Day: setembro 24, 2021
Radicalismo e democracia: em busca do equilíbrio e de um novo rumo
Democracia exige legislação transparente e eficaz para que seja consolidada — e que tudo isso resulte na consciência de que estas leis sejam para todos
Raimundo Benoni / Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
O radicalismo é aventureiro e implacável. Metade dos brasileiros, segundo pesquisas recentes e variadas, não quer que o país se mantenha dividido. Embora, vale frisar, admitam estar menos tolerantes, há indivíduos de pontos de vista diferentes. O intransigente, o inflexível, o agitador e o provocador — mesmo aquele de plantão, movido por interesses pessoais ou grupais — não são aceitos ou mesmo bem-vindos. Como exercer racionalidade num momento quase irracional? E quem deve liderar essa capacidade? Nós, dirigentes partidários, líderes nacionais e regionais, gestores públicos movidos da boa-fé.
A história nos ensina que não se pode agir politicamente com os nervos à flor da pele. Ulysses Guimarães, o patrono da Constituinte de 1988, dizia que política não se faz com o fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. E ele não falava apenas da política uterina, como se vê agora, em benefício de parentes. Pensava sobre o global, no qual a política é um conjunto de valores para, diz a eterna blague, servir ao conjunto da população.
Neste caso, eis a razão que motivou a reunião pública de fundações e institutos públicos ligados ao Cidadania, DEM, MDB e PSDB — no qual as lideranças promovem até o fim deste mês um ciclo de debates para pensar algo básico, mas relevantíssimo: como promover o rumo do reencontro do país consigo mesmo? Não se trata apenas da busca por uma terceira via para as eleições do ano que vem. É uma procura por um novo rumo.
O seminário, de forma virtual no site www.seminárionovorumo.com.br e redes sociais Facebook e YouTube, é gratuito e vai até o próximo dia 27. Nele, vamos oferecer o que até parece óbvio: argumentos que sustentem a necessidade de criarmos alternativas para combater a desigualdade social e fortalecer a democracia. Que devemos buscar o caminho do equilíbrio. Democracia forte é como um fruto: precisa de algum tempo para amadurecer. E nesse ínterim, ele exige, por exemplo, condições de temperatura e umidade para consolidar esse processo.
No nosso caso específico, a democracia exige legislação transparente e eficaz para que seja consolidada — e que tudo isso resulte na consciência de que estas leis sejam para todos. Exige-se, também, prática: não chegamos sequer a quatro décadas consecutivas exercendo nosso direito (e dever) de votar. Como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente, o brasileiro adora votar — e faz até festa em dias de eleições. Mas é preciso que as regras e os processos eleitorais sejam respeitados. Por isso, o debate nacional não pode se limitar a pautas simbólicas, visando interesses pessoais ou de grupos – e muito menos dissociadas da realidade das pessoas.
Dados mais recentes do IBGE mostram que 14,4 milhões de brasileiros estão desempregados. Os chamados “bicos”, trabalho por conta própria que alguns insistem em classificar como empreendedorismo, sustentam 24,8 milhões — um recorde que corresponde a 28% da população ocupada. E quanto à segurança pública? O tradicional Atlas da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que o número de mortes violentas por causas indeterminadas registrou um crescimento de 35,2% — sendo que o Rio de Janeiro (232%) é o recordista.
No seminário organizado por essas instituições, vai-se além. Que tal discutirmos o sistema educacional? A questão da segurança pública passa por quais variantes: casa própria para PMs ou formação adequada nas academias? E quanto às constantes ameaças a interferências indevidas de um Poder sobre outro? Até quando somos obrigados a viver não em um Estado de Direito, mas em um “estado de incerteza”?
*Raimundo Benoni é engenheiro, com formação na área de energia pela Fundação Getulio Vargas (FGV), vice-prefeito de Salinas (MG) e diretor da Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Luiz Carlos Azedo: Lira passa o trator nos servidores
Deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão preocupados com a opinião pública, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O texto base da reforma administrativa, aprovada pela comissão especial da Câmara, ontem, desagrada tanto aos setores liberais que defendem a modernização do Estado brasileiro quanto aos seus opositores de esquerda, porque não tem coerência e mantém privilégios. Para os especialistas, também desconstrói pilares importantes da meritocracia, princípio que deve nortear o serviço público. O texto foi resultado de negociações de bastidor conduzidas pelo relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que tratorou os servidores e a oposição.
Desde setembro do ano passado, a reforma administrativa estava encalhada na Câmara. Seu objetivo é alterar as regras para os futuros servidores dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, estados e municípios. Ainda há muitos destaques a serem votados na própria comissão. Somente após a conclusão dessas votações, a proposta será encaminhada ao plenário, onde precisará ter pelo menos 308 votos a favor, em dois turnos de votações.
