Day: outubro 13, 2021
RPD || Fernando Menezes: Os 60 anos da FAPESP
Fundação já financiou mais de 300 mil projetos sobre os mais diversos temas
Um dos exemplos brasileiros mais bem sucedidos de política pública consistentemente planejada e executada, com continuidade e sustentabilidade, é a criação de um sistema de produção e difusão de conhecimento científico no Estado de São Paulo.
No contexto da Revolução Constitucionalista de 1932, que teve forte apoio nas instituições acadêmicas já consolidadas no Estado, mas ainda configuradas como instituições isoladas – destacando-se a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a Faculdade de Medicina e a Escola Politécnica –, as lideranças políticas paulistas lançaram-se a um projeto que pode muito bem ser sintetizado no lema scientia vinces.
Esse é o lema que foi adotado para a então nascente Universidade de São Paulo, primeira grande realização desse projeto de edificação de um futuro baseado em conhecimento para uma sociedade decidida a “vencer pela ciência”.
Na sequência, as mesmas lideranças públicas, numa união de forças de todos os espectros políticos, decidiram incluir na Constituição Paulista de 1947 a seguinte regra:
Artigo 123. O amparo à pesquisa científica será propiciado pelo Estado, por intermédio de uma Fundação, organizada em moldes que forem estabelecidos por lei.
Parágrafo único. Anualmente, o Estado atribuirá a essa Fundação, como renda de sua privativa administração, quantia não inferior a meio por cento do total de sua receita ordinária.
Essa diretriz constitucional foi concretizada em 1960, por meio da Lei n. 5.918, e efetivamente posta em prática pelo Decreto n. 40.132, de 1962, editado na significativa data de 23 de maio, pelo Governador Carvalho Pinto.
Naquela ocasião, o governador tomou a decisão, própria de verdadeiros estadistas – vislumbrando o benefício das gerações futuras, e sem se preocupar com frutos político-eleitorais imediatos –, de aportar ao patrimônio da Fundação valores correspondentes àqueles que o Estado teria a ela destinado caso houvesse sido criada, como apontado pela Constituição, 15 anos antes.
Desde sempre, portanto, a FAPESP pôde contar com reais condições financeiras para desempenhar, com autonomia, sua nobre missão.
Com a Constituição Estadual de 1989, a regra especificamente voltada à FAPESP foi aprimorada, nos seguintes termos:
Artigo 271. O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico.
Parágrafo único. A dotação fixada no "caput", excluída a parcela de transferência aos Municípios, de acordo com o art. 158, IV, da Constituição Federal, será transferida mensalmente, devendo o percentual ser calculado sobre a arrecadação do mês de referência e ser pago no mês subsequente.
Foi assim dobrado o percentual que leva à formação do orçamento anual da FAPESP e foi acrescentada a regra das transferências mensais, o que – especialmente ao tempo de uma economia inflacionada – preserva o real valor do orçamento.
Notável ainda na história da FAPESP é a estabilidade de sua governança, aliando plena sensibilidade às diretrizes das políticas de Estado a uma real autonomia decisória, pautada eminentemente por critérios de mérito científico.
E essa autonomia é reforçada por uma sábia regra que limita os gastos da FAPESP com sua própria administração a 5% de seu robusto orçamento. Ou seja, ao menos 95% dos recursos são diretamente destinados à pesquisa científica e tecnológica, em todas as áreas do conhecimento.
Aliás, sobre esse último aspecto, o professor Celso Lafer[1], presidente da FAPESP entre 2007 e 2015, lembrando que “o significado originário da palavra ciência (do latim scientia) é conhecimento” e que “até o século 19 a dicotomia cultura científica/cultura das humanidades não era de curso corrente”, destaca que “um dos muitos méritos da FAPESP é o de se ter convertido, no correr da sua exemplar trajetória, num local de encontro das duas culturas. Com efeito, o objeto do seu trabalho, graças a uma concepção ampla de pesquisa, é o avanço, com rigor e método, do conhecimento, em todas as áreas: ciência, tecnologia, artes, literatura, filosofia e ciências humanas”.
Convido os leitores a aprofundarem seu conhecimento sobre os resultados da ação da FAPESP consultando as diversas publicações disponíveis em seu sítio de internet (www.fapesp.br), com destaque para seu último relatório anual (https://fapesp.br/relatorio2020).
[1] “A Fapesp e as duas culturas”. O Estado de S. Paulo. Edição de 21.10.07.
Fernando Menezes de Almeida é professor titular da Faculdade de Direito da USP e diretor administrativo da FAPESP
Vera Magalhães: Depois do feriadão, só aborrecimento
Aborrecimentos podem até ficar longe dos olhos no feriado, mas têm data para bater à porta
Vera Magalhães / O Globo
Jair Bolsonaro curtiu a vida adoidado no feriado. Esteve em Aparecida, no Vale do Paraíba, já no último dia da intensa programação, mas seu espírito estava mais para Dia das Crianças que para louvar a Padroeira.
Hospedado no Forte dos Andradas, no Guarujá, litoral de São Paulo, andou de motoca pelas outras cidades litorâneas, lamentou não ter podido curtir a partida entre Santos e Grêmio pelo Campeonato Brasileiro — só porque, vejam só que absurdo, não quis se vacinar contra a Covid-19 — e ainda reclamou quando cobrado a respeito das 600 mil mortes pelo novo coronavírus no país que por acaso governa. “Não vim aqui para me aborrecer”, disse Jair num de seus animados rolés do feriadão.
Um vídeo que viralizou também no feriado das crianças, feito por um grupo de ativistas e replicado à exaustão, mostra um Jair com faixa presidencial e num gabinete-brinquedoteca. Arminhas de brinquedo, heróis que atacam o Congresso e, claro, uma motoquinha compõem a cena enquanto ele se irrita com a primeira-dama, Michelle, que insiste em chamá-lo enquanto ele “trabalha”. O vídeo termina com uma mensagem dura: “Lugar de criança não é na Presidência; o Brasil não é brinquedo”.
