Day: agosto 24, 2021

Especialistas defendem punições para conter politização das PMs nos estados

João Doria afastou coronel que convocou militantes para manifestação a favor de Bolsonaro. Coronel Aleksander Lacerda também atacou o Supremo

Bianca Gomes / O Globo

SÃO PAULO — Conter uma possível politização das Polícias Militares passa por fortalecer mecanismos de supervisão, controle e auditoria dentro dos quartéis. Mas não só. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, é importante que manifestações de cunho político-partidários, vedadas na corporação, sejam punidas, como ocorreu nesta segunda-feira, quando o governador João Doria (PSDB) decidiu suspender o coronel Polícia Militar Aleksander Lacerda por ter atacado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e convocado militantes às ruas em apoio a Jair Bolsonaro.

Lacerda ocupava uma função política e seu afastamento do cargo não significa uma demissão. Para ser demitido, é preciso que o comando da PM instaure um inquérito policial militar e apure possível cometimento de crime, o que aí sim pode resultar em uma perda de patente ou mesmo prisão.

Nos estados: Atuação de bolsonaristas nas PMs preocupa governadores

Presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima afirma que Doria agiu com rapidez e da maneira correta ao destituir o coronel na manhã desta segunda-feira. Segundo ele, manifestações como a de Lacerda têm ocorrido de maneira aberta e sem nenhum constrangimento, muito em função da mensagem passada pelas Forças Armadas ao não punir a participação do ex-ministro Eduardo Pazuello em uma manifestação política.

— A não punição de Pazuello abriu uma porteira e deixou os demais oficiais à vontade para se manifestar politicamente. Nesse cenário, não podemos simplesmente acreditar na solidez das instituições. Precisamos proteger e garantir que as normas sejam respeitadas. É preciso também fortalecer os mecanismos de supervisão, controle de auditoria — disse Lima, que é professor da FGV EAESP.

Para o presidente do Fórum, o processo de "contaminação político-partidária" das PMs não ocorreu só por parte do coronel Lacerda.

Merval PereiraAfastamento de coronel da PM de SP foi importante

— Não é um problema de hoje ou ontem. É um problema que vem se repetindo e as instituições não estavam preparadas para responder à gravidade desses atos — disse o especialista.

A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, diz que os governadores têm sido obrigados a agir diante de episódios como o de São Paulo e Pernambuco, onde policiais militares agrediram uma vereadora que participava de um protesto contra o Bolsonaro.

— É muito melhor quando o próprio comandante da PM lida com isso, mas nem sempre é simples. Avaliamos que, sim, é positiva (a decisão de Doria), porque o coronel que foi afastado era um coronel da ativa, em posto de comando, com um papel importante em relação à tropa, e nós precisamos segurar esses tipo de politização. Por outro lado, a gente sabe também que esse afastamento gera uma outra consequência. O policial acaba sendo visto com mártir e o próprio governador acaba sendo mais questionado por parte da tropa. De forma nenhuma é positiva essa situação, mas é importante que haja uma medida nesse sentido — disse ela ao GLOBO.

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Coronel da reserva da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva disse que Lacerda cometeu uma infração grave, principalmente ao ofender Doria, que é quem tem o comando da tropa. Nas publicações, o coronel chamou o governador de São Paulo de “cepa indiana”.

— Foi absolutamente correta a decisão do governador. Imagino que até o Coronel Lacerda estava imaginando, já que ofendeu a principal autoridade a quem se reporta. Como um mal exemplo, teria de ser removido, justamente como foi. E a partir de agora, o comando da PM irá verificar as possibilidade de infração disciplinar e qual a gravidade e o tamanho da punição — disse o coronel.

Ao contrário do que diz Lima, o coronel da reserva não acredita que há uma politização da PM. Ele diz que os policiais são “simpáticos” a Bolsonaro e não há nenhum tipo de coordenação nacional em jogo.

Para ele, casos como o de Lacerda, apesar de "lobos solitários", não podem passar despercebidos pelos governadores:

— Os governadores precisam assumir definitivamente a governança de suas polícias. Não podem deixar passar as coisas. Além disso, é preciso estar atento aos locais onde as polícias estão descuidadas, já que a insatisfação profunda pode, sim, facilitar a manipulação política. Nesse sentido, não é preciso ver apenas o rigor da disciplina, mas o ânimo das polícias — disse José Vicente da Silva.

