Day: abril 20, 2021
Vinícius Müller mostra passos fundamentais à criação da “pedagogia do centro”
Em seu artigo na Política Democrática Online de abril, doutor em história e professor do Insper e CLP sugere como não cair na polarização entre Bolsonaro e Lula
Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP
Possíveis candidatos de centro à presidência da República (Ciro, Doria, Amoedo, Huck, Mandetta e Leite) devem superar, primordialmente, duas barreiras e criarem “uma pedagogia” da ala, se quiserem vencer nas eleições de 2022. A avaliação é do doutor em história Vinícius Müller e professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).
Em artigo de sua autoria produzido para a revista mensal Política Democrática Online de abril (30ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), ele explica, basicamente, o que os possíveis presidenciáveis devem fazer: “encontrar um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação” e não ter laços frágeis.
Veja a versão flip da 30ª edição da Política Democrática Online: abril de 2021
Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade. Também professor do Centro de Liderança Pública (CLP), Müller diz que a primeira lacuna a ser vencida “é a fragilidade da proposição que vê o problema apenas na inexistência de um projeto comum entre eles”. “Não é o futuro que conta, e sim o passado”, alerta o historiador.
Aceno de aproximação
Por isso, de acordo com o artigo de Müller, os possíveis candidatos de centro precisam encontrar, antes de um projeto comum, um passado que os una ou que, no mínimo, justifique este ensaio de aproximação.
A segunda lacuna, segundo o articulista da Política Democrática Online de abril, é encontrar uma solução para não se apresentarem com “laços frágeis”. Nessa hipótese, avalia, “consequentemente, o fortalecimento do centro não significará nada de muito diferente do que é para os candidatos polares, Lula (PT) e Bolsonaro (sem partido).
Se não houver um passado que dê substância à formação de um centro político, este espaço será ocupado por aqueles que o usam apenas de modo instrumental, na avaliação do historiador do Insper.
Em seu artigo na revista da FAP, o autor diz ser necessária a criação de uma pedagogia do centro, “que não só repudie a narrativa histórica da ‘luta’ – característica daqueles que atiçam a polarização e usam o centro apenas como ferramenta -, mas também identifique os valores que são vistos no passado e transferíveis ao futuro”.
Negativo vs positivo
É por isso que, na Política Democrática Online de abril, ele apresenta quatro passos fundamentais à criação de um ambiente favorável para que o centro deixe de se posicionar como o “negativo’ à polarização e seja o “positivo” de nossa trajetória e de nosso futuro. (todos os detalhes podem ser conferidos diretamente na publicação).
“Ou seja, aquele que carrega – porque identifica, valoriza e comunica – “os avanços que tivemos em nossa história quando conseguimos anular a retórica da ‘luta’; e não o refúgio daqueles que só querem reproduzir nossos males”, analisa Müller, em seu artigo.
A edição de abril da Revista Política Democrática Online também tem entrevista exclusiva com o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, análises de política nacional, política externa, cultura, entre outras, além da reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos.
Veja todos os autores da 30ª edição da revista Política Democrática Online
O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.
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Andrea Jubé: 'Deus poupou-me do sentimento do medo'
Centro já descartou Huck e Moro como presidenciáveis
Vamos tratar aqui de três presidentes: pela ordem, Juscelino Kubitschek, Tancredo Neves, e Jair Bolsonaro. Este passou recibo, com firma reconhecida, de que sentiu a mão fria do “impeachment” roçar-lhe as costas na semana passada, quando o colegiado pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) desferiu-lhe duas bordoadas: confirmou a ordem de instalação da CPI da pandemia, e o restabelecimento dos direitos políticos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A CPI da pandemia, se não tem o impedimento do presidente como alvo, provocará enxaquecas palacianas. Lula, por sua vez, desponta hoje como a principal ameaça à reeleição de Bolsonaro. Mas, remarque-se que a política muda como as nuvens - ou como o humor presidencial.
