Day: maio 21, 2021
Reinaldo Azevedo: Precisamos da Frente Ampla Contra o Ódio; o resto se vê depois
Pensem nos quase 450 mil mortos de Covid-19 e lembrem-se dos respectivos desempenhos de Marcelo Queiroga e Eduardo Pazuello na CPI. Procurem se inteirar dos motivos que levaram o ministro Alexandre de Moraes a autorizar a operação da PF contra a cúpula do Ministério do Meio Ambiente. Pensem no palanque em favor de um golpe, armado em Brasília no sábado passado, com a presença do ministro da Defesa.
Leiam, nesta Folha, a entrevista de Mario Frias, secretário de Cultura, que viajou à Itália para a abertura da 17ª Mostra Internacional de Arquitetura da Bienal de Veneza. Ele confessa à repórter não saber quem é Lina Bo Bardi, a grande homenageada da mostra. Informado sobre as obras que ela projetou no Brasil, usou-a como exemplo do que entende ser a “alma brasileira”. Italiana, Lina só se naturalizou em 1951, aos 37 anos. Isso não é um governo.
É natural, nas democracias, que grupos e partidos se organizem para apoiar ou se opor à administração de turno, segundo os valores e o viés ideológico dos que estão no poder e dos que a eles se opõem. Há, no entanto, uma diferença entre fazer oposição a um governo dito “conservador” ou “progressista”, segundo marcos de “economia política” —expressão que precisa ser devolvida ao debate—, e ter de resistir à combinação de múltiplas expressões de delinquência.
Mundo afora, governos querem, por exemplo, taxar um pouco menos ou um pouco mais os ricos. O pressuposto dos primeiros, para ser sintético, é que mais dinheiro com a sociedade, não com o Estado, gera um maior número de empresas e empregos —e, pois, aumenta a riqueza. Já seus adversários sustentam que o modelo concentra renda e conduz a iniquidades sociais.
Ganhando a direita democrática, ou uma variante mais ao centro, esta buscará adotar medidas compensatórias para enfrentar a crítica de que não se importa com o social. Vencendo a esquerda, ou força assemelhada, o normal é que busque um entendimento com os donos do dinheiro, tentando convencê-los de que a redução das desigualdades amplia o mercado e, pois, a riqueza —aquela mesma que a direita também diz buscar. Avança-se. Ora com mais reformismo, ora com menos.
Em 2018, o Brasil rompeu com a direita, com a esquerda e com o centro. Em 2018, o Brasil rompeu com o bom senso. Em 2018, o Brasil rompeu com a racionalidade. Em 2018, o Brasil rompeu com a economia política. Em 2018, o Brasil rompeu com a ciência. Em 2018, o Brasil rompeu com o pacto civilizatório. Em 2018, o Brasil rompeu com o futuro.
Já escrevi dezenas de textos a respeito. Demonstrei em que medida a razia provocada nas instituições alimentou a crença de que haveria uma solução mágica. Mais: ela seria imposta por um ogro —ignorante e grosseiro, como sói—, mas que traria consigo a vontade genuína de acertar, livre de todos os “vícios” dos políticos. Ocorre que os tais “vícios” traduzem, justamente, as virtudes da conciliação necessária. Eram e são muitos os males a corrigir. Mas nenhum fora ou acima da política.
Na marcha rumo aos 500 mil mortos, vemos que Jair Bolsonaro cumpre rigorosamente o que prometeu. Já eleito, afirmou, ainda antes da posse, haver no país mais coisas a desconstruir do que a construir.
Observem: com sinais de uma possível terceira onda de Covid-19 —sem que a segunda tenha deixado de nos apavorar—, o Ministério da Saúde ainda não fez uma campanha nacional sobre métodos de prevenção porque, afinal, estes não combinam com as crenças do presidente e com seus próprios hábitos. E, no entanto, lá estava Braga Netto, da Defesa, no palanque golpista.
Que as forças comprometidas com o pacto civilizatório façam o possível para que as hostes da destruição não sejam nem mesmo uma das opções em 2022. O governo Bolsonaro não pode ser visto como um simples surto de incompetência a ser superado. Estamos diante da evidência de que a democracia não precisa de um golpe para morrer. Ela pode ser solapada pela irracionalidade tomada como um método.
