Day: agosto 17, 2021

Rejeição ao governo Bolsonaro chega a 54%, diz pesquisa XP/Ipespe

Entrevistados que avaliam a gestão bolsonarista como "boa" ou "ótima" somam 23%, dois pontos percentuais a menos que na pesquisa de julho

Talita Laurino / Metrópoles

XP Investimentos divulgou, nesta terça-feira (17/8), a avaliação do governo Bolsonaro. De acordo com o levantamento, 54% dos eleitores dizem considerar a gestão bolsonarista “ruim” ou “péssima”, contra 52% em julho. A taxa de rejeição ao governo está em alta desde outubro de 2020, quando 31% avaliavam negativamente a administração federal.

Por outro lado, entrevistados que veem o governo como “bom” ou “ótimo” somam 23%, dois pontos percentuais a menos que na pesquisa de julho. Os números são os piores desde o início da série. A insatisfação ocorre junto à piora na percepção da direção da economia. O grupo dos que avaliam que a gestão federal está no caminho errado cresceu 4 pontos percentuais e chegou a 63%.

A visão contrasta com outros indicadores sobre a situação econômica. A percepção sobre as chances de manutenção de emprego, por exemplo, segue em tendência de alta desde maio. O grupo que vê possibilidade grande ou muito grande de continuar empregado atingiu 56%.

Foram realizadas mil entrevistas, em todo o país, de 11 a 14 de agosto. A margem de erro é de 3,2 pontos percentuais, para mais ou para menos. A pesquisa registrou também estabilidade sobre o sentimento da população em relação à pandemia: o grupo dos que dizem estar com muito medo do surto de Covid-19 oscilou de 38% para 39%.

A soma das pessoas que já se vacinaram com as que dizem que receberão o imunizante com certeza atingiu seu maior patamar, chegando a 96%.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/rejeicao-ao-governo-bolsonaro-chega-a-54-diz-pesquisa-xp-ipespe


Felipe Salto: A PEC dos Precatórios é o verdadeiro meteoro

Chance de restaurar a responsabilidade fiscal em curto prazo foi para o espaço

Felipe Salto / O Estado de S. Paulo

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 23, de autoria do governo federal, propõe o calote dos precatórios. Sem a manobra, o governo argumenta que o teto de gastos seria rompido. Na verdade, a PEC é o verdadeiro “meteoro” a explodir o teto e, com ele, a credibilidade que ainda restasse da política fiscal.

Em março de 2021, a PEC Emergencial prometeu “resolver” a suposta impossibilidade de acionar os gatilhos do teto. Essa trava constitucional foi fixada em 2016 para limitar a evolução da despesa pública primária (sem contar os juros da dívida) à inflação. Ao ser rompida, medidas automáticas de ajuste fiscal seriam acionadas (gatilhos).

Em 2019, dado o iminente estouro do teto, o governo propôs a PEC Emergencial. Sob uma interpretação apressada – e errada –, determinou que o mecanismo de acionamento dos gatilhos da regra do teto original era inviável. Contudo, uma vez aplicado, teria barrado aumentos de despesas acima da inflação, a exemplo do reajuste salarial dos militares.

A PEC Emergencial propôs uma nova regra para acionar os gatilhos: quando a despesa obrigatória primária superasse 95% da primária total, ambas sujeitas ao teto. A PEC não avançou, a pandemia chegou e por meio de outra PEC – a do Orçamento de Guerra – afastou-se, temporariamente, a necessidade de observar as regras fiscais.

Imbuído do propósito de solucionar o paradoxo dos gatilhos, chamemos assim, o Ministério da Economia ressuscitou a PEC Emergencial no fim do ano passado. O governo colocou na antiga proposta a previsão de pagamentos adicionais do Auxílio Emergencial. Este poderia ter sido financiado por meio de créditos extraordinários – sem necessidade de PEC, registre-se. Uma barganha, trocando-se o auxílio pela “reforma do teto”. Cruel, mas não surpreendente.

Muito barulho por nada. A “regra dos 95%” é matematicamente incompatível com o teto. Para que o gasto obrigatório superasse 95% do total, o discricionário teria de ficar abaixo de 5%. Isto é, um volume tão pequeno que os serviços públicos essenciais bateriam pino, conforme cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI). Ainda, o pagamento integral dos precatórios não levaria ao alcance dos 95% em 2022.

Assim, a regra do teto perdeu o condão de acionar os gatilhos e o novo mecanismo aprovado é impraticável. Isso nos traz à análise da PEC dos Precatórios. Para 2022 a IFI calcula que, se a inflação do fim de 2021 ficar igual à que corrigirá o teto (de junho de 2021), haverá uma folga de R$ 15 bilhões. O governo achou pouco e resolveu alterar novamente a regra. É a conhecida linha das pedaladas, mas agora constitucionalizadas: se a regra não ajuda nos objetivos de curto prazo, mude-se a regra.

A desculpa é um suposto “meteoro”. Os precatórios previstos para o ano que vem, de repente, teriam saltado de cerca de R$ 57 bilhões para R$ 89,1 bilhões. A verdade é que faltou gestão de riscos. A AGU defendeu a União nos processos e prestou informações ao Ministério da Economia. Por que os dados foram minimizados, se constavam até em documentos públicos oficiais, a exemplo do anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias?

A solução da PEC 23 é pagar à vista os precatórios de pequeno valor, somada a uma fatia dos demais, limitada a 2,6% da receita corrente líquida. O restante será parcelado em nove anos e corrigido pela Selic. A manobra é idêntica à realizada nos tempos da contabilidade criativa, de 2008 a 2014. Lá, o alvo foi a meta de resultado primário (receitas menos despesas). Agora, o teto. Algo como R$ 40 bilhões em precatórios serão pagos no ano que vem. Os outros R$ 50 bilhões, parcelados. O valor mais baixo abrirá espaço no teto para despesas extras em ano eleitoral.

O gasto social é necessário num contexto de miséria crescente e desemprego elevado. Mas não por meio da implosão do Bolsa Família, substituído pelo chamado Auxílio Brasil, como quer a Medida Provisória n.º 1.061. O aumento do Bolsa Família deveria ser financiado com corte de despesas ineficientes. Não foi o atual ministro que prometeu tirar o Estado do cangote do cidadão?