A pouca disposição do presidente ao trabalho pesado, à coordenação da equipe e a uma agenda estrita de deliberações vai ganhando espaço justamente no terreno em que o bolsonarismo pratica a narrativa política: as redes sociais e os aplicativos de mensagens.
Acontece que, goste o presidente motoqueiro ou não, os aborrecimentos podem até ficar longe dos olhos no feriado, mas têm data para bater à porta.
Bolsonaro não se dignou a dar uma palavra sobre a marca de 600 mil mortos na pandemia. Mas a CPI da Covid concluirá na próxima semana um relatório recheado de imputações de crimes a ele e a boa parte de sua equipe, a atual e a já defenestrada. O memorial às vítimas que ele insiste em ignorar como um estorvo a sua diversão será uma lembrança perene dos descalabros cometidos em nome do negacionismo em sua administração, sob seu comando falastrão.
Por mais que o ministro Paulo Guedes doure a pílula diante da imprensa americana, a inflação corrói não só o poder de compra dos brasileiros, mas a paciência deles com o presidente e sua equipe econômica.
Como soluções políticas e programas não brotam por geração espontânea, as soluções para os precatórios, para o pagamento do Auxílio Brasil, para o preço dos combustíveis e para a crise hídrica demandarão que o presidente arregace as mangas não para acelerar na estrada ou para fazer arminhas com as mãos em selfies com puxa-sacos, mas para tomar decisões de governo, vejam só que aborrecimento.
Da mesma forma, o guichê da política não está menos tumultuado. Enquanto Jair empinava a moto, dois dos poucos grupos que ainda lhe dão alguma sustentação, o Centrão e os evangélicos, batiam boca por causa da malparada discussão a respeito da indicação de André Mendonça para o Supremo Tribunal Federal.
Os sinais dados pelo capitão e por seu time em relação ao escolhido para a vaga de Marco Aurélio Mello são contraditórios, e não são poucos os que veem um ensaio de mudança de planos nos arredores do Planalto. Ver tisnado o apoio que tem na cúpula do neopentecostalismo agora, com Silas Malafaia todos os dias berrando contra ministros no Twitter, é tudo o que um presidente com rejeição recorde não deveria pretender, mas Bolsonaro estava mais preocupado em pegar uma praia que em se chatear tendo de fazer articulação política, algo que desde a posse ele desdenha e que, mais recentemente, passou a confundir com compra de apoio — algo sempre volátil e sujeito, ora vejam, a inflação maior que a do gás de cozinha.
‘Se a imprensa está sendo atacada, é porque é relevante’, diz presidente da ANJ
Marcelo Rech defende aprovação de lei para obrigar plataformas de internet a remunerar empresas jornalísticas
Marcelo Godoy e Daniel Bramatti, O Estado de S.Paulo
Presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech afirma que o jornalismo profissional é a principal barreira de contenção à desinformação e ao autoritarismo. Ao Estadão, ele disse considerar que há risco de acontecer um “apocalipse informativo” caso os veículos de comunicação não consigam sobreviver à crise de receita pela qual passa o setor. A ANJ defende a aprovação de uma lei que obrigue as plataformas de internet a negociar com empresas jornalísticas para garantir que haja remuneração pelo conteúdo que produzem e que circula nas redes.
A seguir os principais trechos da entrevista:
Vivemos em um ambiente de radicalismos na política, em que ataques da direita e da esquerda tentam minar a credibilidade da imprensa. Como enfrentar esse desafio?
Temos que distinguir o que são ataques instrumentalizados e o que são críticas normais, que são bem-vindas. Mas o que nós vemos em grande parte do mundo é um ataque sistematizado ao jornalismo independente. Isso se dá porque a imprensa profissional é a última barreira de contenção contra a desinformação e o autoritarismo. A desinformação busca preparar terreno para o domínio de posições autoritárias, à esquerda e à direita. A imprensa é o estraga-prazeres daquele que espalha mentiras em busca de ganhos políticos ou econômicos, e é por isso que sofre esses ataques. Em países mais polarizados, caso do Brasil, esses ataques são mais intensos e organizados. Mas se a imprensa ou um veículo estão sendo atacados, é porque são muito relevantes.
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As grandes empresas de tecnologia, que se beneficiam do tráfego gerado por empresas jornalísticas na internet, devem remunerá-las pelo conteúdo? Como?
Existem duas grandes vertentes de discussão. Uma delas faz a avaliação do direito autoral, do uso de conteúdos jornalísticos que geram audiência, engajamento e receita publicitária para as plataformas. A outra reconhece a atividade jornalística como parte fundamental das democracias. É a posição com a qual me alinho. O raciocínio é simples: com a drenagem de recursos do mercado por big techs como Google e Facebook, elas hoje ficam com algo em torno de 70% das verbas de publicidade digital. Os outros produtores de conteúdo, sejam jornalísticos ou não, dividem os 30%. Os veículos de comunicação têm hoje audiência ainda maior do que tinham no passado, porque sua relevância só aumenta, mas a receita econômica cai.
Quais são as consequências?
Nesse ritmo, em uma ou duas gerações, não haverá mais um ecossistema jornalístico diversificado e independente. Se houver o desaparecimento desse ecossistema do jornalismo, vai ocorrer um apocalipse informativo. Não haverá mais a barreira de contenção da desinformação. Ninguém vai restabelecer a verdade.
A ANJ considera que uma lei no Brasil deve obrigar as empresas de tecnologia a negociar remuneração por conteúdo com os veículos de comunicação?