Outros estados passaram por turbulências da PM

Ceará

Em fevereiro de 2020, policiais militares do Ceará entraram em greve. Durante o motim, a crise de violência culminou com 241 pessoas assassinadas em nove dias no estado. A Constituição proíbe a paralisação da PM, mas o movimento teve como uma das lideranças o deputado Soldado Noélio (PROS), membro da base bolsonarista no estado. Cem PMs foram afastados da corporação.

Bahia

Insuflados pelas redes sociais bolsonaristas, PMs da Bahia protestaram contra o comando da corporação após o soldado Wesley Góes ser morto por agentes do Bope depois sofrer surto psicótico e disparar seu fuzil, em março, em Salvador. O deputado Soldado Prisco (PSC) quis associar decretos do governo de restrição à pandemia à morte do PM — antes de atirar na direção do Bope, ele gritou não querer “prender trabalhador”.

Pernambuco

No dia 29 de julho, durante protestos contra o presidente Jair Bolsonaro que ocorreu em todo o país, PMs do Recife agiram por conta própria contra manifestantes. Dois transeuntes que sequer participavam dos atos foram atingidos por balas de borracha, perdendo parte da visão. O comandante-geral da corporação pediu exoneração e outros dois oficiais foram afastados, assim como os cinco agentes envolvidos na ação.

Goiás

Em 31 de julho, um policial goiano parou um professor petista que exibia em seu carro uma faixa chamando o presidente Jair Bolsonaro de genocida, numa associação às mortes por Covid-19. O militar, que foi afastado das ruas para responder processo interno, usou como argumento para prender o professor a Lei de Segurança Nacional, criada na época da ditadura e revogada este mês pelo Congresso.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/especialistas-defendem-punicoes-para-conter-politizacao-das-pms-nos-estados-25167513


Comissão do Senado sabatina Augusto Aras para recondução à PGR

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado sabatina nesta terça-feira (24) o procurador-geral da República, Augusto Aras, indicado por Jair Bolsonaro para mais dois anos à frente da PGR.

O processo acontece em meio a uma crise institucional provocada por falas golpistas do presidente.

O relator da recondução, Eduardo Braga (MDB-AM), divulgou parecer favorável à permanência do PGR no cargo.

Aras é alvo constante de críticas por seu alinhamento a posições de Bolsonaro.

Assista!



Fonte: Folha de S. Paulo
https://aovivo.folha.uol.com.br/poder/2021/08/24/6049-comissao-do-senado-sabatina-augusto-aras-para-reconducao-a-pgr.shtml


'Caos interessa a Bolsonaro para decretar estado de sítio no país'

Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, frisa que cabe aos governadores punir PMs que agem politicamente

Raphael Veleda / Metrópoles

exoneração pelo governador paulista João Doria (PSDB) de um oficial da PM que estava convocando “amigos” para manifestação bolsonarista no 7 de Setembro chamou mais uma vez a atenção para a radicalização de policiais. Para o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, o episódio não foi “mais do mesmo” em uma longa marcha de desestabilização da democracia no Brasil, mas um fato grave de insubordinação. Isso teria sido facilitado pela sensação de impunidade entre os militares desde que nada aconteceu com o general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello por ele ter participado de um ato político ao lado do presidente Jair Bolsonaro em maio deste ano.

“Deixar de punir Pazzuello abriu a porteira para a insubordinação na PM”, avalia o sociólogo. Renato Sérgio de Lima considera que há riscos para a democracia no próximo feriado da Independência: “Pode eclodir um problema seriíssimo de algum confronto na rua, situações de desordem, de contestação e de limitação de direitos daqueles que discordam do bolsonarismo”. Ele ainda alerta para as consequências da perda de controle dos policiais: o fortalecimento das tendências golpistas do entorno do presidente.

Veja a entrevista concedida ao Metrópoles pelo diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

Professor Renato Sérgio de Lima, a cada episódio de contaminação da polícia por ideias extremistas, o alerta que o senhor vem fazendo é reforçado. Qual a gravidade de ver esse discurso chegar a oficiais que comandam tropas, ver policiais se mobilizando abertamente para uma manifestação política?

