Day: agosto 2, 2021
CPI pauta pedido de convocação de Braga Netto para terça-feira
Pedido ainda divide senadores e cúpula do colegiado discutirá nesta segunda possibilidade de chamar ministro para depor
Daniel Weterman / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid pautou para esta terça-feira, 3, a apreciação do requerimento de convocação do ministro da Defesa, Braga Netto. O pedido ainda divide os senadores da comissão, até mesmo dentro do grupo majoritário. Na terça, a CPI retoma os trabalhos após o recesso parlamentar. A cúpula do colegiado deve discutir na noite desta segunda-feira, 2, a possibilidade de chamar o ministro para depor.
Braga Netto entrou em conflito com a cúpula da CPI ao assinar uma nota em conjunto com os comandantes das Forças Armadas criticando o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). Durante depoimento do ex-diretor do Departamento de Logística em Saúde do Ministério da Saúde Roberto Dias, Aziz afirmou que o "lado podre das Forças Armadas" estava envolvido em "falcatruas" do governo.
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A insatisfação dos senadores cresceu ainda mais após o Estadão relevar que o ministro condicionou, por meio de um interlocutor, a realização das eleições ao voto impresso. No âmbito da CPI da Covid, senadores querem coletar informações do período em que Braga Netto chefiou a Casa Civil, entre fevereiro do ano passado e abril deste ano. A comissão quer apurar se houve pressão sobre o Ministério da Saúde para fechar contratos que viraram alvo da CPI, entre eles o da compra da vacina indiana Covaxin.
O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do requerimento para convocar o ministro, justificou o pedido para detalhar a atuação do ministro na pandemia. O presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, durante depoimento na comissão, apontou atuação de Braga Netto na tentativa de mudar a bula da cloroquina, medicamento sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus. O incentivo ao chamado tratamento precoce, na contramão de evidências científicas, é uma das linhas de investigação que colocou o presidente Jair Bolsonaro na mira da CPI.
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Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,cpi-pauta-pedido-de-convocacao-de-braga-netto-para-terca-feira-3,70003797185
Voto impresso: Presidentes de partidos dizem PEC será barrada mesmo com protestos
Eles afirmam que ameaças golpistas de Bolsonaro tiveram efeito zero e que urnas são confiáveis
Guilherme Seto, Camila Mattoso e Fabio Serapião / Painel / Folha de S. Paulo
Líderes do grupo de partidos que se formou para barrar a PEC do voto impresso no Congresso dizem que as manifestações deste domingo (1º) e as ameaças golpistas disparadas por Jair Bolsonaro não tiveram resultado.
“Efeito zero. Não muda nada. Estamos seguros de que o voto impresso não é necessário. Confiança total nas urnas eletrônicas”, diz Paulinho da Força, do Solidariedade. “No PSD continuamos firmes contra”, diz Gilberto Kassab.PUBLICIDADE
Como mostrou o Painel, os partidos PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante se uniram para derrubar a PEC já na Comissão de Constituição e Justiça.
O Republicanos posteriormente se afastou da iniciativa, mas mesmo sem ele os presidentes das siglas calculam ter 22 votos na CCJ atualmente —eles precisam de 18 para barrar o projeto.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/painel/2021/08/presidentes-de-partidos-dizem-que-atos-pelo-voto-impresso-nao-mudaram-nada-e-que-pec-sera-barrada.shtml
Bolsonaro aposta em pacote econômico como última trincheira para se reeleger
Governo prepara medidas como reajuste do Bolsa Família e programas de qualificação profissional para tentar frear queda de popularidade e chegar mais competitivo às eleições do próximo ano
Adriana Fernandes / O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - A economia é hoje a principal trincheira e última linha de defesa do presidente Jair Bolsonaro para tentar garantir sua reeleição em 2022. Com apoio do Centrão, o presidente vem montando um cardápio de medidas econômicas para evitar maior perda de popularidade, na esteira das revelações feitas pela CPI da covid-19, e chegar competitivo ao pleito do próximo ano.
Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que a incógnita é saber se o presidente e os políticos aliados do Centrão conseguirão arremeter a tempo o “avião da economia” para que os efeitos da retomada atual, até agora muito desiguais, cheguem até a maior parte da população.
No cardápio de “bondades”, estão a elevação para R$ 300 (ou mesmo um valor acima) do benefício médio do Bolsa Família (que hoje é de R$ 190); o pacotão do emprego com um bônus de R$ 550 para a qualificação de jovens e informais; aumento da faixa de isenção e correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e desoneração forte do imposto pago pelas empresas; novas medidas de desoneração do diesel; reajuste dos salários dos servidores; e ainda um novo programa de refinanciamento de dívidas tributárias.
Todas essas medidas estarão combinadas com um Orçamento irrigado de emendas parlamentares para aliados, fundo eleitoral mais gordo, folga maior no teto de gastos (regra da Constituição que fixa um limite anual para os gastos) e medidas que vão colocar dinheiro extra no caixa no ano que vem, como leilões de concessões já programados.
Um ponto de inflexão será a divulgação do relatório da CPI da Covid, prorrogada por mais 90 dias e que pode dar combustível a um quadro mais turbulento. “É justamente o momento em que o governo estará negociando a votação do Orçamento e o Bolsa Família”, chama a atenção Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. Na sua avaliação, a economia deve, ao menos, ajudar a fazer o movimento de estancar a perda de popularidade – “que já é muito relevante”. Para Cortez, olhando para o quadro eleitoral, o governo Bolsonaro ainda é muito competitivo e, em parte, isso tem como explicação a economia.
Os economistas apontam que o ganho do cenário econômico, por si só, ainda não é capaz de reverter o processo de aumento de rejeição e nem o reforço do Bolsa Família seria uma “bala de prata” capaz de levar o presidente ao segundo turno com chances de vitória. Estudos sobre impacto de programas de transferência de renda na eleição mostram que não é trivial limitar a faixa de quem ganha e de quem perde. Além disso, o auxílio emergencial inicial de R$ 600 colocou o sarrafo lá em cima. Com a diminuição do valor para R$ 250, em média, o benefício perdeu o poder de proteção da popularidade que tinha em 2020.
Se a chave do cofre e o comando da agenda do Congresso pelo Centrão favorecem a estratégia econômica pró-eleição, a aceleração da inflação, o desemprego e o risco de racionamento de energia em 2022 jogam contra ela. Não por acaso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está tentando implementar um programa de emprego robusto, com recursos de fora do Orçamento, vindos do Sistema S, e vem abandonado os pilares da sua política liberal para atender os pedidos de Bolsonaro e do Centrão.
“Uma das variáveis mais importantes para a popularidade é o emprego, e esse ainda vai reagir. Parece que ainda tem muita água para rolar embaixo da ponte, principalmente quando a economia reabrir mesmo e o emprego começar a andar”, avalia Caio Megale, economista-chefe da XP. Segundo ele, o foco no programa de qualificação da mão de obra é fundamental para o governo.
