Day: maio 21, 2021

Maria Cristina Fernandes: Pesquisa desmonta tese de que governos autoritários responderam melhor à pandemia

Se China, Vietnã e Hong Kong propagandearam a eficiência do autoritarismo no combate à pandemia, Coreia do Sul, Nova Zelândia e Noruega contrapuseram a importância da transparência e da prestação de contas da democracia contra o vírus. A uma França que centralizou a resposta ao vírus, se opuseram Estados Unidos e Brasil, onde o federalismo mostrou-se resiliente no contraponto à inoperância de governos centrais de veleidades autoritárias.

Qual desenho institucional, finalmente, responde melhor à pandemia? Guiados por esta pergunta, um grupo de 67 pesquisadores, coordenados por Scott Greer e Elizabeth King (Universidade de Michigan), Elize Massard da Fonseca (FGV-SP) e André Peralta-Santos (Escola Nacional de Saúde Pública de Lisboa), acaba de lançar um compêndio de 663 páginas “Coronavirus politics”, (“A política do coronavírus”, ainda sem edição em português mas com livre acesso em www.fulcrum.org/concern/monographs/jq085n03q).

Os pesquisadores, que começaram a trabalhar junto com o vírus, em março de 2020, cobriram a primeira fase da pandemia, até setembro de 2020, quando as políticas públicas se resumiam a intervenções não farmacêuticas (campanhas de higiene, equipamentos de proteção individual, respiradores, isolamento social, testes, rastreamento e auxílios monetários). Ao contrário do atual momento, de segunda onda em alguns países e terceira em outros, quando a busca pela vacina é decorrente de um esforço majoritariamente dos governos centrais, a primeira etapa da doença foi marcada, fortemente, por embates entre instâncias locais e nacionais.

Um dos achados mais importantes do livro é o de que os governos locais, historicamente achatados pelas políticas de contenção fiscal no mundo inteiro, atuaram como contraponto ou, como prefere nominar Luísa Arantes, uma das autoras do capítulo sobre o Brasil, como um “back-up” a governos centrais inoperantes. É bem verdade que não de maneira uniforme. Nem no Brasil nem nos Estados Unidos.

Num extremo esteve o Maranhão, estrito em suas políticas de isolamento e ativo na compra de equipamentos de proteção e de respiradores, e no outro, Santa Catarina, que, ao abandonar precocemente o isolamento social, viu o número de casos mais do que duplicar em menos de uma semana. O federalismo se mostrou vivo com ou sem viés partidário. Se o Maranhão do governador Flávio Dino (PCdoB) deu uma das piores votações ao presidente da República, Santa Catarina sufragou, junto com o governador Carlos Moisés (PSL), um dos melhores desempenhos de Jair Bolsonaro. Dino, porém, esteve do mesmo lado, no cabo de guerra da pandemia, de governadores aliados de Bolsonaro, como o de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM).

Nos Estados Unidos, se a governadora do Michigan, Gretchen Whitmer, enfrentou a Casa Branca com sua política estrita de isolamento, a governadora de Dakota do Sul, Kristi Noem, nada fez para impedir que cerca de meio milhão de motociclistas se reunisse em uma festa no condado de Sturgis, em agosto de 2020, numa das maiores aglomerações mundiais da primeira fase da pandemia. Mais do que o viés democrata de Whitmer ou republicano de Noem, foi decisiva a determinação em atender a população, como foi o caso do governador republicano Mike DeWine, de Ohio, que fechou escolas por três semanas e proibiu aglomerações.

Os governos locais também ganharam fôlego com a pressão crescente por uma descentralização da gestão da saúde. Na Itália, país que alarmou o mundo para a devastação da pandemia, 100 mil médicos promoveram um abaixo-assinado por uma descentralização territorial da prestação de serviços públicos de saúde. Em Milão, os profissionais promoveram um protesto contra a deterioração de suas condições de trabalho dirigido a um governo local que, inicialmente, resistiu ao isolamento social.

Os governantes locais que ganharam condições de se contrapor às instâncias nacionais de poder na adoção de medidas de isolamento o fizeram porque, em grande parte, dispuseram de políticas de complementação de renda, regionais e nacionais, além de repasses federais que lhes permitiram restringir atividades econômicas que geram receita para a manutenção dos serviços públicos.

Estados Unidos, Índia e Brasil, diz Elize Massard, são exemplos claros de que subvenção social só funciona se houver uma política de saúde e esta vai muito além de uma infraestrutura hospitalar. Estados Unidos e o Brasil tinham, respectivamente, de acordo com o índice de segurança global de saúde (GHSI), da Universidade Johns Hopkins, o mais bem preparado sistema de saúde do mundo e da América Latina para responder a pandemias. E ambos fracassaram porque tiveram, no comando político nacional, presidentes negacionistas. Os Estados Unidos somavam 23% dos mortos em todo o mundo em agosto de 2020, apesar de ter apenas 4% da população mundial. O Brasil, apesar de abrigar 2,7% dos habitantes do planeta, tinha 33% das vítimas da covid-19 em março de 2021.

Apesar de subfinanciado, o NHS, sistema público de saúde britânico inspirador do SUS brasileiro, fez com que o Reino Unido pontuasse em segundo lugar mundial na gestão de sistemas de saúde responsivos a pandemias, segundo o GHSI. Isso até o coronavírus, quando o Reino Unido teve uma das piores taxas de mortalidade, depois da Espanha. Só foi salvo pela vacina. Nem os testes massificados, que só perderam para a China, foram capazes de neutralizar o atraso das medidas de isolamento social que marcaram a primeira fase do combate à pandemia no governo Boris Johnson. As mortes poderiam ter sido reduzidas pela metade se o lockdown de março de 2020 tivesse acontecido uma semana antes.

As falhas também atravessaram o Canal da Mancha. A França cometeu dois erros capitais no início da pandemia. O de apostar na cloroquina, durante dois meses, até maio de 2020, e de ter demorado na aquisição de equipamentos de proteção individual. O cochilo se deveu à decisão tomada durante a epidemia de H1N1, em 2009, quando o governo, alarmado, comprou € 1 bilhão em EPIs para enfrentar uma doença que “só” matou 342 pessoas no país.

Superados esses erros, o governo centralizou a resposta à pandemia e contou com um sistema de saúde que passou por duas décadas de reforma. Ainda assim, só deu conta porque gastou muito para manter o isolamento social, levando a população de rua para residências temporárias e abrindo os hospitais públicos para imigrantes ilegais. Calcula-se que a França tenha destinado 31% do seu Produto Interno Bruto em medidas de compensação social e econômica e gastos na saúde. Os EUA, cujo primeiro pacote aprovado pelo Congresso foi o maior da história, gastaram 18% do PIB.

