Day: setembro 2, 2021
Em sua manifestação, Aras defende posse de terra para etnia Xokleng
Procurador-geral da República defendeu o exame da matéria caso a caso. O julgamento prosseguirá na próxima quarta-feira (8)
O procurador-geral da República, Augusto Aras, foi o último a se manifestar, nesta quinta-feira (2), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365. Após as sustentações orais de 39 representantes das partes, da Advocacia-Geral da União, das entidades admitidas no processo e da Procuradoria-Geral da República, a discussão sobre a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena e do chamado marco temporal (desde quando essa ocupação deverá prevalecer) será retomado na próxima quarta-feira (8), com o voto do relator, ministro Edson Fachin.
Na sua manifestação, Aras se posicionou em favor do provimento do recurso, a fim de assegurar a posse da etnia Xokleng sobre a área indígena disputada. Aras concorda com o afastamento do marco temporal quando se verificar, de maneira evidente, que houve apossamento ilícito da terra dos índios, como avalia ser o caso.
Ele sustentou que, mesmo não havendo posse por parte dos índios em 5/10/1988, data da promulgação da Constituição Federal, a terra poderá ser considerada como tradicionalmente ocupada por eles. “Em alguns casos, os índios só não estavam na posse da terra exatamente porque haviam sido expulsos em disputas possessórias e conflitos agrários”, afirmou. “Nestes casos, não seria justo exigir o contato físico com a terra daqueles que foram removidos por invasores e lutavam para reconquistá-la”.
Segundo o procurador-geral, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reafirmou que a aplicação da tese do marco temporal contradiz as normas internacionais de direitos humanos porque não leva em consideração os casos em que os povos indígenas foram deslocados à força de suas terras, muitas vezes com violência, razão pela qual não estariam ocupando seus territórios em 1988. “Daí a importância de se admitir o esbulho como exceção ao marco temporal”, salientou.
Em razão da segurança jurídica, o procurador-geral ressaltou que a identificação e a delimitação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios deve ser feita, a cada caso, mediante a aplicação da norma constitucional vigente a seu tempo. Ele propôs fixação de tese de repercussão geral para definir que o artigo 231 da Constituição Federal impõe o dever estatal de proteção dos direitos das comunidades indígenas antes mesmo da conclusão do processo demarcatório, tendo em vista sua natureza declaratória.
Fonte: STF/Secom
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=472341&ori=1
Valdir Oliveira analisa os desafios da retomada econômica
Para superintendente do Sebrae no DF, sem equilíbrio político economia está fadada à estagnação.
João Rodrigues, da equipe da FAP
No podcast Rádio FAP desta semana, publicado na manhã desta sexta-feira (3), o superintendente do Sebrae no DF, Valdir Oliveira, explica que sem equilíbrio político economia está fadada à estagnação. Ele é um dos autores de artigo da Revista Política Democrática Online nº 35 – Setembro/2021, que será lançada nos próximo dias. “Em ambiente de guerra, ninguém faz plano de desenvolvimento nenhum”, explica Valdir Oliveira. O podcast Rádio FAP é divulgado em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Youtube, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts.
Até 20 anos de prisão para PMs em serviço que participem de atos políticos
Entre os que garantiram presença nos protestos convocados por Bolsonaro para o 7 de setembro estão policiais militares da ativa e da reserva
Felipe Souza / BBC News Brasil
Mas essa categoria pode se manifestar publicamente?
Segundo especialistas em direito constitucional ouvidos pela BBC News Brasil, nenhum policial da ativa pode participar de atos políticos com símbolos que remetam às instituições onde eles trabalham. Esses servidores podem participar de atos políticos desde que estejam à paisana, como cidadãos comuns, e desarmados.
Caso contrário, os policiais podem ser enquadrados no Código Penal Militar pelos crimes de motim ou revolta (quando há dois ou mais envolvidos). As penas podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.
A expectativa é de que um grande número de policiais militares da reserva participem do ato. Militares de folga também devem ir ao protesto pró-Bolsonaro como cidadãos comuns, mas sem farda e armas.
Os atos do dia 7 de Setembro são convocados em meio a atritos com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e têm intenção de atacar a Suprema Corte, se manifestar a favor da reeleição do presidente Bolsonaro, contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e governos de esquerda em geral.
O cientista político e reserva da Polícia Militar do Rio de Janeiro Luiz Alexandre Souza da Costa disse que a Constituição prevê que todos os cidadãos têm direito a se manifestar publicamente. Porém, há regras específicas para os policiais militares.
"Não é legítimo para o que estão convocando. Não é um pedido de mudança de política pública. Está claro nas entrelinhas que eles querem uma quebra na democracia. É um discurso como se fosse a favor da democracia, mas pedem que não tenha um Congresso que atrapalhe Bolsonaro, sem STF e sem um Poder Judiciário independente", afirmou Costa.
O cientista político disse que esse protesto mostra ser "claramente ser a favor de golpe de Estado para implementar ditadura". Ele diz ainda que os discursos que convidam para o ato propõem que os policiais levem bandeiras dos batalhões onde eles trabalham.
Isso, segundo o especialista, é o mesmo que levar uma instituição pública de Estado para uma discussão política, antidemocrática e ilegal.
"Essa é uma reivindicação antidemocrática, contra o poder civil e a Constituição, à qual eles juraram respeitar. Eles não juraram respeitar o Bolsonaro ou qualquer outro que está no poder. Desta forma, esses manifestantes estão querendo participar de uma revolta popular, mas eles têm armas. Bolsonaro queria todo mundo com fuzil, mas como ele não conseguiu, agora quer ter a seu dispor os PMs ativos e inativos. Segundo o Ipea, são 750 mil PMs e bombeiros armados. Isso sem contar os policiais civis, federais e penais — quase o dobro das forças armadas", afirmou.
Especialistas explicam que a lei permite que qualquer cidadão peça mudanças de políticas públicas, desde que seja de maneira democrática.
