de Madureira, comandado pelo bispo Manoel Ferreira, ficaria com o comando em 2021, e Sóstenes, ligado ao pastor Silas Malafaia, da Vitória em Cristo, em 2022. Nos bastidores, Cezinha ensaia não cumprir o acordo e reivindicar mais um ano na presidência da Frente.
De André Valadão a Henrique Vieira: Influenciadores religiosos miram debate político nas redes sociais
Na quinta-feira, elevando a tensão de uma crise que se desenrola há mais de duas semanas, o deputado Abílio Santana (PL-BA), ligado a Cezinha, postou um vídeo questionando a validade do acordo, exposto em um vídeo obtido pelo GLOBO. Em 17 de dezembro de 2020, o então líder dos evangélicos na Casa, Silas Câmara (Republicanos-AM), pergunta se os integrantes da bancada aceitariam Cezinha como próximo presidente (2021) e Sóstenes no ano seguinte (2022). Abílio estava ausente, mas os presentes concordam com a ordem de sucessão, inclusive o próprio Cezinha. Em coro, os parlamentares dizem “amém”.
— Aí o Abílio quer dizer que a reunião é ilegal por que ele não estava? Não respondo a cachorro morto, a mau caráter. Cada vez que ele tenta justificar ou mentir, apanha mais — diz Malafaia, que não aceita ceder e quer Sóstenes no comando da Frente.
Disputa virtual: Em busca de jovens e para diversificar eleitorado, políticos experientes investem em memes
Embora Cezinha mantenha o silêncio sobre o tema (interlocutores dizem que só vai se pronunciar em fevereiro), Abílio não é o primeiro integrante do Ministério de Madureira que sinaliza a quebra do acordo. Em culto evangélico para celebrar a posse do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça, Samuel Ferreira, filho de Manoel Ferreira, defendeu a recondução de Cezinha em discurso na presença do presidente Jair Bolsonaro.
Irritado por ser chamado de “cachorro morto” por Malafaia, Abílio já havia gravado uma mensagem e espalhado na internet dizendo que os oponentes deveriam “lavar a boca com detergente” antes de falar do Ministério de Madureira. Na quinta-feira, aumentou o tom contra Malafaia.
— Um tal de “cínico malafeia” falando bobagem… Até me perguntaram: ‘E sobre o que falaram do senhor, que seria um cachorro morto, o que tem a dizer?’. Quero dizer o seguinte: para quem presta, na boca de quem não presta, não vale nada. Só isso — disse o parlamentar na gravação. Ao GLOBO, Abílio afirma que o mandato de presidente da Frente é bienal e que não tem conhecimento de que a sucessão foi apalavrada.
Registro em cartório
Em vídeo gravado aos seus eleitores, Sóstenes tratou do assunto. O deputado do DEM afirma ter um documento assinado, registrado em cartório, que trata da reunião em que foi discutida a alternância de poder na Frente. Enquanto seu líder Silas Malafaia estimula a guerra na bancada, Sóstenes tenta fazer um discurso apaziguador.
— Eu tenho certeza de que o deputado Cezinha vai cumprir o acordo porque ele, até aqui, tem sido um parlamentar de palavra — diz Sóstenes, completando ainda sua visão sobre a prioridade dos evangélicos esse ano. — O foco principal nosso vai ser lutar pela reeleição do máximo de colegas e o aumento da bancada para 2022, tanto na Câmara como no Senado. Quero fazer também um encontro, um congresso, em cada região do país sobre religião e política.
Parlamentares influentes na bancada evitaram dar opinião sobre o conflito. Antecessor de Cezinha, Silas Câmara alega que houve acordo para Sóstenes assumir, mas não quis dar detalhes.
— Eu não posso falar sobre isso porque eles estão se entendendo. Não falo com ambos desde o dia 21 de dezembro. Mas houve um acordo (antes) — disse Silas Câmara.