A oposição havia obstruído a votação na quarta-feira, mas, ontem, pela manhã, o presidente da Câmara trabalhou pessoalmente para garantir o quórum, cobrando lealdade de seus aliados. Mais uma vez, a proposta deixa de fora o Judiciário e o Ministério Público. Entre as medidas aprovadas estão a terceirização de atividades do governo cessão de dependências públicas e servidores para empresas concessionárias; ampliação do prazo de contratação de não-concursados para 10 anos; transformação de oficiais de Justiça em carreira de Estado; a aposentadoria integral e pensão por morte em serviço para policiais legislativos, distritais, rodoviários federais e ferroviários federais e agentes penitenciários e socioeducativos; redução de jornada e salário de servidores em até 25%.
Passam a ser consideradas carreiras exclusivas de Estado, nas quais é proibida a contratação temporária, aquelas ligadas à manutenção da ordem tributária e financeira, à regulação, à fiscalização, à gestão governamental, à elaboração orçamentária, à inteligência de Estado, ao controle, à advocacia pública, à defensoria pública, bem como à atuação institucional do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário. As mudanças valem apenas para os novos servidores, para os quais não haverá férias superiores a 30 dias por ano; progressão automática e adicionais por tempo de serviço; aumentos ou indenizações com efeitos retroativos; aposentadoria compulsória como forma de punição. Houve forte reação das associações de servidores, que já pressionam os parlamentares para evitar que o texto seja aprovado como está em plenário.
Péssima imagem
O modus operandi da Câmara tem desgastado o Congresso. Pesquisa do Datafolha, divulgada ontem, mostra que a imagem do Legislativo está mais negativa: para 44% dos brasileiros, o trabalho de deputados federais e senadores é ruim ou péssimo. Realizada entre 13 a 15 de setembro, a pesquisa ouviu 3.667 pessoas com mais de 16 anos em 190 cidades. Em julho, desaprovavam os congressistas 38%. Naquela rodada, somente 14% achavam o trabalho no Congresso bom ou ótimo, índice que oscilou negativamente para 13%. Consideram o trabalho regular 40%, ante 43% há dois meses. Não souberam opinar 3%.
Há outras insatisfações com o Congresso. O Datafolha mostrou que 56% dos brasileiros desejam a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro, ato que é privativo do presidente da Câmara. A reprovação ao trabalho parlamentar é maior entre aqueles mais instruídos (53% para quem tem curso superior) e mais ricos (57% entre os que ganham mais de 10 salários mínimos). O trabalho é mais bem avaliado, porém, por aqueles que aprovam o governo Bolsonaro (22% da amostra total, ante 24% de regular e 53%, de ruim ou péssimo): 23% de ótimo e bom. No seu melhor momento, a atual legislatura tinha 22% de aprovação, 41% de avaliação regular e 32% de reprovação.
Os deputados do Centrão dominam a Câmara e não estão muito preocupados com as pesquisas, porque suas bases eleitorais são fidelizadas graças às verbas do Orçamento da União, por meio de emendas parlamentares que garantem o apoio de prefeitos das cidades onde têm bases eleitorais. Essas verbas, porém, hoje, são controladas por Arthur Lira, que consegue aprovar o que quer quando cobra lealdade de seus aliados, mesmo contra o posicionamento dos respectivos partidos.
Ampla frente democrática será discutida pela FAP como alternativa a Bolsonaro
Conselheiros e diretoria executiva da entidade se reunirão de forma online, com transmissão em tempo real, no próximo dia 25/9, a partir das 10h
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Ações para fortalecer a democracia e alternativas ao nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nas eleições de 2022 serão abordadas em reunião conjunta da Diretoria Executiva e dos Conselhos Curador, Fiscal e Consultivo da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. O evento será realizado, de forma online, no próximo sábado (25/9), a partir das 10 horas.
ASSISTA!
A transmissão da reunião conjunta da FAP ocorrerá, em tempo real, pelo portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da fundação, para todos os internautas interessados. Os conselheiros e integrantes da diretoria se reunirão por meio da sala virtual do zoom. O link de acesso será enviado com antecedência, pela entidade, também aos integrantes do Diretório Nacional do Cidadania.
Conselheiros destacam a necessidade de entender “o fenômeno Bolsonaro”, para lançar uma alternativa apoiada por uma ampla frente democrática que resgate direitos violados no atual governo e avance na busca de uma sociedade que exerça a cidadania plena e seja menos desigual, menos injusta e menos excludente.
Conselheiro da FAP e professor da Universidade de Brasília (UnB), o sociólogo Elimar Pinheiro do Nascimento destaca a importância de compreender as características que moldam o governo Bolsonaro, que protagoniza a figura do populismo de extrema direita.
“Vou tentar mostrar a natureza do populismo de extrema direita de Bolsonaro, vertente internacional que não vai ameaçar a democracia como no passado, na ditadura, mas que tem o discurso de defender a refundação da democracia, no sentido de uma democracia iliberal”, analisa Nascimento.
DEMOCRACIA BRASILEIRA
De acordo com o professor da UnB, a democracia iliberal é “despida de direitos humanos, do controle da mídia”. “Tem a supremacia do Poder Executivo e submissão dos outros poderes”, assevera Nascimento. “Se não soubermos desmontá-lo, ele vai persistir com ou sem eleição. Ele se adapta do ponto de vista tático, ora ataca ora recua, mas o princípio é o mesmo: desmontar a democracia liberal, destruí-la”, observa.