"É legítimo que policiais queiram fazer um protesto pedindo a desmilitarização das polícias. Isso é legal, pois é uma categoria pedindo uma mudança de política. Eles podem argumentar que a guerra às drogas não está funcionando, então querem a legalização das drogas. Isso é legítimo e constitucional", afirmou.
Na última semana, o governador de São Paulo, João Doria, afastou o coronel Aleksander Lacerda por indisciplina, depois que ele convocou policiais para o protesto pró-Bolsonaro na Paulista. Lacerda estava à frente do Comando de Policiamento do Interior 7, responsável por 78 municípios na região de Sorocaba, no Estado de São Paulo.
"Aqui em São Paulo, não teremos manifestações de policiais militares da ativa de ordem política (...) Não admitiremos nenhuma postura de indisciplina", disse o governador após a decisão.
Mas, em entrevista ao portal UOL, o deputado federal Coronel Tadeu (PSL-SP) disse que a categoria alugou ao menos 50 ônibus em cidades do interior paulista para que policiais pudessem se deslocar para participar do ato na capital.
Luiz Costa, que também é professor de direito militar da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e conhece de perto o comportamento das tropas, se diz preocupado com as atitudes de oficiais em relação aos protestos de 7 de Setembro.
"Os militares são subordinados e respeitam a hierarquia. A polícia de São Paulo é a mais profissionalizada do Brasil. Quando um militar quebra isso com um ataque frontal ao governador, isso acende um alerta vermelho no país. Porque se isso aconteceu em São Paulo, com um coronel da ativa atacando governador, imagine o que pode acontecer no resto do país", alertou o professor.
Para ele, esses oficiais sabiam das consequências que sofreriam e tiveram essas atitudes para afrontar o governador.
"Um coronel da ativa sabe que tem que respeitar a autoridade pública. A PM tem que punir e falar que eles podem ser demitidos, além de responder criminalmente. Não interessa se é Doria, Cabral ou Bolsonaro. Tem que respeitar o cargo. Ele (coronel) desrespeitou o Doria e quebrou um dos principais pilares da hierarquia militar", afirmou.
Ele se diz preocupado, pois afirma que, na Bolívia, ocorreu um golpe iniciado pelas polícias e que o Exército apenas não fez nada para impedi-lo.
O professor afirma ainda que, em 2019, foi aprovada uma lei que impediu que os gestores prendessem policiais militares administrativamente por quebras na disciplina.
Desta maneira, o governador de São Paulo afastou o coronel, pode dar uma advertência a ele, mas não pode prendê-lo. Caso queira demiti-lo, por exemplo, o governador precisa aguardar que uma possível ação contra ele transite em julgado, o que pode levar anos.
Isso, segundo o professor, pode deixar os policiais mais confortáveis para cometer possíveis transgressões
Um policial do Rio de Janeiro condenado por matar a juíza Patrícia Acioli, segundo ele, continua recebendo salário normalmente. "Ele só está na geladeira, mas continua ganhando todo mês como um servidor comum", afirmou o professor da EURJ.
O que diz a lei?
O Artigo 5º, inciso 16, da Constituição Federal diz que todos podem se reunir pacificamente e sem armas, em local aberto ao público.
Porém, o Código Penal Militar prevê como crimes motim e revolta. O motim é a reunião de militares ou assemelhados para desobedecer ordem superior, agindo em ordem ou praticando violência.
Também prevê a ocupação de "quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando-se de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar".
A pena é de 4 a 8 anos de prisão, com aumento de um terço para os cabeças — no caso, os oficiais que participarem.
Já a revolta é o mesmo crime, porém com agentes armados. A pena é de 8 a 20 anos de prisão.
Ao menos 340 militares foram denunciados no Ceará por uma greve considerada ilegal em 2020. A maioria pelo crime de revolta.
Na ocasião, o senador Cid Gomes (PDT-CE) chegou a ser baleado por grevistas enquanto dirigia um trator em direção a um batalhão.
Em 2008, 423 bombeiros foram presos por invadir quartéis em movimentos grevistas em diversos Estados, mas foram anistiados no Congresso Nacional.
Voltar para casa
Policiais militares da reserva ouvidos pela BBC News Brasil disseram que os comandos devem determinar que os seus subordinados voltem para casa, caso apareçam armados no protesto.
"Se eles não querem voltar para casa, se enquadram no crime de revolta, por desobedecer um superior. Os oficiais precisam deixar claro as sanções que os policiais podem receber, caso participem de atos antidemocráticos, mas esse recado não está sendo dado", disse o professor da UERJ Luiz Alexandre Souza da Costa.
O professor afirma que apenas o ato de se reunir ao redor de um batalhão pode ser considerado um crime, por ser uma transgressão, numa tentativa de ligar uma instituição a um ato político.
"O Artigo 165 do Código Penal Militar prevê como ilícito promover a reunião de militar ou participar de reunião para discutir atos de superior ou assunto pertinente à disciplina militar. Quem participa pode pegar de 2 a 6 meses de prisão. Quem promoveu, 6 meses a 1 ano", afirmou o professor de direito penal.
Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58416407
Merval Pereira: A política na economia por conta dos precatórios
Solução avalizada pelo Judiciário, no sentido de tirar os precatórios do limite do teto de gastos, não é constitucional
Merval Pereira / O Globo
O pagamento de precatórios por parte do governo federal está virando uma questão política que só poderá ser resolvida pelo Congresso. A intenção de encontrar uma solução que fosse avalizada pelo Judiciário, por meio do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para evitar que a confusão avançasse no sentido de tirar os precatórios do limite do teto de gastos, parecia boa, mas não é constitucional.
O Tribunal de Contas da União (TCU) entrou na negociação com o Ministério da Economia para encontrar uma fórmula que fosse adequada economicamente e viável juridicamente, pois o TCU considerava que parcelar precatórios, como o governo chegou a propor ao Congresso por uma emenda constitucional, traria um grande dano à imagem do país. O ministro Bruno Dantas, vice-presidente do TCU e especialista em finanças públicas, disse ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que o melhor a fazer seria reforçar o teto, aplicando-o inclusive aos precatórios mediante criação de um sublimite.