Responsável pelas pesquisas de avaliação de popularidade na XP, Victor Scalet diz que o modelo de aprovação presidencial usado pela companhia, que contém dados desde 1996, indica que a avaliação do presidente deveria subir para cerca de 40 a 45 pontos de aprovação no período eleitoral de 2022. Mas houve uma quebra da correlação que existia antes entre a melhora da pandemia e a avaliação do presidente. “A correlação, que vinha muito forte desde o começo da pandemia, quebrou porque a avaliação negativa dele continua subindo.” A CPI da pandemia acabou “fazendo preço”, no jargão do mercado.
Na corrida eleitoral, outro fator que pode jogar contra ou a favor é que as eleições estão sendo decididas, cada vez mais, perto do dia do pleito. “Vamos percorrer uma eternidade até iniciar a disputa eleitoral de 2022. Um tempo longo como esse dificulta qualquer tipo de previsão a priori”, diz o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. Segundo ele, na saída de uma crise da envergadura da pandemia, o quadro é muito mais complexo. “A dita polarização atual pode derreter o processo e melhorias econômicas, se não chegaram à população, não têm impacto na decisão eleitoral.”
5 Perguntas para Silvia Matos, coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV
1. Qual será o papel da economia nas eleições?
A economia é importante para a eleição. Mas o espaço de manobra para aumentar a satisfação das pessoas e reduzir o desconforto delas é pequeno. O governo vai tentar atuar nessa direção, mas a gente sabe que existem muitas restrições para fazer isso. O primeiro aspecto é que uma recuperação econômica mais forte é muito inflacionária. Aí, o tiro sai pela culatra. Se tivesse um espaço para crescer sem acelerar a inflação, seria mais tranquilo para qualquer política.
2. Por que esse espaço é muito pequeno?
À medida que a economia abre depois da pandemia, como temos visto em outros países, há uma volta da inflação de serviços, o que é o natural mesmo. Se fosse só simplesmente uma aceleração de serviços, com acomodação de outros preços, poderíamos de alguma forma conviver com uma inflação um pouco mais alta temporariamente. Mas o problema todo é que, no Brasil, temos visto há algum tempo vários fatores que podem colocar a inflação acima de 7% neste ano. Temos a questão da energia, por exemplo, que pode ser um problema para o ano que vem na eleição.
3. Qual seria o maior risco no caso da energia?
Se não chover realmente no período que deveria chover, no final do ano, o risco de racionamento se intensifica ainda mais. Os reservatórios estão em níveis muito baixos. Colocar tarifa lá em cima não é suficiente. O racionamento talvez não seja um risco neste momento, porque se está aumentando tarifas, mas, à medida que a economia volte, é natural que tenha alguma necessidade de aumento (de consumo). Isso virou um gargalo. Imagina se estivéssemos crescendo 9%, que energia teríamos? É um sinal que a economia tem restrições para uma aceleração muito forte do crescimento.
4. Quais outros fatores que podem complicar o cenário econômico para 2022?
Estamos vendo uma volta da inflação de alimentos. Estávamos colhendo uma desaceleração da inflação de alimentos e a crise hídrica está afetando muito o Centro-Sul, que é produtor de alimentos: arroz, feijão, leite... Do ponto de vista da inflação, tem mais pressão por todos os lados, como gás de cozinha, o petróleo continua subindo. É um momento muito inflacionário, e aquele alívio que esperávamos no segundo semestre não virá.
5. Mas a virada econômica vai ajudar o governo?
A inflação vai ser um grande gargalo e, se a gente quiser acelerar demais, vai virar mais inflação.
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Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-aposta-em-cardapio-na-economia-para-se-cacifar-a-reeleicao,70003797217
Nove ministros do STF e ex-presidentes do TSE rebatem Bolsonaro em defesa de urnas eletrônicas
Todos que comandaram corte eleitoral desde a Constituição de 1988 são signatários do texto com 18 assinaturas
Matheus Teixeira / Folha de S. Paulo
Nove ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e ex-presidentes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) divulgaram uma nota nesta segunda-feira (2) para rebater as acusações do presidente Jair Bolsonaro de que há fraude nas eleições do Brasil e para defender a urna eletrônica.
O texto faz duras críticas ao voto impresso e diz que o modelo defendido pelo chefe do Executivo “não é um mecanismo adequado de auditoria”.
“A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil”, afirma.
Dos atuais integrantes do Supremo, o ministro Kassio Nunes Marques, que foi indicado por Bolsonaro, é o único que não assina a nota. Da atual composição do STF ele é o único que ainda não integrou o TSE. Todos os presidentes do tribunal eleitoral desde a Constituição de 1988 são signatários do texto.
O texto representa mais uma ação de integrantes do Judiciário para responder aos ataques de Bolsonaro.
No domingo (1), o presidente insuflou manifestantes com discurso golpista em atos a favor do voto impresso pelo país.
Por meio de videochamada, ele fez novas acusações contra o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e disse que “sem eleições limpas e democráticas, não haverá eleição” no ano que vem.
A nota divulgada nesta segunda é assinada por nove ministros do Supremo e por nove ex-ministros que, além de terem atuado no Supremo, também presidiram do TSE.
“A Justiça Eleitoral, por seus representantes de ontem, de hoje e do futuro, garante à sociedade brasileira a segurança, transparência e auditabilidade do sistema”, diz.
O texto também afirma que o voto impresso não é um mecanismo adequado “por ser menos seguro do que o voto eletrônico, em razão dos riscos decorrentes da manipulação humana e da quebra de sigilo”.
A nota diz que as urnas atuais já são passíveis de auditoria e que todos os passos da implementação do modelo são acompanhados por entidades públicas, pela Procuradoria-Geral da República e por partidos políticos.
“Desde 1996, quando da implantação do sistema de votação eletrônica, jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições”, diz. E completa: "A Justiça Eleitoral, por seus representantes de ontem, de hoje e do futuro, garante à sociedade brasileira a segurança, transparência e auditabilidade do sistema".
VEJA A ÍNTEGRA DA NOTA
O Presidente, Vice-Presidente, futuro Presidente e todos os ex-Presidentes do Tribunal Superior Eleitoral desde a Constituição de 1988 vêm perante a sociedade brasileira afirmar o que se segue:
1. Eleições livres, seguras e limpas são da essência da democracia. No Brasil, o Congresso Nacional, por meio de legislação própria, e o Tribunal Superior Eleitoral, como organizador das eleições, conseguiram eliminar um passado de fraudes eleitorais que marcaram a história do Brasil, no Império e na República.
2. Desde 1996, quando da implantação do sistema de votação eletrônica, jamais se documentou qualquer episódio de fraude nas eleições. Nesse período, o TSE já foi presidido por 15 ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao longo dos seus 25 anos de existência, a urna eletrônica passou por sucessivos processos de modernização e aprimoramento, contando com diversas camadas de segurança.
