Day: janeiro 14, 2022
‘O que vai definir a eleição são as narrativas’, diz Fernando Schüler
José Fucs, O Estado de S.Paulo
O cientista político e comentarista Fernando Schüler, também professor do Insper, uma escola de negócios de São Paulo, é um dos raros acadêmicos da área no País que procura analisar o cenário político de um ponto de vista independente.
Nesta entrevista ao Estadão, Schüler diz que é uma “ilusão” imaginar que as grandes questões nacionais vão pautar a campanha eleitoral neste ano. Segundo ele, a contradição existente entre a complexidade das políticas públicas e o déficit de informação dos cidadãos comuns se manifesta de forma acentuada nas eleições, levando os candidatos a simplificar os discursos, para atingir a massa do eleitorado. “No momento das eleições, toda a complexidade do mundo político é aplainada e substituída por grandes narrativas que competem entre si”, afirma. “No fim, uma delas termina sendo hegemônica e ganha as eleições.”
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De acordo com Schüler, os candidatos da terceira via têm de encontrar uma narrativa que fale aos corações e mentes da maioria dos eleitores e consiga se contrapor aos enredos adotados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, centrado na ideia de que “nós já fomos mais felizes no passado”, e pelo presidente Jair Bolsonaro, focado em argumentos como “não me deixaram governar” e “eu sou a chance de a agenda conservadora ter algum avanço”. PUBLICIDADE
Na avaliação de Schüler, as narrativas do ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro – que tem como um dos pilares a necessidade de o Brasil retomar o combate à corrupção – e do governador de São Paulo, João Doria – que se concentra na agenda “gerencialista”, de modernização do Estado, também encampada, em boa medida, por Moro – não têm apelo popular para levar um dos dois ao segundo turno. “A agenda ‘gerencialista’ é forte no mundo empresarial, no mercado financeiro, entre os economistas e em uma certa elite intelectual, mas tem um alcance menor na sociedade”, diz. “Hoje, a luta contra a corrupção não é a grande pauta brasileira.”
Além de ter de enfrentar a pandemia, o Brasil vive hoje um quadro complicado tanto na economia quanto na política. Neste cenário, como o sr. vê eleições de 2022?
Acredito que a grande pergunta neste início de ano é qual será a pauta que vai, de alguma maneira, presidir as eleições. Em 2018, havia problemas estruturais e econômicos tanto quanto nós temos hoje. Acho, inclusive, que desatamos alguns nós, embora tenhamos criado outros. Fizemos um pedaço da tarefa de casa com a reforma da Previdência. Houve um processo de austeridade e hoje temos o menor número de funcionários federais na ativa, desde 2011. Mas obviamente deixamos muita coisa pra trás. O governo abdicou desde o início de promover uma reforma do Estado, as reformas administrativa e tributária não andaram. Não apenas pela falta de convicção do governo, mas também em razão da pandemia e da procrastinação do Congresso. Não dá para fazer uma análise simplista disso. Em 2021, mesmo com a gambiarra produzida com a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, a expansão de gastos aprovada no fim do ano, para custear o Auxílio Brasil e outros projetos de interesse do governo, chegamos a um resultado das contas públicas muito melhor do que apontavam as projeções de mercado.
Que nós o sr. diz que foram criados nos últimos anos e que não existiam em 2018?
Hoje, temos uma inflação mais alta e em 2018 tínhamos um processo descendente de inflação. Estávamos num processo de redução da taxa de juro e agora estamos num processo de aumento. Estávamos num processo de reequilíbrio fiscal e hoje temos uma enorme interrogação sobre a política fiscal, apesar do bom resultado alcançado no ano passado. Em 2018, o teto de gastos havia sido aprovado há dois anos, e demandava um conjunto de reformas para lhe dar sustentação. O País vinha de um ciclo de crescimento baixo e as reformas haviam sido paralisadas no fim do governo Temer. Ainda assim, a pauta econômica não foi o tema central na campanha eleitoral. O que a gente discutiu? Guerra cultural, kit gay, redução da maioridade penal, escola sem partido, um certo discurso moralista. Mesmo no terreno da corrupção, não discutimos nada muito objetivo, projetos concretos para enfrentar a questão, mas apenas as grandes bandeiras, que tem um certo simbolismo e são mais fáceis de entender, como prisão em segunda instância, o balanço da Lava Jato ou se alguém era a favor ou contra o foro privilegiado. E, por aí, ficamos. Essas questões estão muito longe de ser as mais importantes, mas surgem na epiderme da política e pautam o debate público.
Como, afinal, esse quadro que o sr. descreveu deve afetar as eleições deste ano?
É muito difícil saber qual será a pauta da campanha. No momento das eleições, toda a complexidade do mundo político é, de certa forma, aplainada e substituída por grandes narrativas que competem entre si. No fim, uma delas termina sendo hegemônica e ganha as eleições. É uma ilusão imaginar que haja uma conexão entre o que se passa nas eleições e a pauta que mobiliza uma certa camada afluente na sociedade, nos terrenos da economia, do jornalismo, das políticas públicas ou no meio empresarial. Embora o País precise de uma reforma administrativa, isso não será pauta da campanha. Isso vale para a reforma tributária e para a discussão sobre o que fazer com a educação pública. As eleições trituram a complexidade que é própria das políticas públicas. Há uma contradição, que faz parte da natureza da democracia, entre a complexidade dos temas envolvidos nas escolhas públicas e o permanente déficit de informação das pessoas. Muita gente imaginou que a abundância de informação oferecida pela internet poderia resolver isso, mas não resolveu. Hoje é difícil distinguir com clareza o que é ficção e o que é realidade
É interessante que o sr. fala em déficit de informação por parte das pessoas e de abundância de informação ao mesmo tempo.
Esse é o paradoxo. Com a revolução tecnológica, há uma enorme massa de informação disponível, um overload de informações, que se apresentam de maneira caótica. Mas as pessoas têm pouco incentivo para buscar informação relevante, separar o joio o trigo, verificar o que é verdadeiro e o que é fake, e agir com responsabilidade. Não é à toa que o grande tema contemporâneo são as fake news, porque você não consegue distinguir exatamente o que é verdadeiro e o que é falso. Em muitos sentidos, o mundo em que vivemos confirma a profecia de Jean Bauldrillard (1929-2007), o filósofo da hiper-realidade, de que é cada vez mais difícil distinguir com clareza entre a ficção e a realidade. É como se o mundo virtual colonizasse o mundo real. Esse fenômeno é amplificado pelo ingresso de milhões de pessoas no ativismo político, pela via digital. Os indivíduos adquiriram poder, mas tiveram nenhum incentivo a mais para agir com responsabilidade no mundo político.
O sr. poderia dar um exemplo concreto para ilustrar o que está falando?
Há alguns dias, por exemplo, houve uma operação pela Polícia Federal que atingiu os irmãos Ciro e Cid Gomes (respectivamente pré-candidato à Presidência pelo PDT e senador pela mesma sigla), por suspeitas de irregularidades em obras do estádio Castelão, em Fortaleza. Imediatamente, o que se viu foi uma pequena guerra de narrativas. Opositores de Ciro aplaudiram a operação; seus apoiadores ou potenciais aliados sugeriram que ela tinha “motivação política”. É previsível que os agentes políticos ajam desta maneira. Muita gente da própria mídia ou da academia, sem dispor de nenhuma informação objetiva sobre o que efetivamente aconteceu, chancelou uma ou outra visão sobre a natureza “política” – ou não – da operação. Escutei gente garantindo que a operação era a “prova” de que há uma polícia política no Brasil. Sempre a partir de um raciocínio de tipo impressionista, no qual se supõe que um punhado de episódios dispersos, reunidos a partir de uma certa “lógica”, sirvam como prova de alguma coisa.