O raciocínio é que o teto de gastos congelou a despesa primária da União de 2016 e a corrigiu pelo IPCA dos anos seguintes. Como, conceitualmente, os precatórios são despesa primária, explica Dantas, não faz sentido congelar tudo e deixar os precatórios sem uma trava, para crescer fora do ritmo das outras despesas, que só crescem pelo IPCA, contribuindo para comprimir o teto e impactando em gastos discricionários indispensáveis, como manutenção de estradas.
Qual o sentido de permitir que os pagamentos para essa despesa subam além do que a emenda constitucional do teto de gastos permitiu? — pergunta o ministro Bruno Dantas. Para ele, essa regra seria mais transparente, porque o precatório que chegar depois de ultrapassado o teto será remanejado e quitado no ano seguinte. Isso daria previsibilidade e transparência.
Procurado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, se colocou à disposição para ajudar, mas não há maneira de o CNJ, que acompanha o pagamento dos precatórios, que são dívidas judiciais, entrar na questão sem uma autorização do Congresso. Fux, consultando os demais ministros do Supremo, decidiu esperar o pronunciamento do Congresso. O caminho agora é negociar com a base governista para aprovar uma PEC que permita esse mecanismo de limitar o pagamento dos precatórios dentro do teto de gastos, transferindo para o ano seguinte o que faltar.
A posição do ministro da Economia, Paulo Guedes, também foi criticada. Ao mesmo tempo que ficou entusiasmado com a solução que seria pacificada pelo Conselho Nacional de Justiça, diz que a solução deveria sair mesmo do Congresso por meio de uma mudança constitucional. A verdade é que o governo não tem como pagar os R$ 90 bilhões que deve em precatórios e não tem controle também do Congresso para garantir que a PEC a ser enviada não será usada para furar o teto de gastos.
Ou então quer que o Congresso assuma essa tarefa, o que provavelmente será feito com satisfação pelos parlamentares, que terão mais dinheiro para suas emendas se os precatórios, ou o novo Bolsa Família, forem retirados do teto de gastos. Nos dois casos, a despesa seria da mesma ordem, de R$ 90 bilhões, o que caracterizaria a quebra do equilíbrio fiscal e repercutiria negativamente no risco Brasil.
Entre os precatórios, cerca de R$ 16 bilhões são dos estados, e seria possível retirá-los da fila de pagamento para negociar em separado numa mesa de conciliação, sugestão do ministro Gilmar Mendes. O importante é encontrar uma solução que não impacte nos precatórios de pessoas físicas.
Além de todos os problemas técnicos envolvidos na questão, o ambiente político hoje está impeditivo para qualquer negociação mais delicada. Até o dia 7 de setembro, quando estão marcadas manifestações contra o Supremo em várias capitais, não há condição de achar uma solução negociada entre o Executivo e o Judiciário. O presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, fará uma declaração hoje, na abertura dos trabalhos, alertando que é preciso respeitar as decisões do Judiciário e que a democracia não pode ser atacada nas manifestações marcadas para o Dia da Independência.
Fonte: O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/politica-na-economia.html
Maria Cristina Fernandes: A boiada, agora, passa sobre o capital
Adiamento de manifesto empresarial foi crucial para Bolsonaro
Maria Cristina Fernandes / Valor Econômico
A unidade frustrada de entidades empresariais e financeiras na apresentação de um único manifesto em defesa da ordem constitucional não poderia ter acontecido num momento melhor para o presidente Jair Bolsonaro. Depois de já ter passado por cima de menos aquinhoados pela virtude ou pela sorte, a boiada bolsonarista agora atropela também o capital.
Por duas razões: o recuo das entidades acontece no momento em que se afunila, sob as bênçãos dos Poderes, um cambalacho nas contas públicas, e também quando se confirma mais uma frustração nas expectativas de retomada econômica.
O manifesto dos empresários, apesar de não fazer referência direta à conjuntura econômica, serviria para adensar o peso de sua reação num momento de escalada golpista do bolsonarismo.
Ao colocar o ministro da Economia e os presidentes dos bancos estatais a serviço do desbaratamento da unidade do movimento, o presidente não é capaz de sufocar o azedume. Adia, porém, sua expressão para um momento em que espera estar vitaminado pela aposta que fez no 7 de setembro.
O alvo de Bolsonaro é a capacidade de articulação empresarial para pôr na roda uma terceira via em condições de tirá-lo da reta final de 2022.
A boiada parecia longe quando o governo passou a faca na Previdência Social de 72 milhões de brasileiros, produziu recorde de informalidade no mercado de trabalho, patrocinou o pior orçamento da educação básica em uma década, registrou o menor número de inscritos no Enem nos últimos 16 anos, fez liberação recorde de agrotóxicos, promoveu a maior letalidade policial desde 2013 e paralisou a política habitacional para a faixa de mais baixa renda e a demarcação de terras indígenas.
A centralidade do debate ambiental na economia mundial fez tocar o alarme quando, no primeiro semestre de 2021, o país se deparou com o pior desmatamento em uma década. A boiada se aproximava.
O galope da inflação, do juro de longo prazo e do câmbio, a iminência da crise hídrica e, por fim, a queda do PIB no segundo trimestre do ano acabaram por dar alguma concretude à expressão “estouro da boiada”.
Nada, porém, alarmou mais as perspectivas do que a negociação em torno das dívidas da União, os chamados precatórios. Foi aí que se mostrou inútil a tentativa de fechar a cancela para resguardar os interesses empresariais.
A consultoria legislativa da Câmara dos Deputados e a IFI já mostraram os números. A proposta de parcelamento negociada pelo ministro da Economia com o TCU, o presidente do Supremo Tribunal e os presidentes da Câmara e do Senado, pode acumular esqueletos no armário no valor de até R$ 1,4 trilhão até 2037, quando acaba o teto de gastos.