Bolsonaro está mal humorado, e deixou o azedume transparecer na “live” de quinta-feira, quando o STF sacramentou a investigação contra seu governo, e a elegibilidade de Lula. “Só Deus me tira da cadeira presidencial, e me tira, obviamente, tirando a minha vida", vociferou.
Em recado velado, porém, audível, ao Congresso, ao STF e à oposição, acrescentou, com ênfase, que salvo a prerrogativa divina, “o que nós estamos vendo acontecer no Brasil não vai se concretizar, mas não vai mesmo. Não vai mesmo, tá ok?” Nesse trecho cifrado, Bolsonaro aludiu à ameaça de “impeachment”.
O temor do impedimento ronda o Planalto há meses, e vai e volta em ondas, como o mar. Ou como a pandemia, para ser exata. A primeira onda deu-se em junho do ano passado, quando Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi preso, o que acendeu a luz amarela no Palácio. O episódio teve o condão de suspender a sucessão de atos antidemocráticos pelo fechamento do Congresso e do STF, que Bolsonaro, e sua militância, estimulavam.
A segunda onda se consumou há algumas semanas, quando o Centrão redobrou a pressão pela saída do chanceler Ernesto Araújo, em paralelo ao recrudescimento da pandemia. Para não passar recibo, Bolsonaro improvisou uma ampla reforma, aproveitando-se para se livrar do incômodo ministro da Defesa Fernando Azevedo e dos três comandantes das Forças Armadas, que, pela sua percepção, não o respeitavam como comandante-em-chefe, conforme prescreve a Constituição Federal.
Nessa ampla reforma o medo do “impeachment” ganhou nome e sobrenome: Flávia Arruda, a elegante e discreta ministra da Secretaria de Governo, cuja nomeação selou a aliança de Bolsonaro com o Centrão raiz: o PP de Ciro Nogueira e Arthur Lira, e o PL de Valdemar Costa Neto.
Quando os generais Luiz Eduardo Ramos e Braga Netto decidiram finalmente ceder e entregar a articulação política para o Centrão, uma semana antes do domingo de Páscoa, o primeiro nome lembrado foi o do senador Eduardo Gomes (MDB-TO), que tinha o padrinho mais forte do mercado: o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Mas toda a força de Flávio empalidece diante da caneta de Arthur Lira (PP-AL), que despacha os requerimentos de “impeachment”. Por isso, os dois generais concluíram que o novo ministro tinha de ser egresso da Câmara, e abençoado por Lira. Ontem Flávia admitiu em uma “live” promovida pela XP Investimentos, que recebeu o convite de Bolsonaro para assumir o cargo, mas tratou do assunto com Lira, e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Com Flávia Arruda, Bolsonaro reforçou a blindagem contra o “impeachment” com uma segunda camada. A primeira camada é o vice-presidente, Hamilton Mourão. Num cenário de instabilidade quase permanente, nenhum deputado ou senador calejado de crises quer apear um ex-deputado do poder para passar a caneta para um general. “Ele não inspira confiança”, reconheceu um cacique do Centrão em conversa com a coluna.
Um cacique do Centrão é categórico ao rechaçar qualquer risco de “impeachment”, a começar porque falta o elementar: povo na rua. “Impeachment” depende de dois motivos: o político e o jurídico. A pandemia complica o elemento “povo na rua”, mas isso não basta para revisar a fórmula basilar dos impedimentos presidenciais: motivo político, primeiro; depois, o jurídico. “O motivo jurídico se arruma, no [Fernando] Collor foi o Fiat Elba, com a Dilma [Rousseff], foram as pedaladas, mas tem que ter o ingrediente da sociedade cobrando”, explica o líder do centro.
Nessa quadra, cresce a corrida pela terceira via capaz de quebrar a iminente polarização entre Lula e Bolsonaro. A novidade é que embora ainda figure nas pesquisas, o nome do apresentador Luciano Huck foi alijado das conversas de bastidores no Centrão. Com Lula no jogo, a convicção unânime é de Huck refugou. Por ora, o ex-juiz Sergio Moro também não é levado a sério como presidenciável, apesar da boa performance nas pesquisas.