Entendemos que sim. A poluição social representada pela desinformação, pelos discursos de ódio e pelas teorias conspiratórias alucinadas afeta o próprio negócio deles, que é a venda de publicidade sobre conteúdos críveis. Mas eles não conseguem fazer a limpeza dessa poluição social, e a regulação pode inviabilizar as plataformas ou afetar o direito de liberdade de manifestação. Então, a melhor solução é o reforço do jornalismo profissional. Isso é fundamental também para os negócios das plataformas. É o jornalismo profissional que faz a limpeza desse ambiente poluído quando faz uma checagem, quando repõe a verdade. É preciso remunerar quem faz essa limpeza.
As redes sociais devem ser responsabilizadas pelo conteúdo publicado por seus usuários?
A ironia é que, em todo o mundo, se discute a responsabilização das plataformas, mas o governo Bolsonaro está defendendo o oposto. Ele quer impedir a moderação de conteúdo nas redes. Quer evitar qualquer remoção de conteúdos tóxicos que visam desinformar a sociedade. Na minha opinião, essa deveria ser uma responsabilidade moral, ética e legal de todo mundo que lida com conteúdo.
Deve haver regulação de conteúdo?
É preciso reconhecer que a questão da liberdade de expressão é fundamental. Qualquer responsabilização por algum abuso deve ocorrer a posteriori, ou seja, depois da publicação. Estamos começando a ver, em países como Índia e Cingapura, governos começando a editar leis que definem o que as plataformas podem ou não divulgar. Acho uma interferência inaceitável.
Qual é o papel dos jornais impressos em um mundo cada vez mais digital?
O jornal impresso tem uma capacidade única que é a de organizar as informações em um mundo caótico. Ele hierarquiza as informações. Além disso, o bem mais escasso hoje no mundo é a atenção. A leitura exige concentração e foco. É uma atividade que não pode ser feita ao mesmo tempo que outras. E aí o impresso tem outra grande vantagem. Em alguns países de altíssimo nível educacional, entre eles a Alemanha, a circulação e a receita de veículos impressos tem subido. Em uma pesquisa da Syno International (empresa de pesquisa de mercado), o jornal impresso apareceu como o veículo mais confiável para a publicidade. Em termos de credibilidade, até agora nenhum outro meio chegou perto.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,estadao-novo-impresso-anj,70003866664
The Economist: Brasil pode ter submarino nuclear antes da Austrália
Submarinos nucleares chamaram a atenção do mundo após acordo entre EUA, Reino Unido e Austrália
The Economist, O Estado de S.Paulo
Submarinos nucleares chamaram a atenção do mundo nas semanas recentes. Em 15 de setembro, Estados Unidos, Austrália e Reino Unido anunciaram o pacto Aukus, destinado a ajudar a Austrália a construir submarinos nucleares, uma tecnologia militar tão potente que os EUA nunca haviam compartilhado com nenhum aliado, exceto pelos britânicos. Ainda assim, do outro lado do mundo em relação a Perth, onde as embarcações australianas poderão um dia ser aportadas, outra potência média tem aprimorado furtivamente a mesma tecnologia - e há muito mais tempo.
No complexo naval de Itaguaí, próximo ao Rio de Janeiro, e em outras instalações espalhadas pelo Brasil, centenas de engenheiros estão cuidadosamente projetando e juntando os componentes do Álvaro Alberto, um submarino que receberá o nome do ex-vice-almirante pioneiro no programa nuclear do País. Se tudo correr conforme os planos, a embarcação poderá ser batizada na Ilha da Madeira, em Itaguaí, no início da década de 2030, antes de a Austrália sentir o cheiro de seus submarinos. Isso faria do Brasil o primeiro país que não possui armas atômicas a operar um submarino nuclear.
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As Forças Armadas Brasileiras começaram a trabalhar seriamente com energia atômica na década de 1970, com o objetivo de um dia conseguir produzir armas nucleares. A Marinha liderou esse esforço, empregando centenas de membros da força em um programa secreto para centrifugar urânio - um processo que enriquece o elemento para uso em reatores (ou bombas) - e construir minirreatores que caberiam nos apertados cascos dos submarinos. Esse trabalho sobreviveu ao fim do regime militar, em 1985. Posteriormente, o programa titubeou por algum tempo, mas recebeu apoio entusiástico de Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o Brasil de 2003 a 2010.
Desde então, o progresso foi lento, apesar de Jair Bolsonaro, o atual presidente do Brasil, ter comparecido à cerimônia que marcou a montagem inicial de um protótipo de reator em Iperó, 120 quilômetros a noroeste de São Paulo, em outubro de 2020. Um mês depois, a Marinha finalizou o projeto básico da embarcação. Grande parte disso se deve ao Naval Group, a empresa de defesa cuja maioria do capital é detida pelo governo francês, rejeitada pela Austrália com o anúncio do Aukus, o que provocou um incidente diplomático. Segundo o acordo que fez com Lula em 2008, o Naval Group assinou um contrato com a Odebrecht, um conglomerado empresarial que passou a ser sinônimo de corrupção, para vender ao Brasil avançados submarinos movidos a diesel e eletricidade.
Muitos consideram a busca do Brasil por submarinos nucleares um capricho quixotesco. Um diplomata estrangeiro afirmou ser uma “condescendência amalucada” com a expansão da era Lula. Autoridades brasileiras justificam o programa citando a “Amazônia Azul”, uma expressão cunhada pela Marinha que se refere à costa marítima de 8 mil quilômetros do País, às riquezas econômicas que jazem nesse mar e à importância de defendê-las. O Brasil afirma que sua plataforma continental lhe dá direito a um território marítimo além da zona econômica exclusiva de 200 milhas náuticas (370 quilômetros) estabelecida pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.
Ainda assim, uma das máquinas de guerra mais furtivas do mundo pode ser considerada um excesso para proteger pesca, vigiar plataformas petrolíferas e manter afastadas embarcações da Marinha argentina, que deixou de ser hostil faz tempo. Submarinos movidos a diesel e eletricidade, mais silenciosos em águas rasas e muito mais baratos de construir, seriam mais adequados para a defesa costeira. Uma razão para a sobrevivência do programa pode ser que ele tenha amigos poderosos. O ministro de Minas e Energia, por exemplo, é um ex-almirante que comandou a força submarina brasileira e coordenou o trabalho nuclear da Marinha. Bolsonaro, ele mesmo um ex-oficial do Exército, entupiu seu governo de militares e aumentou o orçamento das Forças Armadas este ano (o montante destinado aos submarinos encolheu 31%, em meio à ampla crise fiscal).