É provável que isso tenha a ver com todas as trocas que houve na Polícia Federal nos últimos tempos, influenciadas pelo presidente Jair Bolsonaro...
Uma operação da Polícia Federal é autorizada pelo Poder Judiciário. Então, deveríamos não apenas ter uma polícia política, mas um Judiciário político também. Conhecendo as instituições de Estado no Brasil, acho improvável isso acontecer. É evidente que instituições de Estado erram. Recentemente, escrevi um texto sobre aquela operação contra o ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em 2017, que acabou com o suicídio dele. Para mim, aquilo foi um erro. Agora, isso não significa que uma instituição de Estado, como a Polícia Federal, ou qualquer outra, esteja corroída em sua estrutura, funcionando com finalidade política, sem que ninguém – o Ministério Público ou a própria mídia – denuncie isso com base em informações objetivas. Não estou dizendo que isso, em tese, não esteja ocorrendo. Apenas que não temos informações suficientes para dizer se está ou não, ainda que as pessoas se comportem como tivessem.
O sr. poderia citar algum outro exemplo desse conflito entre a ficção e a realidade hoje?
Há inúmeros casos nesta direção, que atingem tanto a direita quanto a esquerda. São interpretações fantasiosas e irresponsáveis sobre acontecimentos reais, cujo efeito prático pode ser muito mais grave do que o de uma fake news. De certa forma, se a gente fizer um balanço do que falaram contra o Bolsonaro no ano passado, vamos ver que muita coisa não tinha base real. Disseram, por exemplo, que teria havido uma tentativa de golpe na manifestação de 7 de setembro e que haveria uma invasão do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso. Era pura fantasia, um exercício do que o (escritor italiano) Umberto Eco chamaria de ‘irrealidade’. Agora, pergunta se dois, três dias depois alguém disse ‘olha, nós nos enganamos’. É claro que não. Embora fundamental para o País, a agenda de modernização do Estado não é sexy para o eleitor médio
Agora, voltando ao tema da pauta das eleições, alguns analistas dizem que ela vai se concentrar nas grandes questões da economia. como o sr. analisa isso?
Isso é o que eu chamo de wishful thinking (pensamento positivo). As pessoas sempre acham que é lógico que esta seja a pauta, porque cada um tem um certo viés. Agora, uma pesquisa recente que eu analisei mostrou que, no campo das pessoas que dão suporte ao Bolsonaro, a pauta vai ser “não nos deixaram governar”, “não conseguimos fazer o que era preciso para derrotar o sistema”, “a pandemia foi usada pelo sistema político para parar a grande transformação que seria feita pelo capitão”, “ele merece mais um mandato para terminar sua obra restauradora”. Do outro lado, você vai ter uma grande narrativa em torno do Lula, na linha de que “já fomos mais felizes no passado”, “com o Lula, o Brasil viveu um grande momento, havia quase pleno emprego”, “o Brasil ocupava um lugar de destaque no mundo, era a bola da vez”, e “só o Lula para reconstruir tudo que foi destruído nos últimos anos”. É previsível que isso aconteça. Os marqueteiros de campanha sabem como lidar com essas narrativas. Então, acredito que é otimismo demais imaginar que alguma discussão econômica séria vai pautar o grande debate eleitoral, especialmente no caso de medidas duras que o País precise tomar. Oxalá isso acontecesse. A campanha seria muito mais positiva.
Agora, entre os candidatos da chamada terceira via, qual deve ser a pauta, de acordo com essa pesquisa que o sr. mencionou?
Do lado da terceira via, você tem uma narrativa do (ex-juiz e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública) Sergio Moro (pré-candidato pelo Podemos) dizendo “o Brasil precisa retomar o combate à corrupção”, “a Lava Jato foi um movimento inédito na história do Brasil, que levou à condenação de grandes políticos e empresários, mas foi abortado, em boa medida, pelo sistema político, e é preciso retomar o seu fôlego”. Agora, na faixa da terceira via, haverá também uma narrativa tradicional, que eu chamaria de “gerencialista”, típica do chamado centro liberal, cujo principal representante é o (governador paulista) João Doria, do PSDB, ainda que não só ele. O partido Novo também apresenta esse viés. A narrativa “gerencialista” retoma de certo modo a lógica de que “Brasil precisa de um choque de capitalismo”, que foi a bandeira levantada pelo (ex-senador e ex-governador de São Paulo) Mário Covas (1930-2001), na campanha de 1989.
O que exatamente seria essa narrativa “gerencialista” associada ao Doria e ao partido Novo?
Seu foco são os temas de modernização do Estado e de eficiência das políticas públicas. A equipe econômica de Doria, já na arrancada da campanha, dá sinais claros de que suas propostas vão seguir nesta direção, reforçando a responsabilidade fiscal e a necessidade de se avançar no programa de reformas e de abrir a economia. É uma agenda forte no mundo empresarial, no mercado, entre os economistas e em uma certa elite intelectual, mas tem um alcance menor na sociedade – e tem alguns problemas. É uma agenda que diz: “É preciso adotar medidas duras e impopulares para o Brasil deslanchar”. Além de mexer com interesses corporativos bem estabelecidos na sociedade, não é propriamente uma agenda sexy e mobilizadora. O (ex-presidente Michel) Temer implementou essa pauta, porque não tinha ambições eleitorais e podia correr o risco de adotar medidas consideradas “impopulares”, ainda que fundamentais para a modernização do País.O Lula acena para a esquerda na segunda-feira e na terça, para o Geraldo Alckmin
O que leva o sr. a dizer que essa agenda “gerencialista” não é “sexy” e é pouco atraente para a sociedade?
Nossa experiência eleitoral recente, as pesquisas e a simples observação do debate pré-eleitoral indicam isso. A agenda “gerencialista” é, sem dúvida, a pauta necessária para o Congresso Nacional. Diria que ela é central para a retomada da economia, dentro de visão de longo prazo para o País, mas envolve temas complicados e notícias duras no curto prazo. São questões difíceis de abordar numa campanha de massas. Em 2018, foi assim. O Bryan Caplan, autor do livro The Myth of The Rational Voter (O mito do eleitor racional), mostra que muitos dos temas da agenda “gerencial” ou de mercado vão contra as intuições do eleitor médio. Um dos vieses tradicionais dos eleitores é a tendência de sempre desconfiar ou não entender bem os ganhos de médio e longo prazos da economia de mercado. Outro é achar que a tecnologia destrói empregos. Ou que a economia está sempre piorando. Imagine o quanto é difícil dizer numa campanha eleitoral que “precisamos ir além na reforma trabalhista, flexibilizando mais alguns pontos da legislação, para estimular a competição e a produtividade, mas no longo prazo todos irão ganhar”. Ou então “vamos abrir a economia e será ótimo que as nossas empresas concorram com o pessoal que vem de fora”. Será que esse tipo de discussão está na cabeça das pessoas? Eu me lembro do (ex-governador de São Paulo) Geraldo Alckmin, do Henrique Meirelles (ex-presidente do Banco Central e ex-ministro da Fazenda) e do João Amoêdo (fundador do partido Novo) tentando colocar essa discussão na pauta em 2018. Não vingou. A pergunta é: será que neste ano vai ser diferente? Provavelmente, não.