Pode ser aterrador, eu sei, mas o Brasil contemporâneo prova que o ódio e o ressentimento são forças poderosas e mobilizadoras.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Hélio Schwartsman: A revanche do cabo e do soldado
A seguir nessa toada, bastarão um cabo e um soldado da PM munidos de ordem judicial para apear Jair Bolsonaro da Presidência. O governo enfrenta batalhas em vários fronts —e está perdendo todas.
O teatro de operações mais vistoso é a CPI da Covid. Os depoimentos vêm não apenas escancarando o completo despreparo do governo para lidar com a crise como o seu descaso para com o que se convencionou chamar de verdade. Para proteger o presidente, ex-ministros não hesitam em cair em contradições flagrantes e sustentar o insustentável.
O campeão foi o ex-ministro Eduardo Pazuello. Para tentar conciliar as declarações do presidente sobre a Coronavac com a tese de que ele não atrapalhou a política do Ministério da Saúde de aquisição de vacinas, Pazuello basicamente defendeu que o que Bolsonaro diz não pode ser levado a sério.
Outra esfera em que o governo vem sofrendo desgastes é a da corrupção. A operação da PF no Ministério do Meio Ambiente, autorizada pelo STF, mostra que há indícios fortes de corrupção nos altos escalões da administração.
Igualmente comprometedor é o chamado “tratoraço“, o esquema, revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo, pelo qual o governo Bolsonaro compraria apoio parlamentar liberando emendas num orçamento paralelo e superfaturado. O brocardo bolsonarista “pelo menos não tem corrupção” fica cada vez mais insustentável.
Só o que pesa a favor do governo é que a economia sofreu menos do que se esperava com a segunda onda da epidemia. Mesmo assim, inflação e desemprego seguem em alta.
Não sei se o cabo e o soldado serão chamados a agir. Razões jurídicas e morais para fazê-lo não faltam. O que falta é romper a inércia política. Mas receio que Bolsonaro já tenha cometido tantos despautérios que anestesiou a sensibilidade pública. Nada mais que ele faça vai parecer chocante o bastante para motivar as pessoas a exigir sua destituição.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/a-revanche-do-cabo-e-do-soldado.shtml
Vinicius Torres Freire: Um país resignado à morte
O combate à epidemia limita-se no momento a evitar que as UTIs lotem, que um excesso de pessoas morra asfixiada e que não aconteça escândalo maior por causa desses horrores. É o que se pode dizer, com desassombro temperado de resignação deprimida. Deve ser assim até o fim da epidemia.
Quando não há lotação de UTIs, falta de oxigênio nos hospitais ou novos “picos recordes”, leva-se a vida, nos governos ou nas ruas, morram 500, 1 mil, 2 mil ou 3 mil pessoas por dia, seja qual for o “platô” da temporada. Os estados, na prática, jogaram a toalha. Governo federal não há.
Haveria como remediar essa situação, e pouco, se Bolsonaro evaporasse. Não vai acontecer em tempo hábil, se tanto.
A CPI da Covid é necessária, claro. Talvez a CPI encaminhe (para quem?) medidas judiciais contra Jair Bolsonaro (hum…) ou Eduardo Pazuello, daqui uns meses, semanas ou até daqui a pouco, como o tal “relatório parcial”, o que é necessário, claro. E daí?
A administração federal da epidemia continua quase tal e qual descrita pelo general Pesadello: Bolsonaro sabota as medidas sanitárias dos “idiotas” e o ministro da Saúde tenta fingir que não é com ele. Marcelo Queiroga talvez não consiga ser tão incapaz quanto o brucutu mendaz que é Pesadello. Mas produz o quê?
O controle da epidemia depende, bidu, de antecipar mais vacinas. Não há mais vacinas, não há aceleração do cronograma. A partir de meados de junho, talvez faltem até as doses previstas nos planos mais realistas. O problema crucial é o atraso das importações de matéria prima da China, que talvez fosse atenuado por uma conversa séria de um governo do Brasil com o da China (hahaha). É o assunto central da vida, da educação, da fome, da sanidade, da economia. A gente não trata a coisa assim. Discute o ignóbil Pesadello.
Queiroga diz que Bolsonaro tem “excelente relação” com a China. Disse também essa outra sabujice repulsiva e marqueteira, segundo registro da Agência Brasil: “É importante passar uma mensagem positiva para a sociedade brasileira, e não essa cantilena de que está faltando [matéria prima importada de vacina]. O Brasil precisa de tranquilidade para superarmos juntos essa dificuldade sanitária”.