Mudar o teto é mais fácil. A PEC dos Precatórios propõe que as despesas parceladas sejam pagas por meio de fundo paralelo ao Orçamento e fora do teto. É o bonde do fura-regra. Na prática, o teto de gastos já foi rompido. A IFI alertou, ao longo dos últimos anos, sobre esse risco, monitorando-o com transparência.

O malabarismo contábil era evitável. Bastaria uma sistemática transparente para os gatilhos, associada à gestão não imediatista do gasto, à harmonização do arcabouço fiscal e ao compromisso político permanente.

A PEC dos Precatórios é o verdadeiro meteoro a dinamitar o teto. Qualquer possibilidade de restaurar a responsabilidade fiscal no País em curto prazo foi para o espaço. Os juros exigidos pelo mercado nos títulos públicos já estão aumentando, a inflação resiste à alta da taxa Selic e a dívida vai crescer.

*Diretor executivo e responsável pela implantação da IFI.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,a-pec-dos-precatorios-e-o-verdadeiro-meteoro,70003812645


Polícia Civil do DF abre inquérito contra Sergio Reis após áudio

PCDF irá investigar suposta associação voltada a cometimento de crime em manifestações previstas para setembro. Em áudio, cantor e ex-deputado disse que no dia 8 de setembro daria prazo para que Senado retirasse ministros do STF, e que se isso não acontecesse, país iria parar

Sarah Teófilo / Correio Braziliense

A Polícia Civil do Distrito Federal abriu inquérito para apurar suposta associação para cometimento de crimes em manifestações previstas para setembro. A apuração, que está com o Departamento de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado (Decor), teve início após a circulação de vídeos e de áudios de pessoas, dentre eles o cantor e ex-deputado federal Sergio Reis, manifestando-se no sentido de cometer os crimes de ameaça, dano e atentado contra a segurança de meio de transporte.

No último fim de semana, o cantor divulgou vídeo afirmando que caminhoneiros e agricultores estavam organizando um movimento "para salvar o país", entre os dias 4 e 6 de setembro, mas não no dia 7, para não atrapalhar o desfile tradicional do presidente na data, em Brasília. "Depois ficamos acampados. (...). Eles vão se assustar com o movimento, mas a gente é da paz. Estamos nos preparando judicialmente para fazer uma coisa séria, para que o Exército tome uma posição, o governo tome uma posição", afirmou.

Depois, um áudio do cantor passou a circular. Nele, o cantor fala de forma mais clara sobre o motivo do movimento, com ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Senado. No áudio, ele comenta ter participado de um almoço com o presidente Jair Bolsonaro, ministros de Estado e os comandantes das Forças Armadas. "São pessoas importantes que não tinham ideia do que estava sendo preparado pelos caminhoneiros", disse.

Sérgio Reis afirmou que estava se organizando para ir ao Senado no dia 8 de setembro, se encontrar com o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), para entregar uma "intimação" junto com dois líderes dos caminhoneiros e dois líderes do sindicato da soja. "Vão receber um documento com 72 horas para aprovar o voto impresso e para tirar todos os ministros do STF. Não é um pedido, é uma ordem. É assim que vou falar com o presidente do Senado", disse.

O cantor ainda pontuou que se não for cumprida a "intimação", darão mais 72 horas, mas que nesse período irão parar o país. No áudio, Reis diz que nada andará pelas estradas, nem carros, nem ônibus, apenas ambulâncias e polícias. "E se em 30 dias eles não tirarem aqueles caras (referindo-se aos ministros do STF), nós vamos invadir, quebrar tudo e tirar os caras na marra", afirmou.

Fonte: Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4944174-policia-civil-do-df-abre-inquerito-contra-sergio-reis-apos-audio.html


Auditor do TCU assume autoria de documento usado por Bolsonaro

Tribunal contestou afirmações do presidente; auditor e família são amigos de Bolsonaro e seus filhos

Cássia Miranda e Daniel Weterman, O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O auditor do Tribunal de Contas da União (TCU) Alexandre Marques afirmou, em depoimento nesta terça-feira, 17, à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, que o documento que apontava uma suposta supernotificação de mortes por coronavírus no Brasil foi apenas um material interno que não teve validade oficial na corte de contas.

O documento foi usado pelo presidente Jair Bolsonaro no início de junho para questionar o número de óbitos pelo novo coronavírus no País e foi desmentido em seguida pelo próprio tribunal. Aos senadores, o auditor confirmou a autoria do conteúdo e afirmou que foi seu pai, Ricardo Silva Marques, quem encaminhou o suposto levantamento ao presidente da República.

O pai de Alexandre é o coronel da reserva do Exército Ricardo Silva Marques, foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) e ocupa um cargo de gerente da Petrobras. "Em nenhum momento passou pela minha cabeça que ele compartilharia o arquivo com quem quer que fosse", disse o auditor na CPI. 

Assista o depoimento:



Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-da-covid-ouve-auditor-do-tcu-responsavel-por-relatorio-paralelo-usado-por-bolsonaro,70003813204


Luiz Carlos Azedo: Novos amigos de Cabul

As cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem no aeroporto de Cabul são piores do que as da retirada dos funcionários da Embaixada dos Estados Unidos em Saigon

Alexander Burnes, agente da Companhia Britânica das Índias, em 1838, recebeu de Lord Auckland, o governador-geral de Calcutá, a missão de negociar com Dost Mohammed, o Emir do Afeganistão, um pacto com o Império Britânico. Ao chegar em Cabul, lá estava o Conde Vitkevitch, representante da Rússia. Era o “Grande Jogo” da Ásia, no qual a Rainha Vitória disputava com o Czar Nicolau I o controle da Eurásia. O pedregoso território afegão, entre o Cáucaso e a Índia, separando o Irã da Turcomênia, era estratégico para as duas potências. No ano seguinte, 16,5 mil ingleses, indianos e dissidentes afegãos da Army of the Hindus tomaram Cabul. Dost Mohammed rendeu-se em novembro de 1840 e foi encarcerado na Índia.