O caso do coronel responsável por Sorocaba é extremamente grave, não só pelo episódio em si, mas pelo que ele representa. Sinais de radicalização político-partidária, político-ideológica em relação ao apoio dado pelas forças policiais ao bolsonarismo e tudo que ele representa já estavam sendo dados faz tempo, mas há novidades. O ponto de não retorno desse movimento foi a falta de punição ao general Pazuello. Se as normas militares perderam valor ou não foram aplicadas a um general da ativa, o sinal foi inconteste: quem está do lado de Bolsonaro não será punido, portanto podem se manifestar.

A não punição ao general Pazuello pela participação na motociata no Rio de Janeiro abriu a porteira, para usar a expressão do Sérgio Reis, para esses casos de insubordinação – que não começaram agora. Não dá para a gente dizer que os que oficiais são menos bolsonaristas que os praças. É que os oficiais têm uma responsabilidade muito grande naquilo que é a essência do ser militar, que é garantir a disciplina e a hierarquia. Mas a não punição ao general Pazuello é um sinal de que, se o alto comando das Forças Armada não é punido, quem imita não está fazendo nada de errado.



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E quais as consequências desses casos de insubordinação na PM?

Ter ultrapassado essa linha é um tiro no pé, porque vai contra aquilo que é mais valioso para o militarismo, que é a ideia da disciplina, da hierarquia, da capacidade de os oficiais representarem a lei e a ordem. No momento em que os próprios próprios oficiais rompem com essa identidade profissional do militar, a pergunta que fica é ‘o que falta?’, o que mais precisa acontecer para a gente ver que temos um problema sério em nossas mãos e que, se nada for feito, a qualquer momento pode eclodir um problema seriíssimo, de algum confronto na rua, situações de desordem, de contestação e de limitação de direitos daqueles que discordam do bolsonarismo.

E quais as formas de evitar uma piora ainda mais grave desse cenário?

Primeiro, os governadores precisam chamar para si a responsabilidade das polícias. A decisão do do governador João Doria foi correta e rápida, porque não esperou, não contemporizou com a situação. É importante que a gente sempre diga que o coronel Lacerda não foi demitido, ele foi afastado do comando. O comando é uma função política e, portanto, é uma função que cabe ao que pertence ao Comando-Geral, ao secretário de Segurança, ao governador. Se há um rompimento da confiança, ele pode substituir o comando. Então, o coronel Lacerda não foi demitido, que para acontecer isso é preciso um processo administrativo, direito de defesa e assim por diante.

Agora, ele perdeu o comando porque a mensagem política é: o comando é uma função fundamental, que não pode estar influenciada por variáveis político-partidárias. Tem de ter isenção e capacidade de fazer valer o que tá previsto na legislação, na Constituição. Então, você tem todo o direito de se manifestar, mas o fato de ser policial te coloca exigências, porque você representa o Estado, não só a si próprio.

E na condição de policial, você está regrado de uma forma que outro cidadão não está. Se quiser ir pra reserva, se aposentar e participar da vida política, tudo bem. Agora, na ativa não dá pra aceitar como algo normal, como algo aceitável, que você [policial] manifeste. Então, os governadores vão ter que deixar muito claro, como fez o Camilo Santana [PT] no Ceará no ano passado, no motim, quando falou que anistia era inegociável. Os governadores podem e devem estabelecer limites fortes, para não serem transpostos. E, se forem, os governadores precisam agir.

Segundo, os governadores precisam fazer medidas que estão sobre sua alçada, que não dependem do Congresso, para melhorar as carreiras policiais, melhorar as condições de vida dos policiais. É preciso tirar o discurso de que só o Bolsonaro é o protetor, o guerreiro, o salvador desses profissionais. Até porque não é salvador. Tanto que, na prática, nenhuma ação do Ministério da Justiça e Segurança Pública inovou em relação ao que já era feito antes. Então, o Bolsonaro não fez nada de substantivamente diferente de qualquer outra gestão. Os governadores podem, então, buscar esse processo de mitigação de riscos. Porque, se a gente deixar só na mão do Bolsonaro, ele vai colocar os policiais contra a população, contra os políticos e contra o Judiciário.