Fatores geopolíticos também operam. Os submarinos justificam a necessidade de dominar o ciclo completo de seu combustível - o processo de mineração, fragmentação e enriquecimento do combustível nuclear - e assim colocaram o Brasil “no limite entre ser ou não ser um Estado nuclear”, afirma Carlo Patti, autor de Brazil in the Global Nuclear Order (O Brasil na ordem nuclear global). Isso significa que o País seria capaz de enriquecer urânio a níveis bélicos caso escolhesse fazê-lo. Ambas as capacidades são fontes de “prestígio político e tecnológico”, afirma Patti.
Em grande parte pela mesma razão, essas capacidades inquietam os defensores da não proliferação nuclear. O Brasil já teve um programa secreto de armamentos. Em 2019, um filho de Bolsonaro, que é deputado federal (Eduardo), afirmou que o Brasil seria “levado mais a sério” se tivesse bombas nucleares. Enquanto a maioria dos países assinou o chamado Protocolo Adicional com a Agência Internacional de Energia Atômica, uma organização autônoma de vigilância nuclear, que permite inspeções mais rígidas nos países signatários, o Brasil há muito se recusa a firmar o acordo, alegando que Estados com armas nucleares não fizeram o suficiente para se desarmar.
Na prática, os submarinos não são grande causa de preocupação. O material nuclear brasileiro é monitorado por um pacto bilateral específico com a Argentina, firmado em 1991. E, ao contrário dos submarinos americanos e britânicos, que usam urânio enriquecido a porcentagens altas, como as usadas em bombas, o reator projetado pelo Brasil usará material enriquecido a níveis baixos, que precisaria ser mais centrifugado para objetivos nefastos. Oficiais da Marinha Brasileira estão dispostos a mostrar que seu programa nuclear é feito às claras e não gostariam de ser colocados no grupo dos párias nucleares, como o Irã. “Não estou preocupado”, afirma Togzhan Kassenova, especialista em não proliferação nuclear da Universidade Estadual de Nova York, em Albany.
O submarino nuclear é uma das mais sofisticadas e complexas máquinas de guerra que um país pode construir. O programa brasileiro já sobreviveu a governos militares e civis e a presidentes de esquerda e de direita. Sua sobrevivência deve muito a Lula, que pretende disputar as eleições presidenciais do próximo ano e aparece em pesquisas de intenção de voto 18 pontos porcentuais à frente de Bolsonaro.
“Esse projeto parece irreversível”, notou Kassenova e dois outros especialistas que visitaram o estaleiro de Itaguaí em 2018. Nenhum país abaixo da linha do Equador jamais possuiu nem operou um submarino nuclear. Brasil e Austrália agora competem para ser o primeiro. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL
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Fonte: O Estado de S. Paulo
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FAP abre inscrições para curso de formação política Jornada Cidadã 2022
Em parceria com o Cidadania, fundação realiza nova formação política em plataforma a distância com aulas telepresenciais
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Na busca por capacitar líderes interessados em se candidatar nas próximas eleições, alinhando técnicas de gestão e talento político, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) abre, na sexta-feira (1º/10), as inscrições online para o curso Jornada Cidadã 2022, com aulas telepresenciais ao vivo e exclusivas para filiados ao Cidadania, ao qual é vinculada. Vagas são limitadas. O início das aulas está marcado para o dia 13 de outubro.
A aula inaugural será realizada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), um dos nomes de destaque da CPI da Pandemia, que investiga ações e omissões do governo federal no enfrentamento à pandemia no Brasil. O presidente nacional do partido, Roberto Freire, fará o encerramento do curso.
As inscrições poderão ser feitas, diretamente, na plataforma de educação a distância Somos Cidadania, que é totalmente interativa, moderna, com design responsivo e tem acesso gratuito para matriculados. Nela, além das aulas, os alunos têm à disposição uma série de informações relevantes e atuais sobre o contexto político brasileiro e eventos contínuos realizados pela FAP.
O curso, segundo a coordenação, reúne uma série de professores altamente qualificados para abordar temas que afetam diretamente o dia a dia das pessoas e devem ser encarados por meio de políticas públicas eficazes, em meio a um cenário tomado pela pandemia da covid-19.
Também serão abordados desafios nas áreas de educação, saúde, segurança, meio ambiente e sustentabilidade, além de caminhos práticos para a redução da desigualdade e erradicação da pobreza.
Os interessados terão, ainda, informações relevantes sobre direito e regras eleitorais na campanha de 2022, com abordagem sobre legislação e regulamentação por parte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o que é permito e proibido na disputa. Também haverá aulas sobre direitos políticos e sistema partidário na Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã.
Curso
O curso foi pensando e planejado conforme a crescente necessidade de interação das pessoas no mundo digital. É por isso que os alunos terão aulas exclusivas sobre liderança, engajamento e mobilização, estratégias de uso das redes sociais, marketing e comunicação política, além de discutirem, de forma prática, objetiva e assertiva, a conjuntura das eleições 2022.
Presidente do Conselho Curador da FAP, coordenador do curso e ex-prefeito de Vitória (ES) por dois mandatos, o médico Luciano Rezende destacou que o curso de formação dá continuidade à missão da entidade de formar líderes comprometidos com a “boa política”.
“A aliança da boa técnica de gestão com o talento político é igual à boa política, de que o Brasil precisa. O país precisa de bons líderes, boas ideias, pessoal envolvido com política e preparado para gestão”, destacou ele, ressaltando o histórico da fundação na realização de cursos de formação.