Burnes transformou sua residência oficial num harém, enquanto os demais invasores profanavam os lares afegãos. Em 1841, os humilhados afegãos se revoltaram, invadiram a casa de Burnes e o esquartejaram. Veterano das Guerras Napoleônicas, o general Elphinston negociou com Akbar, o filho de Dost Mohammed, em 2 de janeiro de 1842, a retirada das tropas britânicas, que estavam sitiadas. Ao atravessarem o passo de Khoord-Cabool, a montanha desabou: pedras em avalanches, tiros de jezails (o fuzil de cano longo afegão), flechas e lanças dizimaram as tropas britânicas. Somente restou vivo o Dr. Brydon, o médico, que escapou a cavalo dos altos do Hindu Kush.

Na Terceira Guerra Anglo-Afegã, em 1919, num acordo com os ingleses, o Afeganistão tornou-se um Estado-tampão na fronteira da Índia. A partir de 1926, uma monarquia sobreviveu até 1973, quando o rei Zair foi derrubado pelos republicanos. Em 1978, com apoio de tropas soviéticas, um golpe de Estado implantou um regime socialista, sob forte resistência dos rebeldes mujahedins, armados e financiados pelos EUA. Em 27 de setembro de 1996, as forças talibãs, constituídas de ex-estudantes fundamentalistas, derrubaram o presidente, capturaram Cabul e passaram a controlar grande parte do país, formando um governo de coalizão.

Mas houve o atentado da Al-Qaeda às Torres Gêmeas, os EUA invadiram o Afeganistão e retiraram os talibans do poder. Hamid Karzai foi escolhido presidente por George W. Bush. Nas eleições de 2004, a maioria dos 17 candidatos da oposição alegou fraude e não reconheceu o governo de Karzai, que incluía membros da Aliança do Norte, um grupo político formado pela majoritária etnia Pashtun. Em 2014, Asharaf Ghani foi eleito e empossado presidente do país no lugar do corrupto Karzai, mas seu destino já estava traçado. O governo Trump decidiria retirar as tropas norte-americanas do país. O novo presidente, Joe Biden, manteve a decisão e ordenou a saída até setembro, uma de suas promessas de campanha. Houve o desastre: o Talibã avançou rapidamente, as tropas governistas não resistiram e abandonaram Cabul. Ghani escafedeu-se.

Rota da Seda
A história se repete como tragédia. A Casa Branca nega comparações com a retirada do Vietnã, mas as cenas dos afegãos despencando do avião da USAF durante a decolagem, ontem, são piores do que as da dramática retirada dos funcionários da embaixada norte-americana em Saigon. Essa conta ficou para Biden. Entretanto, no “Grande Jogo” da Eurásia, não é a Rússia que leva vantagem. A China tem 80 quilômetros de fronteira com o Afeganistão e contratos bilionários, que já negocia com o Emirado Islâmico do Afeganistão. Com 38 milhões de pessoas, o país possui reservas de minérios avaliadas entre US$ 1 trilhão e US$ 3 trilhões, incluindo o segundo maior depósito inexplorado de cobre do mundo.

Em julho, o ministro de relações internacionais da China, Wan Yi, recebeu a comissão de assuntos externos do Talibã, liderada por Abdul Ghani Baradar, na cidade chinesa de Tianjim. O resultado parece ter sido positivo para a China. Além de cobre, o Afeganistão tem reservas de ferro estimadas em US$ 420 bilhões e US$ 81 bilhões de nióbio, cruciais para a indústria chinesa. Em troca, Pequim oferece a infraestrutura necessária para o Afeganistão entrar na Nova Rota da Seda, megaprojeto mundial de construção de portos, estradas e ferrovias ligando três continentes: Ásia, África e Europa, bancado pelo governo chinês. O problema será estabilizar o país e moderar o fundamentalismo islâmico talibã.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-novos-amigos-de-cabul

Após ameaças de Bolsonaro, Senado ‘segura’ indicação de Mendonça ao STF

O presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM), adiou o início da tramitação do nome do ex-advogado-geral da União para a vaga aberta na Corte

Daniel Weterman, O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - O Senado decidiu “segurar” a indicação do ex-ministro da Advocacia-Geral da União (AGU)André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF) diante das ameaças do presidente Jair Bolsonaro à Corte. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), havia planejado dar início à tramitação do nome de Mendonça ainda neste mês, mas adiou a decisão.

Bolsonaro elevou a temperatura da crise entre os Poderes no fim de semana, quando anunciou que pedirá ao Senado o impeachment dos ministros do Supremo Luis Roberto Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes. Alega, para tanto, que os dois magistrados “extrapolam” os limites da Constituição.

A pressão do presidente, porém, fez a cúpula do Senado reagir. Pacheco já avisou que não dará andamento a nenhum processo de impeachment contra magistrados do Supremo e líderes da Casa também descartaram essa possibilidade. Agora, porém, Pacheco também resolveu atrasar a tramitação da escolha de Mendonça, enviada ao Senado por Bolsonaro em 13 de julho. Mendonça é o segundo nome que ele indica para o Supremo. Em outubro do ano passado, ele conseguiu nomear o ministro Kassio Nunes Marques.

Em reação à ofensiva do presidente, que continua questionando a lisura das eleições de 2022 sem voto impresso, ataca o Judiciário e agora quer transferir o problema para o Senado, o senador decidiu se posicionar no jogo político. Pré-candidato ao Palácio do Planalto -- e com intenção de trocar o DEM pelo PSD --, Pacheco tem procurado marcar diferenças com o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que comanda o Centrão e é aliado de Bolsonaro.

“O diálogo entre os Poderes é fundamental e não podemos abrir mão dele, jamais. Fechar portas, derrubar pontes, exercer arbitrariamente suas próprias razões são um desserviço ao país”, escreveu o presidente do Senado no Twitter, em recado para Bolsonaro. “Portanto, é recomendável, nesse momento de crise, mais do que nunca, a busca de consensos e o respeito às diferenças. Patriotas são aqueles que unem o Brasil, e não os que querem dividi-lo. E os avanços democráticos conquistados têm a vigorosa vigilância do Congresso, que não permitirá retrocessos”.