3. As urnas eletrônicas são auditáveis em todas as etapas do processo, antes, durante e depois das eleições. Todos os passos, da elaboração do programa à divulgação dos resultados, podem ser acompanhados pelos partidos políticos, Procuradoria-Geral da República, Ordem dos Advogados do Brasil, Polícia Federal, universidades e outros que são especialmente convidados. É importante observar, ainda, que as urnas eletrônicas não entram em rede e não são passíveis de acesso remoto, por não estarem conectadas à internet.
4. O voto impresso não é um mecanismo adequado de auditoria a se somar aos já existentes por ser menos seguro do que o voto eletrônico, em razão dos riscos decorrentes da manipulação humana e da quebra de sigilo. Muitos países que optaram por não adotar o voto puramente eletrônico tiveram experiências históricas diferentes das nossas, sem os problemas de fraude ocorridos no Brasil com o voto em papel. Em muitos outros, a existência de voto em papel não impediu as constantes alegações de fraude, como revelam episódios recentes.
5. A contagem pública manual de cerca de 150 milhões de votos significará a volta ao tempo das mesas apuradoras, cenário das fraudes generalizadas que marcaram a história do Brasil.
6. A Justiça Eleitoral, por seus representantes de ontem, de hoje e do futuro, garante à sociedade brasileira a segurança, transparência e auditabilidade do sistema. Todos os ministros, juízes e servidores que a compõem continuam comprometidos com a democracia brasileira, com integridade, dedicação e responsabilidade.
Atuais ministros:
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO
Ministro LUIZ EDSON FACHIN
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Ministra ROSA WEBER
Ministro LUIZ FUX
Ministro GILMAR MENDES
Ministro DIAS TOFFOLI
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Ministro RICARDO LEWANDOWSKI
Ex-ministros:
Ministro MARCO AURÉLIO MELLO
Ministro CARLOS AYRES BRITTO
Ministro CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO
Ministro JOSÉ PAULO SEPÚLVEDA PERTENCE
Ministro NELSON JOBIM
Ministro ILMAR GALVÃO
Ministro SYDNEY SANCHES
Ministro FRANCISCO REZEK
Ministro NÉRI DA SILVEIRA
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/08/nove-ministros-do-stf-e-ex-presidentes-do-tse-rebatem-bolsonaro-em-defesa-de-urnas-eletronicas.shtml
Pioneiros lembram o passado do movimento negro no Brasil
Firmada na ditadura, luta contra racismo é referência para nova geração
Paola Ferreira Rosa, Matheus Rocha e William Barros / Folha de S. Paulo
Pedro Henrique, 9, gritou pelo avô quando brincava na rua. Milton Barbosa, 73, foi até o neto imaginando briga de criança, só que não: “Chamou para me apresentar aos amigos, dizer que eu estava no Google. Pediu para buscarem meu nome lá”.
O menino pesquisou também o nome da avó, não deu outra. Encontrou farto material sobre Regina Lúcia dos Santos. “Ele ficou se sentindo vaidoso, muito importante”, diz Regina, 66.
Os avós de Pedro Henrique são referências da luta antirracista. O avô ajudou a fundar o Movimento Negro Unificado, nos anos 1970; ela coordena o MNU em São Paulo, onde atua há mais de 20 anos.
O movimento tornou-se público na escadaria do Theatro Municipal, em 7 de julho de 1978. Em plena ditadura militar, duas mil pessoas se reuniram ali pelo fim da discriminação. Era a resposta à morte de um trabalhador negro pela polícia paulista e ao preconceito sofrido por jovens no Clube de Regatas Tietê.
“Hoje é um dia histórico. Um novo dia começa a surgir para o negro. Um novo passo foi dado na luta contra o racismo”, dizia a carta aberta lida por manifestantes.
O ato reverbera, 43 anos depois. Emicida o lembrou em “AmarElo - É Tudo pra Ontem”, documentário de show feito no Municipal. Na plateia, Barbosa e Regina foram homenageados. “Para que hoje a gente esteja neste lugar negado aos nossos ancestrais, muitas pessoas suaram e sangraram no caminho”, disse o rapper.
A militância teve impacto na vida profissional de Barbosa. O então técnico do Metrô foi demitido duas vezes. Ele narra episódios em que foi alvo de armações para incriminá-lo por tráfico de drogas. Atento à tática, se desvencilhou.
“O pessoal branco de classe média era preso por militância. Já com a militância negra, eles forjavam situações para prender por vadiagem e malandragem”, afirma Regina.
A classificação de ’’vadiagem’’, usada pela repressão, era herança do Império, que aplicava o termo para negros que vagavam nas ruas. Na República, o termo entrou no Código Penal, dois anos após a abolição, quando a capoeira também foi criminalizada.
As medidas respondiam aos anseios da elite da época, explica Walter Fraga, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.
Como a Lei Áurea, resultado do medo da elite. ‘‘Havia o temor de que a abolição fosse feita pelos próprios negros e camadas populares, subvertendo a estrutura de domínio.”
As autoridades assumiram o controle do processo com a assinatura da lei, que não previa reparação aos libertos. “Não tocaram nas hierarquias raciais”, diz Fraga. Hierarquias que, agora, ao menos, são evidentes para toda a sociedade.
Um legado do MNU foi a derrubada do mito da democracia racial. “Caminhamos um bocado, mas temos muito a caminhar”, diz Regina.
Iniciativas como o MNU se multiplicaram desde o pós-abolição. Eram pessoas negras buscando não só reagir ao preconceito, ‘‘mas assumir posição além da de vítimas”, diz Petrônio Domingues, professor de história da Universidade Federal de Sergipe.
Esses grupos pautaram o debate que levou à criação de ações afirmativas. “Antes, a sociedade não enxergava a questão do negro como problema, o que gerava inércia do Estado”, afirma. A criminalização do racismo (Lei Afonso Arinos, 1951), por exemplo, é fruto dessas pressões.
O futuro é a expansão do protagonismo do movimento negro nos debates públicos, diz Flavia Rios, coordenadora de ciências sociais da Universidade Federal Fluminense. “O movimento negro é o principal agente, mas precisa de uma rede complexa, outros movimentos sociais, para se sustentar”. Segundo ela, o feminismo negro tem contribuído muito para os avanços.
Foi das mãos da mãe que Sandra Andrade, 61, recebeu o cajado de líder do Quilombo Carrapatos da Tabatinga, em Bom Despacho (MG). A comunidade é chefiada por mulheres, que, em cerimônia, repassam o cargo à nova geração.
“Lutamos para preservar a terra e tirar dela a sobrevivência. Nosso território não é para especulação imobiliária”, explica a líder.
Houve retrocesso no governo de Jair Bolsonaro. O número de certificações de terras quilombolas (o primeiro passo no processo de titulação das terras) caiu 58% em 2020.
Sem garantias, as comunidades seguem sofrendo invasões. Sandra acompanha o problema há 40 anos, quando ingressou na luta quilombola.
Apesar de tudo, ela vê evolução nas últimas décadas. “Antes, não tínhamos direito universal. Agora, os estados nos reconhecem como sujeitos de direito. Conquistamos educação e um pouco de saúde”.