Conselheiro da FAP, cientista político e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Baía diz que o principal ponto da conjuntura política é “a questão democrática”. “Temos que reagir a qualquer ataque, mesmo que verbal, às instituições democráticas e, com essa reação, finalizaremos um projeto para 2022”, acentua ele.
Na avaliação de Baía, o Brasil enfrentou muitos retrocessos no atual governo. “Perdemos muita coisa em função da desregulamentação que aconteceu, principalmente, nas áreas de proteção social, ambiental e educação. Nós temos um retrocesso regulatório nessas áreas”, afirmou o cientista político.
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“As pesquisas todas apresentam Jair Bolsonaro e Lula muito bem colocados, mas temos alternativas a eles. Essas alternativas vão ter que se firmar em uma candidatura, até abril do ano que vem, que possa reunir essa perspectiva, senão vamos ter risco de reproduzir Bolsonaro em 2023. Bolsonaro não está tão desgastado assim como alguns falam”, alerta.
O professor da UFRJ acredita que o ex-presidente Lula poderia ser incluído na ampla frente democrática. “Creio que o país está muito traumatizado no momento e que outro nome seria melhor, mas, evidentemente, é difícil convencer Lula disso. Eu, particularmente, não aposto nem em Bolsonaro nem em Lula”, disse ele.
Baía elenca, na sua lista de alternativas a Bolsonaro, os nomes da senadora Simone Tebet (MDB-MS); do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB-RS), e o de Ciro Gomes (PDT). “Outros nomes vão surgir”, afirma Baía.
Reunião conjunta da Diretoria Executiva e dos Conselhos Curador, Fiscal e Consultivo da FAP
Data: 25/9/2021
Transmissão: 10 horas
Onde: Portal e redes sociais (Facebook e Youtube) da FAP
Realização: Fundação Astrojildo Pereira (FAP)
Lucília Garcez deixa marca como referência na literatura brasileira
Ex-conselheira da FAP e professora aposentada da UnB morreu por complicações de câncer de pulmão
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Professora aposentada do Instituto de Letras da Universidade de Brasília (UnB) e ex-conselheira da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), Lucília Helena do Carmo Garcez deixa como legado a referência da literatura e defensora de livros. Ela morreu, nesta quinta-feira (23/9), aos 71 anos, vítima de câncer de pulmão, em Brasília.
O velório está marcado para às 14h desta sexta-feira (24/9), na Capela 5 do cemitério Campo da Esperança da Asa Sul. Lucília estava internada no Hospital Daher havia duas semanas, por causa de complicações da doença e da quimioterapia.
Integrante da Academia Brasiliense de Letras e da Associação Nacional dos Escritores (ANE), a professora propagava a ideia de que o livro é a principal ferramenta para transformar a vida das pessoas. Educação, para ela, era o maior capital que uma sociedade poderia ter em busca de equidade e justiça social.
Lucília era casada com o cineasta e documentarista paraibano Vladimir Carvalho, de 86, e deixou três filhas (Adriana, Fabiana e Cristina) de um casamento anterior, além de cinco netos.
Vladimir lembra-se da esposa como uma mulher carinhosa e cheia de alegria de viver. Segundo ele, Lucília gostava de cuidar do jardim, da casa como um todo. "Era uma liderança enorme na família. Sempre tinha uma palavra de conforto, uma doçura imensa. Mantinha a harmonia e a amizade entre todos”, contou.
Nascida em Uberaba (MG), em 8 de julho de 1950, ela chegou a Brasília em 1966. Era doutora em linguística pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em teoria da literatura pela UnB. Foi professora de língua portuguesa do Instituto Rio Branco, responsável pela formação de diplomatas, por oito anos.
Em carta sobre o aniversário de Brasília em 2020, Lucília destacou a admiração pelo céu no lugar e definiu a linha do pôr-do-sol como "desnuda, extravagante, aberta ao infinito".
"Adotar Brasília como minha cidade misturou-se com definir os rumos da vida, fazer outras escolhas fundamentais. Tudo está enraizado naquelas manhãs ensolaradas nos gramados da UnB", escreveu.
Nota oficial da FAP
Nós, conselheiros, diretores e colaboradores da Fundação Astrojildo Pereira manifestamos de público nosso pesar pelo falecimento de Lucília Helena do Carmo Garcez. Professora da Universidade de Brasília, Lucília dedicou sua vida profissional e sua militância cotidiana à promoção da educação, da cultura, com ênfase na difusão do livro e da leitura como instrumentos indispensáveis para esses fins. Lucília participou do grupo presente nas primeiras reuniões que resultaram na criação da Fundação Astrojildo Pereira, integrando, posteriormente, mais de uma vez, seu Conselho Curador. Apresentamos nossas condolências a Vladimir de Carvalho, também militante histórico da Fundação, e a todos os familiares de Lucília.