Reclamar do salto nas despesas com precatórios é jogar por terra velha demanda nacional que é o aumento da produtividade do Judiciário. Enfurnada na pandemia, a magistratura esvaziou gavetas e multiplicou sentenças, devidamente anotadas pela AGU.
A instituição encarregada de defender a União de seus cobradores foi chefiada, em grande parte do governo Bolsonaro, por André Mendonça, candidato ao Supremo, instância máxima do cumprimento de sentenças judiciais.
A saída para honrar as dívidas e pagar um Auxílio Brasil turbinado sem derrubar o teto seria a redução das emendas de relator, mas isso é capaz de fazer tremer o país mais do que 7 de setembro bolsonarista.
O deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) encantam suas plateias engravatadas apesar de não quererem nem ouvir falar em cortar emendas de relator, cuja execução condiciona sua autoridade.
Tem sido assim desde a PEC Emergencial, aprovada em março sem corte de gastos. A gastança prosseguiu com a privatização da Eletrobras, custeada pelo contribuinte, e agora esbarrou numa reforma do Imposto de Renda com risco de mais desembolsos da União.
Empresários e banqueiros despertaram da conivência ao concluir que apesar de toda a gastança, o país ainda não havia adquirido paz institucional, que dirá futuro para sua economia.
Se o manifesto “A Praça é dos Três Poderes” é uma reação a este estado de coisas, permanece uma incógnita por que, em determinado momento, seus signatários originais, entre os quais a Febraban, resolveram entregar o comando de um movimento que chegou a abrigar 250 entidades, para a Fiesp. Mais precisamente para Paulo Skaf.
A rigor, Skaf nem presidente da Fiesp é mais. Depois de 17 anos sob sua presidência, a Federação das Indústrias de São Paulo elegeu, há dois meses, Josué Gomes da Silva, da Coteminas, para seu lugar. Skaf permanece no cargo até dezembro para melhor definir seu futuro político. No presente faz política contra o interesse de seus representados.
Foi isso que aconteceu com o manifesto empresarial. Filiado ao MDB, Skaf move-se entre as pressões do governo sobre o Sistema S e uma brecha na palheta de opções à direita num Estado em que Bolsonaro ainda não tem um palanque para chamar de seu em 2022.
Parecia óbvio que havia vasos comunicantes e poluentes entre os interesses envolvidos. Apesar disso - ou por causa - conseguiu o mandato para comandar o manifesto. Seu maior feito até agora foi o de adiar a divulgação do documento para depois do 7 de setembro abrindo brechas para o governo desbaratar a iniciativa.
De maciça, a adesão da Febraban, por exemplo, que havia sido tomada pelo voto de 14 dos 18 integrantes do conselho da entidade, contra a vontade de dois (BB e Caixa) e a abstinência de outros dois, se transformou em um racha.
A anunciada saída dos dois bancos públicos da Febraban permanece como uma ameaça sem confirmação de um lado ou do outro. Seu maior patrocinador, o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, nunca abandonou suas ambições políticas nem oportunidade de mostrar serviço ao chefe.
A Febraban contesta o recuo e mantém apoio ao documento. Na impossibilidade de unir a todos os signatários poderia ter tomado o mesmo rumo das entidades do agronegócio e encabeçado um documento à parte do setor financeiro.
Preferiu se manter sob a liderança de Skaf e aguardar a divulgação do documento no dia D e na hora H. Ponto pra Bolsonaro e sinal verde para a boiada.
Fonte: Valor Econômico
https://valor.globo.com/politica/coluna/a-boiada-agora-passa-sobre-o-capital.ghtml
Marco temporal: STF ouve representantes das partes envolvidas e AGU
O julgamento prossegue nesta quinta (2), a partir das 14h, com a continuação das manifestações das partes admitidas no processo e da PGR
SCO/STF
Com manifestações das partes e de terceiros interessados, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prosseguimento, nesta quarta-feira (1), ao julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.031). A questão em discussão é a definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena e desde quando essa ocupação deverá prevalecer, o chamado marco temporal. Na quinta-feira (2), o julgamento será retomado com as manifestações restantes e o voto do relator, ministro Edson Fachin.
O caso
A controvérsia em julgamento é o cabimento de uma reintegração de posse requerida pela Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina (Fatma), atual Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA), de área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), ocupada pela Comunidade Indígena Xokleng. A terra foi declarada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) como sendo de tradicional ocupação indígena. No recurso ao STF, a Funai sustenta que o caso trata de direito imprescritível da comunidade indígena, cujas terras são inalienáveis e indisponíveis.
Analisando a questão, o Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) entendeu não haver elementos demonstrando que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, como previsto na Constituição Federal (artigo 231), e confirmou a sentença que havia determinado a reintegração de posse ao órgão ambiental.
Demarcação não concluída
O representante do IMA, Alisson de Bom de Souza, sustentou que o processo de ampliação da Terra Indígena (TI) Ibirama-La Klanõ não foi concluído, pois o procedimento administrativo foi interrompido após a edição da portaria pela Funai, sem a homologação pelo presidente da República. Ele defendeu que só podem ser consideradas como terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas as que estavam ocupadas por eles em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Disse, ainda, que esse marco temporal já foi admitido pelo STF no julgamento sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Em nome dos princípios da segurança jurídica, do direito à propriedade e do ato jurídico perfeito, Souza pediu o desprovimento do recurso. Em seu entendimento, a reforma da decisão do TRF-4 representaria considerar que o direito fundamental indígena é superior aos demais.
Direito à organização
Em nome da Comunidade Indígena Xokleng, que ocupa a TI Ibirama-La Klanõ, Rafael Modesto dos Santos afirmou que o marco temporal legalizaria os ilícitos ocorridos até o fim do regime tutelar indígena, que prevaleceu até a promulgação da Constituição de 1988. Na sua avaliação, se esse critério tivesse sido utilizado no caso Raposa Serra do Sol, a demarcação teria sido feita em ilhas, e não de forma contínua.
Segundo ele, as condicionantes estabelecidas naquele caso foram necessárias para dar operacionalidade à decisão do STF. Observou, ainda, que o marco temporal é uma forma de negacionismo, pois nega a ciência antropológica, única capaz de definir os limites de um direito territorial indígena, com base na Constituição.