A ativista espera que a luta seja menos árdua para seus sucessores e que eles saibam que o território é sua única casa: “A gente nasceu e quer morrer nesse pedacinho que nossos ancestrais deixaram. Ser quilombola é ter o pé no chão”.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/08/pioneiros-lembram-o-passado-do-movimento-negro-no-brasil.shtml
Fernando Gabeira: Um país no retrovisor
Na semana passada, li um pequeno livro do francês Jacques Attali, chamado “A economia da vida”, em que ele descreve como se preparar para uma nova pandemia dentro de dez anos.
O autor esboça uma história das epidemias desde quando as pessoas começaram a se reunir em grande número, na Mesopotâmia, na Índia e na China.
Uma de suas conclusões que me interessam aqui é que as epidemias derrubam governos, impérios e, às vezes, arrastam até religiões.
Até hoje, impressiona-me a ignorância de Bolsonaro e seus gurus, que se recusaram a perceber a dimensão gigantesca desse fenômeno e foram atropelados por ele, produzindo com sua política de avestruz mais de meio milhão de mortos.
Sei que muitos não concordam, mas, na minha opinião, Bolsonaro foi destruído pela pandemia, e não vejo como se recuperar, apesar da decantada memória fraca dos brasileiros.
Quando olho para seus passos, penso: em termos políticos, está lá um corpo estendido no chão. A tática de se unir aos grupos fisiológicos não é nada mais que uma continuidade da miopia, por outros caminhos.
Interessante é que declara ter entregado a alma do seu governo ao Centrão. Como se esse espaço político estivesse povoado por piedosos pastores que colecionam almas para sua salvação, e não por vorazes caçadores do tesouro.
Diante de minhas retinas fatigadas, vejo uma reedição da aliança de militares e políticos decadentes que já fracassou no passado. E, o que é o pior, o corpo estendido no chão depois que uma jamanta histórica passou sobre ele não consegue perceber que veículos menores se aproximam para esmagá-lo de novo. Refiro-me à crise hídrica e à consequente dificuldade energética que o Brasil certamente enfrentará em novembro. De novo, a mesma displicência obtusa com que enfrentou a pandemia.
A Coreia do Sul obteve o mapa genético do vírus, produziu testes, toneladas de máscaras e rastreou diligentemente todos os casos. Isso não aconteceu aqui, assim como não surgirão campanhas pelo uso racional da água e da energia. O impacto de uma crise energética, embora muito menor que de uma pandemia, foi suficiente para desequilibrar o PSDB no início do século.
Estamos diante de um imenso fracasso da extrema direita. O que se vê no horizonte é a ascensão de uma nostalgia por um governo de 20 anos atrás. Sem entrar no mérito, é importante lembrar que a História não se repete, que as condições foram alteradas em duas décadas. No mínimo, considere-se que o país foi sacudido por duas poderosas forças destrutivas: a pandemia e o governo Bolsonaro.
Certas convicções na chamada “inteligência brasileira”, com tantas pessoas talentosas e queridas, não mudam com o tempo. Uma delas é o apego romântico à Revolução Cubana.
O pau quebra na ilha, e surgem notas de apoio ao governo e ao povo cubano, como se fosse possível apoiar simultaneamente opressores e oprimidos. É difícil imaginar que milhares de pessoas nas ruas sejam mercenários a serviço dos EUA, que jornais europeus como El País e Le Monde mintam para fortalecer o império.
Impossível ignorar o movimento de artistas chamado San Isidro, que se bate contra um decreto que exige que toda produção cultural tenha autorização do governo.
Já estou resignado em achar que certas ideias são levadas ao túmulo, apesar do curso dos fatos. No entanto há mudanças que não podem ser ignoradas. Uma delas é a questão ambiental. O tema subiu ao topo da agenda dos líderes mundiais. Fundos de pensão e empresas o consideram como uma variável decisiva.
O que há de apenas retórico nessas teses será arrastado para a prática diante dos eventos extremos que se sucedem: onda de calor no Canadá, enchentes na Europa, declínio dos rios voadores que vêm da Amazônia.
As eleições não podem nos jogar na máquina do tempo, onde tenhamos de escolher, entre as nostalgias, aquela que for a mais recente.
Fonte:
O Globo
https://blogs.oglobo.globo.com/opiniao/post/um-pais-no-retrovisor.html
Maioria dos brasileiros acredita que Bolsonaro é corrupto, revela pesquisa
Pesquisa do Instituto Atlas Político mostrou que 54,3% da população acha que o presidente tem envolvimento com atos de corrupção na compra de vacinas contra a covid-19
Thays Martins / Correio Braziliense
A maioria dos brasileiros considera que o governo de Jair Bolsonaro tem envolvimento com atos de corrupção e apoia o impeachment do presidente, segundo uma pesquisa divulgada pelo Instituto Atlas Político nesta segunda-feira (2/8). A pesquisa foi encomendada pelo jornal Valor Econômico.
De acordo com o levantamento, para 54,3% dos brasileiros, o presidente Jair Bolsonaro tem envolvimento com possíveis irregularidades na compra de vacinas contra a covid-19. Outros 35,4% acreditam que Bolsonaro é inocente; 10,3% dos entrevistados não souberam responder.
A desconfiança cresce ainda mais quando se fala em outros integrantes do governo. Somente 17,2% dos brasileiros acreditam que os aliados do presidente não estão envolvimentos em atos de corrupção relacionados à vacina. Para 61,2%, o governo Bolsonaro é corrupto. A pesquisa ainda mostrou que 56,4% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro tenha acobertado práticas de corrupção de aliados.
A análise vem depois das denúncias de superfaturamento e negociação de propina no escândalo da vacina indiana Covaxin, investigados pela CPI da Covid, no Senado Federal.
A pesquisa ainda mostrou que 55,4% da população apoia o impeachment de Bolsonaro e 40% são contra. O chefe do Executivo já recebeu mais de 100 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados. Em julho, ele foi alvo de um "megapedido" pela saída dele do cargo com mais de 100 denúncias por 23 crimes.
A pesquisa entrevistou 2.884 pessoas entre 26 e 29 de julho. A margem de erro é de dois pontos percentuais.
Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941223-maioria-dos-brasileiros-acredita-que-bolsonaro-e-corrupto-revela-pesquisa.html
Eleitores aguardam definição do nome que irá representar 3ª via na disputa
Candidaturas que se apresentam como alternativa de equilíbrio entre Bolsonaro e Lula correm contra o tempo para tentarem algum entendimento e se consolidarem, antes que se complique a operação de retomada dos votos que migraram para os extremos
Jorge Vasconcellos / Correio Braziliense
Os eleitores que não pretendem votar no presidente Jair Bolsonaro nem no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na próxima eleição — cerca de 40% do total, segundo as recentes pesquisas de opinião —, ainda aguardam uma definição sobre qual será o nome que representará a chamada terceira via na disputa. Até o momento, nenhum dos principais pré-candidatos de centro demonstrou disposição de abrir mão da cabeça de chapa.
