Day: dezembro 21, 2021

Câmara: Orçamento de 2022 terá benefício a policiais e fundão de R$ 5 bilhões

Bruno Góes e Julia Lindner / O Globo

BRASÍLIA — Em sessão do Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, por 358 votos a favor e 97 contrários, o Orçamento de 2022. Após semanas de negociações, dificultadas por impasses políticos, os parlamentares deram aval a reajustes para policiais no ano que vem, reservaram valor de R$ 16,5 bilhões para as emendas de relator, instrumento que chegou a ser bloqueado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e garantiram R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral.

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Projeto mais importante em tramitação no Congresso, o orçamento prevê as despesas e receitas da União para 2022. Para valer, o texto ainda será votado nesta terça pelo Senado e, posteriormente, sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.

O valor total da despesa para 2022 foi fixado em R$ 4,82 trilhões. Desse valor, R$ 1,88 trilhão referem-se ao refinanciamento da dívida pública.

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Após deliberação na Comissão Mista de Orçamento (CMO) e aval do plenário da Câmara, o salário mínimo passará dos atuais R$ 1.100 para R$ 1.210 no próximo ano.

Para turbinar as emendas parlamentares por meio das emendas de relator, que abasteceu o chamado “orçamento secreto”, o Congresso Nacional cortou despesas obrigatórias do governo, como gastos com Previdência e pessoal.

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No total, os cortes apresentados pelo relator da proposta orçamentária, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), chegam a R$ 16,5 bilhões, de acordo com dados da Instituição Fiscal Independente (IFI) calculados a pedido do GLOBO.

O valor cortado foi direcionado para as emendas de relator da proposta orçamentária. As emendas de relator são um tipo de emenda parlamentar em que não há critérios objetivos de distribuição e estão sendo usadas para irrigar aliados do governo e a cúpula do Congresso.


Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR
Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerimônia Militar em Comemoração ao Aniversário de Nascimento do Marechal do Ar Alberto Santos-Dumont. Foto: Marcos Corrêa/PR
Solenidade Militar de Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira. Foto: José Dias/PR
Missa com parlamentares e familiares. Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro bate um pênalti na Arena da Condá, Chape, em Chapecó. Foto: Alan Santos/PR
Presidente, ministros e aliados posam para fotografia nos trilhos da FIOL. Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
Leilão 5G. Foto: Isac Nóbrega/PR
Reunião com o Emir de Dubai, Mohammed bin. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Bolsonaro participa de cerimônia do 7 de Setembro, no Palácio da Alvorada. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Cerimônia em Memória dos Pracinhas. Foto: Alan Santos/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
05/11/2021 Cerimônia de Anúncios do Governo Federal ao Estado
Motociata na cidade de Piraí do Sul com destino a Ponta Grossa. Foto: Clauber Cleber Caetano/PR
 Cúpula de Líderes do G20. Foto: Alan Santos/PR
Foto: Alan Santos/PR
Reunião com o representante para Política Externa e de Segurança da União Europeia e Vice-Presidente da Comissão Europeia, Josep Borrell Fontelles. Foto: Alan Santos/PR
Apoiadores na rampa do Palácio do Planalto. Foto: Marcos Corrêa/PR
Encontro com o Presidente da Funai, Marcelo Xavier e lideranças indígenas. Foto: Isac Nóbrega/PR
Visita à Estátua de Padre Cícero em Juazeiro do Norte - CE Foto: Marcos Corrêa/PR
Cerimônia Militar em Comemoração ao Aniversário de Nascimento do Marechal do Ar Alberto Santos-Dumont. Foto: Marcos Corrêa/PR
Solenidade Militar de Entrega de Espadins aos Cadetes da Força Aérea Brasileira.  Foto: José Dias/PR
Missa com parlamentares e  familiares. Foto: Marcos Corrêa/PR
Bolsonaro bate um pênalti na Arena da Condá, Chape, em Chapecó. Foto: Alan Santos/PR
Presidente, ministros e aliados posam para fotografia nos trilhos da FIOL. Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata de Santa Cruz do Capibaribe para Caruaru. Foto: Marcos Corrêa/PR
Inauguração das novas instalações da Escola de Formação de Luthier e Archetier da Orquestra Criança Cidadã (Recife-PE). Foto: Marcos Corrêa/PR
Motociata pelas avenidas de Goiânia. Foto: Alan Santos/PR
 Operação Formosa - 2021. Foto: Marcos Corrêa/PR
Centenário da Convenção de Ministros e Igrejas Assembléia de Deus no Pará. Foto: Isac Nóbrega/PR
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Nas emendas tradicionais, os valores são divididos igualmente entre os parlamentares. No próximo ano, as emendas destinadas a todos os deputados e senadores chegam a R$ 10,9 bilhões.

De acordo com Felipe Salto, diretor-executivo da IFI, os cortes ocorreram nas despesas com pessoal, no Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda, e nos gastos da Previdência Social.

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Não há um risco de essas despesas não serem pagas por conta da sua natureza, de gastos obrigatórios. O pano de fundo das discussões é como os recursos são alocados no Orçamento e a necessidade de outros cortes no Orçamento no próximo ano para bancar essas despesas.

Mais cedo, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) aprovou o projeto do Orçamento com um reajuste de R$ 1,9 bilhão a policiais federais no ano que vem, valor também endossado em plenário.

O deputado Hugo Leal (PSD-RJ) incluiu no parecer o benefício aos agentes de segurança federais, que deve ser usado como bandeira eleitoral do presidente Jair Bolssonaro para 2022.

A decisão ocorreu um dia após o parlamentar ter sido procurado por Bolsonaro para viabilizar o aumento. Para isso, o relator cortou recursos das emendas parlamentares de bancadas estaduais não impositivas, ou seja, não obrigatórias.

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A primeira versão do parecer apresentado ontem pelo relator não contemplava o aumento aos policiais. O governo, no entanto, fez um esforço nas últimas horas para buscar formas de garantir o benefício.

A aliados, Hugo Leal relatou que ficou em uma "saia-justa". Ele e alguns parlamentares consideram que conceder o reajuste apenas aos policiais pode causar um efeito negativo diante de outras categorias que possuem demandas semelhantes e podem intensificar a pressão.

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Após acordo entre parlamentares, o Orçamento também traz a previsão de R$ 4,9 bilhões ao fundo eleitoral para financiar as campanhas do ano que vem.

O valor será mais do que o dobro do destinado aos partidos nas eleições recentes. Depois de derrubar o veto do presidente Jair Bolsonaro a dispositivo que garantia um valor maior, de até cerca de R$ 5,7 bilhões, deputados e senadores acordaram um novo valor.


TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
TSE apresenta novas urnas eletrônicas. Foto: Abdias Pinheiro/SECOM/TSE
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O relator-geral, Hugo Leal (PSD-RJ), sugeriu inicialmente em seu relatório o montante de R$ 5,1 bilhões, conforme antecipou O GLOBO.

Preocupados com o impacto negativo da decisão perante a opinião pública, congressistas decidiram baixar a quantia para R$ 4,7 bilhões nesta manhã. Após um último ajuste, o valor ficou em R$ 4,9 bilhões.