E como lidar com essas punições quando os punidos acabam sendo tratados como vítimas do sistema opressor por setores da militância bolsonarista?

É necessário punir. Transgrediu a norma, tem que ser punido. Agora, a punição tem que ser sempre muito justa naquilo que é possível. Ou seja, os governadores não podem exagerar, para não transformar em mártir. É um risco, claro. Provavelmente aqueles com maior visibilidade se transformarão em candidatos, e a gente não pode excluir a possibilidade de quem está fazendo isso ter essa questão em mente, de ser candidato.

Mas a gente não pode aceitar que a democracia seja ameaçada em nome de projetos político-partidários. A gente precisa explicitar isso e agir dentro da legalidade, agir para salvaguardar a Justiça, as instituições. Elas estão funcionando? Eu acho que não, mas para fazer funcionar é preciso colocar limite: ‘Daqui não passa, aqui é lei, não pode e quem faz é punido’. Ficar contemporizando, ficar ajustando, não punir, vai gerar situações como a que a gente vive atualmente. E o episódio do Pazuello, novamente, é o maior exemplo disso. Se você não pune, você incentiva.



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O que pode acontecer se os policiais continuarem se sentindo à vontade para agir politicamente?

É importante que a gente avance no monitoramento dessas ameaças. Acho que a radicalização chegou num nível em que qualquer ato isolado, individual, pode ser visto um ato calculado. Não só da oposição, mas do próprio grupo de apoiadores, querendo gerar um momento de ruptura. A desordem interessa ao grupo de apoiadores do Bolsonaro, porque permitiria a decretação de uma GLO [operação militar de Garantia da Lei e da Ordem] nacional, ou em São Paulo, ou no Distrito Federal. E a decretação de um estado de sítio, que foi ameaçada várias vezes pelo Bolsonaro. Ou seja, quebra-quebra nesse momento é o que a gente mais tem que evitar, porque é assim que o Bolsonaro vai querer formalizar a retirada de direitos. Em um estado de sítio, ele teria um controle sobre as polícias que hoje ainda não tem, pelo menos formalmente. Ele tem só em termos de hegemonia política.

Se no dia 7 de Setembro tivermos confrontos em vários estados, o estado de sítio é uma possibilidade. Se os confrontos ficarem circunscritos a Rio, São Paulo e Distrito Federal, provavelmente a solução vai ser uma GLO nacional, com as Forças Armadas diretamente envolvidas no sufocamento do espaço cívico, no fechamento do regime. Todos as opções são horríveis. A desordem interessa ao golpe. A gente precisa ficar esperto em relação ao golpe.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/o-caos-interessa-a-bolsonaro-para-decretar-estado-de-sitio-diz-presidente-do-forum-de-seguranca

*Título do texto original modificado para publicação no portal da FAP


Governadores são fiadores da democracia e das políticas públicas contra Bolsonaro

Fernando Abrucio e Luiz Fernando Nogueira / O Estado de S. Paulo

Após quase quarenta anos da épica campanha das Diretas Já, os governadores se unem novamente para defender a democracia. Enquanto a mobilização de 1984, que uniu políticos de diversas matizes e inúmeros atores sociais, tinha como bandeira o retorno da democracia, o IX Fórum dos Governadores, realizado nesta segunda, visa afiançá-la. O federalismo, tal como o Congresso Nacional e a Suprema Corte, também pode ser visto como uma instituição que pode garantir salvaguardas democráticas.

A criação de freios ao autoritarismo do presidente Bolsonaro tem se tornado cada vez mais importante. Desde o início do mandato, ele demonstrava que seu maior inimigo era a ordem política estabelecida pela Constituição de 1988, seja no campo das políticas públicas, seja por conta de suas estruturas democráticas. Com a eclosão da pandemia, esse ímpeto tornou-se mais forte, e naquela época os governadores de boa parte dos Estados foram fundamentais para evitar que o país mergulhasse numa combinação de negacionismo com ditadura do Governo Federal. Vive-se agora no pior momento do bolsonarismo, com a queda da popularidade presidencial e a instauração de uma crise de múltiplas dimensões – econômica, política e social. Novamente, será necessário ter os líderes do governo estadual como parceiros do STF e, por enquanto, do Senado para segurar a boiada autoritária.