Pacheco precisa ler no plenário a mensagem de Bolsonaro com a indicação de Mendonça para uma cadeira no Supremo. Somente após esse ato formal é que a votação poderá ser marcada. O senador resiste a ler a mensagem imediatamente, o que é visto nos bastidores como um recado contra os últimos movimentos de Bolsonaro.

O presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), Davi Alcolumbre (DEM-AP), também levantou obstáculos à escolha de Mendonça desde o início e não tem respondido nem a colegas sobre quando será a sabatina do ex-advogado-geral da União. A comissão é uma das únicas que ainda não se reuniu para votar projetos neste ano.

Para assumir uma cadeira no Supremo, Mendonça precisa passar por uma sabatina na CCJ e ter o nome aprovado por pelo menos 41 dos 81 senadores. Como mostrou o Estadão, ele ainda não possui os votos necessários. O alinhamento com Bolsonaro e o perfil “terrivelmente evangélico”, citado pelo próprio presidente, aumentam as resistências no Senado. Mendonça é o segundo nome indicado por Bolsonaro para o Supremo. Em outubro do ano passado, ele conseguiu nomear o ministro Kassio Nunes Marques.

O quadro não está definido e governos costumam aprovar suas indicações. Mas as ameaças do presidente dirigidas ao Supremo e a pressão exercida por ele ao pedir apoio do  Senado para afastar Barroso e Moraes devem criar um caminho mais complicado para a tramitação da escolha de Mendonça.

“O presidente tem a visão dele. Ele considera que esses ministros estão passando dos limites em algumas decisões que têm sido tomadas, e uma das saídas dentro da nossa Constituição seria o impeachment. Acho difícil o Senado aceitar”, afirmou nesta segunda-feira, 16 o vice-presidente Hamilton Mourão.

A decisão de Bolsonaro de partir para o confronto contra ministros do Supremo foi tomada logo após ele ser informado que Barroso convidou o vice para uma reunião reservada em sua casa, no último dia 10, como revelou o Estadão. Aquele também foi o dia do desfile de blindados pela Praça dos Três Poderes e da derrubada da proposta do voto impresso pela Câmara, horas mais tarde.

Estadão apurou que Bolsonaro ficou muito irritado com o encontro entre Barroso e Mourão. Avaliou que o vice está fazendo “dobradinha” com o Supremo, participando de uma “conspiração” para derrubá-lo. 

O ministro chamou Mourão para uma conversa, porém, porque queria saber se as Forças Armadas embarcariam numa aventura golpista. O general assegurou que não havia risco de ruptura institucional no País.

Outro motivo do inconformismo de Bolsonaro com o STF foi a série de inquéritos contra ele e a prisão do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, determinada por Alexandre de Moraes. Aliado do presidente, Jefferson é acusado de participar de uma milícia digital para atacar as instituições e a democracia. Ainda na segunda-feira, o corregedor do TSE, Luis Felipe Salomão, determinou o bloqueio de verba de redes sociais para páginas bolsonaristas acusadas de disseminar fake news sobre eleições.

Na tentativa de diminuir as resistências, André Mendonça tem participado de encontros com senadores em busca de votos, fazendo o tradicional “beija-mão” no Senado. No último dia 3, o ex-advogado-geral da União se reuniu com senadores e outras autoridades na casa de Wellington Fagundes (PL-MT), em Brasília. O jantar contou com a presença do ministro do STF Gilmar Mendes e da titular da Secretaria de Governo, Flávia Arruda e de um integrante da oposição, o senador Jean Paul Prates (PT-RN). 

Para lembrar - Placar: apoio de 26 senadores

Levantamento feito pelo Estadão mostrou, em julho, que o apoio declarado à indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para uma vaga no Supremo Tribunal Federal era de 26 dos 81 senadores. Esse pode ser considerado o núcleo duro a favor da candidatura de Mendonça. O índice (32%) significa o apoio prévio de três em cada dez senadores. O segundo indicado ao STF pelo presidente Jair Bolsonaro tem de obter ao menos 41 votos para ser aprovado em votação secreta.

O placar mostrou ainda que 54 senadores se disseram indecisos (36) ou não responderam como devem votar (18). A reportagem apurou que, entre os que se disseram indecisos ou que não responderam, pelos menos três pretendem votar a favor de Mendonça e outros três estão dispostos a rejeitar a indicação. Um único parlamentar – Jorge Kajuru (Podemos-GO) – afirmou previamente que votará contra o advogado-geral. /COLABOROU WESLLEY GALZO


Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apos-ameacas-de-bolsonaro-senado-segura-indicacao-de-mendonca-ao-stf,70003812911


Brasil não tem 'poder moderador', diz Cármen sobre Forças Armadas

Ministra afirmou que as Forças Armadas têm um "papel importante" na história do país, mas disse que elas "não podem ser um poder à parte"

Rebeca Borges / Metrópoles

ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que a falta de harmonia entre os Três Poderes tem sido alvo de “xingamentos, afrontas e desatendimento”. A declaração foi dada em entrevista ao jornal O Globo, publicada nesta terça-feira (17/8).

“As Forças Armadas ajudam enormemente a Justiça Eleitoral na época das eleições de São Gabriel da Cachoeira a Santo Angelo no Rio Grande do Sul. Mas elas não são um Poder à parte, porque a Constituição disse quais são os poderes da República, no artigo segundo, o Legislativo, Executivo e Judiciário. Não temos quarto Poder hoje”, declarou a ministra.

Ao jornal, Cármen Lúcia afirmou que as Forças Armadas têm um “papel importante” na história do país, mas disse que elas “não podem ser um poder à parte”. A magistrada também pontuou que “não há poder moderador no estado brasileiro”.PUBLICIDADE

A afirmação é feita dias depois da realização de um desfile de tanques militares da Marinha na Esplanada dos Ministérios.

O ato ocorreu horas antes de a Câmara dos Deputados votar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabelecia a adoção do voto impresso. A PEC foi rejeitada na Casa, com 229 votos favoráveis, 218 contrários e uma abstenção.