Agora, quando falei que alguns analistas estão dizendo que as questões econômicas vão pautar as eleições, estava me referindo a coisas mais básicas, como salário mínimo, renda, desemprego, inflação, preços de alimentos, juro alto, e não a aspectos de política econômica macro, coisa de economista.
Considero estas questões como sociais. Elas estão no radar das pessoas, porque a eleição vai acontecer ainda num cenário de inflação e de juros altos, embora eventualmente em declínio. O problema é que há um certo risco aí de o debate enveredar pelo populismo, de um candidato dizer que isso está acontecendo por causa desta ou daquela reforma, que precisa ser revista, ou prometer um programa de transferência de renda ainda mais robusto que o que temos hoje. Não digo que isso irá acontecer, mas é um risco. O Lula, obviamente, é o candidato que tem a sua história mais associada a esses temas e uma narrativa econômica vinculada a conceitos como crescimento, salário mínimo, trabalhador, renda, pobreza. Isso remonta a sua história no sindicalismo e à memória positiva de seu governo. Ele não é um personagem da guerra cultural e fala com um País que a esquerda hoje tem dificuldade em falar. Diria que a pauta social, em sentido amplo, é uma espécie de chão da fábrica do Lula, tanto quanto a agenda conservadora no plano comportamental é para o Bolsonaro. Ele se sente bem falando de armas, do combate às políticas de gênero, da soberania nacional, do risco das reservas indígenas, da “nossa” Amazônia. A defesa que ele passou a fazer mais recentemente das “liberdades” e mesmo a agenda econômica liberalizante ficam estranhas em Bolsonaro. Soam distantes de suas convicções, além de ter um apelo eleitoral duvidoso, como falei há pouco.
Como o sr. vê as perspectivas dessas narrativas nas eleições de 2022? Quais devem se sobressair?
Acredito que, neste início de ano, três grandes narrativas surgem como as mais potentes. Uma, como falamos, é a que olha para trás, que é a narrativa do Lula, dizendo “nós precisamos retomar algo que perdemos, precisamos de uma liderança que em algum momento entregou algo positivo para o País”. O Lula tem 45% ou 48%, nas pesquisas, sem deixar claro o que vai fazer no governo. Há muita gente preocupada com o teto de gastos, horrorizada com a quebra feita pela PEC dos Precatórios, apreensiva com a continuidade das reformas, mas não dá lá muita bola quando o Lula diz que é contra o teto e que vai reverter a reforma trabalhista. Muita gente faz o seguinte raciocínio: “O Lula já disse muito coisa nessa linha, mas depois teve aquela boa gestão econômica com o (Antonio) Palocci (ex-ministro da Fazenda), lá atrás”. O Lula é um extraordinário estrategista e sabe lidar bem com a ambiguidade. Acena para a esquerda na segunda-feira e na terça, para o Geraldo Alckmin. De certo modo, entende a complexidade brasileira. Ele pode até manter seu apoio a ditaduras latino-americanas, porque sabe que, no fundo, ninguém está preocupado com isso. Seu governo está fortemente associado a um momento positivo da vida brasileira, independentemente de ele ter se beneficiado do ciclo de alta das commodities no mercado internacional. Acredito que o Lula também venceu o jogo no tema da corrupção. As decisões do Supremo equivalem, de modo geral, no debate público mais amplo, a um atestado de idoneidade para ele. Não entro no mérito se a decisão foi certa ou errada, mas é um fato. Esse cenário, evidentemente, pode mudar com o debate eleitoral. É o que nós vamos ver nos próximos meses.A rigor, a grande entrega do Bolsonaro para o público conservador foi a indicação do André Mendonça para o STF
Fora a narrativa do Lula, que outras devem se destacar e ter mais alcance na campanha?
Outra narrativa que surge com potência é a do Bolsonaro. Além de privilegiar pontos como “não me deixaram governar” e “houve a pandemia, o sistema, o Supremo, e eu preciso de mais uma chance”, a narrativa do Bolsonaro deve focar no argumento clássico de qualquer candidato à reeleição: “Quatro anos estão longe de ser o suficiente, preciso completar a minha obra”. Obviamente, haverá a tradicional apresentação das “conquistas” do governo, centrada na agenda de infraestrutura e de parcerias com o setor privado, coordenada pelo ministro Tarcísio (Gomes de Freitas, da Infraestrutura), e em alguns ganhos regulatórios, como os marcos do saneamento e das ferrovias. É previsível também que ele se volte ao público conservador e ao chamado “bolsonarismo identitário”, que é o público que esteve nas ruas, nas motociatas, nos aeroportos e nas manifestações de 7 de setembro. É a sua base de segurança, que ele considera como sendo suficiente para ir ao segundo turno. O sinal de que ele deve seguir esse caminho foi a indicação do André Mendonça (ex-advogado-geral da União) para o STF, que representou um momento de reconexão do Bolsonaro com o público conservador. Teve um simbolismo aí. A oposição satirizou a vibração da Michelle Bolsonaro, mas isso tem um significado para o público evangélico. A rigor, a grande entrega do Bolsonaro para o público conservador foi o André Mendonça. Ele vai dizer “olha, fiquem comigo, porque sou a melhor chance de vocês terem mais ministros no Supremo”, “eu sou a chance dessa agenda conservadora ter algum avanço, mesmo que seja pequeno”, “a gente já viu que o Congresso é difícil, que o País é difícil, mas do outro lado tem o Lula”. O grande problema de Bolsonaro é ir além disso. Sua rejeição, hoje, está acima dos 60%. Ele perdeu o eleitor médio, ou grande parte dele. No momento, parece um candidato forte para ir ao segundo turno, mas frágil para ganhar a eleição. De novo, o debate eleitoral pode alterar isso, mas é o quadro que está aí.
Na economia, qual deve ser a narrativa do Bolsonaro, já que ficou claro que ele não se identifica de fato com a agenda liberalizante defendida pelo ministro Paulo Guedes?
Uma questão relevante é saber se Bolsonaro irá manter ou não o Paulo Guedes como formulador da política econômica e seu interlocutor com o mercado. Será que, hoje, o Paulo Guedes tem condições de ser e será o avalista do programa econômico do Bolsonaro? A minha impressão é de que o Bolsonaro não tem alternativa. É difícil que ele disponha de um economista da estatura do Paulo Guedes para cumprir essa missão. Agora, se isso se confirmar, acredito que o Paulo Guedes terá de ir ao mercado e dizer: “Olha, as nossas privatizações não deslancharam, as reformas administrativas e tributárias não andaram, mas agora tudo isso irá andar”. Não será um trabalho fácil, mas acho que ele vai dizer que, apesar das dificuldades, o governo conseguiu aprovar a Lei da Liberdade Econômica, a reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central e o novo marco do saneamento. Deverá ressaltar também a aceleração das PPPs (Parcerias Público Privadas) e retomada da economia no pós-pandemia. A esquerda dirá que tudo foi uma política neoliberal irresponsável e o centro liberal dirá que foi uma agenda pífia, que deixou para trás reformas importantes, que nenhuma privatização relevante foi entregue e coisas do gênero. O governo, provavelmente, vai responder dizendo “nós fomos atropelados pela maior pandemia dos últimos 100 anos, que perdura até hoje”. Mas a verdade é que o próprio governo perdeu a crença na agenda de reformas e a pauta de Paulo Guedes nunca foi, de fato, a pauta do governo.