Essa posição apenas favorece Bolsonaro e Lula, naturalmente consolidados — não apenas por serem antagonistas, mas um por ser o atual presidente da República e o outro por ainda ser apontado como o principal líder das esquerdas no país. Para quebrar essa consolidação, os postulantes da terceira via correm contra o tempo para que, assim que se apresentarem, o eleitor já não tenha optado por um dos dois. A postulação tardia embute o risco de fracassar na estratégia de trazer de volta ao centro os votos que migraram para os extremos.
A discussão sobre a criação de uma frente de partidos de centro para ter um candidato contra Bolsonaro, em 2022, começou há pouco mais de um ano, impulsionada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (sem partido-RJ). Ainda hoje, entre os mais citados para assumir essa missão estão os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Ciro Gomes (PDT); o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG); e os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (ambos do PSDB).
Em outubro, os tucanos vão realizar prévias para escolher o candidato presidencial do partido. Por pressão de Doria, o evento vai ocorrer pouco menos de um ano antes do prazo dado pela lei eleitoral para as siglas escolherem os respectivos concorrentes. O governador disputa a indicação com o gaúcho Eduardo Leite.
Em outro front, Ciro reforça a artilharia contra Lula e Bolsonaro e se apresenta como o único capaz de colocar o país nos trilhos da economia. O investimento da pré-campanha, que inclui a contratação de João Santana, ex-marqueteiro do petista, indica que a possibilidade de o pedetista abrir mão da cabeça de chapa na próxima eleição, pelo menos até agora, é remota.
No caso de Rodrigo Pacheco, apesar de ter sido eleito presidente do Senado com o apoio da base do governo na Casa, sua possível postulação ao Palácio do Planalto depende da troca do DEM pelo PSD — cujo presidente, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, trabalha para convencê-lo de que tem chances na disputa.
Toda essa movimentação aponta que 2022 deverá ter mais de um candidato se apresentando como alternativa ao atual cenário de polarização política. Segundo Guilherme Casarões, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), isso é possível porque, quanto mais distantes os polos da disputa política, maior o espaço em que a terceira via pode operar ideologicamente.
“O que aconteceu em 2018 e, sobretudo, nesta próxima eleição, é que é enorme a distância ideológica entre as duas candidaturas que se colocam como as principais hoje, Bolsonaro e Lula. E, então, o que acontece? Nesse quadro, a terceira via terá mais opções ideológicas para oferecer uma alternativa. Por isso é que, desde o começo deste ano, principalmente, o debate está girando em torno de vários candidatos. Então, existem vários tentando ocupar esse espaço”, explicou.
Já o cientista político André Pereira César considera ser possível que os partidos de centro cheguem divididos na eleição do ano que vem. Porém, observa que essa fragmentação pode beneficiar os dois concorrentes que, hoje, estão polarizados — Bolsonaro e Lula.
“Se botar dois ou três candidatos, fragmenta de uma maneira que não vai conseguir levar nenhum desses ao segundo turno. Vão chegar Bolsonaro e Lula. Quero crer que vai se consolidando na cabeça dos formuladores que é preciso ter um nome. Uma chapa, com um cara forte. Quanto antes você chegar com um candidato mais ou menos consolidado, que seja capaz de juntar e unificar todas as vertentes, melhor. Tem um público que não vota nem no Lula nem no Bolsonaro, na casa dos 40%. É esse público que a terceira via quer conquistar, mas só quando tiver um nome”, observou.
Fonte:
Correio Braziliense
https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/08/4941182-eleitores-aguardam-definicao-do-nome-que-ira-representar-3---via-na-disputa.html
Bolsonaro é o presidente que mais paga emendas ao Congresso e o que menos aprova projetos
Com articulação política precária, presidente é o que mais cede controle do Orçamento ao Congresso em busca de apoio desde 2003; mesmo assim, avançou pouco na aprovação de projetos
André Shalders / O Estado de S.Paulo
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro vai consolidar uma mudança radical na articulação política do governo. O general da reserva Luiz Eduardo Ramos cedeu a Casa Civil para um líder do Centrão, o presidente do Progressistas e senador pelo Piauí Ciro Nogueira. Levantamento do Estadão mostra que não faltam motivos para a troca: desde 2003, Bolsonaro é o presidente que mais pagou emendas para congressistas — R$ 41,1 bilhões até agora — ao mesmo tempo em que seu governo foi o que menos aprovou projetos no Congresso.
O presidente admitiu que Ramos tinha "dificuldades" de relacionamento com o Congresso — algo que o general negou, ao deixar o posto. "O general Ramos é uma pessoa nota 9. Não é 10 porque falta para ele um pouco de conhecimento para melhor conversar com o parlamentar", disse Bolsonaro. Nos últimos meses, o presidente da República vinha recebendo comentários negativos sobre a capacidade de articulação do general da reserva.
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Desde o começo do mandato, Bolsonaro aprovou 83 propostas, entre projetos de lei, medidas provisórias e propostas de emenda à Constituição (PECs). É como se o governo Bolsonaro tivesse aprovado um projeto a cada 11,3 dias no Congresso. O antecessor Michel Temer (MDB) aprovou uma proposta a cada 9,6 dias, em média. Até Dilma Rousseff (PT), conhecida pela falta de habilidade no relacionamento com os parlamentares, registrou uma marca ligeiramente melhor em seu segundo mandato, marcado pelo processo de impeachment: um projeto a cada 11,2 dias (foram 44 propostas aprovadas em um ano e meio).
Os números mostram como os congressistas vêm ampliando seu controle sobre o Orçamento da União ao longo dos anos. O processo começou antes de Bolsonaro, mas acelerou muito durante o governo do capitão com a utilização das chamadas emendas de relator-geral, identificadas com o código RP 9. Na prática, estas emendas se tornaram uma forma do governo liberar recursos para congressistas aliados, de acordo com a conveniência política do Palácio do Planalto e sem qualquer transparência sobre quem indicou o quê. O caso foi revelado pelo Estadão e ficou conhecido como orçamento secreto.
A nova modalidade RP 9 resultou em pagamentos de R$ 8,34 bilhões em emendas apresentadas em 2020 e R$ 4,51 bilhões em 2021, puxando para cima o "custo" da relação de Jair Bolsonaro com o Congresso. O RP 9 também fez com que 2020 — ano da pandemia da covid-19 e de forte crise econômica — se tornasse o exercício com o maior valor pago em emendas desde 2003: foram R$ 22,6 bilhões. A maior parte do dinheiro é direcionada para pequenas melhorias e para a compra de equipamentos nas cidades onde os congressistas têm votos.
'Custo Bolsonaro'
Desde o começo do governo, Bolsonaro pagou R$ 41,1 bilhões em emendas parlamentares. É como se cada um dos 83 projetos aprovados pelo governo do capitão da reserva tivesse "custado" R$ 495,2 milhões — embora não seja possível correlacionar diretamente a aprovação de projetos específicos ao pagamento de emendas. O valor é mais que o dobro do segundo colocado, o governo de Michel Temer, que desembolsou, em média, R$ 192 milhões em emendas a cada projeto aprovado.