Controlar os riscos da epidemia depende de coordenação nacional. Graças à descoordenação, a Bolsonaro, a variante de Manaus se espalhou pelo país, causando a desgraça maior sabida. Em breve, talvez ocorra desastre semelhante com uma possível variante indiana assassina.
Monitorar de modo consequente, prático, a epidemia, depende de testagem em massa e de estudo nacional e coordenado das variantes do vírus. No domingo, o lépido e antenado Queiroga disse que está “em estudo” uma campanha de testagem. Já, Queiroga? Que rápido.
Arrumar mais vacinas depende de trabalho para facilitar a aprovação de novos imunizantes. O que o governo faz para acelerar, segundo critérios técnicos, a compra de vacina russa, indiana ou inca venusiana? Não há sentido algum de emergência.
Os estados relaxam as restrições de movimento e negócios, pois não têm mais força ou ânimo políticos para impô-las, de resto sabotadas, vamos repetir, por Bolsonaro. Tentam agora apenas evitar o colapso das UTIs.
Se não houver nova variante assassina, a epidemia vai morrer de morte morrida, depois que uma quantidade grande de gente tenha sido morta ou infectada e outro tanto tenha sido vacinada, daqui a alguns meses. É praticamente o plano Bolsonaro 2 (o plano 1 não tinha nem vacina, era pura morte de rebanho): deixa morrer.
Fonte:
Folha de S. Paulo
Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, Pazuello vira ‘herói’ do governo na CPI da Covid
Se não convenceu boa parte do público, pode-se dizer que o depoimento de Eduardo Pazuello funcionou em pelo menos um universo: os grupos bolsonaristas no WhatsApp e no Telegram. Entre esses seguidores, a decisão de não usar o habeas corpus fornecido pelo STF para ficar calado e até confrontar os senadores em alguns momentos fez sucesso.
Ao longo de todo o depoimento, as listas pró-Bolsonaro no WhatsApp foram inundadas com mensagens que indicavam a narrativa a ser reproduzida nas redes. “A primeira farsa dos opositores caiu hoje. Apostaram no silêncio, mas o ministro veio preparado e falou muito”, disse um dos textos disseminados nas redes. “O ex-ministro Pazuello está destruindo todas as narrativas fabricadas contra o governo federal naquele circo que está acontecendo no Senado”, diz outra mensagem.
Para o zap bolsonarista, Pazuello – que várias vezes se referiu às declarações e ordens de Bolsonaro durante a pandemia como “coisa de Internet” – “detonou” senadores acusados de corrupção e “provou” que o governo não tem responsabilidade pela tragédia pandêmica.
Solidários ao ex-ministro várias vezes chamado de “herói”, muitas postagens diziam ter sido um ultraje até mesmo a convocação do general, que esteve à frente do Ministério da Saúde no período em que morreram mais da metade das 445 mil vítimas da Covid-19 no Brasil.
“Humilhante para o general Pazuello, um homem sério, ser sabatinado por esses crápulas!”, desabafou um bolsonarista em um grupo do Telegram. “Quero deixar minha indignação aqui com essa CPI. Estão a todo o momento denegrindo (sic) a imagem do ministro Pazuello e do nosso presidente”, escreveu uma apoiadora.
O fato de Pazuello blindar completamente o presidente da República de qualquer responsabilidade pelo fracasso na pandemia também pesou a favor do ex-ministro nas redes. Para os seguidores, o general foi um “guerreiro” que defendeu Bolsonaro de conspiradores.
Dentre eles, o mais atacado foi o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), mas também sobrou para o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), e outros parlamentares.
“General Pazuello, um oficial general extremamente bem preparado, conseguiu com sua exposição dos fatos, relacionados à sua atuação como Ministro da Saúde, provocar um golpe certeiro nas armações e manipulações de Renan Calheiros ao longo da CPI”, disse uma mensagem assinada por um suposto comandante militar.
No Telegram, cada vez mais frequentado por bolsonaristas, uma lista de apoiadores de Eduardo Pazuello foi criada na tarde de quinta-feira, enquanto ele falava à CPI.
Setenta pessoas já aderiram e passaram a receber artes e cards com as inscrições #Somos Todos Pazuello e ilustrações já com visual de campanha eleitoral. Até o agravamento da pandemia sacá-lo do cargo, Pazuello cogitava concorrer ao governo de Roraima ou do Amazonas. O grupo também criou um perfil no Instagram para homenageá-lo.