E, entre as narrativas da terceira via, qual deverá ser a dominante, na sua avaliação?
Uma das incógnitas da campanha é saber se a agenda ética e moralizadora, que põe a corrupção no centro do jogo e é herdeira da Lava Jato, está viva o suficiente e será capaz de alterar o cenário eleitoral. Disso vai depender muito do futuro da candidatura do Moro. Ele está fazendo um esforço para ampliar a sua pauta, na direção do centro liberal. O convite ao economista Affonso Celso Pastore é um sinal importante desta estratégia. É um aceno para uma parcela do eleitorado que historicamente seguiu o PSDB. Um dos grandes problemas da terceira via, hoje, é o fato simples de que Lula vem ocupando boa parte de seu espaço. Vem, literalmente, encurtando o seu terreno. O namoro com o Alckmin cumpre esse papel. A perspectiva de uma chapa Lula-Alckmin lança a seguinte questão para os eleitores que estão mais ao centro: “Se eu tenho a chance de votar nesse sujeito aqui, que fez uma aliança com o PSDB histórico, com setores reformistas representados pelo Alckmin, por que vou apostar em um candidato que aparece com 3% ou 5% nas pesquisas, cuja viabilidade eleitoral é remota? Então, acredito que a gente caminha para mais uma eleição polarizada. Só que, desta vez, o Lula está sabendo ocupar os espaços ao centro, coisa que Bolsonaro terá muita dificuldade em fazer. O Moro é um quadro preparado e sua candidatura tem charme, apelo e história, mas precisa mais do que isso para decolar
Olhando para o cenário hoje, então, o sr. não vê muita chance de o Moro ou o Doria chegar ao segundo turno?
O Moro teve um crescimento quando lançou a candidatura, mas vem tendo dificuldades para continuar crescendo. Não estou dizendo que ele não possa crescer. Mas é difícil. Ele precisa de estrutura partidária, de uma aliança política grande, de um argumento mais abrangente do que esse de ter sido o juiz da Lava Jato. A pauta anticorrupção é insuficiente para alavancar uma candidatura. Não é a grande pauta brasileira hoje. Então, o Sérgio Moro vive esse dilema. Ele é um quadro preparado e sua candidatura tem charme, apelo, história, mas a campanha presidencial exige mais do que isso. No caso do Doria, vejo um desafio ainda maior. Como já falamos, ele terá de encontrar uma forma de mostrar para um eleitorado de massa, que não é o de São Paulo, que o Brasil precisa de um gestor e de uma agenda modernizante. Seus argumentos mais forte são “eu fiz a vacina, nós temos o Butantan" e "São Paulo cresce mais do que o Brasil”. O problema é que isso pode parecer algo arrogante. O Doria também quebrou pontes com o eleitorado conservador e vai precisar desse eleitorado se quiser tirar o Bolsonaro do jogo e ir para o segundo turno. Ele tem estrutura, discurso e coisas para mostrar. Será um desafio e tanto.
O sr. disse que a pauta “gerencialista” não tem apelo eleitoral, mas em 2018 o grupo que a defende acabou sendo o fiel da balança, ao apoiar o Bolsonaro no segundo turno.
E pode fazer a diferença de novo agora. O chamado mercado, um amplo conjunto de forças econômicas, empresas, operadores dos mais variados setores da economia, talvez até preferisse o Doria: Mas o pessoal diz o seguinte: “O Doria tem mais a nossa cara, defende as nossas pautas, sem a instabilidade e as vacilações de Bolsonaro. Só que ele tem apenas 5% nas pesquisas”. O mercado, em geral, tem uma percepção muito pragmática da política. Isso significa que eles vão pesar dois fatores. De um lado, algum compromisso com as reformas; de outro, a viabilidade eleitoral. Não é um voto ideológico. Se o Doria tivesse 15% nas pesquisas, o candidato do mercado seria ele. Como não tem, uma parte pensa: “O Bolsonaro tem 25% e bem ou mal tem o Paulo Guedes lá, que fez a reforma da Previdência e deu autonomia para o Banco Central”. Outra parte tenta imaginar um Lula moderado, com alguém como o Meireles no comando da economia. Então, é difícil quebrar a polarização, pois ela realimenta a “fuga do centro” e alimenta a si mesma. A gente tem de lembrar também que o chamado centro liberal, no Congresso, votou quase sempre com o governo, na agenda econômica. Apoiou a nova Lei das Ferrovias, a autonomia do Banco Central, a reforma da Previdência, o marco regulatório do saneamento e outras medidas liberalizantes. O desafio de Moro e Doria agora é mostrar são competitivos. Ultrapassar a barreira dos dois dígitos nas pesquisas, e a partir dai entrar no jogo de verdade. Mas não vai ser fácil romper essa polarização. Durante vinte anos, nós ficamos numa polarização PT/PSDB. Foi muito difícil quebrar isso. Quem quebrou foi o Bolsonaro, porque o clima do País mudou, porque o PSDB, assim como o PT, também cansou, por causa dos escândalos que atingiram o Aécio Neves (ex-governador de Minas e ex-presidente do PSDB), por “n” razões. Mas durou seis longas eleições. Quem é mais à direita, antipetista, pode até achar o Bolsonaro inviável. Mas, quando olha para o outro lado e vê o Lula, o Bolsonaro volta a se tornar uma “bola de segurança”. Com o Lula, acontece isso também, mas em escala bem menor.
Em 2018, o Bolsonaro se colocou contra a “velha política” e no governo acabou se aliando ao Centrão. Até que ponto isso também deve afetar a narrativa do Bolsonaro nestas eleições?
O Bolsonaro sempre foi um integrante do sistema. Ele se apresentou como um candidato do anti-establishment, mas foi rapidamente reabsorvido, no plano operacional da política, mas também no plano simbólico. O ápice disso foi o ingresso no PL, um partido do Centrão. Hoje, objetivamente falando, quem sustenta politicamente o governo Bolsonaro é extrato mais tradicional do sistema político brasileiro. Por aí, ele realmente perdeu o charme. Acho que, nestas eleições, aqueles fenômenos das grandes candidaturas alternativas, do qual o (ex-governador Wilson) Witzel (que sofreu impeachment), no Rio de Janeiro, talvez tenha sido o exemplo mais notório, mas houve muitos outros, como o (governador mineiro Romeu) Zema e vários parlamentares, na Câmara dos Deputados, terão mais dificuldade para se eleger. De alguma forma, o sistema retomou o controle do jogo, no interesse do governo e em certa medida sob o comando do próprio governo. No sistema político brasileiro quem comanda a agenda política do Congresso é o governo. O presidente é o príncipe do sistema. Esse é o nosso modelo de “presidencialismo de coalização”. O Bolsonaro iniciou o governo contrariando essa norma e está terminando perfeitamente ajustado a esse padrão. O governo começou sem base no Congresso e está terminando com base. É uma base um tanto disforme, mas ela existe, está lá. Tem sido majoritária. Seu grande operador hoje é o (deputado) Arthur Lira presidente da Câmara. Nós voltamos a um padrão de coalizão majoritária no Congresso, a um custo muito alto. Acho que o maior símbolo disso são as emendas de relator, o fundão eleitoral. Mas está lá a coalizão governamental. O governo ganhou o comando das duas casas, especialmente a Câmara dos Deputados.
Uma última pergunta: neste cenário que o sr. traçou aqui, que é bem complicado, dá para enxergar uma luz no fim do túnel? O que pode surgir de bom desse caldeirão de narrativas?