Livros de Lucília Helena Garcez
https://www.estantevirtual.com.br/livros/lucilia-helena-do-carmo-garcez
'Reformas políticas não vão contribuir para resgate do Congresso'
Avaliação é do cientista político Antônio Carlos de Medeiros na revista Política Democrática online de setembro
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science, Antônio Carlos de Medeiros disse que o Congresso Nacional não cumpre bem as três grandes funções dos Parlamentos na democracia representativa: a iniciativa de leis; a fiscalização do Executivo e a formação e renovação de elites e lideranças políticas. “As reformas políticas, que estão em pauta, não vão contribuir para o resgate do Congresso Nacional”, afirma.
“Esta baixa relevância, apesar de seu poder atual, é disruptiva para a democracia brasileira”, diz Medeiros, em artigo que publicou na revista mensal Política Democrática online de setembro. A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. Todo o conteúdo pode ser acessado, de graça, na versão flip, disponível no portal da entidade.
Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de setembro (35ª edição)
Na avaliação do autor do artigo, “o Senado trabalha como se fosse uma Câmara dos Deputados”. “Já a Câmara, como fruto das anomalias criadas pelo Pacote de abril de 1977 e pela Constituição de 1988, teve o número de vagas para Estados com população pequena inflados artificialmente”, analisa.
Segundo Medeiros, há um problema estrutural de superrepresentação dos estados menores e subrepresentação dos estados maiores. “O Pacote reduziu o poder político de São Paulo e dos estados mais urbanizados. Alvejou a democracia representativa”, afirma ele, na revista Política Democrática online de setembro.
É por isso que Medeiros entende que as reformas políticas em pauta não vão contribuir para o resgate do Congresso Nacional. “São retrocessos democráticos. As questões que precisam ser atacadas são de outra natureza, começando pelo sistema híbrido de governo”, sugere ele, no artigo.
O resgate da dimensão republicana da democracia brasileira, conforme o autor, requer reformas que promovam legitimidade na delegação e consensualidade no exercício do poder. “Com a atual forma de funcionamento do Congresso, não se produz nem legitimidade da representação política (os políticos eleitos), nem consensualidade no exercício do poder (governança)”, escreve.
A íntegra do artigo de Medeiros pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade.
Os internautas também podem ler, na nova edição, reportagem sobre descaso do governo com a cultura e entrevista exclusiva concedida pelo cientista político Jairo Nicolau, que critica os ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contra a urna eletrônica e o processo eleitoral brasileiro.
Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.
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Comissão da Câmara conclui votação da reforma administrativa
Proposta seguirá para análise no Plenário da Câmara
Em uma reunião que durou mais de 13 horas, incluindo alguns minutos de tensão, a Comissão Especial da Reforma Administrativa aprovou, por 28 votos contra 18, o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA) à Proposta de Emenda à Constituição 32/20. Entre os pontos mais polêmicos, o texto aprovado manteve os instrumentos de cooperação com a iniciativa privada e preservou os benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias.
Arthur Oliveira Maia observou que seu relatório garantiu a estabilidade e os direitos adquiridos dos servidores atuais. "Todas expectativas de direitos foram preservadas. Esta PEC não atinge nenhum servidor da ativa", comemorou.
Entre as principais inovações mencionadas pelo relator estão a avaliação de desempenho de servidores e as regras para convênios com empresas privadas.
Apesar da obstrução dos deputados da oposição, o relator reconheceu que seu parecer aproveitou as contribuições de vários parlamentares contrários à proposta. "Este texto não é do Poder Executivo, mas uma produção do Legislativo. Apesar das posições colocadas aqui de maneira tão virulenta, é uma construção coletiva", disse o relator.
Convênios
A sétima e última versão do substitutivo de Maia retirou algumas concessões que haviam sido feitas à oposição. Entre elas, o relator manteve os instrumentos de cooperação com empresas privadas. Esta era uma das principais críticas da oposição, que entende que os convênios podem desviar recursos da Saúde e da Educação, aumentar o risco de corrupção e prejudicar a qualidade de serviços públicos.
De acordo com a proposta, a cooperação com órgãos e entidades públicos e privados pode compartilhar a estrutura física e utilizar recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira. "O que se quer é lucro com dinheiro da Educação. As pessoas pobres não vão poder pagar pelo serviço público", teme o deputado Rogério Correia (PT-MG).
Já o deputado Darci de Matos (PSD-SC) rebateu que ninguém vai cobrar mensalidade de creche ou escola. "O setor privado quer dar sua contribuição. A cooperação do setor privado com o serviço público é o que há de mais moderno no mundo. Não tem nada de errado nisso", ponderou.
Temporários
Outro ponto polêmico foram as regras para contratações temporárias, com limite de até dez anos. O relator destacou que os contratos temporários terão processo seletivo impessoal, ainda que simplificado, e os contratados terão direitos trabalhistas. O processo seletivo simplificado só é dispensado em caso de urgência extrema.
A oposição teme que os contratos temporários levem à redução do número de servidores concursados. "O contrato temporário tem que ser exceção, não pode estar na Constituição", ponderou o deputado José Guimarães (PT-CE).