Apesar de ter trocado o comando da articulação política, nada indica que Bolsonaro pretenda interromper o uso das emendas RP 9 para conquistar a boa vontade do Congresso. Ao contrário: o número 2 de Ciro Nogueira na Casa Civil será o engenheiro Jonathas Assunção Salvador Nery de Castro, antigo secretário-executivo do general Luiz Eduardo Ramos. Apresentado ao general pelo seu genro, Marcelo Sampaio, Nery de Castro coordenou a liberação das emendas RP 9 do lado do governo no ano de 2020.
Para a doutora em ciência política e especialista em política legislativa Beatriz Rey, a comparação do "custo" em emendas de cada projeto aprovado tem limitações, mas serve para dar indícios de como o processo político está se desenrolando. "Dado que a gente sabe que esta é uma medida limitada, eu acho que essa discrepância no 'custo por projeto' é decorrente da incompetência do governo Bolsonaro em gerir a coalizão (no Congresso)", afirmou Beatriz.
"Um valor tão alto mostra que Bolsonaro, desde o começo do governo, teve muita dificuldade em montar uma coalizão estável, e se viu forçado a encontrar outras moedas de troca alternativas", disse ela. "(O fato de) ele ter ressuscitado as emendas de relator é um indicador das incompetências na gestão da coalizão, assim como aconteceu durante Dilma. Pior ainda no caso dele", diz Beatriz, que é hoje pesquisadora da universidade Johns Hopkins, em Baltimore, nos EUA.
"De fato, Bolsonaro é o presidente, do ponto de vista da aprovação legislativa, com a pior relação com o Congresso. No entanto, o fato de ele não ter sofrido impeachment até o momento não se deve só ao (presidente da Câmara) Arthur Lira (PP-AL). É também porque ele está fazendo esforços que Dilma Rousseff não fez. Mas, do ponto de vista da produção legislativa, é o governo mais fraco de que se tem notícia", diz o cientista político da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Sérgio Praça.
No começo de junho, o Estadão mostrou que deputados contemplados com verbas do orçamento secreto votaram conforme a vontade do governo em 87,6% das ocasiões em 2020 — o mesmo grupo de congressistas não era tão fiel ao Planalto em 2019, quando a distribuição de recursos ainda não acontecia: naquele ano, eles votaram com o governo apenas 54,1% das vezes.
As informações sobre os projetos do Executivo foram compiladas pela reportagem a partir dos dados abertos publicados pela Câmara dos Deputados. Já as informações sobre as emendas foram extraídos da ferramenta Siga Brasil desenvolvida pelo Senado Federal e de levantamentos anteriores da Confederação Nacional de Municípios (CNM), da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados (Conof) e da ONG Contas Abertas.
Fundador da Contas Abertas, o economista Gil Castello Branco avalia que o custo do apoio parlamentar de Bolsonaro segue crescendo conforme a popularidade do mandatário cai. "Como acontece há anos, as emendas são as moedas de troca. Mas o novo mecanismo (emendas de relator) é ainda pior do que os anteriores, visto que antes, nas emendas parlamentares tradicionais, os patrocinadores eram conhecidos, de forma transparente", diz ele.
"No esquema atual, os parlamentares favorecidos são escolhidos à dedo, sem qualquer critério republicano, e o valor da 'cota' de cada um fica oculto da sociedade. O sistema atual, além de ter um custo muito mais alto, é uma burla à democracia", diz Castello Branco.
A base de dados traz ainda outros números que atestam a fragilidade da articulação política de Bolsonaro até o momento, sob a coordenação de Ramos e, em menor grau, da deputada Flávia Arruda (PL-DF). Bolsonaro é, por exemplo, o campeão em medidas provisórias que não foram aprovadas a tempo pelo Congresso e perderam a eficácia. Sob Bolsonaro, 70 MPs acabaram caducando. Michel Temer, o segundo colocado, deixou apenas 40 medidas provisórias se perderem. Procurado por meio da Secretaria de Comunicação (Secom), o governo não respondeu.
Aumento das emendas começou com Dilma
O pagamento das emendas parlamentares começou a aumentar a partir de 2015, quando o Congresso aprovou uma emenda à Constituição criando o chamado "orçamento impositivo", isto é, a obrigatoriedade do Executivo pagar uma parte das emendas individuais dos congressistas — até então, o governo não tinha obrigação de pagar as emendas. Em 2019, já no governo Bolsonaro, outra emenda à Constituição aumentou ainda mais os desembolsos, ao tornar compulsório o pagamento também das emendas de bancadas estaduais.
Um consultor de Orçamento da Câmara consultado pela reportagem conta que, antes de 2015, o valor efetivamente pago das emendas individuais era, em média, de 0,4% da Receita Corrente Líquida (RCL) — ou seja, 04% de tudo que a União arrecada com impostos, excluídas as transferências obrigatórias para Estados e municípios. De acordo com ele, esses pagamentos eram feitos com bastante defasagem, em média levava de três a quatro anos para uma emenda ser totalmente paga.
Na primeira versão da PEC do Orçamento impositivo de 2015, este montante subiria para 0,6% da RCL. Quando a proposta chegou ao Senado, porém, a então presidente Dilma Rousseff indicou a ex-ministra e ex-senadora Ideli Salvatti para acompanhar as negociações. Ex-senadora, a ex-ministra acabou cedendo para ficar com o dobro do valor (das emendas individuais impositivas), para os atuais 1,2% da Receita Corrente Líquida.
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Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,bolsonaro-e-o-presidente-que-mais-paga-emendas-ao-congresso-e-o-que-menos-aprova-projetos,70003797615
Carlos Marchi diz que pandemia inibe manifestações pelo impeachment
Jornalista e escritor analisa, em artigo na revista Política Democrática online de julho, reflexo da pandemia na mobilização de Bolsonaro
O jornalista e escritor Carlos Marchi diz que “multidões estariam ocupando as ruas pedindo pelo impeachment se não fosse a ameaça do coronavírus”. Ele publicou artigo na revista Política Democrática online de julho (33ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.
Clique aqui e confira a revista Política Democrática Online de julho (33ª edição)
Todos os conteúdos da revista mensal da FAP podem ser acessados, gratuitamente, na versão flip da revista, de forma gratuita. Segundo o autor, o presidente de Jair Bolsonaro (sem partido) sustenta seu negacionismo e mobilização nas ruas justamente porque seus opositores não podem fazer o mesmo sem se contradizerem.
É assim que, ainda de acordo com o autor, o presidente tem mantido seu emprego e pensado em reeleição no ano de 2022. “Afinal, ele e Lula, à frente nas pesquisas, são antípodas só de mentirinha; na verdade, são mutuamente convergentes na polarização. Um retroalimenta o outro”, analisa.
Em outras palavras, segundo o texto, Lula não seria melhor ou pior que Bolsonaro. “Os antípodas não são antípodas”.