Eu não vejo nenhuma razão para um otimismo exagerado nem para um pessimismo exagerado. Acredito que o País fez algumas reformas importantes nos últimos anos, deixou de fazer outras reformas importantes, e assim vamos. Nós não somos a Nova Zelândia nos anos 1980. Não somos um país que está dando um salto, como a Coréia do Sul deu. Somos um país em que é difícil fazer reformas. Mas estamos muito longe também de ser uma Venezuela. Estamos mais próximos do grupo que tem o Peru, o México, a Colômbia e o Chile, que são países que, em maior ou menor escala, têm uma política fiscal relativamente arrumada, banco central independente, programas de natureza social relativamente robustos. Na minha visão, o Brasil soube dar conta da tarefa democrática, fez um pacto nos anos 1980, fez uma Constituição, vai para a sua nona eleição, com todos os problemas que a gente conhece. Nenhuma democracia é perfeita, muito menos a nossa, que é jovem. Mas, de alguma maneira, nós soubemos lidar com a tarefa democrática nesses 35 anos. Só que, em relação à modernização do País, acho que não. Esse é o grande desafio brasileiro, a chamada tarefa de modernização. O Brasil é um país que fracassou socialmente. Nós ainda temos 13% da população vivendo abaixo da linha de extrema pobreza. Nós temos uma das piores educações públicas dos países medidos pelo Pisa, que é um teste da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com alunos de 15 anos.
A que o sr. atribui essa dificuldade toda para o País avançar?
O (economista) Marcos Mendes, meu colega no Insper, tem razão. O Brasil é um país difícil para fazer reforma, porque tem uma classe dirigente atrasada, um Estado grande, regulador, intervencionista, que gera corporações fortes. Nós temos o Judiciário e o Congresso mais caros do mundo em relação ao PIB (Produto Interno Bruto). Um parlamentar no Brasil custa 528 vezes a renda média do País. Em segundo lugar, vem a Argentina, com 228 vezes, e a média das grandes democracias é 40. O Brasil é esse país. Até hoje, não conseguimos botar um teto de verdade nos vencimentos do funcionalismo público. A grande questão é se o Brasil vai entrar num processo mais acelerado de reformas ou vai continuar patinando. O Brasil não decidiu ainda se quer ser um país capitalista, aberto, moderno e competitivo. Esse é o ponto. Essa decisão não foi tomada. O Brasil patina nessa discussão. Essa deveria ser a grande discussão das eleições.
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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,o-que-vai-definir-a-eleicao-sao-as-narrativas-diz-fernando-schuler,70003950010
Alon Feuerwerker: Puro sumo de Brasil
Alon Feuerwerker / Análise Política
Não é uma característica só do Brasil, mas aqui o problema vem atingindo patamares extremos: o modus operandi do sistema político-comunicacional-institucional vai se mostrando pouco compatível com a busca da eficiência das políticas públicas. O exemplo mais recente são os bate-bocas sobre a reforma trabalhista e o teto de gastos. Como deveria funcionar, se fosse razoável? Tomar-se-iam decisões. A partir dos resultados, seriam feitos os ajustes. Claro que a política não é um “sistema ideal”, envolve disputas não necessariamente movidas pela “busca da verdade”, longe disso. Mas daí a aceitar como natural a absoluta disfuncionalidade vai certa distância.
É esperado que os proponentes da reforma trabalhista e do teto de gastos defendam-nos com fervor. E deveria ser recebido com a mesma naturalidade que os oponentes das medidas surfem sobre o que apontam como consequências duvidosas.
A reforma trabalhista corrigiu algumas distorções. Duas delas: a proliferação desenfreada de sindicatos cartoriais, criados unicamente para operar a contribuição sindical, e a indústria de ações trabalhistas. Mas, de carona, passou-se a boiada, com uma maioria congressual de centro-direita aproveitando a momentânea correlação de forças no governo Michel Temer.
É do jogo, dirão. Então também é do jogo que, chegada a eleição, a esquerda possa perguntar “onde estão os empregos que a reforma garantiu que seriam criados?”.
Numa discussão algo honesta, talvez alguém pudesse concluir que implodir os sindicatos de trabalhadores tenha algo a ver com a deterioração da participação do trabalho na renda nacional. E que o lucro não se realiza no aumento da produtividade da força de trabalho, realiza-se quando o produto encontra comprador.
Não fosse assim, a escravidão não teria ficado obsoleta.
E o sacrossanto teto de gastos? A polêmica em torno dele é puro sumo de Brasil. Fundamental preservar o teto de gastos, dizem. Desde que, é claro, todo ano possa dar-se um jeito de driblar o teto de gastos. Uma hora é a pandemia, outra hora são os precatórios, ou mesmo os programas sociais. Qual será o motivo para romper o teto de gastos em 2022?
Sejamos generosos. Suponhamos que um teto de gastos é mesmo necessário. Não seria mais razoável se ele fosse calculado sobre a arrecadação, em vez de ser a despesa do ano anterior mais a inflação?
Em 2021, o dinheiro recolhido dos impostos ficou bem acima do esperado, mas o país foi lançado à turbulência política quando o governo Bolsonaro informou que ultrapassaria o teto para ampliar o Auxílio Brasil.
Por algumas semanas, pareceu, ou fez-se parecer, que a nação estava à beira da insolvência, que o colapso das contas públicas se avizinhava, com as óbvias decorrências macroeconômicas. Ao fim e ao cabo a montanha pariu não um rato, mas um colibri, pois a música dos números fiscais do fechamento de 2021 veio muito boa, melhor que as previsões mais otimistas.
Esse, aliás, foi outro puro sumo de Brasil.
*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação
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Publicado na revista Veja de 19 de janeiro de 2022, edição nº 2.772
Fonte: Análise Política
http://www.alon.jor.br/2022/01/puro-sumo-de-brasil.html
Lilia Lustosa: Não olhe para cima, não saia da caverna
Não olhe para cima! Nem para direita, nem para esquerda! Não saia da caverna! Permaneça olhando para baixo, para seu umbigo. Não veja a realidade e continue acreditando nas sombras. Uma fórmula antiplatônica quase perfeita para o desentendimento, o non-sense, a ignorância, a deturpação de ideias e suas consequências macabras para as sociedades contemporâneas.
Tendo essas constatações como mote, o diretor e roteirista americano Adam McKay nos envia um recado forte e duro com seu fantástico Não Olhe Pra Cima. Um filmaço que vem dando o que falar nas redes e nas conversas de bar, por ser uma sátira perfeita dos nossos tempos, um retrato fiel da nossa sociedade do espetáculo, cada vez mais espetacular. Uma sociedade que dá mais valor às notícias de casamentos/rompimentos de celebridades do que a notícias sobre o fim do mundo, ou sobre a descoberta de vacinas salvadoras… Uma sociedade que se alimenta de fake news e que é comandada por dirigentes extremistas sem nada na cabeça, assessorados por “técnicos” (ou parentes) mais vazios ainda. Fatores que, combinados, levam à polarização, ao negacionismo e à cegueira das sociedades, que vivem numa constante ameaça de guerra civil, com famílias se separando, amizades se desfazendo, empregos sendo perdidos, pessoas sendo “canceladas”. Um verdadeiro caos que precisa ser contido com urgência!