Luciano lembrou que o curso Gestão Cidadão, realizado pela FAP no primeiro semestre de 2021, “foi um sucesso”. “Agora estamos lançando mais um curso para pré-candidatos e filiados ao Cidadania, para que possam se preparar tecnicamente para as eleições de 2022’, ressaltou ele.
Marrafon fala sobre o novo curso de formação política da FAP
A seguir, veja a lista de temas de cada aula e seus respectivos professores:
Aula Inaugural: Ética na política | 13/10 (quarta-feira) | Alessandro Vieira |
1. História, princípios e identidade do Cidadania 23 | 18/10 (segunda-feira) | Caetano Araújo |
2. Direitos políticos e sistema partidário na Constituição de 88 | 20/10 (quarta-feira) | Arlindo Fernandes |
3. Pré-campanha: organização, planejamento e estratégias. Orçamento de campanha e arrecadação de recursos. | 25/10 (segunda-feira) | Rubens Bueno |
4. Direito e Regras Eleitorais na Campanha de 2022 – Legislação e Regulamentação do TSE: o que pode e o que não pode. | 27/10 (quarta-feira) | Marcelo Nunes |
5. Liderança, Engajamento e mobilização | 3/11 (quarta-feira) | Arnaldo Jordy |
6. Marketing e Comunicação política | 8/11 (segunda-feira) | Édson Barbosa |
7. Estratégias de uso das redes sociais | 10/11 (quarta-feira) | Jordana Saldanha |
8. Análise de Conjuntura das Eleições 2022 | 17/11 (quarta-feira) | Luiz Carlos Azedo |
9. Educação | 22/11 (segunda-feira) | Cristovam Buarque |
10. Redução da desigualdade e erradicação da pobreza | 24/11 (quarta-feira) | Eliziane Gama |
11. Saúde | 29/11 (segunda-feira) | Luiz Santini |
12. Segurança | 1º/12 (quarta-feira) | Raul Jungmann |
13. Meio-ambiente e sustentabilidade | 6/12 (segunda-feira) | Sérgio Besserman |
14. Estratégias pós-covid | 8/12 (quarta-feira) | Luciano Rezende |
Aula de encerramento | 15/12 (quarta-feira) | Roberto Freire |
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Ministério Público articula reação à PEC que retira autonomia do órgão
Representantes do MP buscam deputados e marcam protestos pelo país para alertar contra enfraquecimento de investigações
Bernardo Mello, João Sorima Neto e Mariana Muniz / O Globo
RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA — Em protesto contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 05/2021, vista como forma de enfraquecer a autonomia do Ministério Público, promotores e procuradores de 18 estados realizam a partir desta quarta-feira uma série de atos de repúdio em todo o país. Associações e procuradores-gerais ouvidos pelo GLOBO avaliam como pontos mais graves da proposta a elaboração, por parte do Congresso, de um código de ética para o MP; alterações na composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para aumentar a influência do Legislativo, através inclusive da indicação de um corregedor nacional; e a possibilidade de o órgão passar a anular atos de investigação.
A PEC chegou a entrar na pauta de votações na Câmara dos Deputados na semana passada, mas foi retirada por falta de apoio. Representantes do Ministério Público têm buscado chamar atenção para os riscos à independência de investigações, e esperam reverter alguns dos trechos da proposta ainda na Câmara ou, em caso de aprovação pelos deputados, no Senado. Também há chance de judicialização no Supremo Tribunal Federal (STF) para reverter o eventual desequilíbrio no CNMP pela maior interferência do Congresso.
Uma das bases para eventual judicialização é o argumento da paridade entre o CNMP e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ambos criados em 2004 pela mesma legislação. Em 2005, ao reconhecer a constitucionalidade do CNJ, o plenário do STF estabeleceu que se trata de um órgão de controle interno com autonomia institucional e que, portanto, deve ter maioria qualificada de membros da magistratura e sem o poder de interferir em decisões judiciais.
Atualmente, o CNMP tem 14 integrantes, sendo oito indicados pelos diferentes braços do Ministério Público, incluindo o procurador-geral da República (PGR), e outras seis vagas distribuídas pelo Judiciário, Congresso e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Na versão final do relator da PEC, deputado Paulo Magalhães (PSD-BA), uma reorganização das vagas deixaria o MP com sete cadeiras no conselho, contra oito escolhidos por outros órgãos — sendo quatro por atribuição do Legislativo.
— Não faz sentido acrescentar duas vagas sob escolha do Congresso no CNMP, sendo uma delas a partir de lista elaborada pelo STF, e retirar uma vaga do MP da União. Se o intuito é aumentar a composição de 14 para 15 cadeiras, seguindo a paridade com o CNJ, então defendemos que esta cadeira seja destinada aos MP estaduais, respeitando assim a maioria qualificada, com nove vagas, para membros da carreira — afirma o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta.PUBLICIDADE
Outro ponto passível de judicialização é a criação de um novo código de ética para o CNMP através de lei complementar aprovada pelo Congresso, estipulando advertência como sanção mínima. O código atual permite sanções mais brandas.
Representantes de associações argumentam que os códigos de ética do CNJ e da própria Câmara são formulados internamente e que, neste caso, haveria possibilidade de contestar no STF tanto o texto da PEC quanto a futura lei complementar.
Apelo a Aras
Segundo Cazetta, há a expectativa de reverter ainda na Câmara ou no Senado a previsão de que o corregedor do CNMP seja um dos membros indicados pelo Congresso, o que fere a autonomia do órgão.
Além disso, outro ponto que pode ser derrubado é o que permite aos procuradores-gerais indicarem dois terços dos membros dos respectivos conselhos superiores, responsáveis pela fiscalização de suas atividades. A ideia é criticada por abrir brecha a uma eventual concentração de poder nos chefes dos MPs. No modelo atual, os conselheiros são eleitos de forma igualitária entre procuradores e promotores.