O fôlego fiscal em todo o continente só foi possível porque a União Europeia ativou a cláusula geral de escape, em abril de 2020, para não cumprir a meta de déficit fiscal. Reproduziu o que os autores chamam de “momento hamiltoniano”, quando o governo americano, por inspiração do então secretário do Tesouro, Alexander Hamilton, assumiu as dívidas de guerra dos Estados depois da guerra da independência. A desigualdade na resposta à pandemia no continente foi decorrente das gestões locais. Portugal, a exemplo da França, saiu-se melhor que a Espanha e a Itália porque centralizou a reação. Já Áustria e Suíça coordenaram melhor seus Estados federados do que a Alemanha, cuja governança federativa foi conturbada pela disputa interna em torno da sucessão de Angela Merkel.

Se na Europa a negligência com migrantes foi relativizada em função da segurança sanitária, o mesmo não aconteceu na China. Neste país, as políticas compensatórias não os englobaram. Estima-se que na China haja 290 milhões de migrantes que não usufruem do sistema previdenciário estatal porque trabalham fora de seus locais de registro. Houve uma política deliberada de manter os migrantes ilegais longe dos centros urbanos.

Nas semanas que antecedem a virada do ano lunar, que em 2020 caiu no dia 25 de janeiro, os chineses deixam suas casas e visitam seus familiares. Mesmo já alertadas de que o vírus estava disseminado na província de Hubei, as autoridades permitiram que as pessoas viajassem a partir do dia 7 de janeiro. No dia 23 foi decretada uma quarentena draconiana. Ao impedir que os chineses voltassem para suas casas nos grandes centros urbanos, tentou-se evitar que as estruturas hospitalares ficassem sobrecarregadas. Isso não impediu que hospitais de Hubei rejeitassem pacientes. A província tem 4% da população do país e 1% dos leitos.

O pouco que se sabe do combate inicial à covid-19 na China se deve à diplomacia da Organização Mundial de Saúde, que, sob o preço da acusação de sinofilia, manteve canal aberto com autoridades chinesas. Foi isso que permitiu à OMS monitorar minimamente o desenvolvimento inicial da doença na China.

O comportamento das autoridades chinesas não foi uma regra na Ásia. No Vietnã, por exemplo, o país pobre e populoso de melhor resposta contra o vírus, a transparência era uma das únicas armas possíveis. O Vietnã busca pontuação em rankings mundiais de governança para colher benefícios diplomáticos e atrair investimentos estrangeiros. As outras armas, num país sem um sistema de saúde robusto, foi o fechamento de fronteira, quarentena para visitantes em instalações militares, multa para quem a desrespeita e rastreamento. O país deixou de ter transmissão comunitária em julho de 2020.

Se até aqui o estudo das instituições foi marcado por seus reflexos na estabilidade democrática e econômica, a pandemia indica uma inflexão em busca de desenhos institucionais que demonstrem eficiência na reação a emergências sanitárias. O desempenho do Brasil e dos Estados Unidos na primeira fase da pandemia demonstra que muitas dessas instituições são vulneráveis ao poder de maus líderes. A próxima parada do grupo de pesquisadores é a resposta global à vacina, quando o desempenho desses dois países se bifurca e isola o Brasil.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/eu-e/coluna/maria-cristina-fernandes-pesquisa-desmonta-tese-de-que-governos-autoritarios-responderam-melhor-a-pandemia.ghtml


Ana Flauzina: Chacina do Jacarezinho impõe que STF dê uma resposta

No último dia 05 de maio, o presidente Jair Bolsonaro declarou no Palácio do Planalto que poderia editar um decreto contra as medidas restritivas impostas por governadores e prefeitos como forma de controle da pandemia. De forma taxativa, disse que a medida não poderia ser “contestada por nenhum tribunal”. À tarde, se encontrou com um de seus aliados políticos, o governador do Rio de Janeiro Cláudio Costa (PSC), no palácio das laranjeiras em reunião a portas fechadas.

No dia seguinte, um banho de sangue inundou a favela do Jacarezinho. Com a justificativa de cumprir mandados de prisão contra 21 suspeitos de envolvimento com tráfico de drogas, a operação se transformou em um massacre após um dos policiais envolvidos na ação ser assassinado. Dos 27 homens mortos pelas forças policiais, apenas 4 eram alvos iniciais da operação. Relatos de testemunhas indicam que o alegado confronto que integra a narrativa policial não se verificou em todos os casos, com pessoas implorando para serem presas e sendo executadas a sangue frio.

Conectar esses dois eventos me parece fundamental para compreendermos o cenário político atual. De um lado, temos um pronunciamento presidencial que dá um recado claro ao Supremo Tribunal Federal, seguindo com a lógica de desgaste institucional que a todo tempo flerta com imposição de um governo militar. De outro, uma cena aterradora de desrespeito a parâmetros constitucionais básicos, em uma ação deflagrada à despeito da decisão do Supremo na ADPF 635, que impõe restrições à realização de operações policiais nas comunidades do Estado do Rio de Janeiro durante o período da pandemia.

MAIS INFORMAÇÕES

Guaracy Mingardi: “A polícia fez tudo errado no Jacarezinho. Nossa legislação não tem pena de morte”

“Não vai embora, vão me matar!”: a radiografia da operação que terminou em chacina no Jacarezinho

Operação policial mata 25 pessoas no Jacarezinho, em segunda maior chacina da história do Rio

Há claramente uma linha de continuidade entre o pronunciamento e o massacre realizado no curral eleitoral do presidente por agências policiais que contam com muitos de seus adeptos. Fica claro que o recado abstrato que paira no ar clamando por ditadura no plano federal, vai sendo experimentado e publicitado com o aprofundamento do genocídio negro na capital fluminense. Se há ainda dificuldade de se impor uma agenda totalitária em nível nacional, essa toma cada vez mais fôlego em propagandas letais de caráter racista como as que ocorreram no Jacarezinho. O recado dado no pronunciamento se materializa indiscutivelmente na operação policial: quem controla e governa os destinos do povo são as armas, não as togas. O que é sussurrado indiretamente por Bolsonaro é concretizado de forma aberta pelo racismo, com o Supremo sendo exposto por sua incapacidade de conter a barbárie.

A verdade é que a atuação desse governo miliciano, para usar a palavra que qualifica tanto suas práticas quanto os indivíduos que ocupam seus principais cargos institucionais, está assentada em um amplo laboratório de produção de violências. Violências essas produzidas pela adesão histórica das forças institucionais, incluindo o Judiciário, no fortalecimento do apetite genocida contra a população negra: dando base para a formação das milícias, sustentando o discurso social do ódio, garantindo a naturalização do ataque à vida e à liberdade das pessoas negras como um dado quotidiano.