Em Não Olhe Pra Cima, acompanhamos a saga de dois astrônomos pesquisadores da Universidade do Michigan – a doutoranda Kate Dibiasky (Jennifer Laurence) e seu orientador, o Professor Randall Mindy (Leonardo Di Caprio) –, que após terem descoberto que um cometa gigantesco se encaminha em direção à Terra, tentam, sem êxito, informar às autoridades e à população sobre o iminente fim do mundo.
Nessa batalha pela verdade, os dois vão contar com o apoio do doutor Oglethorpe (Rob Morgan), mas vão esbarrar em uma série de obstáculos, passando por índices de rejeição/apr ovação da presidente da República Orlean (uma hilária Meryl Streep) que pretende se candidatar à reeleição, sem falar nos militares corruptos, como o que cobra 20 dólares por um lanche que é grátis, nos empresários gananciosos que já tendo conquistado todo o planeta Terra rumam agora à conquista do espaço, ou ainda a imprensa sensacionalista que faz de tudo para não perder audiência, desprezando assuntos relevantes caso esses não deem muito “Ibope”.
Tudo em Não Olhe Pra Cima beira o artificial, (o céu, o avião voando, o espaço), o caricato, o excesso. Uma maneira de nos inserir desde o início no universo da ironia, do inverossímel, mas também de nos mergulhar no mundo fake em que estamos de fato metidos. Uma “realidade” em que as vidas acontecem mais nas redes sociais do que nas ruas e lares. Vidas paralelas, muitas vezes até opostas, que ganham dimensões absurdas quando “viralizadas”, sendo capazes de des truir sólidos caminhos percorridos, de eleger líderes grotescos ou de levar adolescentes ao desespero, muitas vezes a caminhos sem volta.
O filme de Adam McKay é assim um grito de alerta, um aviso importante para que paremos para refletir aonde é que tudo isso vai parar. Um filme que vem dividindo opiniões, mas que também bate diariamente recordes de “bilheteria” (hoje, os famosos views dos streamings). E o mais interessante de tudo é que Não Olhe Para Cima, além de contar com um elenco estelar (Cate Blanchett, Johnah Hill, Timothée Chamalet, Arianda Grande etc, fora os já citados), é uma obra nascida em Hollywood, berço por excelência de quase tudo o que é criticado ali no filme. Seria então uma autocrítica, uma mea culpa por parte dos deuses do olimpo cinematográfico? Ou trata-se apenas de mais uma maneira de desviar a atenção para essa indústria que se alimenta justamente das fake news, dos índices de audiência e das corrupções e politicagens do meio?
*Lilia Lustosa é crítica de cinema e doutora em História e Estética do Cinema pela Universidad de Lausanne (UNIL).
** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de janeiro/2022 (39ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP).
*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.
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Centrão avança na Câmara, e PSD e Podemos crescem no Senado
Bruno Góes e Camila Zarur / O Globo
BRASÍLIA — A criação das federações partidárias e a consolidação da fusão entre o DEM e o PSL provocarão mudanças na distribuição das forças políticas no Congresso. O quadro também será alterado com o início da janela partidária, em março, quando será permitido aos parlamentares trocarem de legenda sem o risco de perda do mandato.
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Desde 2018, ano da eleição nacional mais recente, o partido que mais se expandiu na Câmara foi o PL, escolhido por Jair Bolsonaro para disputar a reeleição — dez deputados federais se filiaram. A movimentação levou a sigla à marca de 43 representantes na Casa, formando a terceira maior bancada, atrás de PSL (55 integrantes) e PT (53).
A segunda legenda mais beneficiada foi o PP, que recebeu cinco congressistas e hoje conta com 42. Como a legislação impõe limites aos deputados federais para as mudanças partidárias, essas trocas ocorreram devido a situações específicas. O PL, por exemplo, incorporou o PHS, que elegeu seis parlamentares em 2018. As trocas devem se intensificar com a janela partidária.
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No Senado, o partido que mais cresceu foi o PSD, comandado por Gilberto Kassab. De 2018 para cá, cinco parlamentares foram incorporados à bancada. A sigla saiu de sete representantes para 12 e hoje tem a segunda maior bancada, atrás apenas do MDB (15 senadores) — um dos que o PSD atraiu foi o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (MG), que deixou o DEM. Outra sigla que cresceu foi o Podemos: pulou de cinco senadores para nove.https://flo.uri.sh/visualisation/8389001/embed?auto=1A Flourish chart
Já PTB e PSB, que tinham, respectivamente, três e dois representantes, agora estão sem representatividade no Senado. Diferentemente da Câmara, os senadores são donos do mandato e podem mudar de sigla sem necessidade de abertura de janela partidária.
Na Câmara, a fusão entre DEM e PSL, que deve ser chancelada pela Justiça Eleitoral, pode levar o União Brasil a formar a maior bancada na Casa. No entanto, alguns parlamentares devem aproveitar o momento para deixar a futura legenda. Bolsonaristas do PSL devem migrar para o PL e partidos alinhados ao do presidente — o mesmo deve ser feito por aliados que estão no DEM hoje. Já quadros próximos ao ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ) também devem deixar a sigla.
Com a ida de Bolsonaro para o PL, o partido espera crescer ainda mais em 2022. O líder da sigla na Câmara, Wellington Roberto (PB), calcula que a legenda deve receber cerca de 25 deputados na janela partidária, principalmente aliados de Bolsonaro. Isso fará com que a sigla mantenha a sua posição entre as maiores bancadas da Casa.
Federação pode dar fôlego
Caso PT e PSB avancem na negociação para se juntar em uma federação, também há a chance de que essa união possa representar a maior força da Casa. Há ainda outros cenários cogitados pelos partidos. PT, PCdoB, PSB, PV e PSOL poderiam, por exemplo, formar uma grande bancada. Neste caso, essas siglas teriam mais de cem deputados, ou quase um quinto das cadeiras na Câmara.
Essas negociações, porém, esbarram em dois obstáculos: o primeiro é a conciliação de interesses para 2024, ano de eleições municipais. A legislação obriga os partidos federados a atuarem juntos por quatro anos, ou seja, em dois pleitos. O segundo é a disputa pelo poder interno da nova organização partidária. Entre os deputados de esquerda, já há quem considere mais provável o PT ficar fora de uma federação. Neste caso, as siglas menores poderiam se unir.
Desde 2018, a distribuição das cadeiras mudou pouco. As legendas que mais encolheram na Câmara, por exemplo, foram PT, DEM e PDT. Essas siglas perderam, cada uma, apenas três deputados. Já os seis parlamentares eleitos por PMN, PTC e DC — siglas que não atingiram a cláusula de barreira — migraram para partidos como PL, Republicanos e Podemos, para que pudessem ter acesso aos fundos partidário e eleitoral.
Presidente do PSD, que passou de 34 para 35 deputados, Gilberto Kassab diz que, na próxima janela, deve atrair deputados federais ligados ao prefeito do Rio, Eduardo Paes, e ao governador do Paraná, Ratinho Junior. Por outro lado, deve perder o bolsonarista Éder Mauro (PA).
— Acho que a bancada vai ficar com cerca de 50 deputados — projeta Kassab.