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A diferença de R$ 200 milhões será usada para a área da educação, principalmente para a conclusão de obras inacabadas do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

Mesmo com o novo valor, o fundo eleitoral ainda terá a maior dotação desde que foi criado. A proposta enviada pelo governo sugeria R$ 2,1 bilhões. Nos últimos anos, a média usada para o fundo foi de cerca de R$ 2 bilhões.

Na peça, o salário mínimo foi fixado em R$ 1.210 no próximo ano. O cálculo do salário mínimo é estipulado com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), estimado pelo relator em 10,18%. O percentual exato, no entanto, só será divulgado em janeiro, com o valor fechado de 2021.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/camara-aprova-orcamento-de-2022-com-beneficio-policiais-fundao-de-quase-5-bilhoes-25327990


Míriam Leitão: O jovem Boric e os sonhos chilenos

Míriam Leitão / O Globo

O presidente eleito do Chile, Gabriel Boric, ouvia música durante a campanha, nem que fosse meia hora, de madrugada, porque, como disse, “precisa de música”. Gostaria de morar no centro da cidade, perto do La Moneda, mas não no Palácio. Não tem carro e gosta de andar de metrô. Durante a campanha, que ele definiu como “de uma intensidade que não se alcança quando se começa”, Boric conseguiu um tempo, no disputado segundo turno, para ver dois episódios da série “Get Back", sobre os Beatles. Sua namorada, Irina, não gosta do papel de “primeira dama”, e prefere continuar liderando a Frente Feminista. Esses fatos foram narrados em entrevista a jornalistas da TV Nacional, 72 horas antes da eleição que o consagrou vencedor. No domingo, ele pulou uma mureta de proteção para chegar mais rápido ao palco onde falaria para a multidão, que o aguardava gritando “Justiça, verdade, não à impunidade”.

Os sinais da juventude são uma lufada de ar fresco na política chilena, que precisava muito de renovação. Mas a grande questão que se coloca agora é como o jovem roqueiro, que começou como líder estudantil, poderá entregar os sonhos que estimulou. Ele sabe dessa dificuldade tanto que disse no discurso de vitória: “os tempos não serão fáceis diante das consequências sociais, econômicas e sanitárias da pior pandemia da história”.

Com vibrante retórica, Boric passou por todos os pontos da campanha. Falou da defesa das mulheres, do feminismo, da diversidade de orientação sexual, dos povos originários, do meio ambiente, da liberdade de imprensa, da justiça social e da democracia. “Desestabilizar as instituições democráticas é o caminho mais curto para o abuso”.

Ao derrotar o candidato José Antonio Kast, que defendeu a ditadura de Pinochet, e que mimetizava em muitos pontos os discursos de  Bolsonaro e Donald Trump, Gabriel Boric já fez muito. Colocou o Chile de volta às pautas da atualidade. Ao falar em idioma indígena, no início do discurso, e se dirigir a “todos os povos que habitam essa terra que chamamos Chile” ele estava reforçando a visão cultural múltipla que é a que se deve ter na era da diversidade.

O mercado chileno ontem reagiu mal. A bolsa abriu em queda e chegou a 6,18%, o dólar teve a mais forte alta desde a crise de 2008. O curioso é que não existe banco hoje no mundo que não brade que aderiu aos princípios ESG. Eles foram todos defendidos por Boric. Quando fala de inclusão, ele está atendendo ao “S” de social, ao focar a questão climática ele está atendendo ao “E” de meio ambiente (environment), e quando afirma que negociar com outros grupos políticos é “uma obrigação e uma oportunidade”, Boric está atendendo ao “G” de governance.

Sobre contas públicas, ele disse que vai “ampliar os direitos sociais com responsabilidade fiscal, cuidando da macroeconomia para que não se tenha que retroceder”. Na verdade, a economia chilena já está em dificuldades, pelo aumento de gastos, pela alta da inflação — ainda que o índice seja mais baixo que o brasileiro — e pela previsão de reduzido crescimento em 2022. Corrigir isso será difícil. E seria também se o candidato vencedor tivesse sido o da direita. José Antonio Kast disse na campanha, entre outras mentiras, que a ditadura de Pinochet realizava “eleições democráticas”. O mercado acha mais confiável um defensor de ditadura do que um reformista de esquerda.

Será difícil governar o Chile, porque Boric não terá maioria, porque o país está num processo constituinte, porque ele tem entre suas prioridades uma reforma tributária que elevará os impostos sobre os mais ricos. O Chile tem uma carga tributária baixa. Boric quer também uma previdência pública, e isso significa mudar o controverso sistema privatizado de previdência, implantado no governo Pinochet, que já provocou muitas distorções.

O fato mais notável nos últimos dois dias é a maneira civilizada que se deu o processo político chileno. Kast reconheceu a derrota, e foi visitar o comitê de campanha do vencedor. Boric agradeceu a todos os contendores, inclusive Kast. O presidente Sebastian Piñera já se reuniu ontem com o presidente eleito e disse que o consultará sobre algumas decisões a serem tomadas até 11 de março, quando ele assumirá como o mais jovem presidente chileno.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/o-jovem-boric-e-os-sonhos-chilenos.html


Hélio Schwartsman: Gasto eleitoral de 5,7 bi é imoral

Hélio Schwaetsman / Folha de S. Paulo

Congresso com enorme frequência toma decisões ruins. Por vezes, essas decisões são também moralmente injustificáveis. É o caso da derrubada do veto presidencial ao fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões. Partidos políticos poderão dispor no pleito do ano que vem de mais do que o dobro do que gastaram em 2018.

​A pandemia deixou o Brasil mais pobre. Para alguns estratos sociais, isso significa fome. O setor público, que mantém programas que podem acolchoar a crise, também passa por apertos. Num exemplo quase aleatório, reitores de universidades federais se queixam de que não têm recursos para continuar com o funcionamento dos bandejões, que vendem refeições subsidiadas para os estudantes. É a definição mesma de economia burra. A universidade oferece a alunos cursos que, no setor privado, podem custar centenas de milhares de reais, mas não dá aquele tantinho a mais que lhes permitiria dedicar-se integralmente aos estudos.

O lugar mais óbvio para cortar num Orçamento são as verbas destinadas a campanhas. Não digo que devem ser zeradas, mas são uma das poucas rubricas que podem ser reduzidas sem prejuízo. O mesmo número de candidatos será eleito quer os partidos gastem R$ 6 bilhões, quer gastem R$ 1 bilhão. E não vejo como afirmar que exista uma relação de causalidade entre o volume de recursos investido e a qualidade dos eleitos.

Na verdade, um Congresso responsável já teria desenhado um sistema de redução paulatina do fundo eleitoral, uma vez que a tendência é que as campanhas se desloquem cada vez mais da TV e do rádio para a internet, que é muito mais barata que os meios tradicionais.