Também em nome do povo Xokleng, o professor Carlos Marés lembrou que, após longo debate, prevaleceu na Assembleia Constituinte a tese de que os povos indígenas têm direito à sua própria organização, em detrimento do estímulo à assimilação, que prevalecia até então. Essa opção derruba a tese do marco temporal, pois adota o conceito de ocupação tradicional.
Para o professor, dentro desse conceito constitucional, as terras de ocupação tradicional são as habitadas, usadas para atividades produtivas e imprescindíveis para a manutenção das condições ambientais e a reprodução física e cultural das sociedades indígenas. Para Marés, negar o território é negar a organização social, e estabelecer um marco temporal equivale a dizer que os indígenas serão integrados e que suas sociedades deixarão de existir.
Segurança jurídica
Com fundamento no princípio da segurança jurídica, o advogado-geral da União, Bruno Bianco, pediu que o STF reafirme as condicionantes aplicadas na demarcação da TI Raposa Serra do Sol para que sejam reconhecidas, como terras indígenas, apenas as tradicionalmente ocupadas na data de promulgação da Constituição de 1988. Segundo ele, naquele julgamento, o Supremo fixou balizas e salvaguardas para a promoção dos direitos indígenas e a garantia da regularidade da demarcação de suas terras.
De acordo com Bianco, desde então, foram adotados, como regra geral, o marco temporal e o marco tradicional, exceto quando verificado o esbulho renitente por não indígenas. O advogado-geral defendeu a necessidade de preservação da segurança jurídica em razão da tramitação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que trata do marco temporal.
Bianco pediu também a revogação da tutela provisória incidental que suspendeu o parecer 01/2017 da AGU, que, segundo ele, buscou uniformizar a interpretação a ser aplicada pela administração pública federal e garantir isonomia aos processos demarcatórios nos moldes do que foi decidido pelo STF no julgamento de Raposa Serra do Sol. A tutela incidental, deferida pelo ministro Fachin, suspendeu, também, a tramitação de todos os processos e recursos judiciais que tratem de demarcação de áreas indígenas até o final da pandemia da Covid-19 ou o julgamento final do RE 1017365.
PR//CF
Fonte: SCO/STF
http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=472244&ori=1
Polícia Legislativa busca suposto lobista da Precisa Medicamentos
Marconny de Faria não compareceu ao depoimento na CPI da Pandemia
Karine Melo / Agência Brasil
Agentes da Polícia Legislativa do Senado estão nas ruas de Brasília à procura de Marconny Albernaz de Faria. Suspeito de atuar como lobista da Precisa Medicamentos, ele tinha depoimento marcado para hoje (2) na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, mas não compareceu. Procurados pela secretaria da CPI, os advogados de Faria disseram que não sabem onde ele está.
O presidente do colegiado, senador Omar Aziz (PSD-AM), determinou que a Polícia Legislativa conduza Marconny "sob vara" à comissão. Essa possibilidade ocorre nos casos em que o depoente é testemunha e não investigado. Apesar disso, a Advocacia do Senado também entrou com um pedido no Supremo Tribunal Federal para que o empresário seja conduzido coercitivamente.
O lobista já tinha dado sinais que não pretendia ir ao Senado. Ontem (1º) ele apresentou um atestado médico ao colegiado para não comparecer. A mesma estratégia já havia sido utilizada nessa quarta-feira por outro convocado, Marcos Tolentino, empresário suspeito de ligações com o FIB Bank, fundo garantidor do contrato entre a Precisa Medicamentos e o Ministério da Saúde para a compra de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, suspenso após denúncias de irregularidades.
Diante disso, a cúpula da CPI pediu a confirmação dos diagnósticos pelo hospital. Horas após o questionamento, o médico de Marconny, Audrien Furlan de Lucca, procurou a cúpula da comissão para informar que o atestado seria cancelado. Segundo o vice-presidente, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o profissional "notou uma simulação por parte do paciente" e se comprometeu a enviar explicações à CPI.
Com o sumiço de Marconny, o senador Randolfe Rodrigues apresentou requerimento à CPI pedindo a prisão preventiva e apreensão do passaporte do empresário. Até o fechamento desta reportagem, a solicitação não havia sido votada pelos senadores.
Plano B
Para não perder tempo, já que a comissão está na reta final dos trabalhos, com expectativa de apresentação do relatório final pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL) até o fim deste mês, a comissão vai ouvir ainda hoje “um plano B”. O ex-secretário de Saúde do Distrito Federal Francisco Araújo Filho, que foi preso em agosto de 2020 durante a Operação Falso Negativo, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), prestará depoimento. A investigação apurou irregularidades na aquisição de testes rápidos para detecção da Covid-19 para a rede pública de saúde do DF.
Fonte: Agência Brasil
https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2021-09/policia-legislativa-busca-suposto-lobista-da-precisa-medicamentos
Bolsonaro veta punição para quem divulgar fake news
O presidente sancionou PL que revoga Lei de Segurança Nacional, mas vetou crime para quem praticar "comunicação enganosa em massa"
Thaís Paranhos / Metrópoles
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sancionou, com vetos, nessa quarta-feira (1º/9), projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional, criada durante a ditadura militar.
Entre os vetos do mandatário da República, está o trecho que prevê punição para quem praticar “comunicação enganosa em massa”. O PL determinava reclusão de 1 a 5 anos mais multa para quem “promover ou financiar, pessoalmente ou por interposta pessoa, mediante uso de expediente não fornecido diretamente pelo provedor de aplicação de mensagem privada, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral”.
No veto, o chefe do Executivo diz que “a proposição legislativa contraria o interesse público por não deixar claro qual conduta seria objetivo da criminalização, se a conduta daquele que gerou a notícia ou daquele que compartilhou”. O presidente questiona também se “haveria um ‘tribunal da verdade’ para definir o que viria a ser entendido por inverídico”.