A questão que agora parece se impor é que as consequências perversas do racismo começam a também atentar contra os parâmetros democráticos que protegem as elites. Há muito se denuncia o fato de que o racismo é uma estrutura de poder que foi fabricada e é cultivada para controlar e trucidar pessoas negras. Até aí não há novidades. O que parece escapar à compreensão é que para se conduzir ações genocidas, há uma energia que transforma as instituições em agências de letalidade e restrições de direito. Ao fim e ao cabo, trata-se da construção de um aparato público, em associação a forças privadas, autorizadas a ameaçar, torturar, silenciar, e, claro, matar pessoas, sem maiores consequências entre nós. É esse ethos do racismo, que atropela padrões éticos básicos, direitos e vidas que começa a querer extrapolar para fora das periferias e dar o tom da atuação pública de forma mais ampla nas ameaças presidenciais dirigidas ao Supremo.

Diante disso, só se pode constatar que se opor a esse Governo e suas posturas despóticas é, antes de tudo, se opor ao racismo. Há um pacto de solidariedade entre as elites de todos os espectros políticos que sustenta o massacre das pessoas negras como um dado para a manutenção das desigualdades no Brasil. O problema é que o racismo é um cachorro raivoso que gera instituições e práticas perversas. Logo, se os efeitos mais cruéis dessas dinâmicas são sempre sentidos por negros e negras, em tempos de democracia, ditadura oficiosa ou oficial, fato é que as lógicas de tortura, da censura da e morte, tão comuns no dia a dia das periferias brasileiras, tendem a ser também usadas seletivamente contra grupos políticos em momentos de ruptura institucional.

Por isso, no atual contexto político, enfrentar o genocídio negro é uma demanda que passa tanto pela defesa da vida e dignidade das pessoas negras quanto pela preservação do pacto constitucional que salvaguarda a segurança e os privilégios dos setores de elite que se opõe ao governo de Jair Bolsonaro. Isso porque as ameaças do bolsonarismo estão se concretizando, se enraizando e avançando todos os dias para cercear fundamentalmente os direitos dos que habitam as periferias negras nesse país.

Assim, a resposta ao massacre do Jacarezinho, a maior chacina policial da história do Brasil, pauta o poder Judiciário e, consequentemente a democracia, em duas frentes. A primeira, já muito conhecida, é a que questiona se, uma vez mais, a justiça vai atuar de forma conivente e anistiar os responsáveis pelas execuções. A segunda, é a que mede a força do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, diante do claro desacato do bolsonarismo frente às suas determinações.

Conforme já declarou Eduardo Bolsonaro, “bastam um soldado e um cabo para fechar o STF”. Ao que tudo indica, o tempo de se verificar a validade dessa afirmação chegou e a forma com que se vai lidar com o caso de Jacarezinho é um termômetro preciso da força ou do completo descrédito do Supremo e da democracia no Brasil.

Ana Flauzina é doutora em Direito e professora da Universidade Federal. Dirigiu o documentário ‘Além do Espelho’, que estabelece uma ponte entre os movimentos negros nos EUA e no Brasil.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-20/chacina-do-jacarezinho-impoe-que-supremo-tribunal-federal-de-uma-resposta.html


Naercio Menezes Filho: Mercado de trabalho na pandemia

A pandemia afetou o mercado de trabalho em vários países do mundo, mas a queda no emprego foi especialmente severa no Brasil. Enquanto a atividade econômica já voltou aos níveis de antes da pandemia, a taxa de desemprego continua bastante alta por aqui, assim como o número de pessoas que desistiu de procurar emprego. E os trabalhadores menos qualificados são os que estão sofrendo mais os efeitos da pandemia. Por que será que o emprego está demorando tanto a reagir? Qual a perspectiva futura para os trabalhadores jovens que não conseguiram completar o ensino médio?

A figura ao lado mostra índices de emprego medidos através da Pnad Contínua para os trabalhadores que completaram o ensino médio ou superior e também para os que só estudaram até o ensino fundamental ao longo de 2019 e 2020, na indústria, comércio e serviços. Podemos notar que as séries apresentaram um leve aumento ao longo do 2019. Mas, já no início da pandemia, no primeiro trimestre de 2020, o emprego dos trabalhadores menos qualificados começa a declinar acentuadamente, ao passo que entre os mais qualificados a queda é mais suave e concentrada no comércio e serviços.

Com o agravamento da pandemia, o emprego despencou entre os menos qualificados dos três setores, com cerca de 20% dos trabalhadores perdendo seu emprego. Já entre os trabalhadores com ensino médio completo ou superior, a queda foi de 7% no comércio e apenas 3% na indústria e serviços. Desde então, o emprego tem reagido lentamente para todos os grupos, mas enquanto os mais qualificados já atingiram o nível de emprego do início de 2019, os menos escolarizados permanecem 20% abaixo. A situação é especialmente grave entre os mais jovens que não completaram o ensino médio. Por que isso ocorreu?

Em primeiro lugar, devemos notar que esses efeitos fortes da pandemia no desemprego não estão acontecendo devido às políticas de distanciamento adotadas para conter a disseminação do vírus. O comportamento do emprego ao longo de 2020 foi bastante parecido nos locais que adotaram políticas de distanciamento mais rígidas logo no início da crise com relação aos que não as adotaram. Na verdade, esses efeitos decorrem em grande parte do receio das pessoas de saírem de casa e serem contaminadas pelo vírus.

A taxa de isolamento social em São Paulo, que antes da pandemia era de apenas 28%, atualmente está por volta de 40%. Assim, mesmo depois de 1 ano e 2 meses desde o início da crise, 12% das pessoas que costumavam sair de casa todos os dias para trabalhar ainda permanecem isoladas em casa. E essa taxa apresentou poucas variações ao longo da pandemia, independentemente das medidas de isolamento tomadas no Estado.

Junto com o isolamento, a pandemia provocou alterações na forma de trabalho e nos padrões de consumo. Quase 13% dos trabalhadores qualificados continuavam trabalhando de casa no final do ano passado, com poucas alterações nesta taxa ao longo da pandemia. Por outro lado, menos de 1% dos trabalhadores menos qualificados adotou o home office, pois trabalham em ocupações que não permitem o teletrabalho. Mas será que as pessoas que estão trabalhando de casa irão voltar a circular pelas ruas quando a pandemia acabar?

Há evidências de que grande parte delas não voltará mais ao trabalho presencial, mesmo após o fim da pandemia. Dados do Instituto de Pesquisa DataSenado (2020) mostram que entre aqueles adotaram o home office, 75% preferem que no futuro o trabalho permaneça dessa forma. E a grande maioria acha que a sua produtividade aumentou ou permaneceu igual com o teletrabalho, o mesmo acontecendo com a produtividade da empresa em que trabalham. Por fim, 70% afirmam que a adaptação ao home office foi fácil.

