Day: maio 19, 2021

Hélio Schwartsman: No Oriente Médio, uma guerra sem saída

Já acreditei que o processo de paz entre israelenses e palestinos baseado na ideia de dois Estados teria sucesso. A ducha de água fria não foram as negociações frustradas de Camp David (2000) ou Annapolis (2007), mas a leitura de “The Two-State Delusion” (a ilusão dos dois Estados, de 2015), de Padraig O’Malley.

Uma nota biográfica é necessária. O’Malley é um especialista em negociações de paz. Ele não só estuda conflitos que um dia pareceram insolúveis como ajuda a encontrar uma saída para eles. Participou dos processos de pacificação na Irlanda do Norte e na África do Sul. Depois, se debruçou sobre o conflito israelo-palestino —e foi derrotado por ele. As conclusões a que chegou estão no livro, que é bem lúgubre.

O ponto central de O’Malley é que as narrativas israelense e palestina são inconciliáveis. Ambos os lados se veem como vítimas em um embate imemorial e não admitem que outros possam ter uma visão diferente, a menos que estejam mal-intencionados. Pior, o conflito virou um modo de vida para lideranças locais e uma espécie de vício para as populações.

Uma ilustração banal e significativa disso ocorreu quando respeitados educadores israelenses e palestinos tentaram elaborar um livro didático de história que pudesse ser usado nas escolas dos dois lados. Não conseguiram. Não havia como desarmar e aproximar as narrativas.

Penso que situação até piorou de 2015 para cá. Até alguns anos atrás, a paz ao menos era um tema importante em pleitos israelenses, dividindo o eleitorado. Não é mais. Os israelenses simplesmente deixaram o assunto de lado. E não só os israelenses. Vários países da região também abandonaram a ideia de unidade árabe e o apoio à causa palestina para firmar acordos de cooperação com Israel.

Não digo que seja impossível mesmo no futuro distante, mas ninguém jamais perdeu dinheiro por apostar contra ela no conflito israelo-palestino.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/no-oriente-medio-uma-guerra-sem-saida.shtml


Folha de S. Paulo: Um ano após Floyd, Minneapolis busca reforma policial ampla e preservar luto

Marina Dias, Folha de S. Paulo

Em um posto de gasolina desativado em Minneapolis, Eliza Wesley improvisou uma cabine de vigilância para tentar proteger o luto e a dor. Do outro lado da rua, ela vê o cruzamento onde George Floyd foi assassinado, há um ano, e intervém aos berros quando entende que alguém não está respeitando as homenagens ao homem que gerou a maior onda de protestos antirracismo nos EUA desde Martin Luther King.

“Este é um lugar sagrado”, explica Eliza, que se voluntariou para fazer a guarda diária do local cheio de velas, flores e cartazes coloridos. “As pessoas vêm aqui e querem fazer vídeos, fotos. Tudo bem, mas não é só disso que se trata. É sobre comunidade, sobre o que significa a gente continuar aqui, refletindo sobre o que aconteceu com um homem negro.”

De óculos escuros modelo aviador, jaqueta amarela florescente e boné, a americana de 52 anos se intitula encarregada da praça criada e mantida por moradores em memória do que aconteceu em 25 de maio do ano passado.

Ali, misturam-se certo alívio pela recente condenação do ex-policial branco Derek Chauvin —que sufocou Floyd com o joelho por quase dez minutos— e a espera exaustiva pela reforma no sistema policial, que parece longe de acontecer.

Enquanto Minneapolis abraça a volta à normalidade após os protestos e o fim das restrições da pandemia, o memorial sob os olhos de Eliza não quer normalizar nada. Logo na entrada de um dos quatro quarteirões interditados, a placa anuncia que aquele é um “estado livre”, espécie de santuário resguardado por pessoas negras que se revezam dia e noite, inclusive no rigorosíssimo inverno da cidade, que pode chegar a temperaturas de -15 ºC.

Um dos avisos é direcionado aos visitantes brancos: “Não faça ser sobre você. Venha escutar, aprender, lamentar e testemunhar. Lembre-se que você está aqui para apoiar, e não para ser apoiado.”PUBLICIDADE

Não há ódio, diz Eliza, mas pedido de respeito, como se aquele espaço fosse a forma de lembrar a todos que a luta continua. “Não dá para respirar, porque ainda não acabou.”

Durante os 22 dias do julgamento que condenou Chauvin em três categorias de homicídio, ao menos 64 pessoas foram mortas por policiais nos EUA. Duas delas eram o jovem negro Daunte Wright, baleado em uma abordagem de trânsito a poucos quilômetros de Minneapolis, e Ma’Khia Bryant, adolescente negra morta a tiros em Ohio, uma hora antes do anúncio do veredito.

Um ano depois do assassinato de Floyd, as mudanças estruturais na polícia avançaram pouco não só na cidade onde o crime aconteceu —e onde as promessas políticas eram mais ousadas—, mas também em termos de legislações federais.

Em março, a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou a chamada Lei George Floyd de Justiça no Policiamento, que proíbe táticas policiais controversas, como o estrangulamento, e facilita o caminho para ações judiciais contra agentes que violarem direitos de suspeitos. Mas a medida parou no Senado, onde precisa de 60 dos 100 votos da Casa para ser efetivada.

Os senadores estão divididos hoje entre 50 votos para os democratas e 50 para os republicanos —com desempate nas mãos da vice-presidente Kamala Harris—, e analistas são céticos quanto ao apoio de ao menos dez republicanos a um projeto como este.

Em Minneapolis, a Câmara Municipal chegou a prometer no ano passado desmantelar o Departamento de Polícia e reconstruir o sistema de segurança com a ajuda da comunidade, mas a proposta acabou naufragando.