Parlamentares criticaram o desfile de blindados e avaliaram o evento como uma forma de intimidação das Forças Armadas ao Congresso Nacional.

Sobre os ataques ao Poder Judiciário e aos ministros do STF, proferidos frequentemente nos últimos meses pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), Cármen Lúcia afirmou que os conflitos só podem ser resolvidos com “convivência harmoniosa”.

Ela pontuou que o ministro Luiz Fux, presidente do STF, tentou dialogar com o presidente, mas se afastou “quando não teve a resposta de diálogo que pretendeu”. “Uma sociedade não pode viver com essa audição permanente de xingamentos, de afrontas, de desatendimento à harmonia que é exigência constitucional. É difícil mas é imprescindível continuar insistindo para sempre.

PEC do Voto Impresso e ataques ao STF

Na última quinta-feira (10/8) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que estabeleceria a adoção do voto impresso foi derrubada na Câmara por 218 votos contrários, 229 favoráveis e 1 abstenção. Apesar de ter mais votos favoráveis do que contrários, a PEC precisava do apoio de, ao menos, 308 parlamentares para ser aprovada.

Grande defensor do modelo de impressão do voto, o presidente Jair Bolsonaro alega que já houve fraude no sistema eletrônico de votação. No entanto, instado pelo STF a apresentar provas, ele não conseguiu comprovar as irregularidades.

Isso fez com que o ministro Alexandre de Moraes incluísse o chefe do Executivo federal entre os investigados no inquérito que apura divulgação de notícias falsas e ataques ao STF. O processo corre em sigilo na Corte.

Além de alegar, sem provas, de que há fraudes no sistema eleitoral brasileiro, Bolsonaro realiza diversos ataques ao ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Na última semana, após a derrota da PEC na Câmara, o mandatário disparou críticas ao magistrado.

“Por que essa vontade enorme, esse trabalho enorme, do ministro Barroso, que é também o presidente do TSE, contrário ao voto impresso? Ele se reuniu com lideranças partidárias e, logo depois da reunião, essas lideranças, a maioria delas que eram favorável ao voto impresso, mudaram de lado. O que foi oferecido pra eles? O que aconteceu?”, questionou, em entrevista à rádio Jovem Pan.

Fonte: Metrópoles
https://www.metropoles.com/brasil/brasil-nao-tem-poder-moderador-diz-carmen-sobre-forcas-armadas


PGR joga a resistência democrática para o Supremo e a Câmara para o Senado

Apesar do ‘delay’, Rodrigo Pacheco deu um basta para as ameaças às eleições, defendeu STF, TSE e sistema eleitoral e abriu canais nas Forças Armadas

Eliane Cantanhêde / O Estado de S. Paulo

Com as relações institucionais, republicanas e federativas estressadas e esgarçadas, o Senado Federal entrou na linha de frente das tropas de paz, para evitar uma guerra, barrar extravagâncias da Câmara e reduzir danos das crises criadas e alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro. O foco de resistência democrática está tanto no Supremo quanto no Senado.

A cédula impressa foi derrubada no plenário Câmara, mas Bolsonaro mantém o discurso fake das fraudes nas urnas eletrônicas e ameaça pedir o impeachment dos ministros do Supremo Luís Roberto Barroso, também presidente do TSE, e Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos das fake news e dos ataques antidemocráticos – que atingem o Planalto e agora o próprio Bolsonaro. Mas ele que não conte com o Senado para a aventura.

Assim como o presidente da Câmara, Arthur Lira, tem a prerrogativa de acatar pedidos de impeachment contra o presidente da República, o do Senado, Rodrigo Pacheco, tem a de abrir processos contra ministros do Supremo. Já são mais de cem pedidos contra Bolsonaro na Câmara e 17 contra ministros da Corte no Senado, mas nem Lira nem Pacheco demonstram o mínimo interesse em tocar isso adiante. Logo, Bolsonaro está blefando.

É também o Senado quem serve de anteparo para as maluquices da Câmara na legislação eleitoral. Avisou de véspera que derrubaria o “distritão” e os deputados acabaram optando por um mal menor, a volta das coligações partidárias, que caíram em 2017 para entrar em vigor em 2022. A votação em segundo turno na Câmara será hoje, mas as chances de a proposta vingar no Senado são poucas.

E há duas votações de interesse direto de Bolsonaro no Senado: a ida do ex-ministro da Justiça André Mendonça para uma vaga no Supremo e a recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras, para mais um mandato. O “terrivelmente evangélico” Mendonça enfrenta a má vontade do ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre e de parte da Casa. O terrivelmente bolsonarista Aras enfrenta uma resistência mais difusa.

Aras não deu um “A” após as ameaças de Bolsonaro de agir contra a realização das eleições e “fora das quatro linhas da Constituição”. Em guerra com o STF, sofre críticas públicas de subprocuradores e é acusado de agradar a Bolsonaro o tempo todo porque só pensa naquilo: uma cadeira no STF. Perdeu a primeira e a segunda, mas investe na terceira, em 2022.

A expectativa é de que Mendonça passe para o STF e Aras seja aprovado para o segundo mandato na PGR, mas não será um passeio. Não custa lembrar que Bolsonaro teve de desistir da ideia maluca de botar Eduardo Bolsonaro, o 03, na Embaixada em Washington, porque iria perder feio no Senado.

Assim como a PGR joga a resistência democrática para o Supremo, a Câmara joga para o Senado, onde, aliás, a CPI da Covid revela ao País o quanto o governo Bolsonaro escancarou suas portas na pandemia para negociatas grosseiras e picaretas óbvios. Foi por isso que Bolsonaro deu a “alma do governo” a um senador, Ciro Nogueira, do Centrão, mas o efeito ainda não é visível a olho nu.

E Rodrigo Pacheco? Apesar de um “certo delay” (demora em reagir), ele deu um basta para as ameaças às eleições, defendeu STF, TSE e sistema eleitoral, abriu canais nas Forças Armadas, avisou que “distritão” e volta das coligações não passam e deixou bem claro: não contem com ele para impeachment de ministros do STF.