Diante das enormes carências por que passa o país, parece-me imoral aumentar os gastos com campanhas. O lado bom dessa novela é que ela nos legou um critério de demarcação. Você, eleitor, tem bons motivos para não votar em nenhum dos parlamentares que ajudaram a derrubar o veto.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/12/gasto-eleitoral-de-57-bi-e-imoral.shtml


Andrea Jubé: Presidenciáveis elegem as leituras de Natal

Andrea Jubé / Valor Econômico

A relação dos presidentes da República com os livros e o hábito da leitura é um capítulo à parte na história brasileira, com lances dramáticos, ou trágicos, dignos da melhor ficção.

Por exemplo, a fatalidade que levou à morte o marechal Castello Branco (1897-1967), apenas quatro meses depois de ele transmitir a Presidência ao general Costa e Silva (1899-1969).

Após uma escala breve na fazenda da amiga e escritora Rachel de Queiroz, Castello embarcou com o irmão, Candinho, em uma aeronave cedida pelo governo estadual rumo a Fortaleza (CE). Em um arranjo nefasto do destino, o avião chocou-se no ar com jatos da FAB.

Na cena do acidente, o que intrigou historiadores foi o embrulho de papel pardo, contendo um exemplar raro da primeira edição de “Iracema”, de José de Alencar.

Devoto da leitura, Castello tinha lido toda a obra de Alencar, seu parente distante e conterrâneo cearense, na juventude. Posteriormente soube-se que Rachel havia incumbido o irmão de Castello de entregar a raridade a um amigo no Rio de Janeiro.

A escritora temia que Castello apreendesse a encomenda e a desviasse para sua biblioteca particular. No desenlace da triste epopeia, o livro foi encontrado mais próximo do corpo de Castello do que do portador do volume.

Getúlio Vargas (1882-1954) era igualmente um leitor voraz, apesar do gosto duvidoso em algumas épocas. Em 1933, durante uma viagem de navio de regresso ao Rio, ele registrou em seu diário que aproveitaria os dias em alto mar para colocar a leitura em dia. A companhia seriam obras sobre ditadores célebres: “Conversações com Mussolini”, de Emil Ludwig; e “Salazar: o homem e sua obra”, de Antonio Joaquim Tavares Ferro.

Anos mais tarde, no auge da crise deflagrada pelo atentado da rua Tonelero, Getúlio recorreria a outro português para aliviar as dores da alma.

Uma semana após os tiros desfechados contra seu opositor, Carlos Lacerda, Getúlio achava-se em Belo Horizonte. Estava hospedado na residência oficial do então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, que o flagrou insone, de madrugada, escolhendo um título na biblioteca.

“Nunca durmo sem antes ler um pouco”, justificou Getúlio, segundo relato de Lira Neto. O presidente dirigiu-se aos aposentos tendo em mãos um exemplar de Eça de Queirós. Doze dias depois, daria cabo da própria vida.

Juscelino prezava os livros, mas, também, quem os escrevia. “JK tinha mania de escritor”, registrou o escritor Autran Dourado, que foi secretário de imprensa do mineiro na Presidência.

No governo de Minas, o chefe de gabinete de JK era o contista Murilo Rubião, de “Teleco, o coelhinho”. Na Presidência, quem ocupava o cargo era o escritor e jornalista Álvaro Lins.

Segundo Dourado, JK dizia não ter problemas de corrupção com escritores, porque estes esperavam pouco do poder. Alguma projeção para o nome e empregos de meio expediente para dedicarem-se no tempo livre à literatura.

JK convidou os poetas Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira, e o filólogo Antonio Houaiss, a formarem o acervo de mais de 3 mil livros da biblioteca do Palácio da Alvorada. Cerca de 60 anos depois, o local transformou-se em palco das “lives” das quintas-feiras do presidente Jair Bolsonaro.

Embora frequente o espaço, Bolsonaro não é afeito à literatura. O presidente é reconhecido pelo gosto pelas atividades físicas e passeios de moto aos fins de semana.

A partir do elo histórico de alguns presidentes com os livros, a coluna indagou aos demais pré-candidatos à Presidência quais as leituras reservadas para o fim de ano.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao contrário do que se propalou, não se tornou um leitor frequente durante o cárcere em Curitiba. Ele desenvolveu e cultivou o hábito entre 2011 e 2012, durante as exaustivas sessões de quimioterapia para combater o câncer de laringe.

Naquela época, ganhou de Dilma Rousseff o romance "O Homem que Amava os Cachorros", do cubano Leonardo Padura. Uma década depois, Lula volta a Padura: está lendo “Como poeira ao vento”, sobre uma família de exilados cubanos. Também dedica-se ao último título de Chico Buarque: “Anos de chumbo e outros contos”.

O ex-juiz Sergio Moro (Podemos) busca inspiração em um dos grandes líderes políticos americanos: o ex-presidente Theodore Roosevelt (1858-1919).

Moro dedica-se às páginas de “The river of doubt”, de Candice Millard. Na tradução em português, “O rio da dúvida”, sobre a expedição de Roosevelt e Candido Rondon (1865-1958), que em 1914, mapearam um rio desconhecido na Amazônia.

O governador de São Paulo e presidenciável do PSDB, João Doria, está imerso no denso “Escravidão”, em que Laurentino Gomes narra os acontecimentos do primeiro leilão de cativos em Portugal, até a morte de Zumbi dos Palmares.

A escolha de Ciro Gomes, do PDT, dialoga com a de Doria, porque investiga uma das sequelas da escravidão, o preconceito pela cor da pele. A obra em questão é “Como o racismo criou o Brasil”, do sociólogo Jessé Souza.

A senadora Simone Tebet (MS), pré-candidata do MDB, está lendo a distopia “1984”, de George Orwell. Mas desaconselha o título para esta época do ano, em que se deve flertar com a esperança de dias melhores. Ao invés de Orwell, Tebet recomenda o lirismo de Manoel de Barros, o grande poeta do Pantanal.

O presidente do Senado e pré-candidato do PSD, Rodrigo Pacheco (MG), divide-se entre o suspense da votação do Orçamento de 2022 e uma narrativa policial. Em “O crime da galeria de Cristal - e os dois crimes da mala. São Paulo, 1908-1928”, o historiador Boris Fausto reconstitui três crimes que chocaram a sociedade paulistana no início do século XX.

O senador Alessandro Vieira (SE), pré-candidato do Cidadania, vai desbravar a coletânea sobre os principais temas nacionais, organizada pelo economista Fabio Giambiagi em “O futuro do Brasil”.

Com essas dicas, a coluna parte para o seu retiro literário de fim de ano e retorna em janeiro.

Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/presidenciaveis-elegem-as-leituras-de-natal.ghtml


Ana Carla Abrão: É preciso mais que programas de transferência de renda para mobilidade social

Ana Carla Abrão / O Estado de S. Paulo

Estamos às portas de 2022, ano de eleições presidenciais. Agendas pululam e, torçamos, propostas serão colocadas à prova. Pesquisas mostram que será a economia o tema que deverá concentrar as atenções. Inflação e desemprego machucam, e o anseio é o de saber quem poderá – e como – aliviar os impactos sobre o bolso do cidadão brasileiro. Esses são os problemas reais, e enfrenta-los de forma certeira e rápida é o que se espera de quem vier a nos governar a partir de 2023.