O prefeito Jacob Frey, do Partido Democrata, é contrário à ideia, e vereadores, que antes defendiam a ideia, recuaram diante da pressão de moradores.

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Pesquisa realizada em agosto pelo jornal local Star Tribune mostra que diminuir o tamanho do Departamento de Polícia não conta com apoio maciço da população. Cerca de 40% dos moradores de Minneapolis eram favoráveis à ideia, e, entre residentes negros, o índice era de 35%.

Até agora, a cidade aprovou um projeto de lei que proíbe estrangulamentos e coloca em prática novos requisitos para diminuir a violência nas abordagens da polícia, mas ativistas e especialistas querem mais.

Vice-presidente da Fundação Minneapolis, Chanda Smith Baker diz que o caso de Floyd foi um marco histórico, mas ainda não é possível dizer que as manifestações produziram resultados significativos e permanentes na estrutura policial.

“É claro que, pela quantidade de atenção e o quão perturbado o mundo estava com a morte de Floyd, algo diferente aconteceu. Mas isso só vai importar se continuarmos a pressionar por mudanças em todos os níveis”, afirma. “Só porque houve vitória em um lugar não significa que transformamos o sistema.

A polícia americana mata cerca de mil pessoas por ano, sendo que os negros têm probabilidade quase três vezes maior de serem as vítimas em comparação aos brancos. Segundo levantamento da Universidade Estadual de Bowling Green, 104 policiais não federais foram presos por acusações de homicídio do início de 2005 a junho de 2019. Destes, apenas 35 foram condenados.

Chanda diz que o racismo sistêmico, a falta de compreensão dos americanos sobre o problema e a pouca vontade política em impulsionar mudanças explicam parte desse cenário difícil de ser revertido.

“As comunidades não são ingênuas. Ter um oficial [Chauvin] responsabilizado não indica que outros também serão. Há um reconhecimento de que não podemos permitir que o julgamento e seu veredito sejam o fim da história.”

Morador de Minneapolis, Damien Markham afirma que a condenação de Chauvin veio “apenas para a gente não colocar fogo na cidade de novo”.

Aos 33 anos, ele ajuda na manutenção da praça em homenagem a Floyd e diz que a solução para acabar com “o ciclo sem fim” de assassinatos de pessoas negras por policiais é inclusão econômica. “Eles não matam pessoas negras com dinheiro, matam pessoas negras pobres. Se tivermos dinheiro, eles vão nos deixar em paz.”

O memorial de Floyd virou ponto turístico e foco de disputa entre ativistas e a prefeitura de Minneapolis, que quer reabrir a rota para carros e ônibus no cruzamento entre as movimentadas rua 38 e avenida Chicago, onde o crime aconteceu. Moradores dizem que, desde que a praça foi montada, com uma escultura de punho fechado no meio —símbolo de solidariedade e resistência—, o policiamento na região diminuiu.

Na terça (11), Cory S. estava mostrando o local para a mãe, que vive no Texas. “Tem menos policiamento agora, mas também mais consciência sobre racismo e desigualdade social.”

Especializada em trabalhos com populações marginalizadas, Chanda afirma que “sempre vai haver necessidade de algum nível de policiamento”, mas é possível chegar a um meio termo entre o que existe hoje e o desmantelamento total da corporação. “Violações de trânsito, problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias químicas, por exemplo, não devem ser atendidas com estratégias de policiamento.”

Parlamentares de Minnesota, onde fica Minneapolis, estudam proposta que permitiria a equipes de saúde mental responderem, em alguns casos, a chamados de emergência. Mas o Senado do estado, controlado por republicanos, não parece disposto a aprovar a medida.

As divergências políticas sobre o tema se espalham por todo o país. Legisladores nos 50 estados americanos apresentaram mais de 2.000 projetos de lei relacionados ao policiamento no ano passado, e só cerca de 12 deles conseguiram chancelar medidas mais abrangentes.

O presidente Joe Biden tem pressionado os parlamentares a aprovarem a reforma no sistema policial, e o Departamento de Justiça decidiu investigar se a polícia de Minneapolis tem “padrão ou prática” de discriminação ou uso de força excessiva nas abordagens, o que foi considerado um progresso.

Diante de um sistema historicamente racista, Biden precisa fazer da questão racial prioridade se quiser avançar com mudanças que nem mesmo Barack Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, conseguiu implementar.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/um-ano-apos-floyd-minneapolis-busca-reforma-policial-ampla-e-preservar-luto.shtml


Michel França: Pobreza estrutural

Existe vasta literatura voltada para compreender os mecanismos que retroalimentam a pobreza. Com o intuito de enfrentar esse desafio, diversas iniciativas e políticas públicas têm sido propostas e adotadas. Na economia, epidemiologia e psicologia têm ampliado a discussão em torno dos potenciais efeitos positivos de investimentos na primeira infância e na juventude.

Durante esse período da vida, são aprendidas habilidades que influenciam os resultados alcançados na idade adulta. Considerando o contexto americano, estudos empíricos mostraram que o ambiente em que crianças e jovens estão inseridos consegue explicar uma parcela significativa das condições de saúde, desempenho educacional, engajamentos sociais e envolvimento futuro em atividades criminais.

Além do impacto social, também existem desdobramentos econômicos relevantes. Estima-se que cerca de 50% da variabilidade dos ganhos ao longo da vida entre as pessoas poderia ser explicada pelas habilidades desenvolvidas até os 18 anos de idade (“The economics of human development and social mobility”, 2014).