No fim do ano passado, os parlamentares do grupo tiveram outra crise. A bancada evangélica se dividiu quando o projeto que legaliza os jogos de azar entrou na pauta da Câmara e virou moeda de troca para concessão de benefício tributário a templos. Na ocasião, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fez um acordo com parte da frente para discutir em plenário a legalização dos jogos. Em troca, houve a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constitutição (PEC) que isenta igrejas de pagar imposto em terreno alugado por denominações religiosas. Nesse debate, Malafaia e Cezinha passaram a se estranhar publicamente, quando o último foi acusado de fechar um acordo com o presidente da Casa sem consultar o conjunto da bancada evangélica.
Grupo seleto: Em dez anos, PF e PRF tiveram aumento real. Renda dos outros servidores encolheu
Agora, o mérito do projeto dos jogos deve voltar à pauta em fevereiro, desta vez com votação do texto. Reservadamente, Lira diz a aliados que terá votos a favor da proposta na bancada. Em dezembro, inclusive, contabilizou os integrantes do grupo que foram favoráveis à urgência da proposta — instrumento que acelera a tramitação do texto e libera o assunto para ir a plenário. Na Câmara, a maior parte do grupo diz publicamente que a legalização dos jogos é um projeto imoral e que corrói os valores da família.
Longa trajetória política
Maior denominação evangélica pentecostal do país, a Assembleia de Deus reúne mais de 12,3 milhões de fiéis, segundo dados do censo de 2010, e se divide em diferentes alas. Entre as mais relevantes estão o Ministério de Madureira, comandado pelo bispo e ex-deputado federal Manoel Ferreira; Vitória em Cristo, liderada pelo pastor Silas Malafaia; e Assembleia de Deus em Belém, presidida pelo pastor José Wellington Bezerra, líder das Assembleias de Deus no Brasil.
Em meio à disputa pelo voto evangélico, a denominação, que ao longo de sua história já fez acenos à direita e à esquerda, é parada obrigatória de candidatos que buscam espaço no segmento. Alinhada ao presidente Jair Bolsonaro desde as eleições de 2018, a Assembleia de Deus já concedeu, por exemplo, apoio público ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no passado e mais recentemente tem buscado novo diálogo com o PT.
Essa sinalização a Lula para 2022 parte do Ministério de Madureira, que já foi abrigou um dos principais protagonistas do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha. Em setembro do ano passado, o bispo Manoel Ferreira esteve com Lula no sítio do presidente da Assembleia Legislativa do Rio, André Ceciliano.
Em outro gesto de aproximação com a esquerda, o deputado federal Marcelo Freixo (PSB), pré-candidato ao governo do Rio, foi recebido por centenas de bispos e pastores em culto do ministério no Rio. Ao mesmo tempo, integra a ala da Assembleia de Deus o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP), presidente da Frente Parlamentar Evangélica, que esteve em motociatas e até mesmo no ato do 7 de setembro de Bolsonaro em São Paulo.
Entre 2019 e 2020, a disputa por poder na Assembleia de Deus esteve pacificada, mas recentemente o Ministério de Madureira e a Assembleia de Deus Vitória em Cristo, de Malafaia, entraram em rota de colisão. Enquanto a primeira ala se tornou um caminho para a oposição a Bolsonaro buscar apoio, Malafaia é tido como um dos principais apoiadores do presidente no meio evangélico e tem demonstrado alinhamento com Bolsonaro publicamente nas redes sociais, inclusive em temas caros ao bolsonarismo e ligados à pandemia de Covid-19.
TCU ameaça punir militares por revogar sem justificativa controle de armas
Mariana Carneiro / O Globo
Vai completar dois anos que o Comando do Exército não consegue explicar às autoridades em Brasília quais foram os motivos que o levaram a revogar medidas de controle sobre armas e munições. Em abril de 2020, sem explicação, três portarias que ditavam regras mais duras na identificação e na rastreabilidade desses produtos foram extintas, após Jair Bolsonaro postar em uma rede social que não concordava com a fiscalização e que iria mandar cancelá-la.
Leia também: Dinheiro do SUS que iria para o combate à pandemia bancou gastos militares
Depois de receber informações contraditórias do Comando Logístico do Exército nos últimos dois anos, a área técnica do Tribunal de Contas da União agora fala em multar os generais Paulo Roberto de Oliveira e Laerte de Souza Santos, respectivamente, subcomandante e comandante Logístico do Exército.