Ou seja: ele tem sido agente de moderação e uma barreira contra arroubos golpistas. Se é ou não porque está louco para disputar a Presidência da República, não interessa. O fato é que o Senado e Pacheco estão, até aqui, na mesma trincheira do Supremo e de crescentes setores da sociedade, pela Constituição e a democracia. Que assim permaneçam!

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,assim-como-a-pgr-joga-a-resistencia-democratica-para-o-supremo-a-camara-joga-para-o-senado,70003812895


Doutora em meio ambiente defende superação de passivo de desmatamento

Em artigo na Política Democrática online de agosto, Karin Kässmayer diz que o Brasil também precisa ter agenda de ação climática

Cleomar Almeida, da equipe FAP

Consultora legislativa do Senado e doutora em meio ambiente e desenvolvimento pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), a advogada Karin Kässmayer diz que o Brasil tem, entre seus desafios, “a superação do passivo do desmatamento e a apresentação de uma robusta e crível agenda de ação climática”, enquanto muitos países mostram compassos precisos em suas políticas de desenvolvimento rumo à transição energética e à neutralidade carbônica em 2050.

Veja, aqui, a versão flip da Política Democrática online de agosto (34ª edição)

No artigo “De Paris a Glasgow: o Brasil na contramão dos compromissos climáticos mundiais”, de sua autoria e publicado na revista Política Democrática online de agosto (34ª edição), a autora lembra que uma nova fase da política climática internacional foi inaugurada com a celebração do Acordo de Paris, em 2015, de cujas negociações o Brasil foi protagonista. A publicação pode ser acessada, na íntegra, na versão flip, no portal da entidade.


DESMATAMENTO NA AMAZÔNIA


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Ao analisar o contexto brasileiro, a advogada aponta o caminho para avançar nessa agenda. “O agir presente que possa nos levar à superação dos riscos climáticos e à retomada da governança ambiental, entretanto, enfrenta crises democrática, ambiental, de saúde, social e econômica que só serão superadas com futuras eleições”, afirma.

Com o comprometimento do que chama de “agir cooperativo multilateral”, ela observa que os países-parte criaram metas próprias e medidas de adaptação e mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE). “As Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC), peças-chaves do acordo, devem ser revistas a cada cinco anos, com metas cada vez mais ambiciosas'', ressalta. 

“O Brasil liderou a diplomacia mundial e foi um ator de excelência nessa seara, tendo alcançado, internamente, resultados expressivos que culminaram com a redução do desmatamento em 83% nos anos de 2004 a 2012, principalmente pela criação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM)”, escreveu ela, na revista Política Democrática online de agosto.



A autora observa, ainda, que, com a gestão presidencial atual, o desmatamento, que ela cita como o calcanhar de Aquiles das emissões no Brasil, cresceu exponencialmente, até chegar à cifra de 10.851 quilômetros quadrados, em 2020. “O PPCDAM foi extinto, e o país é palco de um cenário de descrença e críticas internacionais em relação à política ambiental brasileira, com desgastes da sua imagem e um ponto de interrogação sobre seus propósitos quanto ao futuro de sua política climática”, lamenta.

Confira, aqui, a relação de todos os autores da 34ª edição

A íntegra do artigo de Karin pode ser conferida na versão flip da revista, disponibilizada no portal da entidade. Os internautas também podem ler, na nova edição, entrevista exclusiva com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA)reportagem sobre escândalo das vacinas contra Covid-19 e artigos sobre política, economia, meio ambiente e cultura.

Compõem o conselho editorial da revista o diretor-geral da FAP, sociólogo e consultor do Senado, Caetano Araújo, o jornalista e escritor Francisco Almeida e o tradutor e ensaísta Luiz Sérgio Henriques. A Política Democrática online é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado.

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Alberto Aggio: Duas hipóteses fracassadas e o realismo que nos resta

Duas hipóteses sobre a conjuntura política brasileira, ao que tudo indica, não deverão ser confirmadas: o impeachment de Bolsonaro e a formação de uma “frente democrática” eleitoralmente estruturada e com expectativa de poder. O movimento pelo impeachment não produziu, até o momento, combustão suficiente para ganhar a sociedade e impor-se institucionalmente. A proposta de “frente democrática” contra Bolsonaro não se conectou com o movimento do impeachment e tampouco parece contar com atores inclinados a apoia-la, capazes de lhe dar potência política e eleitoral. Ambas hipóteses parecem, enfim, não terem capacidade nem circunstância para se tornarem efetivas. Quiçá possam ser mantidas em seu espírito fundante, animando ações imediatas e expectativas de médio prazo.

Plenário da Câmara dos Deputados rejeita o voto impresso. Foto: Agência Câmara

A inviabilização do impeachment ficou explicita na rejeição à emenda do voto impresso, expressando a capacidade do governo em angariar apoio na Câmara dos Deputados, locus de origem institucional de um processo de impeachment do presidente da República. O impeachment não tem como ser instalado com a base de apoio que o presidente demonstrou poder contar. O que especialistas e políticos experientes já divisavam acaba de ser comprovado e o impeachment só passará em função de uma improvável hecatombe no cenário político. A oposição estará obrigada doravante a compreender que só poderá chegar à próxima estação e desembarcar se tiver muito sentido de finalidade para superar o desastre em que o País se meteu.

O que nos leva à segunda hipótese delineada acima. A proposição, concretização e mobilização de uma “frente democrática” contra um governo ou regime autoritário é uma fórmula política que tem história, razões e justificativas[1]. Ela foi originalmente pensada tendo em vista o estabelecimento de regimes fascistas ou autoritários nos quais as forças democráticas foram derrotadas e colocadas na defensiva. O reconhecimento de tal condição acabou por impor a aceitação da formação de algum organismo, oficial ou não, orgânico ou não, que pudesse agregar forças políticas contra a violência, a repressão, a agressão e a ameaça impostas por tais regimes. A origem dessa fórmula política está no combate ao fascismo em meados dos anos 30, com a organização das “frentes populares”, mas foi reelaborada na luta contra os regimes autoritários, em especial os latino-americanos. O Brasil é um case dessa estratégia no contexto de luta contra o regime ditatorial imposto em 1964.