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“Fator Aécio”
O PSDB, por sua vez, foi um dos partidos que perderam espaço no Senado ao longo dos últimos anos. Hoje com seis senadores, o partido ocupava oito cadeiras em 2018 e 11 em 2014. Segundo o líder tucano na Casa, Izalci Lucas (DF), a diminuição da bancada se deu pelos acontecimentos que envolveram a sigla no cenário nacional, como a derrota do deputado federal Aécio Neves (MG) na disputa presidencial de 2014 e as acusações de corrupção contra o mineiro.PUBLICIDADE
— Isso tudo acaba comprometendo o tamanho da bancada — diz Izalci, que completa: — O PSDB sempre priorizou a candidatura aos governos estaduais e sempre lançou candidato a presidente. Se (o governador João) Doria vier como candidatura forte, a tendência é influenciar nas candidaturas ao Congresso.
Exame/Ideia: Lula continua crescendo e chega a 41%; Bolsonaro cai para 24%
Pedro Grigori / Correio Braziliense
A primeira pesquisa eleitoral do Instituto Ideia em 2022 continua mostrando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como líder isolado da disputa pela Presidência da República. O petista tem 41% das intenções de voto em um primeiro turno, registrando um aumento de quatro pontos percentuais em relação a última pesquisa do instituto, divulgada em dezembro de 2021.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) continua caindo nas intenções de voto. O chefe do Planalto marcou 24%, três pontos percentuais a menos do que na última pesquisa.PUBLICIDADE
O ex-juiz Sérgio Moro (Podemos) continua se mostrando o nome mais forte da terceira via, com 11%. Ciro Gomes (PDT) fica em quarto com 7%, seguido pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com 4%. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), aparece com 1%.
Simone Tebet (MDB), Alessandro Vieira (Cidadania), André Janones (Avante), Leonardo Péricles (UP) e Luiz Felipe D’Ávila (Novo) não pontuaram. Brancos e Nulos marcaram 7%, e os que não sabem ou não quiseram opinar foram 4%.
A pesquisa foi encomendada pela Exame, ouviu 1.500 pessoas, por telefone, entre os dias 9 e 13 de janeiro. A margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos. O grau de confiança da pesquisa é de 95%, segundo o Instituto Ideia.
Segundo turno
Em um eventual segundo turno, o ex-presidente Lula venceria todos os concorrentes com uma boa vantagem. Contra Bolsonaro, venceria por 49% a 33%; contra João Doria seria 49% a 26%; contra Moro seria por 47% a 30% e contra Ciro Gomes por 47% a 25%.
Além de perder para Lula, Bolsonaro não sairia vencedor em um segundo turno contra Moro (38% a 32%) e nem contra Ciro (40% a 34%). Mas o atual presidente venceria o governador de São Paulo, João Doria, por 34% a 28%.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/01/4977438-exame-ideia-lula-continua-crescendo-e-chega-a-41-bolsonaro-cai-para-24.html
Bolsonaro seria reeleito se tivesse unificado combate à pandemia, diz Temer
Redação / Folha de S. Paulo
O ex-presidente Michel Temer (MDB) afirmou nesta quinta-feira (13) que o presidente Jair Bolsonaro (PL) teria reeleição certa se tivesse unificado o enfrentamento da pandemia.
Em entrevista à CNN, Temer disse que acreditar que se o atual mandatário tivesse reunido estados, Poderes e partidos, hoje "ninguém tiraria a eleição dele".
Para o ex-presidente, Bolsonaro cometeu "um equívoco" ao combater a vacina e tem afastado os que são a favor da imunização.
Na avaliação de Temer, a postura do atual mandatário, especialmente em relação à vacinação de crianças, mostra falta de "raciocínio pragmático" de buscar votos além da sua base de apoio.
Sem dizer o nome do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Temer alertou que "levar [eleição] no primeiro turno não é fácil".
Segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada em dezembro, Lula lidera com 48%, seguido por Bolsonaro, com 22%.
A pesquisa foi realizada de 13 e 16 de dezembro com 3.666 pessoas com mais de 16 anos, presencialmente em 191 cidades do país. A margem de erro é de dois pontos para mais ou menos.
"Com o país dividido como está, em grupo Lula, Bolsonaro e terceira via, é difícil ter eleição em primeiro turno", reforçou.
Lula terminou de 2021 à frente de Bolsonaro em termos de popularidade digital. O presidente variou nos primeiros dias de 2022, perdendo pontos nas redes com as folgas em Santa Catarina, mas recuperando posições a partir da internação hospitalar em São Paulo.
Na maior parte do ano, contudo, Bolsonaro foi quem liderou o IPD (Índice de Popularidade Digital), medido pela consultoria Quaest, o que confirma a capacidade e expertise do bolsonarismo de engajar na internet.
Lula, que está em primeiro lugar nas pesquisas eleitorais de intenção de voto para a Presidência, chegou a ultrapassar a popularidade digital de Bolsonaro em curtos períodos e, desde seu giro pela Europa em novembro, assumiu a dianteira.
Questionado se já chegou a conversar com Lula sobre as eleições de 2022, Temer afirmou ter sido contatado por um intermediário, mas que apoia integralmente a pré-candidata de seu partido, Simone Tebet.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/01/temer-diz-que-bolsonaro-seria-reeleito-se-tivesse-combatido-pandemia.shtml
Mulheres nas moedas: de deusas a ativistas políticas
Kevin Tschierse / DW Brasil
Maya Angelou lutou ao lado do ativista Martin Luther King pela igualdade de direitos civis para os negros nos Estados Unidos. Agora, uma moeda de 0,25 dólar será dedicada a essa americana que morreu em 2014. Ela é a primeira mulher negra a ser homenageada dessa forma.
A peça especial faz parte de uma série que será colocada em circulação pela casa da moeda dos EUA até 2025, e há muitos outros marcos importantes no American Women Quarters Program: com a astronauta Sally Ride, pela primeira vez uma lésbica declarada será retratada em dinheiro nos EUA. E com a ativista dos direitos civis Nina Otero-Warren, uma hispano-americana.
O que esses tributos a grupos minoritários nos dizem sobre a sociedade americana?
Mulheres são retratadas em moedas há 2.500 anos
A decisão de retratar "minorias" em moedas de 25 centavos de dólar mostra que os EUA "desenvolveram uma consciência da diversidade da sociedade, pela qual a América só pode ser parabenizada", comenta o professor Bernhard Weisser, do Gabinete de Numismática dos Museus Nacionais de Berlim.
A apresentação de "minorias" em moedas é um fenômeno novo: historicamente, os objetos serviam para "transmitir os ideais e virtudes do governante aos usuários – isto é, à sua população e aos soldados".
Figuras femininas em moedas, por outro lado, existem desde a existência do dinheiro de metal. De deusas da Antiguidade a governantes da Renascença e líderes dos tempos modernos, muitas foram imortalizadas no vil metal.
É verdade que as peças mais antigas conhecidas são adornadas com rostos masculinos: "Já em 525 a.C., o rei da Pérsia era retratado em moedas", diz Weisser. Mas as mulheres também estiveram presentes desde cedo: uma das primeiras figuras de peso histórico imortalizada assim foi a rainha egípcia Arsinoe 2ª, do Reino Ptolemaico, no século 3º a.C..
Efígies como um símbolo de poder
Desde então, muitas moedas nacionais retrataram mulheres, em vida ou postumamente. Líderes políticas são, até hoje, as mais frequentemente representadas em dinheiro.
De Cleópatra 7ª (69-30 a.C), no Egito, à rainha Naganika, uma das primeiras mulheres da história indiana a dirigir assuntos de Estado, no século 1º a.C, à imperatriz do Sacro Império Romano-Germânico Maria Theresia (1717-1780), todas emitiram moedas com suas efígies.