— A PEC como um todo é horrível para nós. Mas em uma ordem de gravidade, eu diria que entre os pontos mais problemáticos estão a figura do corregedor escolhido pela Câmara, pois seria um corregedor com vínculo político, a reversão de decisões de membros do Ministério Público, e em terceiro a questão do Código de Ética — afirmou Manoel Murrieta, presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público (Conamp).
A Conamp está à frente da coordenação dos atos previstos para 18 estados entre esta quarta e sexta-feira. Estão programadas manifestações em cidades como Rio, São Paulo, Recife, Manaus e Curitiba. Murrieta disse esperar que o atual PGR, Augusto Aras, “também nos apoie nessa causa”.
Aras, que tem enfrentado sucessivos atritos dentro do Conselho Superior do MPF, divulgou nota na semana passada afirmando que atuou para adiar a votação da PEC, para que as discussões sobre diferentes pontos “possam ser aprofundadas". A nota afirma ainda que Aras tem mantido “interação permanente” com procuradores e promotores “com o propósito de fortalecer o debate em defesa da autonomia do CNMP”. Na avaliação do presidente da Conamp, as declarações apontam que Aras recebeu com “espanto” o avanço da PEC.
O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, disse em entrevista ao GLOBO esperar que a PEC seja rejeitada pelo Congresso e afirmou que o texto traz “riscos”, como ao prever que o CNMP possa rever atos de investigação. Mattos participará do ato de repúdio na capital fluminense, na manhã desta quarta, na sede da Associação de Promotores do MP do Rio (Amperj).
— O CNMP tem por finalidade justamente não interferir na atividade-fim (do MP). Permitir essa invasão representa um grande retrocesso, atingindo a autonomia do Ministério Público — afirmou.
Em manifestação pelo canal Palavra do PGJ, o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mario Sarrubbo, disse ter argumentado a parlamentares paulistas que a proposta na Câmara coloca em xeque a independência funcional do MP. A Procuradoria-Geral de Justiça e a Associação Paulista do Ministério Público promovem ato de repúdio na tarde desta quarta-feira.
— O Ministério Público enfraquecido significa menos condições de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos sociais — disse Sarrubbo.
Luiz Carlos Azedo: Sem chance de dar certo
O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
Há três contingências do governo Bolsonaro que colocam em xeque sua continuidade. A primeira tem a ver com a política externa; a segunda, com a política propriamente dita; a terceira, com a economia. São situações criadas pelo próprio presidente da República, não por seus adversários. Decorrem de estratégias erradas. Vejamos: (1) a aposta na política ultraconservadora do presidente Donald Trump, com a eleição do democrata Joe Biden para a Presidência dos Estados Unidos, deixou o presidente Jair Bolsonaro sem um grande aliado no Ocidente e na contramão da política mundial, que é globalista; (2) a retórica golpista e a agenda ultraconservadora provocaram seu crescente isolamento político; (3) e a entrega do Orçamento da União ao Centrão inviabilizou a agenda econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. O resto são consequências.
O isolamento internacional do Brasil, ao contrário do que gostaria Bolsonaro, somente serviu para tornar o Brasil ainda mais dependente da China, nosso principal parceiro comercial. Não seria um grande problema, se a economia chinesa não sofresse os sobressaltos de uma economia capitalista, embora seu regime político seja uma ditadura comunista. No momento, o mercado financeiro internacional vive a expectativa de uma implosão da bolha imobiliária chinesa, de consequências imprevisíveis. A Sinic Holdings Group é mais recente empresa imobiliária chinesa em vias de dar um grande calote, aumentando a tensão criada pela gigante Evergrande, que atravessa momentos difíceis e tem uma dívida de US$ 300 bilhões (R$ 1,6 trilhão).
A Sinic comunicou à Bolsa de Hong Kong que espera não conseguir pagar um título de US$ 250 milhões com vencimento em 18 de outubro, o que pode gerar inadimplência cruzada, pois a empresa tem US$ 694 milhões em títulos e sofreu uma queda de 97% no valor de suas ações. A Modern Land (China) Co., outra incorporadora sediada em Pequim com US$ 1,35 bilhão de títulos em circulação, está pedindo três meses para quitar uma nota com vencimento em 25 de outubro. A Xinyuan Real Estate Co., que tem US$ 760 milhões de títulos, está propondo o que a Fitch Ratings considera uma troca de dívida problemática com vencimento na sexta-feira. A alta do preço do petróleo e a chamada crise dos contêineres, que corresponde a um apagão logístico, também são fatores que repercutem fortemente na desvalorização da moeda brasileira.
Calote e inflação
Na política, a situação é complicada porque a agenda econômica do Centrão não é a mesma do ministro da Economia, Paulo Guedes. A reforma administrativa subiu no telhado, ainda mais porque todo o pessoal do setor de segurança pública, com exceção dos policiais militares, rebelou-se contra a reforma. Policiais federais, policiais rodoviários, agentes penitenciários e policiais civis, que faziam parte da base bolsonarista, estão se insurgindo contra a reforma e fazem forte lobby no Congresso, como os demais servidores civis. Sem cortes nas despesas de pessoal, a opção do governo seria contingenciar as emendas ao Orçamento da União, que estão fora do controle do Executivo e são imexíveis. Quem controla esses investimentos em obras e serviços é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Com isso, o cobertor ficou muito curto para o governo aprovar o Auxílio Brasil, programa social no qual o presidente Bolsonaro aposta sua reeleição. A alternativa de calote nos precatórios (PEC 23) para financiar o programa que substituirá o Bolsa Família também enfrenta forte resistência.O engenhoso relatório do deputado Hugo Motta constitucionaliza o calote, ao ficar um limite anual para os precatórios e sentenças judiciais. O restante entraria na lógica do “devo, não nego; pago quando puder”, segundo o economista Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente(IFI), mantido pelo Senado. O limite proposto no relatório está baseado no valor pago em 2016 (R$ 30,7 bilhões) corrigido pela inflação. Assim, o pagamento de 2022 será de R$ 40,5 bilhões, em vez de R$ 89,1 bilhões.