Sem Huck e Moro, o nome que mais empolga no momento é o do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta, do DEM. Na pesquisa Ipespe realizada no Estado de São Paulo, encomendada pelo Valor, Mandetta alcançou 6% no cenário com o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, disputando, sem João Doria.
Entretanto, o DEM também já colocou no radar de presidenciáveis o nome do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que larga com alguma vantagem em relação ao correligionário: ocupa cargo de visibilidade nacional, e é mineiro, representante do segundo maior colégio eleitoral, berço de presidentes da República, desde a política café-com-leite, até Tancredo neves e Itamar Franco.
Para citar os mineiros, faz falta a Bolsonaro um conselheiro político do quilate de Tancredo Neves, que serviu a Juscelino Kubitschek. Tancredo ajudou o poeta Frederico Schmidt a redigir para JK um pronunciamento que se tornou famoso ao repelir uma rebelião militar. A frase mais forte proclamava: “Deus poupou-me do sentimento do medo”.
Eliane Catanhede: Proliferam não só nomes, mas frentes para um projeto pela democracia, pela vida
Em debate, Ciro, Doria, Haddad, Leite e Huck focam na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial ‘genocida’
O principal recado do debate entre Ciro Gomes, João Doria, Fernando Haddad, Eduardo Leite e Luciano Huck, sábado à noite, foi a civilidade, até gentileza entre eles, ao longo de quase três horas. Deixando as divergências de lado, eles focaram na convergência contra os retrocessos do presidente Jair Bolsonaro, tratado por adjetivos ácidos, puxados pelo já trivial “genocida”.
Há inúmeras frentes para virar a página Bolsonaro e tocar a reconstrução do País, uma espécie de transição à la Itamar Franco pós-Collor. Assim como naquela época, o PT não participa de um projeto de união nacional, mas Haddad compôs bem a mesa, com conhecimento e sobriedade.
Ciro Gomes, ex-candidato três vezes à Presidência, ex-ministro e ex-governador do Ceará, é o que mais impressiona, com seu malabarismo verbal para juntar temas diferentes, amontoar números e produzir uma imagem de experiência e competência. Foi, também, responsável pela maior lista de “atributos” do presidente.
Doria foi Doria, a começar do vídeo e do áudio impecáveis, tudo milimetricamente programado. O governador de São Paulo explorou o fato de ter liderado a guerra pelas vacinas contra a covid no País e deixou o carimbo mais contundente contra Bolsonaro: “mito das mortes”.
Haddad, ex-prefeito de São Paulo, ex-ministro da Educação e ex-adversário de Bolsonaro no segundo turno de 2018, foi menos candidato, mais militante, preocupado em defender os feitos dos governos do PT, enquanto batia duro no “autoritarismo” de Bolsonaro.
Eduardo Leite, o jovem tucano que saiu de uma prefeitura do interior para o governo do Rio Grande do Sul sem passar pelo Legislativo, mediu palavras e fugiu da eloquência e da agressividade dos demais contra o presidente e o governo. Foi bastante crítico, mas num tom abaixo.
Essas impressões são, de certa forma, consensuais, mas quem mais dividiu opiniões foi Huck, celebridade sem passagem pelo setor público. Para uns, incapaz de enfrentar o debate no campo da economia e das políticas públicas. Para outros, foi o que focou nos dois temas do futuro: era digital e desigualdade social. “Mais jovem, mais atualizado”, resumiu uma importante jornalista. Se isso define um bom candidato, é outra história.
No final, o professor Hussein Kalout, que dividia comigo a mediação no encerramento da Brazil Conference, organizada por estudantes brasileiros de Harvard e MIT, lançou um desafio: Bolsonaro fez algo de bom? O primeiro a cair na armadilha foi Ciro: a menor taxa de juros em 30 anos. Leite citou a reforma da Previdência. Huck, o auxílio emergencial.
Na verdade, a reforma veio do governo Temer e o auxílio emergencial foi obra do Congresso. Haddad foi no ponto: todo governo democrático tem qualidades e defeitos, mas os “autoritários” não têm qualidades. E Doria concluiu: o grande feito de Bolsonaro foi transformar o Brasil em pária internacional. Só ele conseguiria isso.