No entanto, construir essas habilidades não é algo trivial. Requer considerável esforço e políticas públicas bem orientadas. Existem inúmeros fatores que atuam conjuntamente no processo de formação de uma pessoa.

Um deles é a influência da família. Sabe-se que há uma expressiva correlação entre a renda domiciliar e o desempenho de um indivíduo. Isso ocorre porque a renda está associada a várias características que influenciam diretamente o progresso individual.

A literatura mostra, por exemplo, que crianças que vivem em ambientes desfavorecidos vão entrar em contato com um vocabulário significativamente menor, e isso leva a pior rendimento escolar.

Os pais, que podem ser considerados os primeiros professores de um indivíduo, costumam apresentar baixo conhecimento formal para transmitir a seus descendentes. Além disso, famílias carentes tendem a encorajar menos as crianças no seu processo de aprendizagem.

Possivelmente, o círculo de amizades dessas crianças será formado por pessoas que apresentam baixo nível educacional. Desse modo, o potencial aprendizado derivado das interações humanas também fica comprometido.

Isso tende a fazer com que transferências irrestritas de renda apresentem fraco efeito no processo de desenvolvimento das habilidades de um indivíduo. Deve-se pontuar que as políticas de transferências de renda desempenham um importante papel na suavização das restrições derivadas da pobreza. Entretanto, também é necessário realizar intervenções que ajudem a corrigir outras distorções sociais geradas pelos locais de nascimento.

Nesse cenário, estudos empíricos têm encontrado evidências de que intervenções voltadas para a primeira infância e juventude apresentam significativo potencial de ajudar a quebrar o ciclo de perpetuação da pobreza.

No caso dos Estados Unidos, iniciativas bem-sucedidas conseguiram impactar positivamente o desenvolvimento cognitivo de crianças e melhoraram as capacidades não cognitivas de adolescentes.

Simples programas de mentoria, por exemplo, têm significativo potencial de fornecer informações valiosas para os jovens desfavorecidos, ajudando, assim, a fazer melhores escolhas.

Sem uma intervenção profunda e organizada do Estado, é difícil imaginar que conseguiremos vencer a pobreza estrutural, pois existem muitos canais pelos quais o status socioeconômico se reproduz entre as gerações.

O texto é uma homenagem à música “Não é Sério”, interpretada por Charlie Brown Jr. e Negra Li.

*Michael França é doutor em Teoria Econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/michael-franca/2021/05/pobreza-estrutural.shtml


Ricardo Noblat: À espera da nova onda do vírus, e na torcida para que não venha

Acendeu a luz amarela em gabinetes de autoridades médicas de Estados populosos. No país, a média de mortes caiu continuamente nos últimos 30 dias. Mas a média de casos subiu nos últimos 15 dias com a circulação recorde de pessoas, diz Atila Iamarino, doutor em ciências pela Universidade de São Paulo.

No momento em que o país soma mais de 430 mil mortes pela Covid-19 e somente 12% da população adulta está completamente imunizada contra o coronavírus, nove em cada dez brasileiros com 18 anos ou mais (91%) pretendem se vacinar ou já se vacinaram, aponta pesquisa Datafolha. Mas falta vacina

Os números da pesquisa confirmam a tendência de crescimento da adesão à imunização. Em dezembro último, os pró-vacinas somavam 73%. Em janeiro, após a aplicação das primeiras doses, o percentual deu um salto para 81%. Chegou a 89% em abril, no pico da segunda onda da pandemia. Mas falta vacina.

O governo Bolsonaro foi ágil em importar e fabricar drogas ineficazes contra a Covid-19, e inepto em comprar vacinas. Dispensou 240 milhões de doses, 70 milhões nas seis ofertas da Pfizer, mais 170 milhões oferecidas pela

O ritmo de vacinação está sendo lento demais, na opinião de 7 em cada 10 pessoas entrevistadas pelo Datafolha. Mas a lentidão se explica: falta vacina. Sobram drogas que não funcionam.

Kátia Abreu fecha a porta das embaixadas do Brasil para Ernesto Araújo

À parte as mentiras e esquivas em dizer a verdade, pouca coisa ficou de aproveitável do depoimento prestado à CPI da Covid por Ernesto

Fora as mentiras e dribles na verdade, o que restou de aproveitável do depoimento prestado à CPI da Covid-19 pelo embaixador Ernesto Araújo, ex-ministro das Relações Exteriores?

Poucas coisas. A mais destacada pelos senadores que o interrogaram: Araújo confirmou ter mobilizado a estrutura do seu ministério para a compra a outros países de hidroxicloroquina.

E disse que o processo de compra foi acompanhado por Bolsonaro. Atribuiu ao ex-ministro Eduardo Pazuello a decisão de pedir um número insuficiente de vacinas à Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Brasil tinha direito a receber vacinas para imunizar 50% de sua população. Pazuello pediu um número de vacinas que só daria para 10%. Por quê? Que ele se explique, hoje, quando for depor.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (Progressistas-TO) garantiu que jamais colocará em votação a eventual indicação de Araújo para uma embaixada.

Bolsonaro cogita indicá-lo para um cargo de representante do Brasil no exterior junto a alguma organização internacional, o que independe de aprovação do Senado. Poderá ser em Paris.

O Dia D e a Hora H do general Pazuello, ex-ministro da Saúde

Como ele se apresentará à CPI da Covid, fardado ou não? Enfrentará os senadores ou se calará? Ao falar, dirá a verdade, apenas a verdade?

No depoimento mais aguardado até agora pela CPI da Covid-19, o general Eduardo Pazuello, o terceiro ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro, dali posto para fora por incompetência fartamente demonstrada, tem uma difícil escolha a fazer.