Uma folga de R$ 48,6 bilhões no teto de gastos em 2022, para financiar a reeleição de Bolsonaro, não passa despercebida e impune pelo mercado. Além de gerar insegurança jurídica, ao virar a mesa nas regras do jogo entre o governo e seus credores, tem impacto direto na inflação, que voltou como nunca antes desde o lançamento do Plano Real. Os números são terríveis: 1,16% em setembro, 6,90% no ano e 10,25% em 12 meses. Luz, ovos, café, carne, frango e açúcar subiram de 20% a 47%. O salário vale menos e os mais pobres estão disputando ossos e sopas oferecidas por instituições de caridade. Como a economia desanda, a reeleição sobe no telhado.
Paulo Delgado: Pomar sem água. País precisa de normalidade
O Brasil precisa de normalidade sem fatos extraordinários, a vida comum das ações e emoções verdadeiras
Paulo Delgado / O Estado de S.Paulo
O mundo está cheio de cretinos e este número aumenta quanto mais se afasta de Montana. Se a piada do Velho Oeste norte-americano se aproximar do Brasil, este número também aumenta. Feliz, realizada, rica, suspensa acima da terra e livre de todas as leis, a política brasileira dominou os ambientes onde cada um só cuida de si. É como obra de arte que, para ser admirada, não pode ser compreendida.
O deslumbramento com o open tudo das engenhocas digitais, o liberalismo fora da costa à moda dos corsários, o bilionário de aplicativo, a tecnologia sem ciência a serviço da agressividade, a reforma que deixa restos do Estado patrimonial dispensado de obedecer às leis, a autarquia estatal milionária dos partidos políticos. Tudo sob gestão política e judicial oficiais e sua incapacidade de dizer não a não ter direitos. Tal beatitude estabeleceu esta forma de amizade com o cretinismo sem fronteira e noção de perigo.
A palavra “indefensável” saiu do vocabulário quando a elite dos Três Poderes regulou sua conduta por princípios próprios. O indesejável tornou-se irredutível e fez ruir o suporte que sustenta a admiração por um ideal na política.
A crise de recato que vivemos – a confusão entre conectar e conhecer, clicar e conversar, paraíso liberal e fiscal, informação e privilégio, somada à moral como prótese removível – envolve hoje as pessoas e as instituições que mais precisam de mudar, mas não aceitam mudança. Os que têm o poder de falar em nome de outros e se oferecem para ser admirados são os que mais andam enganando o Brasil. Por culpa deles todas as memórias estão virando uma coisa só. A de um país da elite errada e do legal indefensável.
Não funcionamos por princípios gerais de nação. E a administração pública parece dizer para as pessoas comuns relax, há outra maneira de viver no Estado. O responsável pela economia que investe fora do Brasil deveria se afastar da sua função. Como o magistrado na ativa que cobra por palestra sobre o que faz para instituição do próprio Estado deveria considerar pilhagem o honorário. Como parlamentar que forma o patrimônio da família com salário de seus funcionários. Ou ministro sem orçamento, que não pede para sair. Sempre foi assim, todos são assim. Não são piratas. É impossível desenrascar-se de vulgaridade tão trivial que é a benevolência do povo com o espírito de corsário de mandachuva brasileiro.
Com o discernimento embotado sobre a responsabilidade dos heróis atuais, melhor não apostar em outro funcionamento da política. A insatisfação do desejo que começa a se manifestar ainda não é o desejo de outra coisa desconhecida. Melhor não arrastar tudo para a psicologia ou a ideologia dos dois uns que se opõem. O caminho mais fácil na vida nem sempre é o melhor.
É o labirinto sem centro que faz os brasileiros indiferentes, confusos ou crédulos. Falta um líder daqueles a quem a prosperidade legítima dos outros não incomoda. Felizmente, é possível perceber que a espécie humana tem um secreto brasileiro que se fez, por discrição e cansaço, inútil à política. É a pessoa tranquila no cumprimento usual do dever, legal, ajuizada, humorada, livre, não se entusiasma com a crítica fácil interessada no sofrimento humano. Nem sai por aí na televisão enfiando a carapuça em uns e outros.
O brasileiro inútil presume a responsabilidade coletiva de todos pelo fracasso das nações. Ele sabe que muitos que vivem crises de gratificação em política normalmente são os responsáveis pela própria frustração.
Estamos, outra vez, às vésperas de uma eleição sem desassossego, charme, cuidado, com muitos engodos e suspiros. O real verdadeiro que é a felicidade humana não está em nenhum aplicativo ou rede social. Se a eleição for uma disputa de algoritmo, melhor se abster. É preciso reinventar a eleição, os partidos e seus candidatos, sabendo o que nos é permitido esperar. Uma coisa é certa, o Brasil não precisa de presidente personal. Menos ainda de quem acha que tudo é política, tudo é educável, tudo é diagnóstico, polícia e juiz. O Brasil precisa de água no seu pomar, normalidade sem fatos extraordinários, a vida comum das ações e emoções verdadeiras.
Todos os conectados já foram computados. É hora de buscar a maioria desbussolada, antipáticos a personalidades coativas que gostam de gente treinada, obediente e previsível. Alguém capaz de falar para os inúteis, sem obrigá-los a responder ou agir no sentido enfático como um exército de ativistas.
A honestidade no Brasil é um hábito, mais do que uma prática. Como se a ética fosse um dilema, não conduta. Os ligados acham que os bons são bobos por preferirem inteligência a maldade. Deixe estar.
Quem conseguir entender a política verá que os fatos e eventos que a envolvem são apenas interesse, ilustrações dos princípios dos próprios políticos. Não há mal nisso, é uma função necessária e relevante. O problema é quando por trás dos fatos não se encontram princípios. Tem sido a sina brasileira: viver o ridículo e a chateação de ser governado por vitorioso que despertou esperança e não se comportou à altura.