Acontece que, devido à alta concentração de renda no Brasil, os padrões de consumo da parcela mais rica da população têm muito impacto na geração de empregos dos menos qualificados. Os 10% mais ricos concentram cerca de 1/3 do consumo total no Brasil. Assim, mudanças de comportamento e no padrão de consumo dessa classe têm efeitos multiplicadores no emprego bem maiores do que mudanças nas classes média e baixa. Por exemplo, se as pessoas com maiores rendimentos permanecerem mesmo trabalhando de casa após a pandemia, deixarem de frequentar restaurantes em dias úteis e passarem a comprar comida e outros produtos pela internet, a recuperação dos empregos menos qualificados pode demorar muito para ocorrer, pois este tipo de compra não exige a presença de vendedores e garçons.

Em suma, apesar da retomada da atividade econômica, a taxa de ocupação continua baixa, especialmente entre os jovens e menos qualificados. Isso reflete uma persistência na taxa de isolamento social, facilitada pelo fato de que parcela relevante das pessoas com maiores rendimentos continua trabalhando de casa. Como estas pessoas são responsáveis por uma grande parcela do consumo agregado no Brasil, sua mudança no padrão de consumo tem grande efeito sobre o emprego nos setores de alimentos, vestuários, shoppings e viagens, que empregam uma grande parcela de trabalhadores não-qualificados. A renda desses trabalhadores, por sua vez, movimenta o comércio informal nas ruas.

Assim, se grande parte das pessoas com maior poder aquisitivo permanecer em home office após o final da crise, será difícil que o emprego dos jovens não qualificados retorne para os níveis de antes da pandemia, mesmo com a volta da circulação das pessoas nas ruas e nos shoppings nos finais de semana. E quanto mais tempo os jovens permanecerem desempregados, mais a sua trajetória profissional será afetada, diminuindo sua felicidade, produtividade e salários no futuro, empurrando-os para a criminalidade e aumentando a desigualdade de renda.

*Naercio Menezes Filho, é professor titular da Cátedra Ruth Cardoso no Insper, professor associado da FEA-USP e membro da Academia Brasileira de Ciências

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/mercado-de-trabalho-na-pandemia.ghtml


Vladimir Safatle: Uma revolução molecular assombra a América Latina

O termo veio pelas mãos de Álvaro Uribe, ex-presidente da Colômbia e líder efetivo da direita linha dura que hoje Governa o país. Diante das inéditas manifestações que tomaram as ruas da Colômbia, fazendo o Governo abandonar um projeto de reforma tributária que mais uma vez passava para os mais pobres os custos da pandemia, não lhe ocorreu ideia melhor do que conclamar os seus à luta contra uma “revolução molecular dissipada” que estava a tomar conta do país. No que, há de se reconhecer, Uribe tinha razão. Normalmente, são os políticos de direita que entendem primeiro o que se passa.

A América Latina, ou ao menos uma parte substantiva do continente, está a passar por um conjunto de levante populares cuja força vem de articulações inéditas entre recusa radical da ordem econômica neoliberal, sublevações que tensionam, ao mesmo tempo, todos os níveis de violência que compõem nosso tecido social e modelos de organização insurrecional de larga extensão. As imagens de lutas contra a reforma tributária que tem à frente sujeitos trans em afirmação de sua dignidade social ou desempregados a fazer barricadas juntamente com feministas explicam bem o que “revolução molecular” significa nesse contexto. Ela significa que estamos diante de insurreições não centralizadas em um linha de comando e que criam situações que podem reverberar, em um só movimento, tanto a luta contra disciplinas naturalizadas na colonização dos corpos e na definição de seus pretensos lugares quanto contra macroestruturas de espoliação do trabalho. São sublevações que operam transversalmente, colocando em questão, de forma não hierárquica, todos os níveis das estruturas de reprodução da vida social.

De fato, o século XXI começou assim. Engana-se quem acredita que o século XXI começou em 11 de setembro de 2001, com o atentado contra o World Trade Center. Essa é a maneira como alguns gostariam de contá-lo. Pois seria a forma de colocar o século sob o signo do medo, da “ameaça terrorista” que nunca passa, que se torna uma forma normal de governo. Colocar nosso século sob o signo paranoico da fronteira ameaçada, da identidade invadida. Como se nossa demanda política fundamental fosse, em uma retração de horizontes, segurança e proteção policial.

Na verdade, o século XXI começou em uma pequena cidade da Tunísia chamada Sidi Bouzid, no dia 17 de dezembro de 2010. Ou seja, começou longe dos holofotes, longe dos centros do capitalismo global. Ele começou na periferia. Nesse dia, um vendedor ambulante, Mohamed Bouazizi decidiu ir reclamar com o governador regional e exigir a devolução de seu carrinho de venda de frutas, que fora confiscado pela polícia. Vítima constante de extorsões policiais, Bouazizi foi à sede do Governo com uma cópia da lei em punho. No que ele foi recebido por uma policial que rasgou a cópia na sua frente e lhe deu um tapa na cara. Bouazizi então tacou fogo em seu próprio corpo. Depois disso, a Tunísia entrou em convulsão, o Governo de Ben Ali caiu, levando insurreições em quase todos os país árabes. Começava assim o século XXI: com um corpo imolado por não aceitar submeter-se ao poder. Começava assim a Primavera Árabe. Com um ato que dizia: melhor a morte do que a sujeição, com uma conjunção toda particular entre uma ação restrita (reclamar por ter seu carrinho de venda de frutas apreendido) e uma reação agonística (imolar-se) que reverbera por todos os poros do tecido social.

Apoie a produção de notícias como esta. Assine o EL PAÍS por 30 dias por 1 US$CLIQUE AQUI

Desde então o mundo verá uma sequência de insurreições durante 10 anos. Occupy, Plaza del Sol, Istambul, Brasil, Gillets Jaunes, Tel-Aviv, Santiago: são apenas alguns lugares por onde esse processo passou. E na Tunísia já se via o que o mundo conheceria nos próximos 10 anos: sublevações múltiplas, que ocorrem ao mesmo tempo, que recusam centralismo e que articulavam, na mesma série, mulheres egípcias que se afirmavam com seios a mostra nas redes sociais e greves gerais. A maioria dessas insurreições irá se debater com as dificuldades de movimentos que levantam contra si as reações mais brutais, que se deparam com a organização dos setores mais arcaicos da sociedade na tentativa de preservar o poder tal como sempre foi. Mas há um momento em que a repetição acaba por gerar uma mudança qualitativa. Dez anos depois, ela ocorreu e foi possível de ser vista no último domingo, no Chile.

