Day: abril 17, 2021

'Governo federal cooptou Centrão para impedir impeachment', diz Temporão

Em entrevista exclusiva à Revista Política Democrática Online de abril, ex-ministro da Saúde critica inércia do presidente na pandemia

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

O ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão afirma que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem como principal aliado o aparato do Centrão para engavetar diversos pedidos de impeachment recebidos pelo Congresso, em meio à pandemia da Covid-19. “O governo federal cooptou, para usar um termo educado, o chamado Centrão para impedir que esses processos avancem”, diz.

Confira a Edição 30 da Revista Política Democrática Online

A declaração ocorreu em entrevista exclusiva publicada na edição do mês de abril da Revista Política Democrática Online, lançada neste sábado (17/4). A publicação é produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

Temporão foi empossado como ministro da Saúde, em março de 2007, e sucedido em 1º de janeiro de 2011. Ocupou o posto em boa parte do segundo mandato do governo Lula. Atualmente, é diretor executivo do Instituto Sul-americano de Governo em Saúde (ISAGS).

Pedidos engavetados

Jair Bolsonaro já foi alvo de 111 pedidos de impeachment, média de um por semana no mandato. “Já são inúmeras as iniciativas, dentro e fora do país. Eu, mesmo, ao lado de vários outros ilustres sanitaristas e cientistas, subscrevi um pedido de impeachment do presidente da República”, ressalta Temporão, na entrevista à 30ª edição da Revista Política Democrática Online.

Além disso, conforme lembra o ex-ministro, também há representação de ex-ministros da saúde, juristas e advogados apresentada ao Tribunal de Haia contra Bolsonaro. “O número de crimes tipificados no Código Penal e na Constituição brasileira que o presidente e seu governo cometeram contra a população brasileira são inúmeros, incontáveis”, destaca.

No entanto, a grande aliança de Bolsonaro com o Centrão impede o avanço dos processos. “Por isso, não conseguimos garantir que essas iniciativas conduzam à abertura de um processo de impedimento do presidente, o principal obstáculo a um adequado, responsável e sério manejo do enfrentamento da pandemia, onde a ciência e a saúde pública têm que prevalecer”, assinala.

Barreiras

Na entrevista à revista mensal da FAP, o ex-ministro lembra que ainda não se conseguiu transformar o conjunto de denúncias, inclusive junto ao Ministério Público, a Advocacia Geral da União (AGU) e ao Supremo Tribunal Federal (STF), em fatos que transcendam a decisão política da denúncia em si.

“Não conseguimos sequer abrir o processo de impedimento, porque, segundo nossa Constituição, cabe ao presidente da Câmara a decisão monocrática de submeter a matéria à apreciação de seus pares no plenário, o que não ocorreu na gestão do Rodrigo Maia nem parece vir a ocorrer na da Arthur Lira”, lamenta Temporão.

Na avaliação dele, o Ministério Público também tem sido omisso diante das dezenas denúncias recebidas, já que não tem se manifestando. No âmbito do Tribunal de Haia, ainda não se decidiu sobre o acolhimento da representação. 

“Não tenho dúvida, porém, de que as evidências são muito contundentes: os crimes estão aí, os números estão aí, os vídeos estão aí, as manifestações estão aí; a tipificação de crimes contra a Constituição e o Código Penal está aí”, assevera o ex-ministro.

Responsabilização de culpados

Por outro lado, acredita Temporão, cedo ou tarde, haverá responsabilização dos culpados. “E todos esses senhores e senhoras serão responsabilizados pelos crimes cometidos contra a população brasileira, contra a segurança nacional. Inclusive, contra o próprio desenvolvimento da nação e a frustração no campo da educação”, pontua.

A crise agravada pela pandemia, recebida com negacionismo de Bolsonaro, fez velhos problemas voltarem a assombrar o país. “A fome voltou; a mortalidade por doenças que tinham sido reduzidas, aumentou. Os responsáveis terão de ser punidos. Não apenas nas urnas em 2022: punidos criminalmente por cometimento de crimes contra a vida e a saúde da população”, destaca.

A edição de abril da Revista Política Democrática Online também tem análises de política nacional, política externa, cultura, entre outros, além de reportagem especial sobre avanço de crimes cibernéticos durante a pandemia.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.