Por fim, o presidente alega que a proposta tem “o efeito de afastar o eleitor do debate político, o que reduziria a sua capacidade de definir as suas escolhas eleitorais”.
Inquérito das Fake News
Bolsonaro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no âmbito do Inquérito das Fake News, que apura a disseminação de notícias falsas. O relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, incluiu o mandatário do país na investigação no último dia 4 de agosto, a pedido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O STF vai apurar se o presidente cometeu crimes durante a tradicional live de quinta-feira, na qual afirmou, sem provas, que houve fraude nas eleições presidenciais de 2018.
Outros vetos
O titular do Planalto também vetou trecho do PL que determinava punição para quem impedisse “o livre e pacífico exercício de manifestação” sob o argumento de que haveria dificuldade para definir “o que viria a ser manifestação pacífica”.
Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-veta-punicao-para-quem-divulgar-fake-news
Conrado Hübner Mendes: O que a Constituição queria do STF era coragem
Tribunal deveria cumprir seu próprio 'marco temporal' para julgar
Conrado Hübner Mendes / Folha de S. Paulo
A democracia brasileira precisa de um marco temporal. Não a tese jurídica que estabeleceu dia certo para atribuir direito territorial de povos originários, tese estranha à Constituição de 1988 e aos debates constituintes.
Falta à democracia brasileira um marco temporal para o STF tomar decisões. Não só um prazo razoável, mas a certeza de que, anunciada a pauta, não promoverá adiamentos contados em números de meses ou anos, como de costume. O STF não pode dizer que aprecia segurança jurídica se não oferece nem isso e se acomoda ao "devo, não nego, julgo quando quiser".
Nesta quarta-feira (1º) a corte começou a julgar mais um de seus casos históricos. Terá a chance de orientar a promessa constitucional de demarcação de terras indígenas, que acumula 28 anos de atraso (Constituição pedia que se encerrasse em cinco anos).
O caso chegou ao STF em 2016 e questiona aplicação, a outras demarcações territoriais, de critério construído no caso Raposa Serra do Sol, de 2009. Pautado para 2020, foi adiado sem maiores explicações.
Agora, corre risco de novo adiamento em função das ameaças de um presidente que comete crimes comuns e de responsabilidade. Basta um pedido de vista, e o tribunal jogará o tema para um futuro incerto enquanto a violência aumenta no campo.
A Constituição pede ao STF muitas virtudes institucionais. Duas para começar: primeiro, a coragem de decidir; segundo, a coragem de decidir certo.
Precisa saber que sua demora tem custos altos. Em torno de 1 milhão de pessoas estão hoje enredadas em conflitos por terra, invasões de territórios e assassinatos (relatório “Conflitos no Campo Brasil – 2020”, da Comissão Pastoral da Terra). A incerteza jurídica e um Congresso que busca legislar a toque de caixa contra direitos indígenas e socioambientais gera expectativa de leniência à delinquência e incentivos para desmatamentos e invasões.
Adiar e "deixar para o Congresso", como se ouviu, trairia a missão de uma corte constitucional, cuja razão de existir é impedir que o legislador viole a Constituição. Essa divisão de funções está presente em quase todas as democracias do mundo. Não significa usurpar, esvaziar ou se sobrepor ao Congresso, apenas lhe fazer contrapeso e proteger a ordem constitucional.
Em outros tempos, quando não havia presidente apontando canhão para o tribunal e ameaçando fechá-lo, o STF repetia essa ideia com muito orgulho e altivez retórica. Tempos sem riscos. A coragem de um tribunal constitucional se mede em tempos como hoje.
O STF também precisa saber que a decisão errada, sucumbindo às pressões do agronegócio (que investiu alto na desinformação e na compra de pareceres jurídicos), perpetuará efeitos dramáticos, tanto nos outros processos sobre o tema que hoje tramitam na corte, quanto nos processos administrativos hoje parados no Executivo.
E a generalização da tese do marco temporal é errada por muitas razões.
Ignora a literalidade do artigo 231 da Constituição (e o critério de "terras tradicionalmente ocupadas"). Ignora também a própria jurisprudência do STF sobre direitos dos povos indígenas. Em sucessivos casos, o tribunal estabeleceu que a "tradicionalidade" está relacionada ao modo de ocupação da terra, não ao tempo. A data marcada para reconhecimento de terra indígena é exigência desprovida, ironicamente, de "tradicionalidade jurisprudencial". Arbitrária, portanto.
Afirmar que a decisão do caso Raposa Serra do Sol firmou um precedente que deveria ser seguido esconde muita coisa: primeiro, a jurisprudência anterior; segundo, que esse caso isolado deixava explícito que sua tese não se aplicava a quaisquer outros; terceiro, que mesmo precedentes sólidos, mesmo em tradições jurídicas que se apegam a precedentes, devem ser revogados quando o erro para a situação presente se tornar evidente.
Pedimos ao STF, além de coragem, a dignidade do bom argumento e inteligência jurídica. Que seja um agente do rigor analítico, não da desinformação e do teatro retórico. Que não invoque números ou previsões sem citar fonte respeitável. Que não use analogias baratas ("Copacabana terá que voltar aos índios") ou dados espúrios, porque o assunto é sério demais.
*Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e embaixador científico da Fundação Alexander von Humboldt.
Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/conrado-hubner-mendes/2021/09/o-que-a-constituicao-queria-do-stf-era-coragem.shtml
Filme Baile Perfumado é marco da “retomada” do cinema brasileiro
Longa será debatido em webinar de pré-celebração do centenário da Semana de Arte Moderna
Cleomar Almeida, da equipe FAP
Dirigido por Lírio Ferreira e Paulo Caldas, o longa metragem Baile Perfumado (1996) é um marco da chamada “retomada” do cinema brasileiro, com uma estética que transita entre o conhecido cinema novo e os filmes de ação hollywoodianos. A obra cinematográfica será discutida, nesta quinta-feira (2/9), a partir das 17h, em evento online do ciclo de debates da Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Biblioteca Salomão Malina, nas atividades de pré-celebração ao centenário da Semana de Arte Moderna.