Não é para menos. A inflação em 12 meses superou os 10%, a maior desde janeiro de 2016. O desemprego, que se mantinha na casa dos 14%, continua resiliente. Ainda são 13,5 milhões de brasileiros sem emprego. Sem contar a informalidade, o subemprego e um desequilíbrio que se confunde com baixa qualificação. Assim convivem, paradoxalmente, desemprego e falta de oferta de mão de obra na medida em que o mercado de trabalho avança buscando novas competências. Responsabilidade fiscal e crescimento vão na direção da solução. Uma torna mais efetivo (e menos custoso) o solitário trabalho da política monetária. O outro garante a abertura de novos postos de trabalho.

Mas há um importante capítulo que se abre na agenda de propostas para um País que sofre com o aumento da pobreza e a crescente desigualdade social. Subjacentes ao problema da pobreza e da miséria, cada vez mais visíveis, são a geração de oportunidades e a maior mobilidade social os dois temas primordiais. Paralelamente aos programas de transferência de renda, há muito a fazer – e de forma estrutural.

Nesse campo, temos de começar por entender onde estamos e por buscar evidências que nos permitam atuar em políticas públicas eficazes que fujam do populismo e abusem de evidências. E nesse campo há gente muito competente trabalhando. É o caso do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social – IMDS, cuja sede foi inaugurada no Rio de Janeiro na sexta-feira. Na apresentação do instituto, Armínio Fraga e Paulo Tafner, seus fundadores, com Sérgio Guimaraes e uma competente equipe de pesquisadores, mostraram que ampliar a mobilidade e o desenvolvimento social são parte fundamental de qualquer agenda que vise a repensar o Brasil. Temas como escolaridade de pais e filhos, condições de acesso a tecnologia e moradia, além de avaliações de impacto de investimento em educação são analisados a partir de um conjunto de dados e estudos que buscam dar foco e trazer o devido rigor ao que de fato importa, que é criar as bases para um Brasil melhor para todos.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,para-garantir-a-mobilidade-social-e-preciso-mais-que-programas-de-transferencia-de-renda,70003932213


Felipe Salto: Quem quer dinheiro?

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

No último dia 13, ao ser entrevistado no programa Roda Viva, da TV Cultura, falei à jornalista Vera Magalhães que estávamos diante de uma política fiscal destrambelhada. O teto de gastos, única âncora ativa, foi alçado. Além disso, o chamado orçamento secreto, revelado pelo Estadão, não teve reação institucional à altura. Em 2022, haverá até R$ 36 bilhões para gastos pulverizados. É a lógica do Silvio Santos no orçamento público: “quem quer dinheiro”?

A Instituição Fiscal Independente (IFI) calculou que o rombo no teto de gastos se combinou com o calote nos precatórios e nas sentenças judiciais para abrir espaço fiscal de quase R$ 118 bilhões em 2022. Esse número poderá ser um pouco menor, a depender da inflação de 2021 (que conheceremos no início de janeiro). De todo modo, contabilizados os gastos já anunciados ou aprovados (caso do Auxílio Brasil), sobrariam cerca de R$ 36 bilhões para despesas extras.

Isso explica a correria com projetos que aumentam o volume de recursos para os partidos e que tais. A sanha para gastar, da qual tratei em várias ocasiões neste espaço, ganhou corpo com a PEC dos Precatórios (Emendas Constitucionais – ECS n.º 113 e n.º 114). A motivação nunca foi o gasto social, mas, sim, a abertura de espaço orçamentário para jogar dinheiro público para o alto.

O orçamento previsto inicialmente para o Bolsa Família era de cerca de R$ 35 bilhões para 2022. A polpuda “xepa da PEC” equivalerá a mais do que o orçamento inteiro desse programa. Se a inflação do fim do ano ficar abaixo da considerada pela IFI neste momento (10,4%), ainda assim sobrariam cerca de R$ 26 bilhões (e não R$ 36 bilhões). Mas como serão gastos esses recursos?

As emendas de relator-geral abarcaram, nos últimos anos, as mais variadas demandas, inclusive pedidos do próprio Poder Executivo. Há gastos meritórios nessa salada de recursos, sim, mas o ponto central é a falta de transparência e de critério na sua distribuição. Trata-se de dinheiro público. O tratamento deve ser o mais aberto possível.

Se há demanda – legítima – por maior ingerência no orçamento, o Legislativo já tem dois instrumentos constitucionais: as emendas individuais (EC 86) e as emendas de bancada parlamentar (EC 100). Os puxadinhos do relator-geral são o maior disparate de que se tem notícia em matéria de orçamento público na história recente. E já ocorrem há vários anos (ainda que, antes de 2019, em menor proporção).

No relatório final da Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso, há R$ 16,5 bilhões para emendas de relator-geral. Para isso, no relatório, revisam para baixo as projeções de gastos obrigatórios, confirmando o uso de parte do espaço escondido nas estimativas mais altas do Executivo. Essa confusão era previsível. Fiz o alerta.

Ou bem se moderniza o processo orçamentário ou retrocederemos à era das cavernas em termos de contabilidade pública. Todos os avanços promovidos pelas reformas dos anos 1980 e 1990 – a exemplo da extinção do orçamento monetário, do controle da inflação, da Lei de Responsabilidade Fiscal, da adoção da tecnologia de informação na execução e no controle dos gastos públicos, dentre outros – poderão escoar pelo ralo. É difícil construir e fácil botar tudo a perder.

Muito se discutiu sobre o calote nos precatórios e a mudança do teto para poder cumpri-lo: pedaladas fiscais. Mas o quadro é mais grave. Essa forma e esse ritmo de alteração da Constituição, como quem escreve em papel de pão, torna instável – e pouco previsível, portanto – o quadro geral das contas públicas.

Quem vencer as eleições de 2022 terá pouquíssimo tempo para iniciar a reconstrução. O risco de romper o teto de gastos ou de uma virada de mesa nas regras do jogo, que se costumava associar a alguns cenários possíveis para as eleições de 2022, já não existe. O salto duplo carpado foi a PEC dos Precatórios.

O desafio, agora, é pensar em como harmonizar o arcabouço fiscal, reestruturar o teto de gastos e planejar as ações urgentes de políticas públicas na área social. O País está em frangalhos, o mercado de trabalho não dá sinais de melhora efetiva e as projeções para o PIB do ano que vem circundam 0,5%.

O orçamento é o esqueleto do Estado. Sem ele, as leis e a Constituição não param de pé. Quando o processo orçamentário é tratado como uma feira livre, com regras ad hoc e práticas pouco transparentes, perde-se a capacidade de controle, de prestação de contas e de resposta aos anseios da população.

A chuva de dinheiro em gastos espalhados poderá confirmar as piores expectativas. O meteoro dos precatórios e o gasto social foram desculpas perfeitas para emprestar ares de correção a esse destrambelho. Para ter claro, nem um centavo foi cortado para viabilizar os gastos novos. A responsabilidade fiscal, também sob esse aspecto, foi gravemente abalada.

No auditório do Silvio Santos, o dinheiro é dele. Ele joga para o alto quando lhe dá na telha. No orçamento público, os recursos são da coletividade. Sua distribuição, de acordo com as leis, deveria ser sagrada.