Serviço

Revista Política Democrática Online de abril (30ª edição)
Lançamento: 17/4/2021
Acesso gratuito no site da Fundação Astrojildo Pereira

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Alma Preta: CPI da Covid não possui nenhum senador negro ou mulher

O grupo de trabalho é composto por quatro apoiadores de Jair Bolsonaro, cinco membros independentes e apenas dois membros da oposição; entenda o que a investigação significa

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/Senado em Foco

Entre os 11 senadores que compõem o grupo de trabalho da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid não há nenhum negro e nenhuma mulher. O único senador negro em exercício da função é Paulo Paim (PT), que não foi convocado sequer como suplente, e a Casa conta com 12 senadoras em suas 81 cadeiras, equivalente a cerca de 15% do total.

Na última quinta-feira (15), o presidente do senado Rodrigo Pacheco definiu os nomes do colegiado nesta primeira fase da CPI. Os senadores escolhidos, que apoiam o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) são: Ciro Nogueira (PP-PI), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE).

Já os cinco membros independentes, que votam a favor do governo e em algumas ocasiões criticam o combate à pandemia são: Otto Alencar (PSD-BA), Eduardo Braga (MDB-AM), Omar Aziz (PSD-AM), Renan Calheiros (MDB-AL) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Na oposição, apenas dois senadores fazem parte da CPI: Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE). Em uma coletiva de imprensa, acompanhada pela Alma Preta, Rodrigues afirmou que o objetivo desta CPI é apurar os fatos sobre o enfrentamento à Covid-19 e não apontar culpados.

“O presidente [Jair Bolsonaro] pode ficar tranquilo, mas iremos apurar todas as ações e omissões no combate à Covid. Quem será ouvido é a ciência”, declarou o parlamentar.

A formalização da CPI da Covid ocorreu após determinação do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso, que atendeu a solicitação dos senadores Jorge Kajuru (Cidadania-GO) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE).

Entenda o que a CPI da Covid pode fazer

A primeira reunião da CPI da Covid deve acontecer na próxima quinta-feira (22), convocada pelo membro mais velho do colegiado, Otto Alencar, e definirá quem será o presidente do grupo.

Sobre esse cargo, Randolfe Rodrigues diz estar “disposto para qualquer trabalho que ajude o Brasil a sair dessa situação”. Quando escolhido, o presidente da comissão é quem define quem será o relator da investigação, que é o membro responsável pelo relatório final a ser entregue ao Ministério Público para que as medidas legais adequadas sejam tomadas.

O objetivo da investigação - que irá durar 90 dias - é identificar possíveis irresponsabilidades do governo federal diante da morte de mais de 365 mil pessoas no Brasil em decorrência da infecção pelo novo coronavírus. A CPI também investiga a aplicação da verba enviada aos estados para o enfrentamento à pandemia.

Na prática, a comissão pode inquirir testemunhas sob juramento da verdade, ouvir suspeitos, prender alguém em caso de flagrante de delito, solicitar informações e documentos à administração pública e tomar depoimento de autoridades. O colegiado também pode convocar os ministros do Estado, quebrar o sigilo bancário, de dados e fiscal - desde que por ato fundamentado -, solicitar o auxílio de servidores de outros poderes e também se deslocar a qualquer local do Brasil para realizar as investigações de maneira mais minuciosa ou para audiências públicas.

Desde fevereiro já havia apoio à investigação de ao menos 27 senadores, mas o presidente do senado Rodrigo Pacheco recusava a solicitação sob o argumento de que o foco do Parlamento deveria estar no avanço da vacinação contra a doença.

O senador Randolfe Rodrigues ainda salienta que é essencial entender as razões que façam o país ter se tornado o epicentro da Covid no mundo, ouvindo os quatro ministros da saúde que ocuparam o cargo durante a pandemia: Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich - os dois primeiros -, Eduardo Pazuello e o mais recente, Marcelo Queirog.


Alon Feuerwerker: Chegou a CPI. E aqui é Brasil

Vem sendo observado, e escrito, desde as eleições de 2018: o então candidato do PSL e hoje presidente da República enfrenta dois agrupamentos, a esquerda e a autointitulada centro-direita. Como ensina a história, guerrear em duas frentes é complicado. Ainda mais se alguma hora os adversários resolvem juntar-se, entendem-se sobre o dia seguinte a uma eventual saída do governante.