Esta movimentação das lideranças estaduais, que assume um caráter institucional, não significa apenas uma reação às ações autoritárias do presidente Bolsonaro. Ela é também uma reação contra o ataque bolsonarista ao desenho do sistema federativo brasileiro. É uma defesa de um modelo de federalismo cooperativo, previsto e desenhado pela Constituição de 1988 e que foi construído de maneira incremental nos trinta anos seguintes, embora com estruturas e resultados desiguais entre os setores de políticas públicas.

O modelo bolsonarista de federalismo tornou-se inimigo de sistemas de políticas públicas como SUS na Saúde, o SUAS na Assistência Social, o Sisnama no Meio Ambiente e toda a estrutura de cooperação e coordenação federativa que foi criada na Educação. No lugar desses modelos cooperativos e pactuados de relacionamento intergovernamental, o Governo Bolsonaro tem optado por um projeto baseado no conflito com os outros entes federativos, na criação de programas federais que não dialogam com Estados e municípios, na redução do papel da União de reduzir a desigualdade territorial do país e no ataque à própria governança dos governos estaduais, como ocorre no incentivo a motins das Polícias Militares.

Esse projeto federativo ganhou vigor com a pandemia. O resultado foi a falta de cooperação entre os níveis de governo e de coordenação nacional das políticas públicas. O SUS perdeu parte de sua efetividade, a política educacional ficou sem nenhum norte em meio ao fechamento das escolas, os órgãos ambientais foram enfraquecidos e a política de Assistência Social transformou-se numa distribuição sem planejamento e articulação institucional de dinheiro aos mais pobres e aos órfãos da crise. No fundo, ao enfraquecer o federalismo, Bolsonaro gerou um enorme processo de desinstitucionalização de setores e programas governamentais arduamente construídos por vários governos de partidos diferentes.

Neste contexto, prefeitos e governadores optaram por fortalecer as formas de articulação e cooperação intergovernamental, criando estruturas ou consolidando as já existentes. No campo estadual, encaixa-se neste modelo o Consórcio Nordeste, que reuniu esforços conjuntos para uma atuação mais homogênea por parte dos estados da região. Também entra aqui o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que passou a produzir orientações técnicas para os estados atuarem no enfrentamento da Covid-19. O mesmo poderia ser dito sobre Conselho Nacional dos Secretários Estaduais de Educação (Consed), fundamental para o debate e disseminação de soluções no campo educacional.

Vale notar que os Estados não só fortaleceram a cooperação entre si, como ainda assumiram maior protagonismo nas políticas públicas. Esse fenômeno aparece tanto na execução de políticas públicas, quanto na ampliação de sua capacidade de coordenar os municípios de sua jurisdição. Alguns Estados, como Ceará, Espírito Santo e São Paulo, já dispunham de expertise de coordenação em diversas áreas de políticas públicas – como é o caso da Educação e da própria Saúde –, o que pode ter favorecido sua atuação. Noutros, houve grandes inovações, com excelentes resultados, como na experiência do Maranhão. Mas em muitos lugares o aprendizado foi mais tortuoso. De todo modo, os governos estaduais, por necessidade, tornaram-se mais importantes, sendo que em pelo menos 15 deles há hoje políticas sociais, de transferência de renda e ajuda à população mais pobre, que já competem com programas federais como o Bolsa Família, mesmo que ele seja turbinado. Isso já terá efeitos nas eleições.

A mobilização recente dos governadores, portanto, é uma defesa não só da democracia, como também da qualidade das políticas públicas. O cenário atual preocupa, porém, pois o Governo Bolsonaro procura dividir os governos de Estado, dando apoio mais específico e clientelista a alguns deles, além de buscar destruir a governança democrática estadual, seja incentivando grupos bolsonaristas radicais a jogar contra as governadorias nas Assembleias, seja incitando as Políciais Militares contra as instituições democráticas.