Esta última "criou um táler [moeda de prata adotada na Europa por quase 400 anos] que gozou de grande popularidade na África", conta Weisser, "e foi reemitido em Viena até o século 20".
Com suas efígies nas moedas, as governantes buscavam legitimar seu domínio e afirmar sua influência sobre nações e impérios, como faziam seus colegas homens. O exemplo mais conhecido é provavelmente a imagem da rainha Elizabeth 2ª, que ainda é retratada hoje em dia em inúmeras moedas na Commonwealth, a comunidade internacional que reúne antigas colônias britânicas).
Deusas ou alegorias nacionais
Mas não só a realeza tinha seu rostos cunhado: impérios antigos, como a Grécia ou o Kushana, na Ásia Central, foram os primeiros a retratar divindades femininas em suas moedas.
Enquanto os governantes gregos retrataram a deusa Atena em várias poses, os Kushana imprimiam as deusas Sri Lakshmi ou Ardoksho em suas moedas. Na Índia, a deusa Lakshmi tem sido a divindade mais comum representada nas moedas.
Deusas raramente são encontradas em moedas hoje em dia, mas outras figuras femininas fictícias que servem como alegorias nacionais, sim. Entre elas, a francesa Marianne, representando a República, e também presente nas cédulas de real) a peruana Madre Patria e a americana Lady Liberty.
Mulheres fortes no dinheiro moderno
Desde o século 20, registra-se a tendência a reconhecer mulheres por sua contribuição para a sociedade. Exemplos são a popular ex-primeira-dama da Argentina, Eva Perón (1919-1952), cuja efígie ainda em circula em moedas comemorativas, ou a ex-primeira-ministra indiana Indira Gandhi (1917-1984). Ambas foram homenageadas postumamente, visando relembrar os papéis de liderança política das mulheres e consolidar seu lugar nas respectivas histórias nacionais.
Nos últimos anos, no entanto, os governos também passaram a homenagear mulheres de fora da política. Cada vez mais rostos femininos são reconhecidos por suas contribuições às artes e ciências. Além disso, como no caso de Maya Angelou, passou-se a valorizar mais o papel das ativistas.
"Recentemente, as homenageadas em cunhagem costumavam atuar no setor beneficente ou na educação infantil. Mas esses eram retratos femininos bastante unilaterais. Isso está mudando aos poucos", explica Weisser.
As peças especiais americanas correspondem aos sinais dos tempos. No entanto, as ativistas e cientistas retratadas ainda precisam compartilhar a moeda com um homem: primeiro presidente dos EUA, George Washington (1732-1799) é quem está na outra face da moeda de Angelou.
Fonte: DW Brasil
https://www.dw.com/pt-br/mulheres-nas-moedas-de-deusas-a-ativistas-pol%C3%ADticas/a-60416587
Luiz Carlos Azedo: E Bolsonaro entrega a execução do Orçamento ao Centrão
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Os anões do Orçamento eram um grupo de parlamentares baixinhos que controlavam as emendas parlamentares e engordavam suas contas bancárias. O esquema exigia influência para aprovar as emendas e conseguir que determinada empreiteira vencesse a concorrência da obra. Depois, a empresa repassava uma parte dos recursos para o parlamentar. Uma fração era destinada à campanha eleitoral; a outra, ao enriquecimento ilícito, como é da tradição patrimonialista. Àquela época, o caixa dois eleitoral era generalizado. O que distinguia o político honesto do desonesto não era a origem do dinheiro da campanha, era a formação de patrimônio com esses recursos.
Entretanto, em 1993, o Brasil vivia sob as regras de uma nova Constituição, o presidente Fernando Collor havia renunciado para evitar o seu impeachment e, em seu lugar, o vice Itamar Franco havia assumido a Presidência. O então senador Fernando Henrique Cardoso, seu chanceler, assumira a Fazenda e preparava o Plano Real. Com a Constituição de 1988 e a autonomia do Ministério Público, a realidade institucional já era outra, incompatível com o velho modelo de financiamento das campanhas eleitorais.
No Congresso, quem dava a palavra final sobre as emendas parlamentares ao Orçamento da União era o seu relator, deputado João Alves (PMDB-BA), que entendia de bilhetes premiados, mas tinha que recorrer aos conhecimentos técnicos de João Carlos Alves dos Santos, um funcionário da Câmara, que conhecia a mágica da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Numa crise de consciência, após confessar o assassinato da própria esposa, Ana Elizabeth Lofrano, Alves resolveu contar o que sabia sobre o Orçamento. Durante as investigações do homicídio, havia sido preso com US$ 1 milhão em dinheiro vivo e 30 mil em notas falsas.
Formada para investigar o escândalo, a CPI do Orçamento descobriu que João Alves movimentava por mês 300 vezes o valor de seu salário de deputado, distribuía cheques aos parlamentares amigos e se jactava de ter ganho na loteria 56 vezes, só em 1993. Na verdade, comprava bilhetes premiados para lavar dinheiro. A CPI quebrou 395 sigilos bancários, 267 sigilos fiscais e 43 telefônicos; colheu 79 depoimentos, em 111 reuniões. Propôs a cassação de mandato de 18 parlamentares. Seis foram cassados e dois renunciaram, entre os quais, João Alves.
Onde mora o perigo
A jornalista Malu Gaspar, no livro A Organização (Companhia das Letras), nos revela como funcionava o outro lado do balcão. Em novembro de 1993, vizinhos desconfiaram da fumaça que vinha da mansão no Lago Sul onde vivia o então diretor de relações institucionais da Odebrecht, Aírton Reis. Era um churrasco, porém, no banheiro da residência, as agentes da Polícia Federal encontraram caixas com atas e relatórios de reuniões. Cerca de 350 políticos eram citados na documentação.
A Odebrecht havia montado um lobby poderosíssimo, que atendia parlamentares, prefeitos e governadores, sugerindo emendas, redigindo minutas de contratos e editais de licitação, captando recursos a fundo perdido e financiamentos para obras em estados e municípios. Segundo o relatório de desempenho de Airton Reis, no Orçamento da União de 1992, a Odebrecht havia emplacado 63 emendas, seis destaques e 20 subprogramas do seu interesse. No saldo final, isso representava US$ 646 milhões, para 152 contratos, nos quais a empresa esperava faturar, realmente, em torno de 25%.
Por um erro do relator da CPI, Jose Paulo Bisol (PSB-RS), a empresa conseguiu se safar da CPI, que propôs outra investigação sobre as empreiteiras, que não saiu do papel. Depois do escândalo, os métodos da Odebrecht ficaram ainda mais sofisticados, como nos relata Malu Gaspar, ao longo de 639 páginas. A casa caiu com o escândalo da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, e o acordo de colaboração da empresa com o Ministério Público Federal, ao qual revelou seu esquema de “operações estruturadas”.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro entregou a execução do Orçamento da União ao ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP-PI), que passou a dividir o poder de distribuição de recursos federais com o ministro da Fazenda, Paulo Guedes, cada vez mais enfraquecido no Palácio do Planalto e desgastado na Faria Lima. A distribuição de emendas parlamentares, principalmente do chamado Orçamento Secreto, as emendas do relator, já estavam sob controle de outro cacique do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Nunca os parlamentares da base do governo manipularam tantos recursos como agora. Alguns fazem questão de dar ampla divulgação à liberação dos recursos nas suas bases eleitorais, mas R$ 16,2 bilhões correspondem às emendas do relator, cujos verdadeiros autores permanecem no anonimato. É aí que mora o perigo.