Eles deram versões conflitantes sobre a revogação das portarias e o TCU afirma que "falta lastro" à versão do Exército sobre a decisão, citando que houve desconfiança também do ministro Alexandre de Moraes, do STF, quando sustou a revogação das portarias, em caráter liminar, em setembro do ano passado.
Leia também: Nova regra para redes sociais do governo reforça comando por militares
O Comando do Exército e o Comando Logístico do Exército têm até o dia 7 de fevereiro para dar explicações que convençam o TCU antes que um processo formal contra os servidores militares seja aberto. Mesmo com a decisão do STF, afirma o TCU, a conduta deles merece ser investigada e, em caso de ilegalidade, punida.
Quando o Exército foi cobrado pelo Ministério Público Federal, pelo STF e pelo TCU apresentou versões diferentes para a decisão de revogar as portarias. Ao TCU, segundo relatório de monitoramento assinado por Ivan Botovchenco Sobestiansky, da Secretaria de Controle Externo da Defesa Nacional e da Segurança Pública, foram pelo menos duas histórias diferentes. A coluna teve acesso ao documento, que instrui o processo de investigação, e ainda é sigiloso.
Na primeira explicação, dada ainda em 2020, o Exército afirmou que as portarias teriam que ser extintas por uma razão técnica. O compartilhamento de informações sobre armas e lotes de munições dos bancos de dados da Polícia Federal, da Secretaria Nacional de Segurança Pública e do Exército não estavam plenamente compatíveis, inviabilizando o cumprimento das regras.
No ano passado, porém, a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Comando Logístico do Exército deu outra versão. Informou que a falta de comunicação das plataformas não foi objeto de análise quando decidiram revogar as portarias.
Agora, o TCU quer que o Exército apresente provas que demonstrem a limitação técnica alegada inicialmente.
"Caso não haja lastro comprobatório para as informações repassadas ao TCU, os atos podem caracterizar tentativa de obstrução ao exercício das atividades fiscalizatórias exercidas por esta Corte ou sonegação de informação, sujeitando os responsáveis a aplicação de multa pelo TCU", afirma o relatório, que foi endossado pelo ministro relator, André de Carvalho.
Em 15 de setembro do ano passado, na véspera do julgamento marcado pelo STF para avaliar a questão - em ação provocada por partidos de oposição -, o Exército baixou três portarias que substituiriam as que haviam sido extintas em 2020. Mas o ministro Alexandre de Moraes decidiu, no dia seguinte, sustar a revogação, alegando não ver justificativas para a mudança legal.
Orçamento: Economia prevê gastar R$ 55 milhões em novas gratificações para militares em 2022
A sobreposição de decisões deixou especialistas no escuro sobre quais são efetivamente hoje as regras que devem ser seguidas para a marcação de armas e de munição. Se as que estavam em vigor até abril de 2020 ou se as que foram baixadas pelo Exército em 15 de setembro de 2021.
O advogado Bruno Langeani, do Instituto Sou da Paz, que é amicus curie no processo que tramita no TCU e no STF, diz que as novas portarias são menos rigorosas em pelo menos dois pontos. Foi excluída a possibilidade de identificação de lotes de munição com 1.000 unidades de projéteis, comprados por forças de segurança, mantendo a exigência apenas para lotes de 10.000 unidades.
Além disso, sumiu da legislação a exigência de marcação com código de rastreabilidade dos estojos de recarga para colecionadores e atiradores amadores. Eles já haviam sido atendidos, pelo governo Bolsonaro, com o aumento da autorização para a compra de até 5.000 projéteis por ano, para cada arma.
Leia também: Buscas por farda disparam na web e acendem alerta sobre uso de uniforme militar por civis em 7 de setembro
Entidades como o Sou da Paz e até integrantes das forças de segurança, como a Polícia Federal, temem que essa munição acabe desviada para o uso do crime organizado.
No mesmo processo de instrução, o TCU questiona o Exército sobre o motivo da demora na edição das novas portarias. Na prática, o país ficou sem regras de marcação de armas e munição por 17 meses, entre abril de 2020 e setembro de 2021.