Recolocar a estratégia de “frente democrática” nos dias de hoje, repondo, de certa maneira, os termos do enfrentamento virtuoso contra a ditadura militar nas décadas de 1970 e 1980, pode ser vista como uma proposição mais realista do que uma “frente de esquerda” – que busca a afirmação de identidades e de projetos alternativos de sociedade – porque carrega uma memória positiva e pode ser mais produtiva na luta política. Mas deve-se reconhecer também que é uma proposta que apresenta uma certa coloração passadista de difícil aplicabilidade num contexto político e institucional completamente diferente de pluralismo competitivo e de consolidação da chamada “democracia de audiência”[2]. O cenário político hoje é, portanto, muito mais complexo e difuso do que o de contraposição a um regime de espaços políticos fechados e de repressão aberta.

Democracia e redes sociais. Foto: Reprodução

O pluralismo competitivo, uma vez instalado, não é terreno favorável à proposta de “frente democrática”. Os atores políticos, coletivos ou individuais, veem nele um ambiente político no qual podem disputar e vencer, carreando para seus apoiadores e para os projetos estruturais que defendem os institutos de poder e a máquina do Estado. A “democracia de audiência” tornou-se, por sua vez, a forma e o método pela qual a política se conecta com a sociedade por meio de vias comunicacionais que vão da TV às redes midiáticas, especialmente estas últimas. Isso produziu uma “metamorfose” na prática da política nas sociedades hodiernas. Nessa nova morfologia, importa mais a afirmação da imagem e/ou linguagem de um ator político (aferidas por pesquisas diárias) do que os partidos políticos ou qualquer projeto de sociedade[3].

O resultado é que pluralismo competitivo e “democracia de audiência” induzem mais à competição, disputa e dispersão de forças políticas, que se entendem vocacionadas à conquista do poder, do que à disposição para a unidade política de atores de coloração ideológica diferente visando retirar as forças democráticas da situação defensiva em que se encontram e leva-las a posições de poder por vias democráticas.

Não é casual, portanto, que ao invés de se caminhar para a unidade das oposições, uma vez que quase a totalidade delas julga o governo Bolsonaro como autoritário ou mesmo fascista, ampliou-se o número de postulantes à sucessão de Bolsonaro. Os apelos à formação de uma “frente democrática” parecem ser apenas retóricos e, na melhor das hipóteses, considerados para o embate do segundo turno em 2022, admitindo-se que Bolsonaro ainda se manterá competitivo até 2022. A proposta de “frente democrática”, com o passar do tempo, ficou visivelmente sem articuladores e perdeu substância como uma possível estratégia operacional, fazendo com que os principais postulantes contra Bolsonaro passassem a se movimentar a partir de cálculos e lógicas independentes entre si.

Mesmo nessa situação, não há outro caminho para o conjunto da sociedade senão isolar Bolsonaro como o candidato a ser batido. Isso é importante, inclusive para impedir as permanentes ameaças antidemocráticas ao processo de sucessão acionadas pelo presidente da República e assegurar a legitimidade do pleito. As forças democráticas terão que se tratar nas condições que estão dispostas, com as responsabilidades e os cuidados necessários diante dessas circunstâncias. Como haverá um candidato que postulará a reeleição, há uma dimensão plebiscitária na eleição para presidente da República. Para além dos nomes em disputa, há que se ultrapassar as ameaças de cancelamento da democracia e parar o processo de destruição institucional que se impôs nos últimos anos.



[1] Problematizei esse tema em alguns artigos, a saber, AGGIO, A., “Aporias da ‘frente democrática’” in O Estado de São Paulo, 17.11.2019: https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,aporias-da-frente-democratica,70003091839; AGGIO. A. “O fim da guerra e a antecipação da batalha por 2022”: https://horizontesdemocraticos.com.br/o-fim-da-guerra-e-a-antecipacao-da-batalha-por-2022/. Ambos podem ser acessados em https://horizontesdemocraticos.com.br/.

[2] MANIN, Bernard. The Principles of Representative Government. New York: Cambridge University Press, 1997. Especialistas que lidaram com essa referência em traduções diversas para o português utilizam-se também as expressões “democracia de plateia” ou “democracia de público”; aqui mantivemos uma proximidade maior com a expressão original “audiency democracy”.

[3] DIAMANTI, Ivo. Democrazia ibrida. Roma: Laterza, 2014. Diamanti examina a transição na Itália para a “democracia de audiência”, considerando ainda as sobreposições com a situação anterior de “democracia de partidos”, daí a noção de “democracia híbrida”. A situação brasileira é, em nosso entendimento, distinta, especialmente pela fragilidade dos partidos.

Fonte: Blog Horizontes Democráticos
https://horizontesdemocraticos.com.br/duas-hipoteses-fracassadas-e-o-realismo-que-nos-resta/

O Estado de S. Paulo
Estado da Arte em 16 de agosto de 2021
https://estadodaarte.estadao.com.br/aggio-realismo-horizontes-democraticos/


Sérgio Abranches: O golpe híbrido de Bolsonaro

Sérgio Abranches

Há um golpe em curso no país. Ele está em processo de execução. Bolsonaro coleta pretextos e provoca reações que deseja ver escalar até o que poderia classificar como desordem civil ou convulsão social. Não vejo porque a realidade deva se ater aos discursos, sejam eles para esconder as intenções dos atores da cena política, sejam eles para explicar situações concretas recentes. Bolsonaro e os comandantes militares negam a intenção ou a execução do golpe. Mas importam suas atitudes e não suas palavras. Os analistas descartam o golpe clássico, escorado em um pronunciamento militar, porque as transformações recentes de regimes democráticos em autoritários se deram por desmonte interno dos regimes. Mentalidades autoritárias eleitas em pleitos abertos e competitivos usam a maioria obtida para desmontar as instituiçoes que sustentam a democracia.