Ou fala a verdade na contramão dos que foram ouvidos até agora, à exceção do contra-almirante Barra Torres, presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou cala-se sob a proteção do um habeas-corpus que lhe assegura tal direito.

Pazuello, em todo caso, deve acautelar-se. O habeas-corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, só lhe permite fugir de perguntas que possam incriminá-lo em processo que responde.

Triste situação, essa, a de um general da ativa, especialista em logística militar, que aceitou o desafio de enfrentar a pandemia mais destruidora dos últimos 100 anos sem que tivesse o mínimo conhecimento da área de saúde.

Esfarrapada foi a desculpa que deu para tanto. “Missão dada, missão cumprida” é um ditado que significa: se um superior lhe dá uma tarefa, cumpra-a sem discussão. O ditado guarda parentesco com outro: “Manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Em resumo: na cabeça do general, uma vez convocado pelo presidente para servir a pátria invadida por um vírus certamente fabricado em laboratório estrangeiro, ele não poderia dizer não. Treinado para obedecer, deveria sempre dizer sim ao chefe.

Em que trajes ele se apresentará diante dos senadores e do país que assistirá seu depoimento transmitido ao vivo por emissoras de rádio e de televisão? A paisana, embora como ministro tenha usado farda? Fardado, na esperança de intimidar os senadores?

Alguns dos seus companheiros de farda, da ativa e da reserva, plantaram notas na mídia advertindo os senadores para o risco de humilhar um general, forçando-o a revelar o que não pode. A fazê-lo, talvez os brucutus rolassem na Esplanada dos Ministérios.

Bobagem! Os brucutus serão poupados para uma futura guerra contra algum dos países vizinhos. É o que os militares esperam desde a última, travada contra o Paraguai entre 1864 a 1870. Se vier, que seja rápida, pois munição só há para poucas horas.

A ver se os senadores, aliados do ex-capitão que acidentalmente se elegeu presidente, entregarão Pazuello à própria sorte ou se arriscarão o mandato para defendê-lo a qualquer preço, como não fizeram com o ex-ministro Ernesto Araújo.

Verdade que Araújo não vale uma missa, mas Pazuello valerá?

Fonte:

Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/a-espera-da-nova-onda-do-virus-e-na-torcida-para-que-nao-venha


Bernardo Mello Franco: A mutação dos bolsonaristas

A CPI da Covid produziu uma mutação nos bolsonaristas. Diante dos senadores e das câmeras de TV, os defensores do capitão perdem subitamente a valentia. Passam a falar baixo, renegam suas bravatas e fingem esquecer o que já disseram.

Na semana passada, o fenômeno ocorreu com Fabio Wajngarten. Conhecido pela agressividade nas redes sociais, o publicitário afinou ao usar o microfone. Adotou um tom humilde, quase servil, para tentar escapar ileso do depoimento.

O ex-secretário de Comunicação se disse vítima de “boatos maldosos” sobre a intermediação da compra de vacinas. No entanto, perdeu a memória ao ser questionado sobre um termo usado pelo ex-ministro Eduardo Pazuello. “Não sei nem o que significa pixulé”, desconversou. “Melhor assim, não é?”, ironizou o senador Renan Calheiros.

Ontem a foi a vez de Ernesto Araújo sofrer um surto de amnésia. Pivô de múltiplas crises com a China, o ex-chanceler jurou que nunca criou atritos com Pequim. Renegou até o artigo em que se referiu ao coronavírus como “comunavírus”, endossando a teoria conspiratória de que os chineses teriam lucrado com a pandemia. “Vossa excelência renega o que escreveu. Aí, não dá!”, protestou o senador Omar Aziz.

Em outro momento, Ernesto disse que o ideólogo Olavo de Carvalho não era o guru da sua política externa delirante. “O senhor de fato é um homem muito ousado, muito corajoso”, debochou a senadora Kátia Abreu, antes de chamar o ex-ministro de “negacionista compulsivo”.

Apesar dos recuos e das gaguejadas, Wajngarten e Ernesto não conseguiram blindar o chefe. O publicitário admitiu que Jair Bolsonaro ignorou ofertas de vacinas da Pfizer. E o ex-chanceler confirmou que o presidente deu ordens para negociar a importação de cloroquina.

Ernesto deixou claro que sua gestão estava mais empenhada em travar lutas ideológicas do que em salvar vidas. Por discordar do governo da Venezuela, o ministro se negou a colaborar com o transporte de cilindros de oxigênio de Caracas para Manaus. Depois que a doação chegou, ele se recusou a dar um mísero telefonema para agradecer.

PF laçou a boiada de Ricardo Salles

A Polícia Federal laçou a boiada de Ricardo Salles. O ministro do Meio Ambiente foi o principal alvo da operação deflagrada nesta manhã. A polícia investiga sua participação num esquema de exportação ilegal de madeira.

A ação apura crimes de corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando. O ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Salles. Ele também afastou o presidente do Ibama, Eduardo Bim.

O governo de Jair Bolsonaro subverteu a razão de ser do Ministério do Meio Ambiente. Desde a posse do capitão, a pasta foi capturada por interesses econômicos ligados à exploração predatória dos recursos naturais.

Em vez de proteger as florestas, a gestão de Salles estimulou a ação de desmatadores, grileiros e garimpeiros. Na reunião ministerial de abril de 2020, ele escancarou sua estratégia: aproveitar a pandemia para ir “passando a boiada”. Era uma referência ao desmonte da legislação e dos órgãos ambientais no Brasil.