Mas tanto o TCU quanto o Instituto Sou da Paz constaram, por meio da tramitação de documentos oficiais, que desde dezembro de 2020 estavam prontas, dentro do Comando do Exército, minutas das novas portarias.
Militares no governo: Irmão de ajudante de ordens de Bolsonaro postou inquérito sigiloso a partir de provedor no exterior
O TCU quer que o Exército explique por que esperou até setembro, na iminência de uma decisão do STF, para baixar novas normas.
Langeani afirma que, na prática, o Exército vem atendendo à vontade de Bolsonaro, de afrouxar controles sobre armas, por quase dois anos.
As portarias que foram revogadas começaram a ser discutidas em 2018, após o assassinato da vereadora Marielle Franco. A investigação sobre a morte dela descobriu que os projéteis usados para matá-la e o motorista Anderson Gomes pertenciam a um lote de balas para pistola 9 mm vendidas à Polícia Federal, em dezembro de 2006.
Análise: O capitão dobrou os generais
O lote registrado pelo Exército tinha quase 2.000.000 de projéteis, muito acima das regras fixadas pelos próprios militares, de marcar cada lote com o limite de 10.000 unidades.
Balas desse mesmo lote foram encontradas em outros crimes, como registrou o TCU, em um assalto a uma agência dos Correios na Paraíba em 2018.
Provocada pelo TCU, a Polícia Federal afirmou que "caberia no mínimo um processo administrativo sancionatório contra a empresa pelo descumprimento da norma", referindo-se à Companhia Brasileira de Cartuchos, que é privada e fiscalizada pelo Exército.
Na época da morte de Marielle, o Exército afirmou que iria investigar como um lote tão fora do padrão foi expedido, mas nada foi feito até agora.
Artigo: Não é de Lexotan na veia que Bolsonaro precisa para sair do corner
No atual processo, o TCU quer que o Exército explique como monitora a separação dos lotes pela CBC e quer saber ainda a quantas anda a punição da empresa pelo descumprimento das regras no caso deste lote e de outros sete identificados como também fora do padrão.
"Evidente que não é possível garantir a eficácia de um sistema de fiscalização de produtos controlados se não houver sanção àqueles que desrespeitarem as suas normas", afirma o TCU no processo de instrução.
O Comando do Exército foi procurado pela equipe da coluna na semana passada para dar explicações sobre o caso, mas até o momento não se manifestou.
Federação partidária, Ficha Limpa e fundão entram na mira do STF
José Marques / Folha de S. Paulo
Desde a primeira semana de trabalho em 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) pretende julgar em plenário ações que podem afetar a disputa eleitoral deste ano.
A depender das decisões tomadas pelos ministros, partidos terão de reformular estratégias e planejamentos a poucos meses do início da campanha, que começa oficialmente em agosto.
Estão previstos julgamentos a respeito da possibilidade de alianças entre partidos e de políticos condenados se candidatarem. Também deve haver análise sobre os recursos públicos que serão distribuídos às legendas para financiarem as candidaturas.
No início de fevereiro, quando o Judiciário retoma as atividades regulares, o Supremo prevê julgar a validade das federações partidárias, um novo modelo de união entre legendas.
A norma foi aprovada pelo Congresso em 2021. Na prática, dá sobrevida a legendas pequenas e dribla a proibição de coligações em disputas proporcionais.
Nas coligações, os partidos se juntavam para disputar a eleição. Após a votação, não tinham nenhum compromisso entre si.
Já nas federações, as legendas são obrigadas a atuar de forma unitária nos quatro anos seguintes, nos níveis federal, estadual e municipal, sob pena de sofrerem punições.
Com as federações, pequenos partidos podem escapar das sanções previstas na cláusula de barreira, que em 2022 cortará a verba pública e espaço de propaganda a legendas que não atingirem no mínimo 2% dos votos válidos nacionais na eleição para a Câmara.
O modelo foi questionado pelo PTB, que argumentou ao Supremo que a federação viola os sistemas partidário e eleitoral proporcional previstos na Constituição e enfraquece o papel dos partidos.