Redução de jornada
O relator fez uma concessão no dispositivo que permite reduzir em até 25% a jornada e o salário de servidores. No novo texto, os cortes serão limitados apenas a períodos de crise fiscal.
Ainda assim, isso não agradou a oposição. "O servidor atual fica facultativo se vai permitir ou não o corte, mas com certeza vai sofrer um assédio enorme para cortar seu salário", rebateu Rogério Correia. "Com o corte, vai ter que passar o serviço para a iniciativa privada."
Arthur Oliveira Maia argumentou que a redução é uma alternativa para que não haja demissão de servidores. "É muito melhor reduzir a jornada do que demitir", argumentou.
Para o deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), o dispositivo joga a responsabilidade da má gestão de governadores e prefeitos nas costas dos servidores. "O servidor não vai poder pedir para reduzir sua dívida no açougue porque o governo reduziu o salário", comentou.
Juízes e promotores
O texto aprovado mantém benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias. Os deputados ainda devem votar no Plenário destaque sobre a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público na reforma administrativa.
Arthur Maia justificou que um parecer da Mesa Diretora da Câmara havia entendido que a inclusão só seria possível se a proposta fosse de iniciativa do próprio Judiciário. "O importante é que cada um se manifeste no destaque. Aí vamos nos responsabilizar individualmente. Eu votarei a favor", afirmou.
A reforma administrativa acaba com os seguintes benefícios para administração pública direta e indireta, nos níveis federal, estadual e municipal:
- férias superiores a 30 dias;
- adicionais por tempo de serviço;
- aumento de remuneração ou parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
- licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença por tempo de serviço;
- aposentadoria compulsória como punição;
- adicional ou indenização por substituição;
- parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei;
- progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.
Desempenho
O relator procurou colocar dispositivos para evitar arbitrariedades na avaliação de servidores. "A avaliação de desempenho terá participação do usuário do serviço público e será feita em plataformas digitais", comentou.
O substitutivo de Arthur Oliveira Maia facilita a abertura de processos administrativos para perda de cargo de servidores com avaliação de desempenho insatisfatório. O servidor será processado depois de duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas, no período de cinco anos.
O relator argumenta que o servidor ainda tem direito a defesa. "À luz do fato de que há direito a uma segunda opinião e o desligamento não é automático, não se pode considerar que os parâmetros agora adotados o prejudiquem ou facilitem abusos ou iniquidades."
No entanto, deputados da oposição afirmaram que o texto prejudica o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.
O substitutivo ainda estabelece regras para gestão de desempenho, com avaliação periódica e contínua. "Tem que identificar se o serviço público falhou e onde está a falha", analisa o relator.
Cargos obsoletos
O relatório acrescentou novos parâmetros para definir quem perderá a vaga caso haja uma extinção parcial de cargos obsoletos. "Não haverá espaço para o arbítrio e para atitudes indevidas", apontou Maia.
Como primeiro critério, serão afastados servidores de acordo com a média do resultado das três últimas avaliações de desempenho. Se houver empate e não for possível discriminar os alcançados por este caminho, apura-se primeiro o tempo de exercício no cargo e, em seguida, a idade dos servidores.
O substitutivo preserva os cargos ocupados por servidores estáveis admitidos até a data de publicação da emenda constitucional.
Cargos exclusivos
A reforma administrativa define o rol de cargos exclusivos de Estado, que não podem ter convênios com a iniciativa privada e serão protegidos do corte de despesas de pessoal.
São cargos exclusivos de Estado os que exerçam atividades finalísticas da segurança pública, manutenção da ordem tributária e financeira, regulação, fiscalização, gestão governamental, elaboração orçamentária, controle, inteligência de Estado, serviço exterior brasileiro, advocacia pública, defensoria pública e atuação institucional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de Justiça, e do Ministério Público.
No entanto, ficaram de fora dos cargos exclusivos as atividades complementares. "Ao excluir atividades complementares, todos poderão ter contratações temporárias", protestou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).
Segurança
A lista de cargos exclusivos especifica quais profissionais de segurança estarão incluídos nesta categoria. Foram contemplados guardas municipais, peritos criminais, policiais legislativos, agentes de trânsito, agentes socioeducativos, além de policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais ferroviários federais, policiais civis e policiais penais. Ficaram de fora das carreiras exclusivas os policiais militares e bombeiros militares.
Os guardas municipais também foram beneficiados no único destaque aprovado pela comissão, entre 20 analisados. O destaque do bloco Pros-PSC-PTB dá status de polícia às guardas municipais.
O deputado Jones Moura (PSD-RJ) observou que o destaque não cria despesa. "É o clamor de um trabalhador que quer trabalhar melhor. O guarda municipal vive 30 anos em uma insegurança jurídica, por não ter sua atividade de segurança pública clara e transparente no lugar de prender bandidos e estabelecer a paz social. É uma polícia que não é militarizada, uma polícia cidadã e comunitária", declarou.