Em tempos normais, a operação da PF levaria à demissão imediata do ministro do Meio Ambiente. Como estamos no governo Bolsonaro, é preciso esperar para ver. A política antiambiental de Salles não é uma obra de um homem só. Estava sempre deixou claro que cumpre ordens do presidente.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/mutacao-dos-bolsonaristas.html


Bruno Boghossian: CPI expõe arquitetura de um governo sem interesse em salvar vidas

Ernesto Araújo disse na CPI da Covid que nunca recebeu orientações para rejeitar parcerias que poderiam ajudar o país a produzir vacinas. Não foi necessário. A comissão já mostrou que a arquitetura do governo Jair Bolsonaro tornou praticamente impossíveis os esforços do país para salvar vidas na pandemia.

A política externa desvairada de Ernesto não foi uma exceção. A tensão contínua entre o Brasil e a China na negociação de insumos para fabricar imunizantes só existe até hoje porque o governo transformou o Itamaraty num joguete da direita radical.

O ex-chanceler tentou disfarçar, mas sabe que a diplomacia pode ajudar ou atrapalhar articulações desse tipo. No início da sessão, ele mesmo disse que o governo recebeu vacinas “graças à qualidade das nossas relações com a Índia”. Depois, precisou reconhecer que a bajulação permanente a Donald Trump não havia rendido frutos nessa área.

Ernesto descreveu um Itamaraty que se curvou aos delírios de Bolsonaro. O ex-chanceler afirmou ter intermediado um telefonema do presidente à Índia para pedir milhões de comprimidos de um remédio ineficaz. Admitiu, ainda, que nem sequer agradeceu à Venezuela pelo oxigênio doado a Manaus durante a crise de desabastecimento na capital amazonense. A coloração política do governo vizinho valeu mais do que as vidas que estavam em risco.

A diplomacia funcionou como peça auxiliar do negacionismo. Ernesto disse que trabalhou para adquirir cloroquina a pedido do Ministério da Saúde e que a pasta foi a responsável pela recusa de parte das doses de vacina disponíveis no consórcio Covax Facility. As duas decisões ficaram na conta de Eduardo Pazuello, próximo depoente da comissão.

A CPI já desenhou a estrutura de um governo que reproduz com precisão as obsessões do presidente. Nos dias pares, os ministros se omitem e demonstram desinteresse pela imunização dos brasileiros. Nos ímpares, sabotam a relação com países-chave e perdem tempo com medicamentos ineficazes contra a Covid.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/bruno-boghossian/2021/05/cpi-expoe-arquitetura-de-um-governo-sem-interesse-em-salvar-vidas.shtml


Ruy Castro: A arte de fazer perguntas

Nas últimas semanas, recorri à minha já quase secular trajetória pela imprensa para cometer dois artigos (“Perguntas à queima-roupa”, 7/5, e “Pequeno manual para a CPI”, 12/5), em que tentei passar a possíveis interessados —os senadores da CPI da Covid, por exemplo— algumas dicas sobre como fazer perguntas. Afinal, é delas que vivem os jornalistas, e alguns tiveram a sorte de trabalhar em veículos em que a entrevista era uma grande atração.

Um deles, a antiga Playboy, cujas entrevistas passavam tal seriedade que mesmo os mais alérgicos a elas, como Frank Sinatra e Miles Davis, aceitaram concedê-las. A própria edição brasileira, em sua melhor fase, nos anos 80 e 90, entrevistou empresários, candidatos à Presidência e até suas maiores inimigas: as feministas. E por que eram tão boas as entrevistas de Playboy? Porque seus repórteres tinham cláusulas pétreas a seguir na elaboração da pauta e na sua aplicação. Eis algumas.

Preparar-se para a entrevista como se fosse a última que o sujeito daria em vida. Ler sobre ele para aprender tudo que se sabia a seu respeito, para perguntar justamente sobre o que não se sabia. Fazer uma pauta com centenas de perguntas, com perguntas alternativas entre uma e outra, como repique à pergunta anterior.

Nunca fazer duas perguntas ao mesmo tempo —faz-se a primeira e mantém-se a seguinte engatilhada. Ficar atento à resposta para possíveis buracos e ir a eles em seguida. Nunca cortar ou se intrometer numa resposta —afinal, o camarada está ali para falar. Em caso de súbito branco numa resposta, nunca tentar “ajudar” o entrevistado —ele que se obrigue a preenchê-lo e, ao fazer isso, dirá o que não queria.

E, se o entrevistado mentir, nunca chamá-lo de mentiroso na lata, claro, mas fazer com que ele perceba logo que você não se deixou tapear. Afinal, os repórteres, ao contrário da CPI, não têm poder de prisão.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/ruycastro/2021/05/a-arte-de-fazer-perguntas.shtml


Armando Castelar Pinheiro: As nuvens e o cenário eleitoral

A pesquisa do Datafolha divulgada há uma semana sugere um quadro eleitoral bem definido, com forte polarização entre o presidente Bolsonaro e o ex-presidente Lula, com grande vantagem para este último. Juntos, os dois respondem por 74% das intenções de voto dos que declararam sua preferência, com os restantes 26% pulverizados entre outros seis candidatos. A vantagem de Lula é clara: tem quase o dobro das intenções de voto de Bolsonaro, sua taxa de rejeição é bem menor (36% x 54%) e, segundo a pesquisa, venceria com facilidade no segundo turno, com 72% a mais de votos que o atual presidente.

A polarização interessa tanto a Bolsonaro como a Lula e há uma chance grande de que ela sobreviva até as eleições. Por outro lado, a ida às urnas é só daqui a 17 meses e, na memorável metáfora de Magalhães Pinto, ex-governador de Minas Gerais, “política é como nuvem, você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”.