Porém, o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, validou em dezembro a lei que criou as federações partidárias. Apenas fixou o prazo de seis meses antes das eleições como data-limite para que as siglas oficializem a união. A decisão foi submetida ao conjunto da corte, que irá julgar em plenário.
Instadas a se manifestarem na ação, tanto a Presidência da República quanto a Câmara defenderam a legalidade das federações. "A federação partidária difere radical e profundamente da coligação de partidos", disse a Câmara.
"A coligação de partidos é construção de natureza puramente eleitoral", afirmou. "A federação, por sua vez, possui natureza partidária e exige afinidade ideológica, de princípios e valores."
Também na primeira semana de fevereiro, o STF pretende retomar o julgamento de um pedido do PDT que afrouxa a Lei da Ficha Limpa. Em dezembro de 2020, o relator da ação, ministro Kassio Nunes Marques, concedeu uma liminar (decisão provisória) favorável ao entendimento do partido.
Na prática, a decisão encurta o tempo que um condenado fica inelegível. A mudança foi criticada por movimentos de combate à corrupção.
A Lei da Ficha Limpa define que políticos condenados por órgãos colegiados (como tribunais de segunda instância) ou cujo processo tenha transitado em julgado ficam inelegíveis desde a condenação até oito anos depois de cumprirem a pena.
A lei lista dez tipos de crimes aos quais se aplica a proibição de disputar eleições, como corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.
A redação original da norma diz que a inelegibilidade tem início na condenação e só acaba oito anos depois de o condenado ter cumprido a sua pena.
Kassio, à época, suspendeu os efeitos da frase "após o cumprimento da pena", que o PDT considera inconstitucional. Com isso, o cálculo muda e a político fica inelegível por oito anos a partir do momento em que é condenado por um tribunal colegiado. Após esse período, pode concorrer novamente.
A decisão foi enviada para a análise do conjunto de ministros no plenário virtual. No entanto, o ministro Alexandre de Moraes pediu vista —mais tempo para análise—, e o julgamento foi suspenso. O assunto deve voltar em fevereiro, em análise presencial da corte.
A advogada eleitoral Ezikelly Barros defende os partidos em ambos os processos. Ela argumenta que não há previsão legal na Constituição para a federação partidária e que, para que esse novo modelo passasse a existir, o Congresso deveria ter aprovado uma PEC (proposta de emenda à Constituição).
"A nossa dificuldade é de aceitar que essa lei ordinária possa criar um novo tipo de união de partido, diferentemente daquelas previstas na Constituição. A Constituição só prevê a fusão e a incorporação de partidos, que não cabem analogia à federação", afirmou Barros.
"Na fusão e na incorporação, o partido perde a identidade e a autonomia. E a preservação dessas duas características só são admitidas na única hipótese de união de partidos provisória prevista na nossa Constituição, denominada coligação, que, por sua vez, possui uma série de restrições que devem ser observadas pelo legislador ordinário."
No caso da Ficha Limpa, ela afirmou que o STF já decidiu, em ações de 2012, que o prazo constitucional para inelegibilidade nessa lei, proporcional e razoável, é de oito anos.
Além dessas duas ações, está previsto para o início de fevereiro o julgamento de um pedido da ANJ (Associação Nacional de Jornais) pelo fim da proibição a propagandas eleitorais pagas em veículos de comunicação na internet.
Atualmente, pode haver propaganda eleitoral paga em veículos impressos, mas no ambiente virtual é permitido apenas o impulsionamento de conteúdos pelos candidatos.
No começo deste ano, o ministro André Mendonça também sinalizou que deve enviar ao plenário do STF uma ação do partido Novo contra o fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões para financiar a eleição deste ano. O governo Bolsonaro discute o aumento do montante para R$ 5,7 bilhões.
Ainda não há uma previsão de data para o tema ser levado à apreciação dos outros ministros, entretanto. Foi o primeiro despacho de Mendonça, novo ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e empossado em dezembro.
"Diante da relevância do acesso aos recursos do FEFC [Fundo Especial de Financiamento de Campanha] no âmbito da decisão pela migração partidária e da igualdade de chances no pleito eleitoral, demonstra-se recomendável que esta corte aprecie de maneira colegiada o pleito cautelar aqui apresentado", disse Mendonça em decisão de quarta (12).