A esquerda é liderada pelo PT, mesmo que os liderados dele busquem o tempo todo desvencilhar-se do líder. A oposição à direita é a que construiu o impeachment de Dilma Rousseff, foi o esqueleto e a musculatura do governo Michel Temer e imaginava consolidar-se no poder em 2018. Mas acabou ultrapassada, de passagem, por Bolsonaro ainda no primeiro turno.

E ficou sem opção a não ser sustentá-lo no segundo. E hoje apoia o programa econômico dele mas faz oposição a ele. O Brasil, como se sabe, não é mesmo para amadores.

A esquerda traz no momento o risco eleitoral concreto para o presidente. Não que a direita alternativa ao bolsonarismo deixe de representar perigo nesse terreno. O problema dela são as relativamente menores, por enquanto, chances de passar ao segundo turno. E com Luiz Inácio Lula da Silva elegível o desafio tornou-se ainda mais complicado. É improvável que esse autonomeado “centro” penetre na base lulista. 

Sobra então tentar tirar Bolsonaro. Na eleição ou se possível antes. O problema da segunda hipótese: e se o hoje vice senta na cadeira e ganha musculatura para 2022?

Nenhum presidente brasileiro perdeu a reeleição desde que o instituto foi aprovado, na sucessão de 1998. Ou seja, nenhum ficou fora do segundo turno quando não venceu no primeiro. Daí o grau de dificuldade que o teatro de operações eleitoral coloca na caminhada do centrismo. A primeira escalada da parede é tentar convergir em torno de um candidato competitivo. A segunda é dar um jeito de fazer Bolsonaro baixar decisivamente de seus 25% a 30% de apoio e intenção de voto.

A Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as ações federais na pandemia é, antes de tudo, instrumento para avançar nessa missão. Inviabilizar Bolsonaro eleitoralmente. Em 2005, imaginava-se que a CPI dos Correios pudesse fazer isso com Lula. Não funcionou então. Funcionará agora? Na comparação, o quadro é muito mais complicado hoje para o governo. São centenas de milhares de mortos pela Covid-19 para lançar na contabilidade política.

E o petista tinha uma base congressual mais consolidada. Em comum com Bolsonaro agora, enfrentava uma barragem unânime de imprensa.

Como Lula ultrapassou a cancela naqueles anos? Em primeiro lugar, as assim chamadas “investigações” da CPI não chegaram nele. Os motivos ficam para análise dos historiadores. Mas não chegaram. E na passagem de 2005 para 2006 a economia acelerou, tanto que o crescimento do PIB no último ano do primeiro mandato lulista bateu em 4,0%. Na época, foi recebido como algo bom. Hoje, um número assim seria saudado com espoucar de rolhas.

O presidente atual enfrenta uma conjuntura bem mais complexa. Os números da economia para o resto do ano ainda são uma incógnita, mas é razoável supor que no início do próximo estarão melhor. Pelo menos é a aposta empresarial. Resta esperar para ver se a CPI conseguirá, na visão do grande público, cravar na figura presidencial a responsabilidade pelas mortes na pandemia. Hoje, as pesquisas apontam uma culpa ainda algo distribuída.

E será que mesmo isso conseguiria lipoaspirar a base bolsonarista raiz?

E tem um detalhe final. É sempre bom deixar a porta aberta, na análise, para alguma heterodoxia jurídico-política. Aqui é Brasil.

*Alon Feuerwerker é jornalista e analista político/FSB Comunicação


Guilherme Amado: 72% dos brasileiros não querem flexibilizar acesso a armas. Por que Bolsonaro quer?

Pesquisa mostra que brasileiro não quer mais armas circulando na mão de cidadãos comuns e muito menos com caçadores, atiradores e colecionadores

Uma pesquisa ainda inédita mostrou que 72% dos brasileiros são contra a flexibilização da compra e do uso de armas, objetivo central dos decretos editados por Jair Bolsonaro e parcialmente suspensos por decisão de Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), na segunda-feira 12 de abril. Os números, levantados pelo Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), instituto que substituiu o Ibope Inteligência, são ainda piores para o presidente quando se pergunta a opinião sobre cada decreto em específico. De uma maneira geral, o resultado mostra que o brasileiro não quer mais armas circulando na mão de cidadãos comuns e muito menos com caçadores, atiradores e colecionadores, os chamados CACs. No Brasil que caminha para as 400 mil mortes por Covid e todo ano registra mais de 40 mil homicídios, arma está longe de ser uma prioridade. Mas, se a população não quer mais pistolas, fuzis etc., quem o presidente de fato quer armar?