O que pode mudar esse quadro? Penso que pelo menos três fatores podem influir nessas preferências de voto: o avanço da vacinação, a recuperação da economia doméstica e o cenário externo.

Não têm faltado erros, tropeços e incertezas em nosso processo de vacinação. Porém, também há acertos e, graças a estes, e à nossa rede de saúde pública, experiente em campanhas de vacinação, esta tem avançado. Já foram aplicadas 55 milhões de doses e a expectativa é que, ainda este semestre, os mais vulneráveis estejam em grande parte protegidos.

Este mês, o Banco UBS publicou estudo prevendo que o Brasil atinja um patamar de relativa imunidade coletiva até o fim de setembro. Essa previsão se baseia em duas constatações: 1- que a vacina está reduzindo os casos graves naqueles que a receberam e 2 – que 98,5% das mortes, 96,2% das internações em CTI e 94,7% das hospitalizações até mês passado foram do grupo com 30 anos ou mais. Assim, conclui o estudo, se vacinarmos esse grupo, que compreende 56,1% da população, a pandemia ficaria menor. E essa meta, mesmo com hipóteses conservadoras sobre a disponibilidade de vacinas, seria atingível até setembro.

Outras instituições preveem que a imunidade coletiva só venha no final do ano, ainda que apontando que, dado que a vacinação foca nos grupos de risco, a saúde pública vai começar a melhorar antes disso. Em um ou outro caso, porém, a expectativa é que a pandemia perca força a partir do início de 2022. Isso reduziria a importância desse tema nas eleições de outubro, diferentemente do que ocorreu nas últimas eleições americanas.

A economia surpreendeu positivamente no início de 2021. Apesar dos efeitos contracionistas do fim do Auxílio Emergencial e das restrições decorrentes da segunda onda da pandemia, o PIB deve ter crescido em torno de 0,5% no primeiro trimestre, na série com ajuste sazonal. Ainda se espera uma queda do PIB no trimestre, mas para a segunda metade do ano a projeção é de recuperação da atividade.

Obviamente, se confirmado, o controle da pandemia no último trimestre do ano vai impulsionar a economia. Mesmo que isso se dê inicialmente de forma moderada, pelo receio das pessoas de se exporem, o impulso vai ganhar força ao longo de 2022.

É difícil prever quão forte ele será. A previsão do Focus é de alta do PIB de 2,4% em 2022, mas penso que pode ser mais, devido ao efeito positivo dos preços elevados das commodities e de as famílias gastarem a grande poupança acumulada durante a pandemia. A retomada da atividade será mais intensa nos serviços, beneficiando a geração de empregos, inclusive informais, favorecendo trabalhadores com maior propensão a consumir.

Também se espera um impulso fiscal positivo, ou pelo menos não tão negativo quanto este ano. Isso não só pela típica sazonalidade de anos eleitorais, mas também porque a regra do Teto de Gastos permitirá um aumento real dos gastos. Isso pois a inflação acumulada em 12 meses até junho, que é usada para ajustar o Teto, deve ficar em 8%, caindo para 5% no ano fechado, que interessa mais para reajuste de gastos obrigatórios.

A recuperação da economia poderá ser ajudada, ou não, pelo cenário externo. Hoje o foco está na alta da inflação e no receio de a reversão dos estímulos monetários nos EUA se iniciar já no fim deste ano. No passado, quando os EUA reduziram esses estímulos, os emergentes sofreram. Por outro lado, também lá fora o avanço da vacinação estimulará a atividade econômica e o apetite pelo risco. Se, de fato, nosso crescimento acelerar, a entrada de capital externo tende a aumentar, também ajudada pela Selic mais alta, e o real pode apreciar mais frente ao dólar, que segue sobrevalorizado para padrões históricos. Isso criaria um clima econômico mais favorável, inclusive ao investimento.

Claro, esse é apenas um cenário. Uma terceira onda é possível, a atividade pode outra vez surpreender, desta vez para baixo, e a normalização monetária americana pode nos atrapalhar muito. Se tivesse de apostar, porém, diria que o céu sob o qual se realizará a eleição de 2022 será menos tempestuoso que hoje, com “nuvens” mais voltadas para o futuro e menos para o passado.

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/opiniao/coluna/as-nuvens-e-o-cenario-eleitoral.ghtml


Fernando Exman: Primeiro tinha a farda e depois veio o fardo

Sempre instigante observar quando aqueles que chegam ao poder maldizendo o “sistema” – e depois dele tentam se servir com o objetivo de permanecerem no topo da cadeia alimentar – são colocados frente a frente com as estruturas tradicionais da política. O desfecho costuma ser o mesmo: a liturgia lhes é imposta, por bem ou por mal, e as instituições se sobressaem. A CPI da Covid já apresenta cenas desse filme, ao qual o eleitor assiste desde 2018.

Apenas parte do roteiro é conhecido, como os trechos em que o presidente Jair Bolsonaro ganha a eleição com um discurso lastreado no sentimento de aversão à política de grande parte da população e depois precisa reestruturar seu posicionamento. Abandonou uma bandeira, mas manteve o barco governista flutuando.

Parlamentares e governadores também enfrentaram a dura realidade vivida fora das redes sociais. Wilson Witzel, ex-governador do Rio de Janeiro, durou pouco tempo no cargo. Foi expelido temporariamente da vida pública pelas instituições que tanto desdenhou. Em Santa Catarina, o governador Carlos Moisés foi mais habilidoso e sobreviveu ao impeachment.

Entre os parlamentares, o caso mais atual é o do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), enquadrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por protagonizar ataques à Corte. Preso em flagrante, ele agora responde a processo por quebra de decoro parlamentar no Conselho de Ética e precisará contar com o corporativismo de uma Casa que não quer ver outros de seus integrantes irem para a cadeia.