Foram abordados: pandemia, fome, economia, política externa, ambiente, educação, ciência e tecnologia, mas também autoritarismo e investidas sobre polícias estaduais. Ao citar o motim da PM do Ceará, quando seu irmão, senador Cid Gomes, levou dois tiros, Ciro Gomes disse que a intenção de Bolsonaro é “formar uma milícia militar para resistir, de forma armada, à derrota eleitoral”. O temor é generalizado.
Exceto Haddad, os outros já tinham assinado um manifesto pela democracia e novos nomes nessa linha continuam surgindo: Tasso Jereissati, Temer, Luiza Trajano, Luiz Henrique Mandetta... Quem tem tantos nomes é porque não tem nenhum, mas o fundamental é que proliferam frentes para construir um projeto de união nacional pela democracia, pela gestão, pela vida. É assim que tudo começa...
Malu Gaspar: Nas redes bolsonaristas, suposto complô para matar o presidente vira denúncia bombástica
O vídeo em que a jornalista Leda Nagle repercute a postagem de um perfil falso do diretor-geral da Polícia Federal sobre uma suposta conspiração do STF e de Lula no atentado contra Jair Bolsonaro em 2018 incendiou as redes bolsonaristas nesta segunda-feira.
O vídeo de pouco mais de 2 minutos surgiu nas redes logo pela manhã, quando Leda leu os tuítes da conta falsa de Paulo Maiurino, já suspensa pelo Twitter, em uma live privada.
"Minha Nossa Senhora do perpétuo socorro (…) Eu não sei o que fazer, fico tão assustada com isso tudo! Porque isso não é política, né? Isso é tudo, menos política", disse a jornalista, depois de ler toda a postagem falsa em nome de Mairuino.
Imediatamente, foram disparadas mensagens em massa reproduzindo a fake news, e apontando Leda Nagle como a responsável pela suposta apuração.
“A ordem para matar Bolsonaro partiu do STF e Lula! Diretor da Policia Federal Paulo Maiurino fez declaração que pode provocar uma intervenção no país, assistam! Fonte: Jornalista Leda Nagle”, diz um texto replicado em vários grupos.
No início da tarde, Polícia Federal informou que o perfil do diretor, Paulo Maiurino, havia sido falsificado. Leda Nagle chegou a se desculpar publicamente por ter divulgado a informação falsa, mas era tarde.
A narrativa da conspiração foi multiplicada ao longo de todo dia, acompanhada de memes e reproduções de mensagens com apelos por uma ruptura institucional e ataques críticas ao STF e ao PT.
Numa delas, Adélio Bispo, preso pela facada que deu em Bolsonaro durante a campanha de 2018, aparecia dizendo "eram 11, mas só um deu a ordem".
“Estamos neste momento em guerra. Conforme o chefe da Polícia Federal, foi o STF quem mandou matar Bolsonaro. Exigimos o fechamento e a prisão de todos os membros do STF que estão por trás desse crime”, escreveu um bolsonarista em caixa alta.
“As suspeitas de envolvimento do STF na tentativa de assassinato do presidente, se confirmadas, poderão levar a uma reviravolta completa na atual organização política do Estado Brasileiro. E muitas, muitas prisões serão efetuadas”, apostou outro apoiador do presidente, com mais de 10 mil seguidores no Twitter, em publicação replicada em vários grupos do WhatsApp.
No Telegram, um áudio apócrifo contava sobre um suposto relato do senador Roberto Rocha (PSDB-MA) e de um integrante “barra pesada” do Gabinete de Segurança Institucional que "revelava" outros mandantes da falsa conspiração: Jean Wyllys, José Dirceu e Fernando Henrique Cardoso.
À noite, quando diversas reportagens denunciando as fake news já haviam sido publicadas, o teor das postagens se inverteu.