No último domingo, o Chile elegeu uma nova Assembleia Constituinte. Depois de manifestações massivas em outubro de 2019 que fizeram as ruas chilenas queimarem até o Governo parar de matar sua própria população e aceitar convocar um processo constitucional, o Chile elegeu 155 deputados constituintes, dos quais 65 são independentes, ou seja, não vinculados a estrutura partidária alguma, mas unidos, como os 24 constituintes da Lista del Pueblo, por um “Estado ambiental, igualitário e participativo”; 79 constituintes são mulheres, sendo a única Assembleia Constituinte da história mundial a ter maioria de mulheres; 18 são povos originários, sendo que todos estão presentes (desde os Rapanui da Ilha da Páscoa até os Mapuches). A direita, que ansiava alcançar ao menos um terço para poder barrar as modificações constitucionais, terá apenas 37 deputados.

O caráter absolutamente único do processo chileno encontra-se no fato de ele se produzir como institucionalização insurrecional. Ele foi resultado de uma insurreição que exigiu imediatamente uma nova institucionalidade. Os islandeses tentaram isso, quando a crise econômica produziu profundas mobilizações populares que terminaram por produzir uma nova constituição. No entanto, o Parlamento não reconheceu a nova carta, abortando o processo.

Tal excepcionalidade andina deve ser compreendida à luz do que foi a via chilena para o socialismo. O Governo de Salvador Allende (1970-1973) procurou realizar um programa marxista através de uma mutação progressiva da vida social que preservava largas partes da estrutura da democracia liberal. Muitos criticaram tal estratégia depois do golpe, mas há de se lembrar de suas razões. Era a maneira dos chilenos e chilenas impedirem a militarização da vida social, como normalmente ocorreu em todos os processos revolucionários até agora. Havia uma questão real que o Chile procurou resolver inovando.

De certa forma, esse processo interrompido retoma agora 47 anos depois. Desde as revoltas estudantis no Governo Bachelet, o Chile viu lideranças estudantis se tornarem deputados e deputadas para arrancar do Congresso uma reforma que tornava gratuito o sistema público de ensino. Agora, eles fizeram o movimento inédito de só saírem das ruas com uma constituinte nas mãos, o que os tunisianos só conseguiram anos depois da formação do primeiro Governo pós-ditadura. Ao acoplar os dois processos, o Chile permitiu que o entusiasmo insurrecional comandasse o processo constitucional, institucionalizando sua revolução molecular.

O espectador que vê tudo isso do Brasil pergunta-se o que ocorre conosco. No entanto, erram aqueles que pensam que tal dinâmica não chegará no Brasil. Ocorre que ela encontrará uma situação muito mais dramática. Pois o Brasil é o país no qual as forças da reação organizaram-se de forma insurrecional. São setores expressivos da população que foram e irão às ruas pedir golpe militar e defender o fascismo de quem nos governa. Dentro da lógica da contrarrevolução preventiva, o Brasil, à diferença de outros países latino-americanos, foi capaz de mobilizar as dinâmicas de um fascismo popular. Por isso, o cenário tendencial entre nós é o de uma insurreição contra outra insurreição. Uma revolução fascista contra uma revolução molecular dissipada. Melhor seria estarmos preparados para tanto.

Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/opiniao/2021-05-19/uma-revolucao-molecular-dissipada.html


Demétrio Magnoli: Raiz da desconfiança da vacinação está no poder estatal

Quantos? 100 mil, segundo os jornais da época, ou 20 mil, segundo historiadores, marcharam na cidade inglesa de Leicester em 23 de março de 1885, protestando contra a vacina obrigatória da varíola.

A resistência ativa ou passiva à imunização é tão antiga quanto a moderna história das vacinas, que começa com a invenção de Edward Jenner, em 1796. No seu capítulo atual, ela ameaça impedir a imunidade coletiva à Covid-19 em certos países ou regiões.

A raiz profunda da desconfiança da vacinação encontra-se no temor do poder estatal, especialmente quando se trata do controle sobre o próprio corpo dos indivíduos. No passado, os agentes vacinadores eram os mesmos funcionários encarregados de trancafiar os pobres em estabelecimentos de trabalho ou de remover habitações de locais insalubres.

De Leicester, 1885, a Zomba, no Maláui britânico, em 1960, passando pela Revolta da Vacina, no Rio de Janeiro, em 1904, incontáveis levantes antivacinais refletiram as suspeitas populares sobre as motivações dos governos.

A resistência segue nítidos contornos ideológicos. Na França, uma pesquisa de 2019, anterior à pandemia, revelou que 53% dos eleitores da extrema esquerda e 61% dos eleitores da extrema direita acreditavam num conluio do governo com as farmacêuticas destinado a ocultar os malefícios das vacinas. A polarização política anda de mãos dadas com a resistência à imunização: nos EUA, entre os seguidores de Trump; no Brasil, entre os de Bolsonaro.

Deus me protege, a vacina traz a Marca da Besta —religiosos fundamentalistas, sejam eles cristãos, muçulmanos ou judeus, resistem à imunização. Numa sondagem conduzida nos EUA, 45% dos brancos evangélicos responderam que não tomarão vacina contra Covid, contra 30% da população em geral.

Meu corpo é um santuário intocável —naturalistas radicais também resistem, pois vacinas seriam substâncias artificiais e, portanto, tóxicas. Mas, diante da pandemia, a hesitação deriva, sobretudo, de atitudes políticas.

Campanhas de vacinação associam-se ao centralismo estatal, à ênfase na proteção coletiva e à ideia de um bem público oferecido igualitariamente. Na ponta oposta, a doutrina ultraliberal prega o individualismo, a fragmentação das instituições hospitalares e a adoção de soluções de mercado para a saúde pública. A aversão dos ultraliberais ao contrato social está na base da hesitação de setores da população diante da vacina.

Mas os ultraliberais não estão sós. O discurso conspiratório ritual da esquerda, contrário às multinacionais farmacêuticas, foi adotado pela direita nacionalista, que o coloriu como denúncia do “globalismo”. A vacinação faria parte de um plano maligno de instituições multilaterais (OMS), governos internacionalistas (Biden, Merkel, Xi Jinping) e corporações globais para submeter as nações.

Nas suas versões mais desvairadas, esse discurso assegura que as vacinas são vetores biológicos de controle das mentes. O Bolsonaro da “vachina do Doria” ilustra, em toda a sua estupidez, a campanha antivacinal da extrema direita.