*SOCIÓLOGO. E-MAIL: CONTATO@PAULODELGADO.COM.BR
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,pomar-sem-agua,70003866071
Fator CPI tem potencial para impactar eleições de 2022
Comissão pedirá o indiciamento de dezenas de investigados, entre os quais o presidente Bolsonaro
Raphael Felice/ Correio Braziliense
A CPI da Covid completa, hoje, seis meses desde sua instauração. De lá para cá, houve um rol de depoimentos, quebras de sigilo e investigações, levado a cabo pela comissão, que conseguiu ocupar espaço de protagonismo no jogo político. O fim dos trabalhos ocorrerá no próximo dia 20, quando haverá a votação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB/AL).
Nesta reta final, a cúpula do colegiado mudou o cronograma dos trabalhos. Desistiu da convocação, pela terceira vez, do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, cujo depoimento estava marcado para segunda-feira. Na data, ocorrerá a oitiva do médico pneumologista Carlos Carvalho e de parentes de vítimas do novo coronavírus.
No dia 19, Calheiros apresentará o relatório. Ele já antecipou que relacionou 37 investigados no parecer. Disse, ainda, que mais de 40 pessoas devem ser responsabilizadas no documento, entre elas o presidente Jair Bolsonaro. Segundo o parlamentar, a CPI não poderia “falar grosso na investigação e miar no relatório”.
Com a aprovação do parecer, a intenção é entregá-lo à Procuradoria-Geral da República (PGR) já no dia 21. O órgão terá 30 dias para decidir se dará prosseguimento às denúncias, pedirá o arquivamento ou definirá diligências. No dia 26, membros da CPI vão se reunir com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para protocolar um pedido de impeachment contra Bolsonaro.
De acordo com o vice-presidente da comissão, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), a cúpula do colegiado pretende levar o relatório, também, até o Tribunal Penal Internacional, em Haia, na Holanda. A Corte é responsável pelo julgamento de acusados de crimes contra a humanidade, como genocídio.
Conforme analistas, a CPI tem sido responsável por equilibrar o noticiário político, antes pautado por ações e ataques de Bolsonaro. Para eles, o ritmo do jogo político era, de certa forma, ditado pelo chefe do Executivo, que sempre se utilizou da política do enfrentamento e de cortinas de fumaça para tentar encobrir insucessos.
“Uma das grandes mudanças que a CPI trouxe na pauta política foi justamente o fato de ser capaz de ditar a pauta política. A comissão acabou tirando um pouco do protagonismo do presidente no cenário político, sendo ela mesma a produtora de notícias, a produtora de informações para a sociedade”, afirmou Valdir Pucci, professor e mestre em ciência política.
Com repercussão e força política própria, a CPI expôs informações que podem custar caro a Bolsonaro, como a demora para comprar vacinas contra a covid-19, a propaganda do chamado “tratamento precoce”, a revelação de que o Ministério da Saúde negociou imunizantes superfaturados e o escândalo recente com a Prevent Senior — segundo depoimentos ao colegiado, a operadora usava seus pacientes como cobaias em experimentos com substâncias como cloroquina, ivermectina, azitromicina e até ozônio no “tratamento” do coronavírus.
Com grande audiência — sendo constantemente um dos assuntos mais comentados nas redes sociais —, mesmo após o seu término, o fantasma da CPI deve continuar assombrando Bolsonaro durante a campanha eleitoral no ano que vem.
Para o cientista político André Rosa, o presidente pode ser impactado com algo parecido com o que sofreram petistas com relação à Operação Lava-Jato. “A CPI da Covid será objeto de grande repercussão nas eleições e também na formação das preferências do eleitor na hora da escolha do voto. Tal como a Operação Lava-Jato, que impulsionou a candidatura de Jair Bolsonaro, será a da covid-19 que proporcionará aos concorrentes o combustível da propagação de campanha negativa da gestão do atual presidente”, frisou.
Conforme Rosa, o relatório de Calheiros trará sérios problemas para a já abalada imagem do chefe do Executivo. “Os impactos na sociedade serão fragmentados entre os apoiadores do presidente e os seus dissidentes. Aos dissidentes, a certeza de um país mal gerido, que alcançou o nível inflacionário pré-Plano Real, alta fora da curva dos combustíveis e mais desigual”, listou. “Por fim, a CPI formaliza em um relatório o resumo de um dos piores governos da história do país.”
Queiroga
A decisão da cúpula da CPI de abrir mão da terceira convocação do ministro Marcelo Queiroga foi tomada porque senadores não acreditam que ele apresentaria informações capazes de contribuir com as investigações. Na semana passada, o titular da Saúde já havia respondido, por escrito, a questionamentos feitos pela comissão.
Os parlamentares preferem, então, focar no médico pneumologista Carlos Carvalho, professor da Universidade de São Paulo. Ele coordenou um estudo que refutou o uso de medicamentos, como a hidroxicloroquina, cloroquina e a azitromicina, em pacientes com covid-19. A pesquisa seria analisada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão do Ministério da Saúde, mas acabou retirado de pauta. (Colaboraram Israel Medeiros e Tainá Andrade)
Para driblar Aras
Diante do alinhamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, com o presidente Jair Bolsonaro, a CPI da Covid estuda formas de driblar uma eventual omissão da Procuradoria-Geral da República (PGR) para avançar com processos contra o chefe do Executivo e outros políticos com foro.
Uma das opções seria levar o processo adiante por meio de entidades privadas, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que tem prerrogativa para encaminhar os indiciamentos diretamente ao Supremo Tribunal Federal (STF). Outra opção é entrar com uma ação penal subsidiária da pública, diretamente no STF — medida possível em caso de inércia do Ministério Público.
Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/10/4955059-fator-cpi-tem-potencial-para-impactar-eleicoes-de-2022.html