Fonte:
O Globo
Ruy Castro: Pazonaro, digo Bolsuello, ganhou
Quem não sabe fazer perguntas não tem chance contra respostas que não querem dizer nada
O general Eduardo Pazuello, quem diria, hein? Promovido da chefia do serviço de rodos e vassouras dos quartéis ao posto de ministro da Morte por Jair Bolsonaro, botou no bolso seus inquiridores na CPI da Covid apenas por vencê-los numa arte que se julgava extinta: a oratória. Resposta após resposta, quase se podia ver seu sorriso sob a máscara, ao ouvir sua voz ressoar triunfalmente no auditório sem ser intimado a detalhar ou fundamentar suas declarações.
Se alguém se limitasse ao áudio dos interrogatórios de Pazuello, só escutaria a sua voz —firme, sonora, em alto volume, temperada em anos de ordens na caserna a soldados, cabos e sargentos, com eventuais humilhações a um ou outro ao obrigá-lo a se fazer de mula e puxar carroça na frente da tropa. Em contraposição, tínhamos a elocução tíbia, raquítica, titubeante e súplice dos senadores encarregados de lhe fazer perguntas.
Perguntas essas que só vinham à tona depois de 15 minutos de discurso por parte de cada senador —talvez de grande valia para os anais da CPI, mas de eficácia zero para fazer o inquirido falar. Pazuello foi brilhante ao enrolar, tergiversar, dar voltas e adiar cada resposta de modo a que, ao fim desta, ninguém mais se lembrasse da pergunta. Foi também eficiente ao interromper, transferir culpas, mentir e desmentir antigas declarações e mesmo as que tinha acabado de pronunciar e repetir com tanta ênfase essas negações que parecia até acreditar no que estava dizendo.
Mas o ponto alto era quando Pazonaro, digo Bolsuello, recebia certas perguntas dos senadores e as analisava, criticava, aferia seu grau de precisão e orientava o relator e o presidente da CPI sobre como elas deveriam ser feitas e como ele pretendia respondê-las. “Eu vou explicar de novo e os senhores vão entender”, dizia, soberanamente.
Está certo. Quem não sabe perguntar precisa de alguém que lhe ensine.
Fonte:
Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/05/pazonaro-digo-bolsuello-ganhou.shtml
Bolsonaro vê Amazônia como espaço para ocupação predatória, diz ex-presidente do Ibama
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
O ex-presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e assessor econômico da liderança da Rede no Senado, o engenheiro de produção Bazileu Margarido afirma que a visão retrógrada do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) “mantém a concepção da Amazônia como um espaço a ser ocupado mesmo que de forma predatória”.
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (edição 31), Bazileu lembra que Bolsonaro prometeu aos líderes mundiais, durante a Cúpula do Clima, em abril, fortalecer os órgãos ambientais do país. Líderes mundiais e especialistas avaliam que promessas vagas não condizem com a atual política nacional de meio ambiente
Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021
Na avaliação do ex-presidente do Ibama, Bolsonaro vê a floresta como um obstáculo para a exploração mineral e a expansão da pecuária extensiva. “‘Integrar para não entregar’ era o lema dos governos militares para a Amazônia há 40 anos atrás, referindo-se aos interesses estrangeiros escusos que foram ressuscitados pelo presidente no discurso na Assembleia da ONU do ano passado”, lembra.
O autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online diz que não desconsidera o poder de atração de alguns bilhões de dólares, estratégia usada pelos Estados Unidos para deslocar a política ambiental brasileira para uma rota de maior responsabilidade com o desenvolvimento sustentável e com a redução do desmatamento e das queimadas na Amazônia e no Pantanal.
“O Brasil foi para a Cúpula do Clima como um pedinte, com o ‘sinistro’ do Meio Ambiente brasileiro usando a infeliz imagem de um cachorro abanando o rabo em frente a uma máquina de frango assado para convencer a equipe de negociação americana a nos doar um punhado de dólares”, critica o autor.
Veja todos os autores da 31ª edição da revista Política Democrática Online
Bazileu também é ex-secretário de Fazenda de São Carlos-SP (2001-2002) e, de 2003 a 2007, foi chefe de gabinete da então ministra de Meio Ambiente, Marina Silva.
A íntegra do artigo de Bazileu está disponível, no portal da FAP, para leitura gratuita na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.
O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.Leia também:
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