Nos EUA, onde quase 50% tomaram a primeira dose, o ritmo da imunização reduziu-se fortemente, pois a campanha começa a enfrentar a barreira demográfica da resistência vacinal: 64% dos restantes não confirmam que tomarão a dose inicial. Na União Europeia, onde apenas 30% tomaram a primeira dose, o cenário é igualmente preocupante: dependendo do país, entre 61% e 39% dos restantes hesitam em tomá-la.Os governos europeus só contribuíram com a resistência ao questionar a eficácia e segurança das vacinas. A maior hesitação encontra-se na França, o que reflete a amarga polarização política nacional.Boa notícia: no Brasil, parcela pequena, e decrescente, da população resiste à imunização. Eis mais uma derrota de Bolsonaro —e um dos raros sinais positivos na nossa paisagem política.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2021/05/a-raiz-profunda-da-desconfianca-da-vacinacao-encontra-se-no-temor-do-poder-estatal.shtml

 


Rádio FAP: Carla Visi avalia os riscos da destruição do meio ambiente no Brasil

A destruição da política ambiental brasileira tem causado preocupação no cenário internacional. Líderes políticos mundiais, ambientalistas, multinacionais e artistas têm cobrado que o governo adote medidas urgentes para a preservação do meio ambiente. Para explicar a importância do debate sobre a conscientização ambiental, o podcast da Fundação Astrojildo Pereira conversa com a cantora e compositora Carla Visi. Mestranda em Ecologia Humana pela Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, a artista baiana também é jornalista pela Universidade Federal da Bahia e pós-graduada em Gestão Ambiental.

Ouça o podcast!

A imagem do Brasil na Europa com a alta no desmatamento da Amazônia e a necessidade da conversação dos ecossistemas e do controle da degradação dos recursos naturais estão entre temas os temas do programa. O episódio conta com áudios do Bom Dia Brasil, da TV Globo, do canal da banda Cheiro de Amor, no Youtube, e do site do cantor Caetano Veloso.

O Rádio FAP é publicado semanalmente, às sextas-feiras, em diversas plataformas de streaming como Spotify, Google Podcasts, Youtube, Ancora, RadioPublic e Pocket Casts. O programa tem a produção e apresentação do jornalista João Rodrigues. A edição-executiva é de Renato Ferraz.


Monica Bergamo: FHC e Lula se reúnem na casa de ex-ministro Nelson Jobim

Os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula se reuniram há alguns dias no apartamento do ex-ministro do STF e ex-ministro da Justiça e da Defesa Nelson Jobim.

O encontro, no dia 12 de maio, pode ser considerado histórico: os dois estiveram em lados opostos nas últimas sete eleições presidenciais, ou em um embate direto ou apoiando diferentes candidatos.

Depois da reunião, o tucano e o petista começaram a trocar amabilidades por meio da imprensa. Fernando Henrique Cardoso disse, em entrevista à TV Globo, que votará em Lula em 2022 caso o segundo turno fique entre o petista e Jair Bolsonaro.

Lula retribuiu a gentileza e disse que faria o mesmo caso a disputa ficasse entre o tucano (que não é candidato) e Bolsonaro.”Fico feliz que ele tenha dito que votaria em mim e eu faria o mesmo se fosse o contrário. Ele [FHC] sempre foi um intelectual e sabe que não dá para inventar uma candidatura”, escreveu o petista em suas redes sociais.

De acordo com fontes ouvidas pela coluna, os dois conversaram sobre os problemas do Brasil e os desafios diante da crise econômica e da pandemia do novo coronavírus. E concordaram nas críticas em relação a Bolsonaro.

O perfil oficial de Lula no Instagram também registrou o encontro. Disse que o almoço oferecido por Jobim aos dois teve “muita democracia no cardápio”: “Os ex-presidentes tiveram uma longa conversa sobre o Brasil, sobre nossa democracia, e o descaso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia”.

Jobim foi ministro da Justiça no governo de FHC e da Defesa nos governos de Lula e Dilma Rousseff.

A declaração de voto de FHC em Lula irritou Jair Bolsonaro.

Em live na quinta (20), o presidente afirmou que “esse cara de pau do FHC dizendo agora que vai votar no Lula. Dá vontade de soltar um dinheirinho para o MST da região da fazenda do FHC para o pessoal invadir de novo lá. Quem sabe ele aprenda”. Em setembro de 2000, quando o tucano ainda era presidente, um grupo de sem-terra ligado ao MST invadiu uma fazenda no Pontal do Paranapanema que tinha como herdeiro um ex-sócio de FHC.

Em um debate online promovido pelo Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa, Fernando Henrique Cardoso voltou a dizer que quer uma terceira via para 2022. Mas que, se ela não se viabilizar, votará em Lula no segundo turno.

“Vou lutar para que haja um candidato. Se for do PSDB, bom. Se não for, também não tem importância. Mas vou votar contra Bolsonaro”, disse o tucano.

Disse também que conhece Lula “razoavelmente bem” há muitos anos e que o petista sente o momento político.

“Não sou lulista.. Se tiver terceira solução, melhor. Mas ele [Lula] sente o momento. O presidente atual do Brasil não sente o momento, não sente nada. O outro [Lula] tem suficiente esperteza para sentir”. E seguiu: “Acho melhor terceira via, mas, se não houver, quem não tem cão caça com gato. E, no caso, o gato não é tão feroz, não é uma onça. É um gato pacificado, já tem experiência. A vida ensina. Pelo menos alguns aprendem. É melhor apostar”.

Uma pesquisa do Datafolha divulgada em 12 de maio mostrou que Lula lidera a corrida eleitoral e que polariza com Bolsonaro. Nomes que seriam da terceira via ficam bem atrás dos dois na disputa.

De acordo com o instituto, Lula teria hoje 41% dos votos, contra 23% de Bolsonaro. Sergio Moro teria 7%, Ciro Gomes, 6%, Luciano Huck, 4%, João Doria, 3%, Luiz Henrique Mandetta, 2%, e João Amoedo, 2%.

No segundo turno, Lula bateria Bolsonaro por 55% a 32%.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2021/05/fhc-e-lula-se-reunem-na-casa-de-ex-ministro-nelson-jobim.shtml


Alon Feuerwerker: Sinal amarelo

À sombra das disputas políticas que desfilam no palco da Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado da Covid-19, os números da epidemia no Brasil começam a trazer dados algo precocupantes.

A curva da média movel de mortes ainda é declinante, mas isso convive com uma certa escalada na média móvel de casos, e agora também com alguns sinais, aqui e ali, de que voltou a subir a taxa de ocupação das UTIs (leia).

Será preciso acompanhar a situação nos próximos dias com grande atenção. Será necessário saber se estamos no início de uma terceira onda, qual a variante propulsora, e se é mais transmissível, se é mais letal.

Será mais que nunca obrigatório vigilância para que as autoridades não baixem a guarda, não desativem serviços hospitalares, especialmente na área de cuidados intensivos.

Não podemos repetir os equívocos acontecidos entre a primeira e a segunda ondas.

A CPI está corretamente debruçada sobre os erros passados. Não repeti-los é uma boa maneira de inclusive homenagear a memória das vítimas.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação

Fonte:

Análise Política

http://www.alon.jor.br/2021/05/sinal-amarelo.html


Alon Feuerwerker: Sobre autocríticas e líderes

Tem sido habitual exigir do interlocutor político que faça autocrítica. Por falar nisso, o tema é sempre uma oportunidade de voltar ao livro Depoimento, autobiografia de Carlos Lacerda. Ele explica por que tentara fazer a Frente Ampla com João Goulart e Juscelino Kubitschek, adversários figadais dele poucos anos antes. Simples, diz, lá atrás o perigo tinha sido um. Agora era outro.