Aí, o link mais compartilhado era o de uma postagem em um site bolsonarista acusando "gabinete de ódio" da esquerda de “linchar” Leda Nagle e promover fake news a respeito dela.
Em outro vídeo bem popular, o jornalista Alexandre Garcia, também ligado a Bolsonaro, defende a colega. "A ironia disso é que muita gente que está caindo de pau sobre ela inventa notícia todos os dias. Não tem moral para gozar alguém que foi enganada."
Junto com as postagens, uma mensagem bastante reproduzida dizia: "Leda Nagle, o Brasil te Ama".
Luiz Carlos Azedo: Entre a cruz e a caldeirinha
CPIs têm poder de polícia, podem fazer acareações e quebras de sigilo, convocar ministros e toda a equipe de governo. Podem virar o Inferno de Dante
A velha expressão lusitana que intitula a coluna vem a calhar por causa da situação macabra em que estamos. Sua origem é do tempo em que as pessoas morriam em casa, com um crucifixo sobre o peito e água benta junto aos pés, ou seja, seu significado original era estar moribundo, entre a vida e a morte, mas foi abrandado com o tempo: hoje, nos remete à situação angustiante, que, depois de vencida nada resolve, porque outra lhe sucede. Essa é situação do presidente Jair Bolsonaro, entre o Orçamento aprovado pelo Congresso e a CPI da Covid, que tiram seu sono no Palácio da Alvorada.
Com o ministro da Economia, Paulo Guedes, Bolsonaro tenta uma saída para não desmantelar o acordo feito com o Centrão na Câmara, que foi atropelado no Senado. O relatório do senador Marcio Bittar (MDB-AC) estourou o teto de gastos, pressionado pelo ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP). Presidente do Congresso, o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) lavou as mãos sobre o Orçamento e, agora, está em apuros, porque o governo o pressiona para adiar a instalação da CPI da Covid, enquanto não se chega a um acordo em relação aos mais de R$ 20 bilhões em emendas parlamentares incluídas no Orçamento. A conta da eleição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), era R$ 16 bilhões. Bolsonaro fará vetos para não correr o risco de ser acusado de irresponsabilidade fiscal, mas o alcance dos vetos depende dessas negociações.
O acordo proposto por Guedes prevê um extrateto orçamentário de R$ 100 bilhões, a pretexto de combater a epidemia da covid-19. Além dos R$ 16 bilhões em emendas parlamentares, para obras escolhidas a dedo pelo Centrão, seriam destinados R$ 42 bilhões à compra de vacinas (sendo R$ 20 bilhões em restos a pagar), mais R$ 10 bilhões com o BEm (Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) e R$ 5 bilhões
do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). Entretanto, para isso, é preciso aprovar uma emenda à LDO que desobrigue o governo de medidas compensatórias, para Bolsonaro não infringir a Lei de Responsabilidade Fiscal. O problema é que isso aumentará ainda mais a dívida pública, mesmo com o governo bloqueando gastos não obrigatórios, como o orçamento da Defesa.
Investigações
A outra dor de cabeça de Bolsonaro é a CPI da Covid, que está sendo dominada pela oposição. O futuro presidente da CPI, indicado pela maior bancada, é o senador Omar Aziz (PSD-AM), cujo irmão 10 anos mais novo faleceu há 40 dias, vítima da doença. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), é considerado um desafeto por Bolsonaro. Desde a derrota na eleição para a Presidência do Senado, em 2017, o político nordestino estava mergulhado, mas emergiu com a faca e o queijo nas mãos. Pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), Calheiros é um inimigo figadal de Arthur Lira, o presidente da Câmara, que pretende assumir o controle político do estado com apoio de Bolsonaro.
O esquema de trabalho da CPI, sugerido pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), tem a marca registrada de quem domina as investigações criminais. CPIs têm poder de polícia, podem fazer acareações e quebras de sigilo, convocar ministros e toda a equipe do governo. Podem virar o Inferno de Dante, cuja imagem é a de um cone invertido, dividido em círculos. No início, no círculo maior, estavam aqueles que não foram batizados e que não conseguiam reconhecer o próprio erro. Seguem os círculos daqueles que pecaram por incontinência. Esses estão no limbo.