O webinar terá participação do professor Ulisses de Freitas Xavier, pesquisador da história do cinema brasileiro, e do diretor-geral da FAP, o sociólogo Caetano Araújo. A transmissão será realizada pelo portal e redes sociais da entidade (Facebook e Youtube), assim como na página da biblioteca no Facebook.
Assista!
Todos os internautas interessados podem participar diretamente do debate, por meio da sala virtual do Zoom. Para isso, basta solicitar o acesso por meio do WhatsApp oficial da biblioteca (61) 98401-5561. (Clique no número para abrir o WhatsApp Web).
A história de Baile Perfumado é baseada em fatos verídicos: o encontro entre o mascate libanês, Benjamin Abrahão (1890-1938), e Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938), interpretados, respectivamente, por Duda Mamberti (1965) e Luis Carlos Vasconcelos (1954).
Narrado pelo personagem de Abrahão em libanês, o filme mescla imagens reais capturadas pelo mascate, em preto e branco, e outras ficcionais, coloridas. Com isso, cria um cenário no qual se alternam as décadas de 1930 e de 1990, o interior nordestino e a capital Recife.
A montagem constrói-se com focos entrecruzados. Por um lado, Abrahão decide documentar, em filmes e em fotos, Lampião e seu bando, para comercializar a história do cangaceiro. Por outro lado, apresenta os bailes organizados por Lampião - baile é palavra utilizada pelos cangaceiros para designar a guerra.
A narrativa desenvolve-se em cortes secos entre as cenas, com exacerbação da violência e alguns momentos de nítida estilização. O tom documental é fruto da incorporação dos registros fílmicos feitos por Abrahão e de seu real encontro com os cangaceiros.
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Embalado pela música pop do Recife, Baile Perfumado constrói uma colagem em que se alternam imagens com tomadas aéreas e ângulos não convencionais, nas quais se apresentam paisagens do sertão e closes dos personagens feitos de baixo para cima.
Lampião tem, ainda, vaidade numa lógica distinta: sua vaidade revela-se nos produtos de consumo da vida burguesa, como uísque e, como o próprio nome do filme sugere, perfumes. Esses produtos são adquiridos de uma rede de consumo, na qual se articulam cangaceiros e fazendeiros, num jogo de alianças obscuras.
Baile Perfumado levou cerca de 80 mil espectadores aos cinemas. Foi exibido em diversos festivais, como Cannes, Havana, Toronto, Líbano e São Francisco. Ganhou, entre outros, prêmios de melhor filme, melhor direção de arte e melhor ator coadjuvante no Festival de Brasília e Prêmio da Unesco.
Ciclo de Debates sobre Centenário da Semana de Arte Moderna
15º evento online da série | Modernismo, cinema, literatura e arquitetura.
Webinário sobre o filme Baile Perfumado, de Lírio Ferreira e Paulo Caldas
Dia: 2/9/2021
Transmissão: a partir das 17h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade
Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira
Luiz Carlos Azedo: Feitiços do tempo
Perde-se tempo com coisas que não são prioritárias, as verdadeiras urgências não são levadas em conta. O melhor exemplo é o apagão energético
Luiz Carlos Azedo / Nas Entrelinhas / Correio Braziliense
O filme que intitula a coluna é uma história simples, romântica, cheia de clichês, meio pastelão. No Dia da Marmota, o repórter Phil Connors vai à pequena Punxsutawney fazer a cobertura do evento. Por um desses mistérios que somente acontecem nos filmes de Hollywood, o mesmo dia se repete incontáveis vezes. O protagonista fica preso no tempo. É um nonsense, sem nenhuma explicação científica nem preocupação com isso.
A trama se baseia em personagens estereotipados: Rita, a heroína, é certinha demais; Phil é um fracassado, que se sente mal pelo trabalho que faz, escalado todo ano para acompanhar uma festa que odeia. Numa analogia transgressora, o presidente Jair Bolsonaro pretende transformar o nosso Dia da Independência no seu Dia da Marmota. Corre o risco de se tornar prisioneiro do tempo, das manifestações que está convocando para Brasília e São Paulo, pelo resto de seu mandato, qualquer que seja a capacidade de mobilização que venha a demonstrar.
É uma daquelas situações em que o sujeito vira o “burro operante”, como diria o superexecutivo Antônio Maciel Neto (Cecrisa, Grupo Itamarati, Ford, Suzano Papel e Celulose e Caoa Hyundai). Quando o conceito está errado, toda a estratégia é condenada ao fracasso. Atributos como audácia, carisma, coragem, perseverança e resiliência aumentam o tamanho do desastre, porque a execução do planejado leva exatamente a isso. Bolsonaro quer demonstrar capacidade de mobilização de seus apoiadores para pressionar o Supremo e o Congresso a aumentarem seu poder e arrastar as Forças Armadas para uma aventura golpista, o que está errado.
Vamos supor que a manifestação seja um sucesso, mobilizando alguns milhões de partidários, como deseja o presidente da República. O que isso tem a ver com os problemas reais da população: inflação em alta, desemprego, crise sanitária, economia devagar, mas devagar mesmo, quase parando? Nada, absolutamente nada. Mais: nesse cenário, prosseguiria sua escalada de desestabilização do Estado democrático de direito, que é um dos grandes fatores de risco para economia brasileira. Nossos problemas objetivos se agravariam, artificialmente, como mostra a experiência de alguns de nossos vizinhos. Suponhamos, porém, que a mobilização não chegue nem perto dessa quantidade de pessoas. Será um ponto irreversível de inflexão de seu governo, que já está descendo a ladeira do fracasso. Perderia a capacidade de iniciativa política.