O relator alertou para o impacto da medida na previdência dos municípios. "Os municípios têm previdências próprias. A consequência imediata é que a aposentadoria dos guardas municipais vai ser igual à dos demais policiais. Isso trará um impacto importante para as previdências próprias dos municípios."
Trocas e interrupções
Deputados da oposição se queixaram da troca de oito deputados titulares da comissão antes da votação da proposta. O presidente da comissão, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), explicou que os líderes partidários têm a prerrogativa de substituir ou indicar membros a qualquer momento. "Esta comissão era para ser composta por 34 membros. Entendendo que precisava de mais debate, conseguimos que fossem 47 membros, para que todos os partidos ficassem atendidos. Esta presidência mostra o que é democracia", defendeu.
A oposição também se irritou com as seis mudanças feitas pelo relator, Arthur Oliveira Maia, no seu parecer na última semana. Fernando Monteiro insistiu que, de acordo com o Regimento Interno, o relator pode mudar o parecer até o momento da votação.
Já os deputados favoráveis à reforma administrativa reclamaram das interrupções da oposição em sua estratégia de obstrução. "Mesmo depois de os senhores terem dito que fecharam questão contra a PEC, procurei dialogar com muito respeito e cordialidade. É uma regra da convivência humana retribuir gentileza com gentileza. Não abri minha boca para interromper ninguém", indignou-se Arthur Oliveira Maia.
O deputado Darci de Matos apontou para a necessidade de ouvir o contraditório. "Não há razão de permitir que fiquem gritando, interferindo, interrompendo. Isto é baixaria, denigre a imagem da comissão", comentou. "Em alguns momentos, vergonhosamente, aí eu falo da oposição e da situação, o nível da reunião da PEC 32 está abaixo da Câmara do menor município do Brasil, de Serra da Saudade (MG)."
Rogério Correia reclamou da menção a Serra da Saudade. "É um município mineiro e merece respeito", pediu.
Saiba mais sobre a tramitação de propostas de emenda à Constituição
Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Pierre Triboli
Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/809694-apos-mais-de-13-horas-de-reuniao-comissao-conclui-votacao-da-reforma-administrativa/
FAP realiza lançamento nacional da obra Grando, Presente!
Obra reúne 15 textos de personalidades, intelectuais, amigos e familiares de Sérgio Grando
A Fundação Astrojildo Pereira (FAP) realizou, ontem (23/9), o lançamento nacional do livro Grando, Presente (224 páginas). A obra conta a história política e o legado do ex-prefeito de Florianópolis Sérgio Grando, uma lição de uma grande liderança do campo democrático e progressista. Grando morreu de câncer em 2016, aos 69 anos,
Além dos organizadores, o advogado Francisco de Assis Medeiros e a cientista social Elaine Regina Pompermayer Otto, também participaram oito autores do livro, entre eles a irmã de Grando, socióloga Silvia Eloisa Grando Águila, que mediou o webinar.
Confira o webinar!
Veja o vídeo de Padre Vilson
Marcos Sorrilha: Realidade ou mundo virtual? Faça a sua escolha
Vivemos tempos em que o real e o ficcional estão cada vez mais mesclados pelas tramas da virtualidade/ realidade.
Marcos Sorrilha Pinheiro / Blog Horizontes Democráticos
Existe uma frase atribuída a Mark Twain na qual se afirma: “a diferença entre a verdade e a ficção é que a ficção faz mais sentido”. Ainda que seja uma referência à imprevisibilidade da vida, ela também aponta para um cuidado que todo escritor de ficção deve ter: estabelecer regras e limites para sua própria narrativa, fazendo com que ela soe crível ao leitor (ou espectador), para que ele aceite aquilo que está consumindo como sendo uma realidade plausível.
Mesmo as histórias de fantasia devem possuir esse cuidado: propor um conjunto de regras pelas quais aquele universo funciona, sob pena de “perder” a credibilidade junto ao público caso traia as balizas estabelecidas. Mario Vargas Llosa, na introdução de seu livro A Verdade das Mentiras, diz que a ficção é poderosa justamente por isso, pois oferece ao leitor uma realidade possível com a qual ele confronta a sua existência, percebendo suas imperfeições. Justamente por essa característica, os livros são tão subversivos quanto perseguidos.
Além disso, por estabelecer uma coerência a sua história, a preocupação com a plausibilidade exige que o autor recompense de alguma maneira as expectativas por ele criadas, seja com um final glorioso ou um anticlímax capaz de levar a audiência à indignação. Diferente da vida, o final da trajetória percorrida deve vir acompanhado de um prêmio.
Justamente por isso, filmes inspirados em vidas reais frequentemente possuem seu final alterado. Construir a história de um rei prometido, narrar suas vitórias, a trajetória que o leva ao trono, para que no dia de sua coroação ele morra engasgado, comendo peito de peru no café da manhã é totalmente inaceitável. Contudo, totalmente possível na realidade, ainda que não faça o menor sentido.
Acontece que até pouco tempo, esta barreira entre a realidade e a ficção estava muito bem-posta. Um livro ou um filme possuíam espaço de apreciação bem delimitado e suas narrativas estavam circunscritas ao momento de seu consumo. Porém, isso mudou no espaço dos últimos vinte ou trinta anos. Vivemos tempos em que o real e o ficcional estão cada vez mais mesclados pelas tramas da virtualidade/ realidade.