Sair dessa encruzilhada federativa legada por Bolsonaro não será fácil, uma vez que a aposta do presidente é pelo confronto com as instituições democráticas como forma de manter-se no poder, o que pode ocorrer com a realização de uma eleição marcada pelo medo e terror, ou, ainda, por algum tipo de golpe. Os governadores precisam se unir contra isso, porque sem democracia não haverá mais a sua função a zelar, como bem sabem as lideranças regionais do pré-1964. Mais do que isso, se as lideranças dos governos estaduais forem bem-sucedidos em reverter o federalismo bolsonarista, a tarefa de reconstrução das políticas públicas poderá aproveitar tanto as lições positivas do federalismo cooperativo em que União tinha um papel-chave, como, ainda, incorporar as inovações de cooperação intergovernamental e de coordenação estadual que foram criadas para enfrentar um presidente que jogou contra a democracia e a Federação ao mesmo tempo.

Fernando Luiz Abrucio, Doutor em Ciência Política pela USP, Professor da FGV – EAESP e Coordenador da área de Educação do Centro de Estudos de Administração Pública e Governo (Ceapg)

André Luis Nogueira da Silva, Doutor em Administração Pública e Governo pela FGV – EAESP. Servidor público e Pesquisador-colaborador do Centro de Estudos em Administração Pública e Governo (Ceapg) e do Departamento de Políticas Públicas da UFRN

Fonte: Blog Gestão, Política e Sociedade / O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/gestao-politica-e-sociedade/governadores-sao-fiadores-da-democracia-e-das-politicas-publicas-contra-bolsonaro/


Política Democrática online: senadora participa de live sobre CPI da Covid

Evento será realizado nesta terça-feira (24) a partir das 19h. Mudança de data ocorreu em função de compromissos da agenda da senadora Eliziane Gama

Cleomar Almeida, da equipe da FAP

Internautas poderão assistir a bate-papo virtual com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), entrevistada da revista Política Democrática online de agosto (34ª edição), crítica ao governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e que tem se destacado na comissão parlamentar de inquérito (CPI) da Covid-19. O evento foi remarcado para esta terça-feira (24/8), com transmissão a partir das 19h pelo perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília, além do perfil do Youtube da fundação. A mudança de data ocorreu em função de compromissos da agenda da senadora.



O diretor da revista mensal, embaixador aposentado André Amado, e o diretor-geral da FAP, o sociólogo e consultor do Senado Caetano Araújo, também confirmaram participação no bate-papo virtual. O evento será uma oportunidade para discutir desdobramentos da investigação no Senado. A publicação é produzida e editada pela FAP, que disponibiliza todo o conteúdo, gratuitamente, na versão flip, em seu portal.

Clique, aqui, e confira a Política Democrática online de agosto (34ª edição)



Na avaliação do diretor da revista, a entrevista com a senadora contribuiu para reforçar a proposta da publicação, que é estimular o debate sobre os principais temas de interesse para a sociedade brasileira. Segundo ele, a entrevista possibilita ao público, de uma só vez, três aspectos relevantes da conjuntura nacional.

De início, de acordo com o diretor, valeu para revelar o esforço dos senadores de reunir elementos objetivos de avaliação da conduta dos entes públicos no combate à Covid-19, que já enlutou mais de 560 mil famílias por todo o Brasil.


PARTICIPAÇÃO FEMININA NO CONGRESSO




“Avançou, também, análises sobre procedimentos suspeitos de gerência de recursos do Estado, em uma campanha, cuja prioridade – salvar vidas – não se poderia comprometer com ganâncias individuais. E coroou com a ilustração do desempenho dedicado e ilustre de uma mulher nas altas tarefas de uma comissão parlamentar”, ressaltou Amado.

A entrevista, segundo o diretor, viabilizou, ainda, a proposta antiga de dar continuidade, em outros meios de comunicação da Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ao teor das conversas transcritas na revista.



“O texto da entrevista servirá de base para a exploração de muitos outros temas que a presença, a trajetória política e o sentido de missão da senadora haverão de suscitar, para que possamos melhor compreender, pelo menos em parte, o momento político nacional, hoje tão afetado por imensa turbulência e preocupantes enfrentamentos”, destacou o embaixador aposentado.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

Na edição de agosto, além da entrevista com a senadora, os internautas podem conferir reportagem sobre o escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

Revista Política Democrática online | Live com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)
Data: 24/8/2021
Transmissão: a partir das 19h
Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e portal da Fundação Astrojildo Pereira, além do Youtube da FAP.

Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento

‘Bolsonaro está focado em fraudes eleitorais inexistentes’, diz pesquisador

Escândalo das vacinas mostra país fragilizado, diz reportagem da FAP

Política Democrática online: popularidade do governo segue declinante

‘Bolsonaro não vai conseguir reeleição”, diz Eliziane Gama

Clique aqui e veja todas as edições da revista Política Democrática online!


WWF-Brasil: Indígenas protestam em Brasília

“Acampamento Luta pela Vida” mobiliza povos originários de diversas partes do país, que voltam à capital federal para fazer valer a Constituição

Cristina Ávila, especial para o WWF Brasil

Povos originários de diversas partes do país ocupam novamente Brasília. Desta vez, no “Acampamento Luta pela Vida”, que ocorre entre 22 e 28 de agosto. “A expectativa está grande. Até agora, a confirmação para essa mobilização está próxima de 4.700 indígenas”, afirma Kretã Kaingang, um dos coordenadores regionais da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). 

Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) marcou para quarta-feira (25) o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365, que trata de demarcações de terras e teve repercussão geral reconhecida pela Corte. Sendo assim, o que ficar decidido agora influenciará as próximas decisões judiciais sobre o tema. 

Nesse recurso está embutido o marco temporal, argumento defendido por ruralistas, segundo o qual somente teriam direito a terras os povos que as ocupavam ou disputavam antes de 5 de outubro de 1.988, data da promulgação da Constituição Federal. 

Mas, no capítulo VIII, a Constituição garante aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças, tradições e o usufruto das terras que tradicionalmente ocupam. Por esse motivo, as organizações indígenas ressaltam que o marco temporal, como querem os ruralistas, é inconstitucional. 



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“O Supremo tem empurrado a decisão sobre o marco temporal e nos deixado inseguros sobre a demarcação de nossas terras”, reclama Kretã Kaingang. O julgamento do RE 1.017.365 chegou a ser iniciado no dia 11 de junho, mas foi suspenso. “Todos os processos fundiários de terras indígenas no Brasil estão paralisados desde 2019”, acrescenta o coordenador regional da Apib, pontuando que as exceções nesse período foram resultado de ordens judiciais. 

Se forem confirmadas as expectativas de Kretã Kaingang, o movimento de agosto será maior do que o “Levante pela Terra”, realizado de 8 a 28 de junho, quando cerca de 3.500 indígenas passaram por Brasília, conforme estimativas da Apib. Naquela ocasião, os indígenas foram rechaçados por bombas de efeito moral e gás de pimenta, na sede da Funai, e na Câmara dos Deputados. Pelo menos cinco indígenas e policiais ficaram feridos. 

“Estamos em um momento bastante difícil. Enfrentamos o Projeto de Lei 490/07, que passou na Comissão de Constituição e Justiça em junho e agora está no Senado, além do PL 191/2020, que permite mineração em terras indígenas, e do PL da Grilagem”, destaca Kretã Kaingang. 

O PL 490/07 transfere a demarcação de territórios do Executivo para o Legislativo. Já o PL 191/2020 regulamenta a mineração em terras indígenas. O PL da Grilagem é o PL 2633/2020, criticado por enfraquecer controles sobre a ocupação de terras públicas, abrindo caminho para anistiar grileiros e criminosos ambientais, que invadem territórios tradicionais. Enquanto isso, avançam as contaminações por mercúrio, assassinatos de indígenas e queimadas e o desmatamento bate recordes sucessivos. 

Se os projetos forem aprovados na Câmara e Senado, os indígenas deverão ingressar com ações de inconstitucionalidade no STF, pois serão violadas cláusulas pétreas da Constituição. Mudanças nesse sentido só seriam possíveis caso fosse promulgada uma nova Constituição.

Fonte: WWF-Brasil
https://www.wwf.org.br/informacoes/noticias_meio_ambiente_e_natureza/?79588/Indigenas-protestam-em-Brasilia


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro, agora, politiza o fracasso

A maioria dos ministros se queixa do foco errado. O Palácio do Planalto é uma ‘jaula de cristal’, na qual o presidente da República constrói um mundo só dele

Aos 32 meses de mandato, o presidente Jair Bolsonaro se depara com um cenário mórbido e nebuloso: a “gripezinha” matou 575 mil pessoas, o país tem 14 milhões de desempregados e a inflação pode chegar a 9%, se não houver uma mudança de rumo. Deficit fiscal, insegurança jurídica e instabilidade política formam o tripé que afugenta os investidores. A janela de oportunidade da retomada da economia global está sendo perdida.