A “avant-première” na CPI foi o depoimento de Fabio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação Social da Presidência da República.

Seu cartão de visitas de empresário que deixou a iniciativa privada para promover o bem não colou. Wajngarten achou que poderia dobrar parlamentares experientes, alvos prioritários dos ataques bolsonaristas à chamada política tradicional, e acabou tendo seu comportamento considerado inadequado. Por pouco não recebeu voz de prisão e visitou as dependências da Polícia Legislativa. Sua atuação nas negociações para a aquisição da vacina será investigada.

Já o ex-chanceler Ernesto Araújo levou uma descompostura. Faltou diplomacia em sua fala inicial à CPI, quando afirmou que em governos passados “praticamente todos os atores econômicos dependiam de conexões políticas” e recursos da nação eram alocados seguindo uma lógica político-partidária “que gerou estagnação, atraso e imensas oportunidades para a corrupção”.

Entrou em cena Otto Alencar (PSD-BA), que recordou recente declaração do ex-ministro segundo a qual, se não fosse “combatida a essência do sistema”, reformas e privatizações seriam “gato pardo” – referência à obra do escritor italiano Tomasi di Lampedusa.

“Tem uma frase famosa no romance que diz que é preciso que tudo mude para que tudo continue como está”, explicou Araújo. Mas a legenda veio logo com o senador baiano, que relembrou o mantra de governistas de que a articulação política era uma prática inadequada e só a pressão popular pode mudar o Brasil.

Araújo não deve ser o último da fila. O assessor para Assuntos Internacionais de Bolsonaro, Filipe Martins, será testado. Sua última presença no Senado foi marcada por acusações de que teria feito gestos racistas ou ofensivos aos parlamentares, o que ele nega. Há requerimentos para convocá-lo.

É distinta, contudo, a situação de Eduardo Pazuello. O ex-ministro da Saúde é general da ativa. Três estrelas.

O que o diferencia dos ex-colegas de governo é que em sua história sempre fez parte do atual ordenamento institucional. Não é à toa que nos últimos dias circularam diversas versões especulando se ele adentrará à sala da comissão fardado ou vestido como o civil que, a despeito da contestação de seus pares, aceitou uma delicada missão do presidente.

Ex-companheiros de governo já estão tentando responsabilizá-lo pela catastrófica gestão da crise sanitária, mas o general não será abandonado pelos colegas de caserna. Entre os militares, a expectativa é que Pazuello seja tratado com respeito. Isso consta, inclusive, do despacho em que o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, concedeu-lhe o habeas corpus.

Mais do que sua experiência em logística, argumenta-se entre oficiais, Pazuello foi nomeado por ter a confiança do núcleo mais próximo a Bolsonaro – inclusive por ser paraquedista, grupo com forte espírito de corpo.

Ao aceitar o convite para assumir a Saúde, estaria, portanto, embarcando numa missão pessoal incapaz de lhe garantir frutos na carreira. Até porque, por ser da Intendência, não poderia receber a quarta estrela. Esta patente é inalcançável para médicos, engenheiros militares e oficiais do Serviço de Intendência.

Comentou-se que a esperança do general era ser recompensado com uma mudança das regras que disciplinam as promoções. No entanto, mesmo que Bolsonaro rompesse a tradição, nada garantiria que Pazuello estivesse entre os escolhidos. As promoções são definidas por voto nas reuniões do Alto Comando.

Isso não quer dizer que o Exército o auxiliará em sua defesa. A Força não o indicou para o cargo, não se envolveu nas discussões internas do Ministério da Saúde nem teve acesso a documentos e contratos assinados. Cabe a Pazuello responder por isso com auxílio da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, um eventual abuso por parte dos senadores será pessimamente recebido nos quartéis. Não há intenção de deixá-lo ferido pelo caminho.

Pazuello pode reduzir o desconforto de seus companheiros de armas evitando se comportar como se num quartel estivesse. Os senadores tampouco estão dispostos a encarar um depoente desaforado. Neste caso, será instigante ver a interação entre general e integrantes da CPI, sobretudo quando ele for perguntado sobre a que se referia quando disse, em sua despedida, que não atendeu a demandas de lideranças políticas e havia pedidos de “pixulé” no fim do ano passado.

Fonte:

Valor Econômico

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O Globo: Operação da Polícia Federal foi ‘exagerada’ e ‘desnecessária’, diz Salles

Daniel Gullino, O Globo

BRASÍLIA — O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, afirmou que a operação da Polícia Federal (PF) da qual foi alvo foi “exagerada” e “desnecessária”. Salles disse que ele e todos os funcionários do ministério sempre estiveram a disposição para prestar esclarecimentos.

— Fazendo aqui uma manifestação de surpresa com essa operação que eu entendo exagerada, desnecessária. Até porque todos, não só o ministro, como todos os demais que foram citados e incluídos nessa investigação, estiveram sempre à disposição para esclarecer quaisquer questões — disse o ministro, na saída de um evento em Brasília.

Relatório do Coaf:  PF apontou participação de Salles em ‘esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais’

De acordo com Salles, o relator do inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, foi induzido ao erro pela PF. A corporação descreveu a “existência de grave esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais” envolvendo Salles e servidores públicos do ministério e do Ibama.

— Entendemos que esse inquérito, o pouco que sabemos, não tive acesso ainda, ele foi instruído de uma forma que acabou induzindo o ministro relator a erro, induzindo justamente  dar impressão que houve ou teria havido possivelmente uma ação concatenada de agentes do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente para favorecer ou para fazer o destravamento indevido do que quer que seja. Essas ações jamais, repito, jamais, aconteceram.