*Diretor-executivo e responsável pela implantação da IFI.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,quem-quer-dinheiro,70003932138


Bernard Appy: O que precisa ser feito e o que tem realmente sido feito na política

Bernard Appy / O Estado de S. Paulo

Há vários grupos desenvolvendo propostas de políticas públicas para o próximo governo – alguns ligados a determinados candidatos, outros sem vinculação partidária. Tenho contato com diversos desses grupos e chama a atenção não apenas a qualidade do trabalho, como a convergência entre propostas de pessoas que seguem linhas políticas bastante distintas. Apesar da polarização disfuncional dos últimos anos, minha impressão é que, mais do que em eleições passadas, há hoje uma compreensão mais difundida sobre os problemas do País e sobre o que precisa ser feito para superá-los.

Simplificadamente, há convergência sobre quatro temas centrais. O primeiro é a urgência da redução das desigualdades sociais. O segundo é a necessidade de corrigir distorções que reduzem a produtividade e o crescimento do País. O terceiro é a compreensão de que o equilíbrio fiscal é condição necessária para fazer políticas públicas. O quarto é a preocupação com a sustentabilidade. Em suma, há concordância de que é preciso melhorar a distribuição de renda e avançar na agenda ambiental, mas que é mais fácil fazê-lo se a economia estiver equilibrada e crescendo. Também há um razoável consenso sobre a necessidade de considerar custos e benefícios de diferentes alternativas, antes de implementá-las.

Obviamente também há divergências sobre, entre outros, o tamanho ideal do Estado e o timing do ajuste fiscal (se deve ser imediato ou se o essencial é garantir a solvência no longo prazo). Mas, no geral, há uma razoável concordância sobre o que deve ser feito.

A exceção são os radicais à extrema direita – para quem a redução das desigualdades e a sustentabilidade não são prioridades – e à extrema esquerda – que acham que o aumento de produtividade e o equilíbrio fiscal são pautas liberais. No resto do espectro político há espaço para diálogo.

Infelizmente, essa maturidade não se reflete na política. Há um claro descompasso entre a compreensão do que precisa ser feito e o que tem sido feito. Basta olhar a pauta do Congresso Nacional nesse fim de ano, marcada por projetos de alto custo fiscal e baixo retorno social, por projetos que ampliam distorções prejudicais à produtividade e que fragilizam a proteção ao meio ambiente. Em vez de nortear as decisões pela análise de custos e benefícios, a gestão da política pública – não só no Legislativo, mas também no Executivo – tem se guiado por palavras de ordem.

Avançamos. Mas o caminho para mudar o Brasil para melhor ainda é longo.

*Diretor do Centro de Cidadania Fiscal

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ha-um-descompasso-entre-o-que-precisa-ser-feito-e-o-que-tem-realmente-sido-feito-na-politica,70003932215


Merval Pereira: Expectativa de poder

Merval Pereira / O Globo

O jantar comemorativo do grupo Prerrogativas em homenagem ao ex-presidente Lula se transformou em evento político de relevo, não apenas pela presença de vários líderes da esquerda brasileira, como pelo lançamento informal da chapa Lula-Alckmin à Presidência da República no ano que vem. Há uma diferença imensa, porém, entre defender que a Justiça seja feita ou acusar o ex-juiz Sergio Moro de ter distorcido os processos para condenar o ex-presidente e apoiá-lo publicamente como candidato à Presidência. Individualmente, cada um desses advogados tem o direito de apoiar quem quer que seja, mas o conjunto deles só deveria atuar em defesa de valores e princípios do Direito e da democracia, pois para isso foi formado.

Defender os direitos do cidadão Luiz Inácio Lula da Silva não significa, automaticamente, apoiá-lo à Presidência, mesmo que acreditem nessa balela de que o juiz Sergio Moro o condenou para ajudar Bolsonaro a vencer a eleição de 2018. O erro político de Moro se evidencia no flanco que abriu a seus críticos ao ter aceitado ser ministro da Justiça de Bolsonaro, não pelo fato em si, pois tinha a seu favor a intenção declarada do novo governo de apoiá-lo no combate à corrupção. Agiu melhor que outro “ingênuo”, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que segue agarrado ao barco pilotado por Bolsonaro depois de inúmeras demonstrações de que o presidente não pretende cumprir nenhuma das promessas liberais no campo econômico.

Moro poderia ter feito como Guedes, permanecido no governo se contradizendo a cada ato e, se o objetivo fosse mesmo ser indicado para o Supremo Tribunal Federal, ter feito vista grossa para os desmandos do chefe, ter protegido seus filhos e familiares como faz o procurador-geral da República, Augusto Aras, até atingir o objetivo. Ao contrário, deixou o governo ainda em seu início, denunciando a intenção do presidente de intervir na Polícia Federal para defender os seus, o que está se confirmando a cada dia.
Moro pode não ter condições de ser presidente da República por falta de experiência, por ingenuidade ou por outra crítica qualquer, não por incoerência. Não é o caso do ex-governador de São Paulo e ex-presidenciável do PSDB Geraldo Alckmin, que se prepara para aderir à chapa de Lula como vice para avalizar aos eleitores de centro-direita uma suposta moderação do futuro governo petista.

Não há dúvida de que Lula manda e desmanda no PT, nem de que, se ele quiser, Alckmin será o vice, apesar da reação da parte mais radical do partido. Mas não há dúvida também de que a gestão de Alckmin na Vice-Presidência será no mínimo decorativa, se não se tornar um inferno, como foram as de vários outsiders que se aventuraram a entrar no primeiro governo de Lula, como Marcos Lisboa, Murilo Portugal e, no segundo governo Dilma, Joaquim Levy.

Henrique Meirelles resistiu bem por ter sido elevado a símbolo, blindado pela delicadeza da economia. Além do mais, as inúmeras vezes em que Alckmin e Lula se enfrentaram estão registradas em vídeos e áudios que não podem ser apagados. A ênfase, incomum em Alckmin, na crítica à corrupção do governo Lula depois que o mensalão foi revelado é exemplar da dificuldade que terá em justificar uma reconciliação que não é consequência de nenhum mea-culpa por parte do partido nem de seu líder maior. Na verdade, a adesão de Alckmin pode ser vista como uma admissão de que foi ele quem errou ao atacar Lula.

A boa convivência política, mesmo com adversários figadais, significa amadurecimento democrático. Mas aderir a um projeto de poder político que não mudou nada depois dos escândalos do mensalão e do petrolão significa uma capitulação justificada apenas pela expectativa de poder a que tentou chegar pelo voto e foi, por duas vezes, impedido pelo próprio Lula.

O pêndulo político parece estar se inclinando novamente para a esquerda na América Latina, com a vitória de Gabriel Boric no Chile, depois de México, Argentina e Peru. Será um ambiente amigável para Lula. Alckmin, por fim, poderá tornar-se presidente em exercício.

Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/expectativa-de-poder.html


Orçamento prevê investimento de R$ 44 bilhões em 2022, o menor da história

Daniel Weterman e Iander Porcella / O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O patamar de investimentos públicos federais será o menor da história em 2022, conforme relatório do Orçamento apresentado ontem no Congresso. Serão R$ 44 bilhões no ano que vem para o governo federal investir em setores como infraestrutura, escolas, postos de saúde, defesa, pavimentação e em todas as áreas que dependem de recursos da União. A previsão é de que o texto seja votado hoje na Comissão Mista de Orçamento e em plenário.

Nem mesmo a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios, que postergou parte do pagamento de dívidas judiciais e mexeu com o teto de gastos (que limita as despesas à inflação), foi suficiente para recuperar o patamar de desembolsos dos últimos anos. Essa rubrica chegou a R$ 200 bilhões em 2012, caiu para R$ 63 bilhões em 2016 e travou em R$ 48 bilhões neste ano, considerando valores com correção inflacionária.

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A queda nos investimentos públicos ficou mais acentuada após a imposição do teto de gastos, regra aprovada em 2016, ainda no governo de Michel Temer. Em boletim divulgado pelo Tesouro Nacional em outubro passado, o investimento líquido do governo geral (que inclui União, Estados e municípios) ficou negativo em R$ 12,2 bilhões no segundo trimestre – ou seja, o que foi investido não foi suficiente para recompor as perdas com depreciação.

“É uma situação dramática. Não estamos sequer repondo a depreciação dos nossos ativos. Temos de potencializar o investimento privado, mas é difícil que o privado dê conta de tudo”, afirma o diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Igor Rocha

Diante desse cenário, o diretor da Abdib defende retirar os investimentos públicos do teto de gastos. “Os investimentos têm sido a variável de ajuste do teto, e não estão cortando programas ineficientes nem mexendo na remuneração de castas privilegiadas, como Judiciário e militares”, disse o diretor da Abdib.

O governo só tem R$ 44 bilhões de investimentos no ano que vem enquanto o volume total de despesas sujeitas ao teto de gastos vai chegar a R$ 1,7 trilhão. No entanto, boa parte do Orçamento é engessada com o pagamento de gastos obrigatórios (Previdência e funcionalismo, principalmente). No cálculo da Instituição Fiscal Independente (IFI), a fatia para as despesas obrigatórias consome 93% do montante.

Prioridades

Os ministérios que receberam a maior parte dos investimentos para 2022 foram o da Defesa, estratégico para o governo Bolsonaro, na ordem de R$ 8,8 bilhões, e o do Desenvolvimento Regional, o mais agraciado por verbas do orçamento secreto, revelado pelo Estadão – que levou R$ 8,2 bilhões da fatia.

Só para compra de aeronaves e caças da Força Área Brasileira, por exemplo, está reservado R$ 1,2 bilhão, valor maior do que todo o montante previsto para ser gasto em saneamento básico (R$ 1 bilhão) ou a receita total para investimentos do Ministério da Ciência e Tecnologia (R$ 756 milhões) no próximo ano.

As despesas destinadas à Defesa e ao Desenvolvimento Regional superam até os investimentos em infraestrutura previstos no relatório, de R$ 6,8 bilhões. Além disso, são maiores do que os aportes na Saúde (R$ 4,7 bilhões) e na Educação (R$ 3,7 bilhões). “A infraestrutura física do País está regredindo, e isso tem evidente prejuízo econômico. É impossível esperar uma taxa de crescimento econômico significativa quando a infraestrutura física está retrocedendo”, afirma o consultor de Orçamento do Senado Vinicius Amaral.

Inicialmente, o projeto enviado pelo governo previa R$ 25,7 bilhões em investimentos para o ano que vem. Com as emendas parlamentares, o valor subiu para R$ 44 bilhões, mas não foi suficiente para recuperar o montante destinado nos últimos anos. “Nos últimos anos, as emendas estão exercendo menos um papel de aumentar investimentos e mais de recompor as dotações insuficientes de custeio”, disse Amaral, sobre as verbas dos ministérios para pagamento de gastos não obrigatórios, mas que mantêm o funcionamento da máquina pública.

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Fonte: O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,orcamento-preve-investimento-de-r-44-bilhoes-em-2022-o-menor-da-historia,70003932269


Amazônia perdeu área sete vezes a cidade de São Paulo até novembro

Laís Modelli / BBC News Brasil

É o maior acumulado dos últimos 10 anos para o período, segundo dados do Sistema de Alerta de Desmatamento, do Imazon, publicados nesta segunda-feira (20/12).

Apenas em novembro, foram 480 km² desmatados na região, a segunda pior taxa para o mês em dez anos (o recorde foi registrado em 2020, com 484 km²).

Mais da metade do desmatamento mensal, 54%, está concentrada em uma categoria chamada pelo Imazon de "áreas privadas ou terras públicas sob diversos estágios de posse", que compreendem: terras públicas não destinadas; terras públicas inscritas no Cadastro Ambiental Rural (CAR); imóveis privados cadastrados no Incra. Elas não estão indiscriminadas no levantamento.

"Não conseguimos separar o desmatamento mensal ocorrido em áreas privadas das áreas públicas em diferentes estágios de posse por causa da falta de dados sobre a posse de terras na Amazônia, que são defasados", explica a pesquisadora do Imazon responsável pelo levantamento, Larissa Amorim.

Já dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) obtidos pela BBC News Brasil mostram que 54% do desmatamento registrado entre janeiro e outubro de 2021 ocorreram somente em terras públicas da Amazônia, sendo 32% em terras públicas não destinadas.

Diferentemente do Imazon, o Ipam usa dados do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), do governo federal, e consegue fazer a distinção de onde ocorreu exatamente o desmatamento de acordo com o cadastro rural da área.

Ainda de acordo com o Ipam, considerando o período entre agosto de 2020 e julho de 2021 - meses em que se mede a temporada do desmatamento na Amazônia - o principal responsável pelo desmatamento foi a invasão de terras públicas não destinadas (28%), seguido pelo desmatamento em imóveis rurais (áreas privadas; 26%) e, em terceiro, em assentamentos (23%).

O caos fundiário e o desmatamento

A pesquisadora do Imazon responsável pelo levantamento desta segunda-feira, Larissa Amorim, explica que o desmatamento avança por terras públicas sem destinação na Amazônia com uma finalidade central: apropriação e privatização de terras públicas.

Para isso, os invasores se valem de uma brecha no Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro online do governo federal em que qualquer pessoa, mesmo sem matrícula nem registro de um determinado imóvel rural, pode requerer a posse da área.

"O CAR é autodeclaratório. Cabe às secretarias ambientais dos Estados e aos órgãos de fiscalização checar essas áreas requeridas via CAR, mas muitas dessas terras públicas conseguem ser legalizadas pelo invasor", adverte Amorim.

Um levantamento do Ipam de 2020 mostrou que mais de 23% das terras públicas não destinadas da região estão registradas ilegalmente como propriedade privada.

"Primeiro, os invasores invadem terras públicas e extraem ilegalmente a madeira. Depois, eles queimam a área para limpar o terreno. Para não deixarem outros invasores entrarem na terra já desmatada, eles colocam gado e transformam em pasto", descreve a pesquisadora do Imazon.