Os verdadeiros problemas do país são de natureza objetiva e exigem soluções criativas, exequíveis e amparadas por amplo consenso nacional. Em circunstancias normais, diante da gravidade da pandemia e de suas sequelas, principalmente a iniquidade social, o presidente da República, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF) convergiriam suas decisões na direção dessas soluções. Mas não é o que acontece. Estamos na antessala de uma grave crise institucional, fabricada por Bolsonaro.

Seu problema não é falta de governabilidade — conta com o apoio do Centrão no Congresso. É a governança, “a maneira pela qual o poder é exercido na administração dos recursos sociais e econômicos de um país, visando o desenvolvimento, e a capacidade dos governos de planejar, formular e programar políticas e cumprir funções”, segundo o Banco Mundial. São características da boa governança: Estado de direito, transparência, responsabilidade, orientação por consenso, igualdade e inclusividade, efetividade e eficiência e prestação de contas. Essa não é a praia de Bolsonaro.

A agenda do país é discutida em milhares de lives, pelos mais diversos públicos, que buscam saídas para a situação em que nos encontramos de olho no futuro. O presidente ignora tudo isso, empenhado em levar adiante um programa ideológico, que só empolga os setores mais reacionários da sociedade. Mesmo os conservadores, que o apoiaram na eleição e participam do governo, têm uma agenda liberal voltada para os problemas reais, ainda que ignorem as questões sociais. Bolsonaro está governando apenas para seus seguidores fanatizados. A maioria dos ministros já se deu conta disso e se queixa do foco equivocado. O Palácio do Planalto é uma “jaula de cristal”, na qual Bolsonaro constrói um mundo só dele.

As atenções do país estão voltadas para as manifestações convocadas para o dia 7 de setembro, que são apoiadas por Bolsonaro. Não haverá desfiles militares por causa da pandemia, porém estão previstas concentrações de defensores da intervenção militar em muitas cidades. Até a semana passada, pretendiam parar o país, cercar Brasília, invadir e fechar o Supremo Tribunal Federal (STF). Como era de se esperar, os mais ousados, como o presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o cantor Sérgio Reis, já sofreram as consequências desse projeto sedicioso. Mas Bolsonaro, em solidariedade a eles, pediu o impeachment do ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news, que investiga a atuação de grupos extremistas, e escalou mais um degrau no seu confronto com o Supremo.

Ontem, 23 governadores e dois vices se reuniram em Brasília para discutir a situação e construir uma barreira de contenção à escalada da radicalização golpista. Querem um encontro com Bolsonaro para discutir a relação republicana entre os entes federados. Coincidentemente, o governador de São Paulo, João Doria, demitiu o coronel da Polícia Militar que comandava a corporação no interior paulista porque atuava nas redes sociais convocando para os atos de 7 de setembro e pedindo o fechamento do Supremo. Os governadores firmaram uma espécie de pacto para impedir motins nas polícias militares. O caldo de cultura para isso existe, foi fomentado pelo presidente.

Ciclo fechado
Enquanto segue o baile da política, a economia se deteriora a olhos vistos. O cenário é de menos crescimento e mais inflação. Os juros de longo prazo superam 10% ao ano, segundo as taxas dos contratos futuros com vencimento em janeiro de 2031. As apostas para o crescimento em 2022 caminham para a casa de 1,5%, uma taxa incapaz de gerar um volume expressivo de empregos. Para 2021, ainda prevalecem estimativas na casa dos 5% ou um pouco mais. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) pode fechar 2021 em 7,5%, muito acima da meta de 3,75% deste ano.

As reformas tributária e administrativa subiram no telhado. O que não passou até agora, provavelmente não mais passará. O Congresso não quer saber de remédios amargos. Bolsonaro também é negacionista na política monetária. O cobertor é curto, a política econômica deriva para o naufrágio. A alternativa que restou foi politizar o fracasso e pôr a culpa nos outros. Como não pode responsabilizar a oposição, culpa as instituições da República, principalmente o Supremo. É a velha cantilena de que a democracia não funciona.

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