Desde seu livro Cibercultura, Pierre Lévy (muito otimista, por sinal), dizia que haveria uma invasão do mundo real pelo virtual, de modo que as barreiras entre eles cairiam aos poucos. Segundo entendia, nossa memória de longo prazo seria substituída pelos mecanismos de armazenamento digitais e as interações sociais se concretizariam em multiplataformas, sendo o mundo físico, uma delas.
Ao que parece, Lévy não estava tão errado, embora o resultado não tenha sido tão bom quanto ele esperava. As redes sociais e as redes de sociabilidade vivem um movimento de simbiose cada vez mais visceral, porém de maneira que as primeiras acabam por estabelecer parâmetros e referenciais sobre as segundas. As postagens de Instagram acostumaram nosso cérebro a pensar que aquelas narrativas construídas, roteirizadas e editadas sejam o equivalente a como a vida deve ser. Isso também serve para o impacto da incompatibilidade entre o posicionamento das pessoas no espaço público, comparado às expectativas geradas pela opinião pública virtual.
O problema em torno dessa questão é que, por aceitarmos que o que vemos no mundo virtual segue os mesmos padrões do mundo real, olhamos para a realidade buscando nela o mesmo “senso de edição” que consumimos em nossas plataformas digitais. Assim, a realidade (o fato dado) passou a ser compreendida não apenas como aquilo que não é previsível, mas como aquilo que não é crível, uma vez que destoa da versão roteirizada vista nas telas dos smartphones. Desta forma, ao não percebermos coerência na vida real, olhamos para ela como se ali existisse algum segredo guardado, capaz de torná-la semelhante às “mentiras verdadeiras” do mundo virtual.
Neste cenário, as teorias da conspiração ganham força e são turbinadas à sua máxima potência. Todos sabemos que fakenews sempre existiram, mas eram até pouco tempo “inofensivas”. O que mudou? Nossa relação com a ficção e a “verdade”. Afinal, as fakenews por mais que apresentem teorias que se desmancham quando postas ao teste do real, possuem uma coerência, uma lógica de roteiro, com causa e efeito, justificativa e ação, que faz dela um produto muito mais “factível” e atraente do que a realidade que ali se apresenta.
O mais incrível disso tudo (ou seria um plot twist?) é que a barreira quebrada entre a ficção e a “verdade” começa a afetar o próprio universo da produção de narrativas ficcionais. Exemplo claro disso é o próximo filme do Homem Aranha. Várias informações, oriundas de diversas fontes, confiáveis ou não, dão conta de que o filme reunirá os atores e personagens das franquias anteriores em um único filme. Diante de tal perspectiva, os fãs do herói montaram um roteiro “perfeito” em suas cabeças, sobre como devem ser as falas, os momentos em que os protagonistas virão à cena e como os vilões serão derrotados.
Não existe, porém, uma única confirmação oficial de que isso de fato ocorrerá. O estúdio responsável pela produção do longa-metragem, assim como os atores, nega tais informações e, mesmo assim, todos seguem difundindo por aí aquilo que será “o maior filme de heróis de todos os tempos”. Pode ser que este crossover ocorra e que as informações sejam verdadeiras. Mas o fato é que já existe um roteiro moldado na mente das pessoas e, caso o filme (o verdadeiro) não cumpra com tais expectativas, ele será sumariamente execrado. Muitos dirão uma frase que vem se tornando cada vez mais célebre em relação ao universo da ficção: “este filme era muito melhor na minha cabeça”.
Isso já aconteceu em Game of Thrones e tem potencial para se repetir em Matrix – Resurrections. O irônico é que diferente do que ocorre no primeiro filme das irmãs Wachowski, escolhemos a pílula azul[1], pois não aceitamos o simples fato de que a realidade seja um deserto. O que funciona em nossas cabeças, nas simulações das realidades possíveis, das “mentiras verdadeiras”, passou a ser a medida de valor sobre como a vida deve ser. O exercício de se usar um romance para despertar nosso descontentamento diante da realidade tornou-se hábito corriqueiro para qualquer usuário de redes.
Não à toa, passamos a dizer que os roteiristas do Brasil ou de 2021, ou da próxima eleição se superam a cada dia. De fato, temos acreditado que a vida segue o fluxo de uma narrativa tal qual aquelas escritas por alguém. Assim, olhamos para a realidade esperando a mesma coerência de uma série da Netflix. Nesses tempos, atualizando Mark Twain, “a diferença entre verdade e a ficção é que a verdade parece ter perdido relevância”.
[1] As irmãs Wachowski (Lilly e Lana) dirigiram a trilogia de filmes Matrix. No primeiro dos três filmes da franquia, o personagem principal, Neo, descobre que a humanidade vive em um mundo de simulação criado por máquinas. Diante da descoberta, é oferecido a ele duas opções: tomar uma pílula vermelha e conhecer a realidade ou tomar uma pílula azul e seguir vivendo a simulação.