Outro estudo do Ipam, publicado em outubro, mostrou que 44% do desmatamento registrado em 2019 e 2020 ocorreu em terras públicas, sendo que 75% do que foi desmatado nas terras públicas não destinadas foi transformado em pastos.

Contudo, há grileiros que não querem explorar a área desmatada.

"Existem invasores que só querem a madeira da área. Então, eles desmatam e depois ou vendem a terra já desmatada para o agronegócio, com documentos ilegais por meio da grilagem, ou simplesmente abandonam a terra", explica Amorin.

Gráfico
Legenda da foto,Dados do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia mostram que 54% do desmatamento registrado entre janeiro e outubro de 2021 ocorreu em terras públicas

Terras públicas de assentamentos

O monitoramento do Imazon do desmatamento em novembro na Amazônia mostrou que a atividade ilegal também avança sobre outro tipo de terras: os assentamentos, que foram responsáveis por 40% dos 484 km² desmatados no mês.

Assentamentos rurais também são áreas públicas, mas destinadas aos assentados para a reforma agrária e que deveriam ser fiscalizados pelo governo para uso sustentável, como o extrativismo.

"Desmatamento em assentamento tem de tudo um pouco", diz o secretário executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini.

"Tem muita invasão e grilagem à força. Isso quer dizer que os grileiros entram no assentamento, colocam uma arma na cabeça do assentado e fazem um contrato de compra e venda a preço irrisório", descreve Astrini.

Além da falta de fiscalização, o secretário executivo do OC também aponta que o governo não tem dado assistência às famílias assentadas, que precisam de suporte para produzir na terra.

"Tem muito arrendamento de terra dentro dos assentamentos. Os assentados arrendam para soja ou outra produção. É muito comum também madeira ilegal em assentamento", completa.

Área de fazenda queimada
Caos fundiário ajuda a explicar avanço do desmatamento na região

O Pará, líder invicto

O levantamento do Imazon também destaca a concentração do desmatamento em apenas três dos nove Estados da Amazônia Legal: Pará, Mato Grosso e Rondônia foram responsáveis por 80% do desmatamento na região em novembro.

O caso mais grave é do Pará, que lidera o ranking de destruição da floresta há sete meses consecutivos. Apenas em novembro, o Estado registrou 290 km² de devastação. Além disso, das dez cidades que mais desmataram a Amazônia no período, oito são paraenses.

"O Pará está ligado à economia do desmatamento: agropecuária e exploração da madeira. Isso ajuda a explicar porque estão lá as cidades, os assentamentos e as unidades de conservação mais desmatadas da Amazônia", explica Amorim.

Onde ocorre e onde não ocorre o desmatamento

O levantamento do Imazon mostra que terras indígenas (TIs) e unidades de conservação (UCs) são as terras públicas menos desmatadas: em novembro, unidades de Conservação representaram 4% do desmatamento e Terras Indígenas, 2%.

Não é permitido nenhum tipo de desmatamento nem nenhuma forma de posse da terra em TIs e UCs. Com isso, estas são as únicas áreas na Amazônia que não podem ser requeridas por meio do Cadastro Ambiental Rural.

Segundo os ambientalistas, isso ajuda a explicar porque o desmatamento é muito menor nestas regiões.

"Quem invade e desmata TI e UC sabe que não poderá requerer a posse da terra, diferente do que ocorre em terras públicas não destinadas", diz Amorim.

Os dados também servem de embasamento para o argumento de que terras públicas sem destinação sejam transformadas em unidades de conservação.

"O maior problema da Amazônia não é a demarcação de terras e a criação de áreas de conservação, mas o desmatamento, que está muito alto e sem fiscalização", afirma Amorim.

A BBC News Brasil procurou o Incra e o Ministério do Meio Ambiente para comentar os dados, mas não teve retorno.


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PLs podem piorar desmatamento

A situação do desmatamento em terra pública não destinada e em assentamentos pode piorar ainda mais se dois projetos de lei que tramitam no Senado forem aprovados.

Um deles é o PL 510, que prevê a anistia do crime de invasão de terra pública para quem ocupou entre o final de 2011 e 2014. Também prevê que áreas invadidas de até 2.500 hectares sejam regularizadas sem que passem por vistoria.

Outro é o PL 4348/2019, que permitirá que ocupações ilegais em assentamentos de até 2,5 mil hectares, ou seja, verdadeiros latifúndios, sejam regularizadas por posseiros irregulares, e não famílias assentadas pelo governo.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-59736175


Luiz Carlos Azedo: Eleição de Boric pode virar um El Niño político

Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense

A esquerda venceu as eleições no Chile com a eleição do ex-líder estudantil e jovem deputado Gabriel Boric, de 35 anos, o mais jovem político a presidir o país em toda a sua história. Foi uma eleição marcada pela polarização política, na qual o candidato da Convergência Social, apoiado pelo Partido Comunista chileno, derrotou o ultradireitista José Antônio Kast, do Partido Republicano, um fanático admirador do ex-presidente Augusto Pinochet, o ditador sanguinário que liderou o golpe militar de 1973, no qual o presidente Salvador Allende se suicidou, em meio ao bombardeio do Palácio La Moneda por aviões de caça da Força Aérea chilena. A eleição foi de virada: no primeiro turno, Boric havia ficado em segundo lugar.

A nova situação chilena parece retomar o fio da história interrompido com o golpe de 1973, quando Allende representava o sonho de um socialismo democrático. É como se a história tivesse sido “descongelada” após quase 50 anos. Embora o atual presidente Sebastian Piñera e a socialista Michelle Bachelet tenham protagonizado as disputas políticas direita x esquerda dos últimos 16 anos, ambos são políticos moderados, governaram em aliança com os liberais. Boric se apresentou no primeiro turno como uma candidatura de viés muito esquerdista. Entretanto, moderou o discurso no segundo e se aproximou dos socialistas, liberais e democrata-cristãos para derrotar a extrema-direita.

Gosto da expressão “descongelar” por causa de uma entrevista do filósofo alemão Jürgen Habermas, logo após a queda do muro de Berlim e o fim da União Soviética, que marcaram o colapso do chamado “socialismo real” europeu. Habermas comparou a Europa do fim da Guerra Fria a uma fotografia — como aquela de Roosevelt, Stálin e Churchill, em fevereiro de 1945, na Crimeia —, que foi “descongelada” e virou um filme de longa metragem, como se a história anterior à guerra fosse retomada de onde foi interrompida.

“Ninguém me convence de que o socialismo de estado seja, do ponto de vista da evolução social, ‘mais avançado’ ou ‘mais progressista’ do que o capitalismo tardio. (…) São senão variantes de uma mesma formação societária. (…) Temos tanto no leste como no oeste modernas sociedades de classe, diferenciadas em Estado e economia”, disse Habermas à época (Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1989). A história das nações europeias anterior à II Guerra Mundial, de fato, fora “descongelada”, despertando velhos conflitos econômicos e de fronteiras, além de forças políticas muito reacionárias que estavam adormecidas no Leste Europeu, desde a ocupação soviética, principalmente na Hungria, na Ucrânia, na Polônia e na Romênia.