O ministro, que esteve no Palácio do Planalto na manhã desta quarta, disse que afirmou ao presidente Jair Bolsonaro que “não há substância nenhuma” nos fatos investigados:

— Expliquei ao presidente do que se trata. Expliquei que, na minha opinião, não há substância nenhuma das acusações. Embora eu não conheça os autos já sei qual é o assunto que se trata e me parece que esse é um assunto que vai ser esclarecido, ou que pode ser esclarecido com muita rapidez.

Segundo informações apresentadas pela PF nos autos, a investigação começou a partir de documentos produzidos pela embaixada americana no Brasil, especialmente pelo adido do órgão equivalente ao Ibama nos EUA, o Serviço de Pesca e Vida Selvagem, Bryan Landry. Os documentos informavam a apreensão, no Porto de Savannah, no estado da Geórgia, nos EUA, de três cargas de produtos florestais sem a respectiva documentação.

De acordo com Salles, o Ibama considerou na época que a norme que a regra que teria sido desrespeitada já deveria ter sido alterada:

— Essa questão dos Estados Unidos foi uma carga, aparentemente, até onde eu sei, foi uma carga que foi exportada e quando chegou nos Estados Unidos, eles pediram documentos que não constavam. A presidência do Ibama entendeu, analisando o caso concreto, que a regra estava sendo invocada, era uma regra que já deveria, naquela altura, ter sido alterada e dessa forma técnica, aparentemente, agiu.

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/sociedade/meio-ambiente/operacao-da-policia-federal-foi-exagerada-desnecessaria-diz-salles-25024601

 


Rosângela Bittar: O mal já está feito

As consequências vêm sempre depois, costumava avisar o prudente e discreto Marco Maciel para conter ousadias de efeito imprevisível. Hoje, quando se iniciar a sessão plenária da CPI da Covid, a máxima, óbvia, será contrariada. As consequências já aconteceram. São conhecidos, em extensão e profundidade, os desastres produzidos pelo depoente, ex-ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello. Os riscos que representava já se materializaram.

O papel de executor de ordens exercido pelo general foi constatado em registro público. O mandante tem notória identidade. Os resultados da performance do executor e do mandante são expostos em números indiscutíveis: 436 mil mortos, 15 milhões de infectados, uma exposição iminente do País à terceira onda da pandemia. A que se deve acrescentar o falho plano de vacinação, em vigor, e as projeções pouco críveis para o futuro. Além da reincidência agressiva do presidente da República, que insiste no negacionismo irracional.

A consequência menos letal, porém politicamente delicada, também já emergiu: o desgaste à imagem do Exército.

Da mesma maneira que o presidente Jair Bolsonaro se esconde por trás das atuações pirotécnicas dos filhos, dos seguidores fanáticos e dos ministros, Pazuello sempre manteve o Exército como um biombo, recusando-se a passar à reserva exatamente para não perder tal vantagem.

Não faz sentido a questão, explorada entre membros da CPI, sobre o tratamento a ser dispensado a Pazuello. Deve ser chamado de general ou ministro? Melhor evitar provocações adicionais.

Só o fato de ter sido levantada a discussão já demonstra que Pazuello é, de fato, um tremendo general da ativa, e sua fuga das responsabilidades atinge, sim, o Exército. Ou, visto por outro ângulo, Pazuello está resguardado, de um lado, pelo mandante, de outro, pela patente. Superprotegido.

Agora, que deu tudo errado, deixou de ser general?

Mesmo com mandado judicial a determinar seu comportamento e suas informações, Pazuello não vai passar pela CPI da Covid, porém, com uma simples espanada nos ombros da farda.

Supremo Tribunal Federal concedeu-lhe habeas corpus para não responder a perguntas que possam incriminá-lo. Uma cobertura de rara ironia, pois, ao mesmo tempo que pressupõe a prática de crime, o STF reconhece que Pazuello tem e deve ao Congresso informações sobre terceiros.

Não há mais dúvidas sobre o perfil do inacreditável terceiro ministro da Saúde deste governo. Pazuello está carimbado como inconsequente e incompetente. E medroso, pois tentou escapar da CPI. Justamente quando se delineia o uso e abuso do seu habeas corpus como forma de todos os implicados escaparem da investigação. Alegarão, como começou a fazer ontem o ex-chanceler Ernesto Araújo, que tudo se fez para atender ao Ministério da Saúde. Como o ex-ministro Pazuello tem autorização para ficar calado, está resolvido o problema do governo.

Por sua importância na estratégia das defesas, Pazuello continua totalmente assistido e amparado. A decisão de órgão técnico da Saúde contra o receituário do doutor Bolsonaro para o tratamento da covid, por exemplo, só anteontem foi tomada. Pazuello pode justificar-se, dizendo que, no seu tempo, não havia orientação oficial ainda. Outras virão.

Há quem desqualifique os generais que restaram no governo como distraídos, simplórios. Mas ficaram porque refletem a imagem e semelhança do presidente. Bolsonaro não costuma realçar qualidades como critério de escolha. Trabalha com uma só exigência: subserviência, quesito em que Pazuello recebeu grau dez.

O Exército está tentando manter distância, mas não está fácil. Bolsonaro o envolveu não só através do general da ativa no cargo mais polêmico do seu governo, mas também da participação direta dos seus laboratórios na frenética produção da cloroquina. Um dos principais malfeitos sob investigação no inquérito parlamentar.

Fonte:

O Estado de S. Paulo

https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,o-mal-ja-esta-feito,70003719351