O ex-governador da Guanabara talvez tenha sido propositalmente vago. Ou tentou ser delicado no uso das palavras. Lá atrás o inimigo dele era um, Jango, e agora passara a ser outro, o regime militar. Alianças políticas são feitas por critérios de conveniência, e visando a derrotar o inimigo principal.

Mas sempre com um olho no peixe e outro no gato.

Daí a velha máxima: nunca esteja tão ligado a alguém que não possa romper com ele, nem tão conflitado com alguém que não possa se aliar a ele.

A exigência de que o outro faça autocrítica costuma carregar a marca do amadorismo e da ingenuidade. Ou da esperteza. Vamos imaginar que Luiz Inácio Lula da Silva e o PT aceitassem fazer autocrítica. Algo como “erramos sim no governo, somos realmente culpados de muito do que nos acusam, mas prometemos não errar mais”. A única consequência prática seria passarem a campanha eleitoral não fazendo outra coisa além de tentar se explicar.

“O líder que erra e, para ser coerente, se recusa a corrigir a rota está a caminho de levar os liderados à catástrofe”

O mesmo se dá quando exigem de quem apoiou o impeachment de Dilma Rousseff admitir a tese de ter sido um golpe. Até imagino o político “de centro” reconhecendo: “Foi mal, o impeachment não tinha base jurídica, erramos, fomos gulosos, e se entrarmos agora de vice numa chapa prometemos não fazer isso de novo”.

Na vida política, autocríticas são raras, a não ser quando o objetivo é fazer a “autocrítica” dos erros dos outros. No mais, é melhor tocar a vida e concentrar-se no objetivo. Agora, por exemplo, o candidato anti-establishment de 2018, Jair Bolsonaro, tenta enlaçar a — ou ser enlaçado pela — velha política, que oferece o escudo de proteção no momento mais perigoso do mandato dele.

E pode proporcionar a barca para a dura travessia reeleitoral do presidente.

A política é jogo de interesses, definido pela correlação de forças. Lula e Bolsonaro disputam nos estados o apoio de políticos que até outro dia falavam o diabo do PT e de quem o atual presidente e seu círculo próximo falavam o diabo. E tem mais: os que entre esses políticos toparem outro caminho, aderir ao centrismo, à chamada terceira via, terão garantido um refresco junto à opinião pública, ganharão de bônus uma bela repaginada na imagem.

Mas a opinião é livre e nada impede que vozes se levantem a exigir coerência, supostamente um valor absoluto.

Será? A coerência é muito perigosa na política. Pode conduzir a desastres. O líder que erra e, para ser coerente, se recusa a corrigir a rota está a caminho de levar os liderados à catástrofe. Não faltam exemplos, velhos e novos.

Bons líderes são os capazes de mudar a rota sem dizer que estão mudando, e sem ter de explicar por que o hoje é diferente do ontem. Não é para qualquer um.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

Fonte:

Veja

https://veja.abril.com.br/blog/alon-feuerwerker/sobre-autocriticas-e-lideres/


Captura de Tela 2021-05-28 às 15.14.44

O Brasil já vive a campanha pré-eleitoral de 2022 para a Presidência por algumas razões claramente postas: as narrativas do governo; a excepcionalidade da pandemia; e a reentrada de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa.

Comparando a um festival de música, podemos dizer que ela se desenvolve em palcos diversos, com ritmos e intensidades diferentes. Agora, como nas próximas semanas, o palco central é a CPI da Pandemia no Senado, onde a questão eleitoral tem estado evidente.

Em outro palco relevante se desenvolve a narrativa do presidente Jair Bolsonaro, destinada a aquecer a militância. Ele tem um acervo de intenção de votos que pode lhe assegurar vaga no segundo turno. Manter essa base unida e engajada é o seu objetivo — daí ele estimular a polêmica.

Em palcos ainda periféricos, Lula e as esquerdas vão começar a se organizar e tentar chegar a uma unidade que parece distante. Mas não impossível. Ciro Gomes (PDT) e Lula, com evidente vantagem para o último, disputam a bandeira da esquerda. Ambos têm pela frente um desafio maior do que a rixa entre eles: atrair eleitores do centro para ter maior competitividade.

No centro oposicionista alguns atores se movimentam para organizar o seu show, mas sem saber quem será o lead vocal da banda. Contam com o fato de que quase 40% do eleitorado pode optar por uma solução de centro. Esse conjunto de forças, porém, tem sido incapaz de construir uma unidade mínima.

 “O eleitorado majoritário, que é de centro, escolherá aquele cuja narrativa inspirar tempos melhores”

Até a aliança nacional entre PSDB e DEM, que vigorava desde a primeira eleição de FHC, em 1994, pode ser posta em xeque, depois que o presidente nacional do Democratas, ACM Neto, reagiu negativamente à ida do vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, para o PSDB, numa jogada articulada pelo governador João Doria (PSDB).

Enquanto isso, o público começa a pensar em suas prioridades. As camadas ideologizadas se orientarão por preferências programáticas até chegarem ao segundo turno, quando optarão pelo “menos ruim”. O eleitorado majoritário, que é de centro, escolherá aquele cuja narrativa inspirar tempos melhores.

Dois temas sobressaem hoje e poderão se destacar na cena eleitoral. O principal é a necessidade de vacinação em massa contra a Covid-19, o que abriria caminho para uma normalidade menos tensa. O outro é o emprego, que sintetizaria a retomada da economia e a sensação de que, finalmente, a crise ficou para trás. No entanto, mesmo que a imunização seja massiva, o repertório “vacina e emprego” continuará a influenciar a agenda dos candidatos em 2022. A pandemia pode acabar logo; as suas sequelas, não.

No cenário atual, tanto a narrativa de Bolsonaro quanto a de Lula ganham força. Bolsonaro deve reproduzir o discurso de 2018, explorando a bandeira do antipetismo, que, apesar de menos intensa, é importante. Lula, por sua vez, insistirá na narrativa antibolsonarista, que toma corpo devido aos problemas de gestão no combate à pandemia.

Levará vantagem quem elevar mais a rejeição ao oponente e for mais eficiente em construir uma agenda de futuro, que passará pela vacina e pelo emprego. A polarização — conveniente a Bolsonaro e Lula — será consolidada ou desafiada a partir dessas duas pautas.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

Fonte:

Veja

https://veja.abril.com.br/blog/murillo-de-aragao/eleicoes-vacinas-e-emprego/


Cristovam Buarque: Lei incompleta

A Lei Áurea é considerada um marco social, pela extinção do regime escravocrata, e marco legal pela simplicidade de apenas um artigo: “É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”. Nada mais do que 12 palavras e acabou a infâmia de tratar pessoas como mercadoria.