Ainda sobre as eleições, Marchi volta a mencionar como Lula parece ser o único a vencer Bolsonaro, sua rejeição arrefece, pois, segundo ele, muita gente que não votaria nele contra qualquer outro candidato muda de ideia nesse quadro e acaba votando, para “evitar o pior”.
“As grandes manifestações de rua sempre impõem alguma mudança de rumo ao país”, diz o texto. O autor cita, por exemplo, a manifestação de 1904, as greves de 1917, a grande marcha civilista de 1937 e a Passeata dos Cem Mil, em junho de 1968, que enfraqueceu a ditadura militar.
O impeachment de Collor, o qual foi turbinado pelas ruas, serve de base para o jornalista e escritor afirmar que as ruas podem mudar o rumo da sucessão. Porém, segundo o jornalista, o que interessa a Bolsonaro e Lula é a polarização, não as ruas cheias.
Confira todos os autores da 33ª edição da revista Política Democrática online
Na revista Política Democrática online de julho, os internautas também podem conferir entrevista exclusiva com a jurista Eliana Calmon e reportagem especial sobre a fome, que no país e no restante do mundo, pode matar 11 pessoas a cada minuto, até o final deste ano, no planeta, caso nada seja feito, segundo relatório da organização internacional Oxfam. A revista mensal Política Democrática online de julho também traz artigos sobre políticas nacional e externa, economia, meio ambiente e cinema.
Além do diretor-geral da FAP, Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista.
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Governo quer parcelar sentenças judiciais e liberar R$ 40 bi do Orçamento para o novo Bolsa Família
Pela proposta, pagamentos serão feitos em dez anos, permitindo criar um programa social beneficiando 17 milhões de pessoas com R$ 300
Manoel Ventura / O Globo
BRASÍLIA - Após identificar que derrotas judiciais podem consumir boa parte dos recursos previstos para custear a nova versão do Bolsa Família, o governo finalizou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para abrir espaço no Orçamento e permitir o pagamento do benefício no próximo ano, marcado pelas eleições presidenciais.
O texto prevê que as despesas com sentenças da Justiça poderão ser pagas com uma fração do valor em 2022 e mais nove parcelas anuais. As mudanças previstas na PEC criam uma margem de cerca de R$ 40 bilhões no Orçamento de 2022.
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Os técnicos do Ministério da Economia avaliam que, com o colchão de recursos criado pela PEC, será possível propor um programa social com pagamento médio de R$ 300 para 17 milhões de pessoas. Atualmente, o pagamento médio do Bolsa Família é de R$ 192 para 14 milhões de beneficiários.PUBLICIDADE
O benefício é visto dentro do governo como vitrine para a campanha do presidente Jair Bolsonaro nas eleições do próximo ano, e ele já declarou reiteradas vezes que a nova versão do programa social tem de ficar em R$ 300. O custo total do benefício no próximo ano deve ficar em R$ 56 bilhões.
‘Míssil’ contra ‘meteoro’
O texto vem sendo discutido há duas semanas entre o Ministério da Economia e o Palácio do Planalto e deve ser apresentado pelo ministro Paulo Guedes junto com o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco, (DEM-MG) em uma reunião na tarde de hoje.
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A medida trata dos chamados precatórios, dívidas do governo reconhecidas pela Justiça e para as quais não é mais possível recorrer.
A PEC foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro dias atrás quando se referiu ao programa social. O texto da PEC permite o parcelamento das dívidas judiciais de maior valor, na casa de milhões de reais, e não mexe em dívidas menores, como débitos relacionados a aposentadorias do INSS.
A proposta foi classificada por Guedes na última sexta-feira como um “míssil” para atingir um “meteoro” criado por outros poderes, já que os precatórios são definidos pelo Judiciário anualmente.
Antes de saber dos detalhes da PEC, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) classificou o parcelamento dos precatórios como “calote”.
O governo terá de pagar R$ 89,1 bilhões em 2022 por causa de sentenças judiciais de que não pode mais recorrer, segundo dados aos quais o GLOBO teve acesso. Esse número representa alta de 62% em relação ao valor previsto para este ano (R$ 54,7 bilhões) e que já vinha crescendo acima da inflação.
O crescimento previsto dos precatórios para o próximo ano é muito superior à alta da inflação e ao teto de gastos, que é corrigido pelo IPCA.
Em razão da trajetória estimada de inflação para este ano, o governo previa uma folga de R$ 30 bilhões no teto de gastos, o que significa mais recursos para gastar no próximo ano. Isso acontece porque o teto é corrigido pela inflação em 12 meses até junho, quando a taxa acumulada ficou acima de 8%.
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Mas as despesas com aposentadorias são corrigidas pelo índice de preços no fim do ano, quando se espera um percentual mais próximo dos 6%. É dessa diferença que o governo estima a margem de R$ 30 bilhões.
E era justamente desta folga que viria boa parte dos recursos para custear o Bolsa Família sem ferir regras fiscais, mas o aumento das despesas previstas com precatórios engoliu essa margem no Orçamento.
Integrantes do Ministério da Economia têm dito que algumas das decisões judiciais têm características não recorrentes e se transformaram em dívidas bilionárias.
Um exemplo disso é a discussão sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) dos estados, um esqueleto que vem desde o governo Fernando Henrique Cardoso e teve decisão só agora. As despesas relacionadas a esse passivo subiram em R$ 17 bilhões a conta total de precatórios de 2022.
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Para conter o avanço das despesas com sentenças judiciais e deixar a dinâmica desse gasto mais próxima do teto, o governo vai propor alterar a Constituição.
‘Superprecatórios’
Hoje, só é permitido o parcelamento, por um período de até cinco anos, de precatórios que custam 15% do total desse tipo de dívida. Mas praticamente não há dívidas nesse montante.
Por isso, o governo vai propor que precatórios acima de 60 mil salários mínimos (R$ 66 milhões) também possam ser parcelados. A esse tipo de dívida será dado o nome de “superprecatório”, e a regra será permanente.
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Nesse caso, uma fatia de 15% do precatório será paga em um ano e o restante parcelado em nove anos. A mudança vai abranger 42 decisões judiciais em 2022 e dará um alívio de R$ 20 bilhões para o governo no próximo ano.
O texto cria um regime especial para o pagamento das dívidas judiciais até 2029. A PEC limita a despesa total com precatórios a um percentual de 2,6% da receita corrente líquida (disponível para gastar) acumulada 12 meses antes da requisição dos precatórios. É uma forma de delimitar quanto pode ser pago em um ano.
Essa mudança vai abranger mais de 7 mil decisões judiciais e gerar uma economia de mais R$ 20 bilhões no próximo ano. O pagamento das sentenças será dividido: o desembolso em um ano (limitado a 2,6% da receita) e mais nove parcelas anuais.
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O governo começou a elaborar a proposta após ser surpreendido pelo tamanho da conta de sentenças judiciais, a maior parte delas do Supremo Tribunal Federal (STF). Nas semanas que antecedem o envio do Orçamento do ano seguinte ao Congresso, o Ministério da Economia recebe a relação das sentenças que precisam ser quitadas. O Orçamento será enviado ao Congresso pelo governo no dia 31.