Mas, o discurso analítico não afasta a realidade dos fatos. O modelo mental que dirige Bolsonaro é o do golpe clássico. O novo modelo, ele tentar executar, como cópia, sem originalidade. Mas, nada impede que Bolsonaro tente os dois e termine executando um híbrido. Bolsonaro tem apoio militar, exibido, a cada dia, de modo mais ostensivo e amplo. Mas, ele não tem maioria no Congresso, especialmente para fazer o principal, que seria mudar as regras do jogo a seu favor. Por que devemos considerar o que dizem os generais em off, ou os políticos que aderiram ao seu projeto de poder e desconsiderar os vários discursos que fez, como deputado, elogiando o golpe de 1964, a ditadura militar e a tortura? Prefiro acreditar que ele continua a desejar o retorno a este passado que idealiza e que produziu os seus heróis, como o coronel Ulstra, a cujo fantasma recorreu para ferir Dilma Rousseff mais fundo, ao votar a favor de seu impeachment.

Não creio que estejamos diante de duas vias excludentes para o autoritarismo. Vamos chamar a primeira via para a transformação autoritária, a que tem prevalecido no século 21, de estratégia do cavalo de Tróia. O candidato a ditador — ou liderança autoritária, se vale nas regras da democracia para chegar ao poder. Ao golpe clássico, vamos chamar de apelo aos tanques, mesmo que estes nem possam desferir um tiro, mas simbolizam a força militar e policial de prontidão.

Na estratégia cavalo de Tróia, o dirigente consegue se eleger e fazer a maioria no Congresso, da qual precisa para operar as mudanças necessárias a fim de neutralizar os mecanismos de freios e contrapesos da democracia e pôr em recesso os direitos individuais. Na Venezuela, Chávez fez assim para implantar o populismo autoritário e Maduro consegue se manter no poder usando o Legislativo e o Judiciário adestrados para seguir seus comandos. Viktor Orbán executou, com sucesso esta estratégia na Hungria. No Brasil, há um obstáculo importante a impedir esta via. O presidencialismo de coalizão, que praticamente impossibilita a um presidente controlar a maioria do Congresso, por meio de comandos hierárquicos. Para fazer a maioria, tem que negociar e, ao negociar, transfere poder. Para executar seu projeto a contento, Bolsonaro precisa de um recurso extra-parlamentar que, inclusive lhe permita domesticar o parlamento e, a partir deste, também enquadrar o Judiciário.

Não é que Bolsonaro deixe de tentar fazê-lo e superar o obstáculo da maioria que lhe falta. Ele e seus acólitos tentam com afinco. Conseguiu, por exemplo, aprovar na Câmara um código eleitoral que deveria ser batizado de código antieleitoral, pois reduzem a quase nada os crimes eleitorais, retiram poderes da justiça eleitoral e os transfere àqueles a quem ela deve regular, abrem a possibilidade de fraudes eleitorais que já infelicitaram a democracia brasileira. Bolsonaro quer que se possa fraudar as eleições, só não deseja que se possa fazê-lo contra ele.

A ameaça de pedir ao Senado o impeachment de dois ministros do Supremo Tribunal Federal que o têm incomodado faz parte da tentativa de domar o Judiciário. Se tivesse sucesso, mas o STF não se deixasse intimidar, repetiria o expediente, até assumir o inteiro controle da Corte Suprema. A nomeação de Augusto Aras, procurador geral da República, foi outro movimento típico da estratégia cavalo de Tróia. Como o Ministério Público tem muito poder de inciativa, usou um procurador de carreira, para desmontar a autonomia e o poder de agência da instituição. O poder de agência se expressa no controle da iniciativa judicial e na faculdade que cada procurador tem de iniciar procedimentos investigatórios para cumprir a missão constitucional do MP. Aras centralizou os procedimentos na PGR para manejar como quiser a iniciativa e o poder de agência. Oriundo da fase anterior de organização do ministério público, que permitia, inclusive exercer a advocacia em simultâneo ao cargo, não tem lealdades na carreira.

Ao mesmo tempo, Bolsonaro trabalha na operacionalização da estratégia de apelo aos tanques. Demitiu os comandantes militares porque não lhe prestavam a deferência e não se aproximavam do governo na medida em que ele desejava. Nomeou três comandantes dóceis, que lhe prestam toda a deferência e se alinham a seu projeto político. Este desvio para a política é que não desejavam os comandantes anteriores, ciosos da distância que as Forças Armadas, como instituições do Estado, deveriam guardar do governo. Transferiu para o ministério da Defesa, o general Braga Neto que já desmontrara perfeito alinhamento aos objetivos do chefe. Este, recentemente, forçou o retorno a Brasília, de blindados que esperavam em Formosa, para um exercício padrão, para que fizessem parada na Praça dos Três Poderes, de modo que Bolsonaro demonstrasse ao Congresso e ao Judiciário que ele mandava no "seu exército". Vai, desde modo, acumulando recursos para o golpe clássico.

Nenhum golpe acontece de repente. Ele pode ser finalizado numa madrugada, porém após bastante tempo de conspiração, seguida da implementação de suas várias etapas. Entre as etapas de preparação e operacionalização da tomada ilegítima do poder, estão: a disseminação de mentiras e teses conspiratórias para criar o clima de tensão e confronto que justifique uma intervenção; a conspiração nos bastidores, buscando aliados e apoios; a intimidação da oposição para neutralizar moderados e radicalizar setores de posições mais extremadas; ações concretas de agitação e provocação de confrontos de rua para criar o pretexto da desordem civil ou convulsão social que justifiquem uma intervenção mais definitiva; a tomada final do poder, seja por eleições controladas, seja pela força com apoio dos militares e de milícias. Várias dessas fases preparatórias podem ocorrer em simultâneo, não há, necessariamente, uma sequência temporal determinada, exceto entre as fases preparatórias e a de execução final.

Se, ao final, Bolsonaro terminar como protagonista de um golpe híbrido, combinando as estragégias do cavalo de Tróia e do apelo aos tanques, não se poderá alegar surpresa ou imprevisto. Não terá sido por falta de indícios e de pistas ao longo do trajeto. Só não vê, quem não quer.

 *Cientista Político 

Fonte: Página pessoal - Sérgio Abranches
https://sergioabranches.com.br/politica/535-o-golpe-hibrido-de-bolsonaro