Governança
Além do conceito correto, o triângulo de sucesso é formado por mais duas variáveis: um método adequado e um ambiente favorável. Bolsonaro não conta com uma coisa nem outra. A coisa mais metódica de sua rotina é voltar cedo para casa. Bolsonaro, segundo os funcionários do Palácio do Planalto, é o presidente da República que menos trabalha. O ambiente caótico que está criando também dispensa maiores comentários. O presidente da República é um daqueles casos citados por Maquiavel n’O Príncipe: chegou ao poder muito mais pela Fortuna do que pela Virtù. Quando as contingências mudaram, passou a enfrentar dificuldades sem as condições pessoais para superá-las, como os príncipes que não conseguem manter o poder quando as contingências mudam e passam a depender mais das próprias virtudes do que da própria sorte.
São feitiços do tempo. O físico Alan Lightman escreveu 30 contos sobre os sonhos do jovem Albert Einstein, então com 26 anos. São fábulas sobre a teoria da relatividade. Traduzidas para mais de 30 línguas, suas 167 páginas inspiraram dramaturgos, bailarinos, músicos e outros artistas do mundo. Tudo acontece entre a primavera e o início do verão de 1905, em Berna, à sombra dos Alpes. Um simples funcionário do Escritório Suíço de Patentes vem tendo sonhos perturbadores, todos eles ligados aos mistérios do tempo e do espaço. Num deles, por exemplo, o tempo transcorre num único dia: nascimento, vida e morte. Em outro, não existe futuro. E há também o sonho em que causa e efeito ligam-se de maneira imprevisível, desvinculando os atos de suas consequências.
Um dos contos se passa num parque, cinco minutos antes de fechar. Um jovem aflito espera a namorada querendo que ela chegue mais rápido, um velho senhor conversa com a netinha querendo esticar o tempo, e o pipoqueiro do parque, metódico, arruma a sua carrocinha com a precisão de um relógio suíço. O tempo da política não é o mesmo da economia, muito menos o da Justiça. A incapacidade de governança começa na forma como Bolsonaro administra o seu próprio tempo, sem levar em conta que é o recurso mais escasso do seu mandato. Perde-se tempo com coisas que não são prioritárias, as verdadeiras urgências do país não são levadas em conta. O melhor exemplo é o apagão energético, em razão da crise hídrica. O impacto do aumento do preço da energia elétrica na vida das pessoas vai se somar ao dos aumentos da gasolina e do gás de cozinha.
William Waack: O 7 de Setembro e o burro
Elites dirigentes da economia discutem como se livrar de Bolsonaro
Wlliam Waack / O Estado de S. Paulo
Diante dos olhos das principais elites da economia brasileira Jair Bolsonaro repete uma conhecida trajetória. De mal menor, está virando aos olhos dessas elites o pior dos males. O mesmo aconteceu com Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Há importantes diferenças no comportamento dessas elites que, em parte, espelham a perda de coesão institucional e o esgarçamento do tecido social brasileiro, além da forte regionalização da nossa política. Refletem também a alteração dos “pesos relativos” no PIB e na política entre indústria, agroindústria, setor financeiro e varejo. E diferentes mentalidades, que impedem o surgimento de lideranças e ações comuns. Ninguém mais fala pelo “todo” das elites econômicas.
Quando se examina as posturas políticas desses grupos de dirigentes essas diferenças separam a grosso modo os segmentos que são mais “abertos” daqueles “mais fechados” em relação ao mundo lá fora. Os mais dependentes ou integrados nas grandes cadeias produtivas globais, de capital intensivo, orientados para inovação tecnológica e atrelados ao comércio exterior e aos grandes fluxos de investimento foram, por exemplo, os que abateram os ministros bolsonaristas das Relações Exteriores e Meio Ambiente.
É importante notar que nesses grupos a oposição ao governo não se deu simplesmente por ser considerado “ruim para os negócios” (caso claro do moderno setor do agro). A forte rejeição a Jair Bolsonaro facilmente detectável nesses segmentos vem de uma visão de mundo – portanto, ideológica – para a qual o presidente simboliza o contrário dos princípios fundamentais de uma sociedade aberta, tolerante e liberal no sentido europeu da palavra. Foi nessas áreas que mais rápido Bolsonaro trafegou da condição de personagem político “tolerável” à de “insuportável”.
Ele foi salvo até aqui de um destino parecido ao de seus ministros defenestrados por uma característica comum ao empresariado (desculpem a generalização, sempre perigosa): o profundo temor de se meter em política. Quando isso acontece (meter-se em política) a causa costuma ser a defesa dos próprios interesses setoriais e negócios, e só em casos excepcionais é o resultado de uma ação coletiva em torno de princípios gerais ou projetos nacionais. “Política” é vista, não sem motivos, como coisa suja por definição.
O perigo para Bolsonaro é quando a excepcionalidade da ação por motivação “ideológica” se junta à noção no empresariado de que está tudo muito ruim para os negócios, as perspectivas não parecem que vão melhorar, os problemas aumentam, diminuem esperanças de dias melhores a curto prazo, vão subir inflação, juros e os impostos, fora os custos e as despesas. E a imprevisibilidade do triste ambiente de insegurança jurídica se agrava com pandemia, crise hídrica e, para culminar, instabilidade política trazida pela incessante crise institucional.
O “tipping point” (ou palha que quebra o lombo do burro) é o momento em que o receio da severa turbulência causada por um processo de impeachment é menor do que a certeza de que com Bolsonaro vai tudo só ficar pior, e que não dá para aguentar até as distantes eleições do ano que vem, pois a velocidade e profundidade da crise encurtaram drasticamente os horizontes de tempo. É o momento no qual a crise brasileira se encontra.
As forças do centrão já dão demonstrações de que consideram Bolsonaro intragável, prejudicial aos próprios interesses (políticos e econômicos) o que não significa abraçar-se ao “outro lado”, ou seja, Lula. É um volátil processo político no qual os caciques do centrão confabulam com setores dirigentes da economia e vice-versa. Não surgiu ainda dessas conversas, que estão se intensificando, se o melhor caminho para sanar a maluquice que emana do Planalto é acelerar um impeachment ou articular uma terceira via – à qual a turma do dinheiro está, sim, se dedicando.
Com o 7 de setembro Bolsonaro está se esforçando para ver quanto o burro aguenta.
Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-7-de-setembro-e-o-burro,70003828761