Esta simplicidade deixou a lei incompleta e de certa forma inócua para o propósito de ir além da proibição da venda, compra e propriedade de pessoas, e de servir também para a garantia da liberdade, promoção social e progresso dos afrodescendentes no Brasil. Aquele artigo simples foi capaz de acabar com os grilhões, mas não de incorporar a população negra à sociedade brasileira. Manteve-se a desigualdade, a exclusão, a pobreza e, consequentemente, o racismo.

Teria sido diferente se a Lei Áurea tivesse mais um artigo: “Fica estabelecido no Brasil um sistema único, público, de educação para todos”. Mas a lei ficou incompleta. Ao longo dos 134 anos de sua vigência, comemorados na semana que passou, o Brasil sem escravismo manteve a escravidão, porque sem educação as algemas físicas que aprisionavam os escravos se transformaram em algemas mentais que amarram todos os pobres brasileiros. Não apenas os negros, mas sobretudo estes, por formarem a maior parte dos pobres do País.

Ao longo destes 134 anos, desde 1888, o Brasil manteve uma desigualdade abismal entre a educação dos que podem pagar por uma boa educação e aqueles que não podem. Se desde aquela época os descendentes dos escravos e seus senhores estudassem em um mesmo sistema escolar com qualidade para todos brasileiros, ao longo destas três ou quatro gerações, a desigualdade que ainda existisse, além de pequena, seria graças ao talento dos que se dedicam aos estudos. A desigualdade não seria herança financeira, que termina sendo também herança racial. Sem o segundo artigo, a Lei Áurea ficou incompleta.

Além da lei incompleta de 1888, atravessamos toda a história pós-abolição e republicana sem acrescentar o artigo e outras ações que faltam. Por 40 anos depois da Lei, nem ao menos criamos um Ministério da Educação; quando criado já nos anos 1930, serviu para coordenar a educação da minoria dos filhos da população branca e rica, ou quase rica, nas poucas escolas de base que foram criadas ao longo das décadas. A obrigatoriedade de vaga aos seis anos só veio em 1988 com a Constituição; aos 4 anos, em 2013; a obrigatoriedade de vaga até os 17 anos, só em 2016; o Piso Nacional Salarial para o Professor, em 2008.

Até hoje, o Brasil deixa a educação nas mãos dos pobres e desiguais municípios. Foram feitas leis como a Merenda Escolar (1955), Emenda Calmon (1983), Livro Didático (1985), Fundef (1996), PNE-I (2001), Fundeb (2007), Piso Salarial do Professor (2008), PNE-II (2011), BNCC (2020), e o Brasil continua com educação entre as piores do mundo e provavelmente a mais desigual entre todos os países.

Até hoje, o Brasil não decidiu completar a Lei Áurea criando um Sistema Nacional de Educação de Base. A sociedade brasileira, seus eleitores e líderes continuam com a mesma visão da Princesa Izabel e do Primeiro-Ministro João Alfredo – basta o primeiro e único artigo da Lei Áurea, a educação de cada criança é assunto da família ou do prefeito, não do país. O resultado é que um século e meio depois da Lei Áurea, temos duas vezes mais adultos analfabetos do que no ano da abolição incompleta, todos eles pobres e quase todos afrodescendentes.

Na verdade, todos os governos seguintes, ditadura ou democracia, de direita ou esquerda, negaram-se a assumir a educação de nossas crianças como uma questão nacional: levar a sério o artigo da Constituição que assegura a educação como um direito de todos os brasileiros e tornar a educação como o vetor do progresso do país.

Nos navios negreiros, havia marujos com a tarefa de impedir os escravos desesperados pularem no mar, já que a morte deles era uma perda financeira para o proprietário. Hoje, não oferecemos escolas que assegurem a seus alunos quererem permanecer nelas, e se eles quiserem pular no mar da deseducação, aceitamos que o façam sem percebermos a perda que isso representa para o futuro de cada um deles, para suas famílias e para todo o País.

Faz 134 anos que demos alforria aos escravos, mas não os libertamos, porque não lhes demos a educação, sem a qual a liberdade é apenas uma ilusão. Por falta de um artigo a mais na Lei Áurea, mantivemos uma última trincheira da escravidão, mantivemos os descendentes dos escravos em um novo tipo de servidão e amarramos o progresso do país.

*Professor Emérito da Universidade de Brasília

Fonte:

Correio Braziliense

https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2021/05/4925679-lei-incompleta.html


Bruno Boghossian: No tudo ou nada, Ciro vai acabar no Planalto ou em crise de identidade

No início da semana, Ciro Gomes (PDT) chamou Lula de “o maior corruptor da história”. Dias depois, publicou um vídeo em que diz que a corrupção “apenas se escondeu melhor” no governo Jair Bolsonaro. Em sua quarta corrida ao Planalto, o ex-ministro tenta encaixar um discurso para confrontar tanto o petista como o atual presidente.

Ciro testa as águas de uma campanha “contra tudo o que está aí”. Nas mensagens que tem divulgado em entrevistas e publicações em redes sociais, ele ensaia uma retórica de indignação generalizada, fala de distorções de governos passados e explora o fantasma da corrupção para tentar fragilizar, de uma só vez, seus dois principais concorrentes.

O pedetista faz uma aposta arriscada. Identificado com plataformas de esquerda, o ex-ministro do governo Lula enxerga o petista em posição dominante nesse segmento do eleitorado, historicamente ligado ao PT. Seus aliados entendem, com isso, que a única maneira de chegar ao segundo turno é eliminar Bolsonaro.

Como a esquerda parece congestionada, Ciro trabalha para enfraquecer e substituir Bolsonaro nas demais fatias da população. O problema do ex-ministro é que, na direita, suas ideias dificilmente terão aderência suficiente para impulsioná-lo até o segundo turno, mesmo que o atual governo esteja desgastado.

Se outro candidato com uma plataforma mais palatável estiver na corrida, o pedetista fica para trás. Por isso, aliados de Ciro buscam convencer o pelotão de políticos que reivindicam o rótulo de centro a abandonar a disputa para apoiá-lo. Ainda que ele seja ungido, eleitores desse lado do espectro podem preferir votar em Bolsonaro para derrotar Lula.

Caso vá ao segundo turno, Ciro ainda enfrentaria o desafio de bater o petista num confronto direto. Ele precisaria trabalhar para aumentar a rejeição a Lula e contar com uma atração quase universal de eleitores que escolherem outros nomes no primeiro turno. O pedetista chegará ao fim de 2022 em crise de identidade ou com as chaves do Planalto

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/no-tudo-ou-nada-ciro-vai-acabar-no-planalto-ou-em-crise-de-identidade.shtml