Há um círculo para os que se entregaram à luxúria, outro para os que se deixaram dominar pela gula; em seguida, para os avaros e os pródigos (ou seja, para quem não gasta nada e para quem gasta muito); depois, um círculo para os iracundos e cheios de rancor, e por fim, para os hereges. Há círculos para: assaltantes, suicidas, blasfemos, sodomitas e usurários. Círculos para os rufiões (aqueles que exploram a prostituição), os aduladores e lisonjeadores. Para os que vendem milagres, traficantes, hipócritas, fingidos, mentirosos; para os ladrões, os falsários, os maus conselheiros e os intrigantes. Por último, os traidores. São os piores.
Felipe Salto: O governo não viu as emendas do Orçamento virarem um monstrengo?
Executivo precisa cumprir o teto, aumentar emendas e obras, garantir dinheiro para Previdência e para benefícios sociais, mas equação não fecha
A Hidra é um monstro grego que, ao ter a cabeça decepada, ganha duas novas. A gestão das contas públicas transformou o arcabouço fiscal num monstrengo difícil de driblar. O projeto de lei (PLN) n.º 2 altera a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 para: a) retirar gastos da meta de resultado primário (receitas menos despesas, exceto juros); e b) aumentar a possibilidade de ajuste dos gastos discricionários (não obrigatórios).
A primeira mudança autoriza gastos por fora da meta legal. O Pronampe (ajuda a empresas), o BEm (medida para manter empregos) e a saúde (restritas ao combate à covid-19) são excluídos da meta de déficit primário. Independentemente da manobra contábil, a dívida será afetada. A alternativa, mais transparente, seria alterar a meta.
A segunda inovação restringe as alterações orçamentárias ao cumprimento do teto de gastos. Isto é, se as despesas sujeitas ao teto superarem o limite, contingenciamentos terão de ser feitos. No limite, a medida poderá autorizar contenções de emendas aumentadas no processo orçamentário.
Além disso, exclui-se o gasto com custeio da máquina das prioridades de execução. Essa despesa, que é parte da discricionária do Executivo, tem tratamento diferenciado na LDO por corresponder a gastos essenciais ao Estado. O PLN 2 tira a blindagem para permitir cortes maiores nesse grupo. Aumentaria o risco de shutdown.
As emendas de relator-geral (incluídas demandas de parlamentares e do próprio Executivo incluídas) totalizam R$ 29 bilhões. Se forem vetados, no dia 22, cerca de R$ 10 a 12 bilhões, como discutido pela imprensa, e a tesoura do Executivo trouxer mais R$ 9 bilhões das próprias despesas discricionárias (algo como 10%), o corte total ficaria em cerca de R$ 20 bilhões.
Ocorre que esse valor não evitaria o estouro do teto de gastos. A IFI mostrou que o limite seria rompido em R$ 31,9 bilhões, dados os gastos discricionários inflados, no Orçamento, e as projeções da instituição para as despesas obrigatórias – mais realistas que as do Orçamento.
As emendas de relator-geral só podem ser cortadas se retiradas pelo próprio relator (aliás, um ofício foi enviado ao Executivo nesse sentido) ou por meio do veto presidencial. Mas o PLN 2 manda que todas as alterações orçamentárias sejam limitadas pelo teto.
Ora, se o veto presidencial incidir sobre apenas R$ 10 a 12 bilhões e isso for insuficiente para resolver o problema do teto, outros gastos terão de ser cortados. Os obrigatórios têm de ser executados, os discricionários do Executivo já teriam sido reduzidos e as emendas individuais e de bancada só podem ser contingenciadas proporcionalmente à redução das discricionárias do Executivo.
Restaria contingenciar mais um pedaço das emendas de relator. A equação não fecha: cumprir o teto, aumentar emendas, contemplar obras de certas áreas do Executivo, garantir dinheiro para Previdência e para benefícios sociais. O governo não viu o monstrengo se materializar?
*Diretor Executivo da IFI