O primeiro turno das eleições deste ano ocorrerá em 2 de outubro e, o segundo, no dia 30 do mesmo mês. Em 2 de abril, eventuais candidatos já devem renunciar a mandatos no Executivo caso concorram a outros cargos, e as legendas e federações deverão ter estatuto registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O dia 15 de agosto é o prazo final para que partidos solicitem à Justiça Eleitoral o registro de candidaturas dos escolhidos.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/federacao-partidaria-ficha-limpa-e-fundao-entram-na-mira-do-stf-em-ano-eleitoral.shtml
O que acontecerá se a democracia brasileira for salva por seus defeitos?
Celso Rocha de Barros / Folha de S. Paulo
Carlos Pereira é um grande cientista político brasileiro. Escreveu com Marcus Melo (o da coluna aqui do lado) um livraço, "Making Brazil Work". Reunindo pesquisas empíricas de alta qualidade, a obra mostrou que o sistema político brasileiro funcionava bem melhor do que se pensava.
O problema é que o livro saiu quando já parava de funcionar. "Making Brazil Work" continua sendo um ótimo estudo dos 20 anos anteriores. Suas conclusões podem voltar a ser aplicáveis quando a crise política passar. Mas é evidente que seu modelo teórico subjacente perdeu poder explicativo na crise política dos últimos anos.
Após a eleição de Bolsonaro, Pereira passou a defender a tese de que Bolsonaro não oferecia risco à democracia brasileira. Afinal, Brazil works. Em sua coluna no Estadão da última segunda-feira (10), Pereira voltou a afirmar que a democracia sobreviveu bem a Bolsonaro, porque o STF conseguiu barrar várias iniciativas do presidente na pandemia e a CPI investigou seus crimes. Criticou quem defende que Bolsonaro ameaça a democracia, dizendo que essa tese não é testável empiricamente a não ser que o golpe ocorra.
O último argumento é claramente falso. Risco é uma probabilidade. Nenhum economista diria, por exemplo, que negócios bem-sucedidos nunca foram arriscados.
O procedimento correto, portanto, é examinar os episódios relevantes da política brasileira nos últimos três anos e discutir se eles são mais bem compreendidos pela hipótese "risco zero", ou pela hipótese "democracia sob risco".
Vamos ser generosos com a hipótese "risco zero" e aceitar que ela seja reformulada como "risco não maior do que o verificado em outros governos". Vamos usar como juiz a análise dos governos anteriores em "Making Brazil Work".
Já li o livro várias vezes e não vi nada comparável à renúncia coletiva dos chefes das Forças Armadas, ao manifesto dos empresários abortado por ameaças do governo, à tentativa de golpe do 7 de Setembro, à redistribuição de verbas publicitárias para a mídia chapa branca descrita no livro de Patrícia Campos Mello, a perseguição à imprensa, a tentativa de deslegitimar o processo eleitoral, ao conjunto da obra de Augusto Aras, à guerra permanente entre os Poderes, e, sobretudo, à politização das Forças Armadas.
A CPI, a propósito, foi mesmo uma ilha de "instituições funcionando", mas deveria ter sido instalada um ano antes, quando teria pressionado Bolsonaro a comprar vacina; para quem morreu sem vacina, nossa democracia falhou. A CPI tampouco resultou no impeachment de Bolsonaro. Pereira sempre usou o julgamento do mensalão como exemplo de instituições saudáveis. Por esse critério, Bolsonaro terminar seu mandato no cargo é prova de desastre.
No fim de seu artigo, Pereira reclama que a tese "democracia ameaçada" pode ser usada para justificar o voto em Lula. Bem, a centro-direita ainda pode tentar construir uma candidatura presidencial viável. Se não conseguir, terá sido porque entregou a liderança da direita para o extremista Jair Bolsonaro em 2018. Naquela hora, muita gente gostou de ouvir que não estava colocando a democracia em risco quando votou em Bolsonaro. Se agora é difícil processar corretamente os fatos dos últimos três anos sem votar no Lula no segundo turno, a culpa não é nem do Lula nem dos fatos.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/celso-rocha-de-barros/2020/10/o-que-acontecera-se-a-democracia-brasileira-for-salva-por-seus-defeitos.shtml
Fernando Gabeira: Vírus, chuva e calor
Fernando Gabeira / O Globo
Gostaria de abordar as chuvas de forma poética, como Elizabeth Bishop em sua “Canção do tempo das chuvas”. Mas agora elas assumem um aspecto dramático, matando e destruindo.