No primeiro turno, Boric foi um duro crítico da democracia chilena pós-Pinochet, que governou com as baionetas de 1973 a 1990. Segundo o novo presidente chileno, a continuidade do modelo liberal deixou as classes média e baixa endividadas, sem condições de arcar com os custos da educação, da saúde e da previdência privada. Sua proposta é um Estado de bem-estar social ao estilo da social-democracia nórdica: Dinamarca, Finlândia, Islândia, Noruega e Suécia. A nova Constituição em elaboração, de certa forma, cria condições para ultrapassagem do modelo econômico neoliberal de Pinochet herdado pelos governos democráticos. Em contrapartida, no primeiro ano de governo, a inflação fora de controle complica muito a execução do projeto de Boric, que também precisa formar uma nova maioria no Congresso.

Polarização política

Em tempos geopolíticos, a vitória de Boric consolida uma guinada à esquerda no Cone Sul, que já havia sido iniciada com a eleição do justicialista Alberto Fernández na Argentina, hoje o mais importante aliado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na região. Também aprofunda o isolamento político do presidente Jair Bolsonaro, crescente desde a eleição do atual presidente dos Estados Unidos, o democrata Joe Biden. Pode virar uma espécie de El Niño político , o fenômeno atmosférico oceânico que aquece as águas superficiais do Pacífico tropical e provoca alterações climáticas na América do Sul, sobretudo no Brasil,  e outras regiões do mundo, com mudanças no regime de ventos e de chuvas.

O principal beneficiado da eleição de Boric é o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, favorito absoluto em todas as pesquisas de opinião, que pode até vencer as eleições no primeiro turno. Em termos econômicos, Lula ainda é uma esfinge. Candidato à reeleição, Bolsonaro tem altos índices de rejeição, desmantelou as políticas sociais do governo, perdeu o controle da economia, mas ainda não se sente derrotado estrategicamente. Aposta as fichas na força bruta do próprio governo, como forma mais concentrada de poder, e no Auxílio Brasil, o novo programa de transferência de rendas para 14,5 milhões de famílias, no valor de R$ 400 mensais; mantém coesa a sua base de apoio de extrema-direita e evangélica e aposta na polarização política, para se beneficiar do antipetismo da classe média e do conservadorismo popular. Mas disso vamos tratar na próxima coluna.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-eleicao-de-boric-no-chile-pode-virar-um-el-nino-politico/

Consulta pública do Exército para flexibilizar produto explosivo assusta empresas

Cleide Carvalho / O Globo

SÃO PAULO — O Exército encerra nesta sexta-feira uma consulta pública para alterar regras de manuseio do nitrato de amônio, o produto químico que, em 2020, causou a explosão que destruiu parte de Beirute, capital do Líbano, ferindo milhares de pessoas e causando a morte de 100. A última alteração nas normas ocorreu em 2019 com a Portaria 147 e teve como objetivo distinguir o tratamento dado ao nitrato de amônio usado em fertilizantes do tipo usado como explosivo por setores como mineração e construção civil. 

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Mônica Rios Helvadjian, presidente de Associação Brasileira de Produtos Controlados, afirmou que a consulta pública, aberta em 19 de novembro passado, surpreendeu o setor. Segundo ela, a mudança sugerida pelo Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (APCE), órgão do Comando Logístico do Exército permite que o nitrato de amônio em concentração de explosivo seja manuseado a granel nos portos e áreas alfandegadas sem estabelecer quem, como e de que forma isso será feito. Hoje o manuseio a granel só é permitido para o insumo destinado a uso em fertilizantes, sem o grau de pureza do explosivo.

— O nitrato de amônio é uma preocupação internacional hoje porque é usado em atos terroristas e assaltos. É tratado como arma não convencional. É um insumo de grande importância e tem que ser controlado. A desburocratização da indústria não pode ser sinônimo de omissões, negligência e irresponsabilidade — afirmou Mônica.

A presidente da APCE afirmou que procurou a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados e que a explicação para a mudança é desburocratizar os trâmites para a indústria. Enquanto o nitrato de amônio para uso explosivo chega ao Brasil em big bags, com proteção, o insumo para fertilizantes chega nos porões de navios graneleiros. Ela explica que a Portaria 147 havia determinado também a rastreabilidade do tipo explosivo, mas a medida foi revogada em 2020, quando o presidente Jair Bolsonaro determinou a revogação de três portarias do Comando Logístico do Exército que haviam criado regras para facilitar o rastreamento de armas, munição e explosivos.  

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Na época, foi revogada a portaria que criava o Sistema Nacional de Rastreamento de Produtos Controlados pelo Exército (SisNaR), que tinha como finalidade rastrear os produtos controlados pelo Exército (PCE), incluindo armas de fogo, munições e explosivos.

Mônica diz que mesmo as empresas supostamente beneficiadas pela mudança anunciada na consulta pública estão divididas, pois temem ter a imagem prejudicada em caso de acidente — sem rastreabilidade, dificilmente o responsável é identificado. 

Segundo ela, o maior risco é para o Porto de Santos, no litoral paulista, onde chega 70% do nitrato de amônio importado. 

— Havia um conselho consultivo, formado por técnicos das empresas, que auxiliava o DFPC. As alterações eram discutidas para encontrar formas de reduzir o impacto regulatório sem causar riscos à sociedade, mas todos os conselhos técnicos foram extintos no início da pandemia.

Mônica afirma que o Brasil tem apenas uma fabricante de nitrato de amônio em Cubatão, litoral paulista, e que das oito empresas que usam o produto como explosivo quatro são contra a mudança na lei, três são favoráveis e uma não opinou na consulta feita pela entidade. Ela lembra, porém, que pela Constituição o Exército pode fazer alterações sem consultar a sociedade. 

— Não queremos que a Portaria 147 seja alterada e não há motivo que justifique a alteração. O agronegócio não tem qualquer problema para importar o produto, inclusive a taxa para importação é zero no uso em fertilizantes. Com a possibilidade de manuseio no porto do nitrato de amônio em concentração de explosivo o produto pode ser desviado ou manipulado incorretamente. O risco de uma explosão no porto é enorme — diz ela.

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A presidente da APCE afirmou que Exército se dispôs, depois do término da consulta pública, a ouvir o mercado, mas isso não reduziu a preocupação do setor. 

Ela lembra que a legislação brasileira em vigor foi usada até mesmo como modelo para outros países depois da megaexplosão em Beirute. 

Em nota, a Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) afirmou que o tema é muito importante e "necessita de um diálogo amplo, transparente, envolvendo todas as partes interessadas".  A entidade disse ainda que segurança é um ponto de grande preocupação e que seus associados possuem compromisso histórico com a promoção de medidas para reduzir riscos e proteger a saúde humana e o meio ambiente.

Procurado, o Centro de Comunicação social do Exército informou que a minuta não é um produto final e a consulta pública oferece a oportunidade, democrática e igualitária, de todos se manifestarem. Disse ainda que todos os argumentos serão considerados durante a análise da  Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC), caso tenham sido apresentados durante a consulta pública.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/brasil/consulta-publica-do-exercito-para-flexibilizar-manuseio-de-produto-explosivo-assusta-empresas-25327302