Fonte: Blog Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/realidade-ou-mundo-virtual-faca-sua-escolha/
Eliane Brum: A ONU e o mundo se ridicularizam diante de Bolsonaro
Ao debochar da democracia em palco global, o presidente do Brasil cumpre sua agenda pessoal com louvor
Eliane Brum / El País
Ao comparecer a Nova York e abrir a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, Jair Bolsonaro foi apresentado no noticiário brasileiro e internacional como um pária do mundo, que comia pizza em pé na calçada porque não estava vacinado. Estou na contramão desta análise. O ultradireitista que governa o Brasil não envergonhou nem a si mesmo nem ao país. Me parece exatamente o oposto. Bolsonaro debochou da democracia em palco global, teve suas mentiras traduzidas em várias línguas e voltou para casa aclamado por seus seguidores pela sua autenticidade e coragem de afrontar a parte do planeta que despreza.
Ao receber um mandatário que ostenta o fato de não ter tomado vacinas como um troféu, e isso quando os Estados Unidos enfrentam uma piora na pandemia devido à variante delta, a vergonha é dos Estados Unidos de Joe Biden e da Nova York de Bill de Blasio. A vergonha é, principalmente, da ONU. Bolsonaro afronta o combate à pandemia com atos e fatos e atravessa a fronteira americana todo serelepe porque a ONU se mostrou incapaz de riscar o chão diante da Rússia de Vladimir Putin, que se contrapôs com veemência à intenção de barrar quem não estivesse vacinado. Bolsonaro também vai rir por muito tempo pela façanha de abrir a assembleia do mais simbólico pilar da ordem mundial após a Segunda Guerra disseminando mentiras explícitas. Aplicou na ONU um deboche em nível planetário.
De nada adianta estampar no noticiário um Bolsonaro patético, objeto de piadas e de charges na imprensa. Bolsonaro entrou nos Estados Unidos sem vacina e este é o fato principal. Também pouco adianta fazer matérias e análises provando que ele mentiu sobre quase tudo. Seus seguidores, assim como uma parcela de não seguidores, considera tudo o que a imprensa afirma como fake news e nem sequer a lê, assiste ou escuta. Parte do planeta, e não só do Brasil, acredita que pode escolher o que é a verdade se a mentira lhe convém. Também não está fácil, é necessário dizer, ouvir, assistir e ler setores da imprensa repetindo coisas como “contrariando a expectativa da ala moderada do governo, Bolsonaro não moderou o tom no discurso na ONU”. Sério que ainda tem gente para afirmar expectativas do gênero como se acreditasse nisso?
É assim que ditadores eleitos como Bolsonaro destroem a democracia desde dentro. Se os instrumentos democráticos e as instituições que os representam são incapazes de impedir alguém como Bolsonaro de discursar sem vacina, presencialmente, na ONU, para que servem? Do mesmo modo, se tudo o que as instituições brasileiras conseguem produzir são (mais) discursos sobre como Bolsonaro envergonha o país, em vez de usar os instrumentos democráticos previstos na Constituição para impedi-lo de seguir governando, para que servem, então?
Gostaria de afirmar que esse pesadelo acontece porque a democracia e suas instituições não previram criaturas como Bolsonaro, mas seria inaceitável ingenuidade sob qualquer ponto de vista, inclusive o histórico. Bolsonaro é produto das deformações de uma democracia que nunca alcançou as camadas mais desamparadas da população e é produto do cinismo do capitalismo liberal. A cena com Boris Johnson é um exemplo disso. Supostamente o primeiro-ministro britânico, um direitista caricato, teria dado um “puxão de orelhas” em Bolsonaro por não tomar vacina, mas é só jogo de cena. O que importa é que um sorridente BoJo apertou a mão de um sorridente Bolsonaro às vésperas da Cúpula do Clima de Glasgow, apesar de o presidente brasileiro estar levando a maior floresta tropical do planeta ao ponto de não retorno.
Bolsonaro está onde está porque as corporações e os governos que as representam ainda faturam e têm vantagens com ele na presidência. Bolsonaro está onde está porque grande parte do empresariado brasileiro, assim como dos especuladores, acredita que ainda pode obter mais lucro com ele no poder do que fora dele. Ao mostrar o dedo médio aos manifestantes contra Bolsonaro, Marcelo Queiroga afirmou a verdade mais profunda da Assembleia Geral da ONU. E agora o ministro da Saúde do país que beira os 600 mil mortos por covid-19 descansa em um hotel de luxo de Nova York enquanto faz quarentena por, claro, ter testado positivo para o vírus.
Assim caminha a democracia e seus pilares globais. E ainda há quem se surpreenda que morram, esquecendo-se que para morrer é necessário primeiro estar vivo.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora de oito livros, entre eles ‘Brasil, Construtor de Ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a Bolsonaro’ (Arquipélago). Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter, Instagram e Facebook: @brumelianebrum
Fonte: El País
https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-09-22/a-onu-e-o-mundo-se-ridicularizam-diante-de-bolsonaro.html