Joe Biden, visitando o Kentucky, associou o tornado que devastou a região e as chuvas no Brasil às mudanças climáticas.
Sinto que há algo parecido, mas ainda esbarro num monte de dúvidas. Sei que as chuvas estão sendo provocadas por um sistema meteorológico chamado Zona de Convergência do Atlântico Sul. É uma grande extensão de nuvens movidas por um coquetel de ventos: do Sudeste, Nordeste e até das altitudes bolivianas.
Essas chuvas são influenciadas por La Niña, um fenômeno, assim como El Niño, que acontece no mar.
Desde quando li as intervenções dos cientistas numa conferência sobre o clima, aprendi que o aquecimento global seria irreversível quando houvesse mudanças nas famosas correntes marinhas. Não tenho condição de afirmar que a velha La Niña tenha se alterado por influência de correntes. Sei que, assim como El Niño, quando traz chuvas numa região do Brasil, leva seca para outras.
No momento, chove no Sudeste, e há escassez de chuvas no Sul do Brasil.
Além da destruição dos corais, do derretimento das geleiras, da poluição humana, há coisas acontecendo nos mares. Cientistas descobriram que a velocidade das correntes tem aumentado, ainda não sabem precisamente as consequências disso.
As correntes são um dos principais fatores que determinam o clima. Breve, saberemos medir seu papel preciso nesses eventos extremos.
Vem aí para a América do Sul uma onda de calor que deverá atingir os 50 graus. Sem chuvas, o Rio Grande do Sul será o principal ponto do país a sentir essa alta temperatura, assim como o Uruguai e parte da Argentina.
Quando se ouvem os especialistas, La Niña é a suspeita de sempre. Falta-nos ainda uma visão do que está se passando nos oceanos.
A esta altura dos acontecimentos, nem tudo pode ser evitado. Mas saber sempre ajuda. Assim como saber nos ajuda a combater o vírus da Covid-19.
O governo Bolsonaro não consegue ou não quer mais fornecer dados sobre a incidência da variante Ômicron. Tendemos para cifras gigantescas de contaminados.
Bolsonaro acha que as notícias assustam as pessoas e acusa os jornalistas de espalhar o medo. Governado por um negacionista, o Brasil é hoje um território assolado pelo vírus, inundado por chuvas violentas e castigado por uma intensa onda de calor.
E aqui é o Novo Mundo, onde deveria fervilhar o debate, multiplicar o número de pesquisas, enfim, florescer um polo planetário de conhecimento.
Sempre que passo na região, visito o Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, em Arraial do Cabo, Região dos Lagos, no Estado do Rio, onde há um interessante fenômeno: a ressurgência; as correntes marinhas mais frias e profundas ascendem e facilitam a pesca.
O ideal seria usar o instituto para estudos mais amplos sobre as correntes marinhas. Há pouco dinheiro, mas, com todo o respeito, conhecer os segredos do mar num tempo de aquecimento global é mais importante que a simples preparação para a guerra.
Assim como a Covid-19, as mudanças climáticas têm pouco apelo eleitoral. Mesmo que o tema não entusiasme o próximo governo, uma cooperação horizontal com várias instituições do mundo pode trazer essa efervescência intelectual ao Brasil.
Quatro anos de combates contra o terraplanismo em todos os campos não devem exaurir nossos cientistas; ao contrário, deveriam acentuar o desejo por conhecimento e recuperar o tempo perdido.
O grande número de estudiosos que perdemos não significa algo permanente. Alguns podem voltar.
Tempos sombrios sempre trazem períodos de luz. Não há uma relação mecânica entre uns e outros. Apenas possibilidades que parecem nos dizer: pegar ou largar.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/virus-chuva-e-calor.html