A ideia da proposta é deixar o valor dos precatórios mais próximo ao patamar deste ano, de R$ 54,7 bilhões. Sem a mudança, os técnicos da equipe econômica dizem que os precatórios consumiriam o equivalente a 68% das despesas não obrigatórias do governo (investimentos e custeio da máquina pública).
Caso o Congresso aprove a PEC da forma como desenhou o governo, haverá espaço extra no Orçamento não só para o novo Bolsa Família, mas para investimentos e despesas de outras áreas. Para aprovar uma PEC, são necessários os votos de 308 deputados e 49 senadores em duas votações em cada Casa.
Regra para estados e municípios e a União
A proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitirá o parcelamento das dívidas federais decorrentes de decisões judiciais também vai dar mecanismos para o governo fazer encontros de contas com relação às sentenças que beneficiam estados, municípios e empresas.
No caso de estados e municípios, a proposta permitirá um encontro entre passivos. Por exemplo, uma decisão judicial que beneficia um estado poderá ser usada para abater a sua dívida com o governo federal. Dessa forma nenhuma das partes precisará fazer desembolsos. Ou seja, se um estado tem um precatório de R$ 5 bilhões, ele poderá usar esse valor para pagar a dívida com o governo federal.
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A proposta cria também um fundo no qual a União vai colocar ativos, como imóveis. Esses ativos, por sua vez, poderão ser usados para pagar dívidas judiciais do governo com empresas.
Caso uma companhia ganhe um processo contra o Executivo, esse valor poderá ser pago pelo governo com ativos que serão inseridos nesse fundo. A forma como os valores dos bens serão mensurados e a possibilidade de deságios serão regulamentadas após a eventual aprovação da PEC.
A Economia vê nas propostas uma forma de equalizar o balanço da União, ao reduzir ativos imobilizados (que podem estar subutilizados e gerando custos) e as dívidas federais.
Agenda ESG para melhores práticas no governo e na gestão pública
Henrique Meirelles e Gustavo Junqueira
A agenda ESG, sigla usada para se referir às melhores práticas ambientais, sociais e de governança, tem ganhado relevância nas discussões do setor privado, principalmente na pauta de investimentos. Nesse sentido, se transformou em critério decisório para os players do mercado. A emergência climática, combinada com a pandemia, acelerou preocupações com estes critérios que, gradualmente, passam a balizar a tomada de decisão sobre onde investir. Consequentemente, multiplicam-se as empresas que têm assumido compromissos com a descarbonização, com a diversidade do seu quadro de funcionários e com melhores práticas internas. Por um lado, temos a grande movimentação do setor privado. Por outro, o governo, sobretudo no Brasil, tem estado ausente das discussões. É preciso mudar isso.
Na reunião do Fórum Econômico Mundial de 2021 ficou claro que adentramos a era do capitalismo de stakeholders. Os investidores agora se preocupam com todas as partes interessadas afetadas por seus negócios. Não basta mais que as empresas gerem riqueza apenas para si próprias: é necessário que agreguem valor para seus funcionários, para a comunidade na qual estão inseridas e para o mundo. Como resultado, investimentos levando em conta estes critérios ESG tornam suas marcas mais valiosas, ao mesmo tempo em que beneficiam a sociedade e o planeta.
Contudo, ESG não é um assunto da iniciativa privada. O setor público, por sua própria natureza, trabalha todos os dias com temas ESG por meio de suas ações. O que se espera dos governos é a criação das condições e regulações necessárias para incentivar investimentos e a adoção de boas práticas pelas empresas. Não só: os governos logo serão cobrados a incorporar os princípios ESG na forma de gerir o Estado. Em 2015, a ONU estabeleceu a Agenda 2030, com um conjunto de dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em mais de uma centena de metas para que um país seja considerado sustentável, justo e próspero. Num exemplo de ação, nessa semana a União Europeia ditou o ritmo global sobre descarbonização. Começamos a ver a concretização de um outro grande passo com a adesão maciça dos países e do próprio Estado de São Paulo a um dos grandes programas da COP26, o Race to Zero.
São Paulo e o Brasil precisam não só se integrar a estas discussões, como engajar o setor privado para que tenhamos clareza sobre os custos e sobre quais ferramentas deveremos adotar para nos moldarmos à economia do futuro. Nossa missão hoje é de integrar o setor privado, e líderes e especialistas na agenda ESG para que sejamos parte dessa negociação global.
Na InvestSP já iniciamos este trabalho. A agência, que atua na atração de investimentos e melhoria da competitividade do estado de São Paulo há anos demonstrando resultados positivos, agora se volta para a pauta ESG, garantindo os melhores investimentos e melhores práticas no Estado. O grande desafio será lançar nos próximos meses um plano de implementação e monitoramento ESG para o Estado de São Paulo, como um grande indutor desta agenda. Com base internacional, já em andamento, serão estabelecidas metas estratégicas e um guia com as condições necessárias para a adoção de boas práticas que orientarão não só o setor privado, mas o próprio governo, que precisa incorporar, em sua totalidade, o ESG no dia a dia da administração pública.
Este é o caminho para multiplicar o impacto da agenda ESG no Brasil e com isso atrair investimentos que reforcem positivamente essa agenda, tornando-nos mais competitivos em escala global. Vale lembrar que, em 2020, pela primeira vez os investimentos em energias renováveis (eólica, solar, biomassa e outras) superaram o volume de investimentos em energias fósseis, como óleo e gás (US$ 87,2 bi contra US$ 45,2, segundo o fDi Report 2021) no mundo.
Certamente, São Paulo não parte do zero, pois o estado já tem uma série de iniciativas aderentes à pauta ESG. Desde o início do governo Doria, houve grande preocupação em implementar iniciativas na agenda ambiental, social e de governança. Não são poucos os exemplos: hoje atingimos o status de estado com desmatamento zero; possui o maior programa de restauração ecológica do mundo, o Agro Legal, que restaurará mais de 800 mil hectares de vegetação nativa; trouxemos um sistema de transparência para a gestão pública, o SP Sem Papel; criamos o maior programa social da história de São Paulo através do Bolsa do Povo; fizemos a licitação da rodovia Piracicaba-Panorama, a primeira rodovia carbono zero do país.
Como se diz, o ESG é uma jornada coletiva em favor de um mundo melhor. O futuro é nessa direção. Para manterem-se competitivos e capazes de atrair investimentos que ajudem a construir esse novo mundo, é fundamental que os governos não fiquem de fora do debate acerca do ESG. Assim, aos poucos, conjugando os esforços do setor público e do setor privado, será possível construir um futuro mais sustentável, diverso e justo.
*Henrique Meirelles, secretário da Fazenda do Estado de São Paulo
*Gustavo Junqueira, presidente da InvestSP
Artigo publicado na seção Espaço Aberto (pág. A2) na edição de 29 de julho do ‘Estadão’
Fonte:
O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/esg-no-governo-e-na-gestao-publica-2/