Na pesquisa do Ipec, 86% se disseram contra a permissão de que cidadãos comuns possam circular com duas armas ao mesmo tempo. Há ainda 81% que desaprovam o aumento de quatro para seis no número de armas que se pode comprar. Outros 88% são contrários à elevação da quantidade de armas que podem ser obtidas por caçadores, colecionadores e atiradores. Foram 2.002 entrevistados pessoalmente, em 143 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Rosa Weber suspendeu bem mais que isso. O decreto queria acabar com a necessidade de autorização prévia do Comando do Exército para os CACs, a criação da validade do porte de armas para todo o território nacional (hoje, os portes são estaduais), a possibilidade de clubes de tiro comprarem munição em quantidade ilimitada e a autorização para a prática de tiro esportivo por adolescentes a partir de 14 anos, entre outras medidas.

O único segmento de eleitores a que Bolsonaro até hoje não decepcionou foi o mais ideológico, um arco que inclui toda sorte de gente. Terraplanistas, extremistas, religiosos ultraconservadores e, entre outros, amantes de armas. Existe portanto um aceno a essa parcela de seu eleitorado quando ele se empenha para flexibilizar o acesso. Mas existe também o risco concreto de que a intenção vá além disso.

Bolsonaro já deu sinais claros de que não aceitará o resultado de 2022, caso saia derrotado. Questionará a legitimidade da eleição e muito provavelmente seguirá o mesmo roteiro de Donald Trump, afirmando que o pleito foi roubado. O presidente terá ali um tudo ou nada. Sabe que, se não conseguiu um novo mandato estando no cargo, a conjuntura de coincidências que o elegeu em 2018 dificilmente se repetirá. E é também provável que estimule saídas fora da lei para se manter no poder.

Os apoiadores, que, sob seu governo, viram explodir o número de armas que têm em casa vão deixá-las guardadas no armário ao sair às ruas para defender seu presidente?


Marcus Pestana: Legados e passivos herdados da pandemia

Temos vivido momentos tristes, tensos e angustiantes. Estamos nos aproximando de 370 mil vidas brasileiras perdidas. O desemprego bate à porta do trabalhador. A fome e a miséria se agravam no cotidiano da população que vive em extrema pobreza.

Talvez pudéssemos encontrar conforto no texto do escritor e dramaturgo Caio Fernando Abreu: “Nada dura para sempre, nem as dores, nem as alegrias. Tudo é aprendizado. Tudo na vida se supera”. Cometemos muitos erros. E como disse Freud: “De erro em erro descobre-se a verdade inteira”. Confúcio ensinou: “Há três métodos para ganhar sabedoria: primeiro, por reflexão, que é o mais nobre; segundo, por imitação, que é o mais simples; e terceiro por experiência, que é o mais amargo”.

Na saúde teremos como legado a valorização do sistema nacional de saúde. O SUS teve uma ação heroica para superar seus gargalos e vazios assistenciais. A saúde suplementar teve uma ação solidária e eficiente aliviando tensões adicionais sobre o sistema público. Os profissionais de saúde foram testados ao limite. É o ambiente propício para as mudanças necessárias. O SUS demanda de todos nós reforço orçamentário, clareamento do padrão de integralidade que queremos oferecer e uma nitidez maior das atribuições de cada ator no pacto federativo setorial, para que não se repitam os conflitos que assistimos.

Na área educacional podemos enfrentar um passivo gravíssimo com o desestímulo às crianças e jovens mais pobres pela interrupção do processo pedagógico ocasionado pela pandemia. O Brasil, que universalizou o acesso ao ensino fundamental e tem uma luta inconclusa em relação aos padrões de qualidade, pode agravar o abismo social e as iniquidades, cancelando o horizonte de esperança que os mais pobres depositam na educação de seus filhos, para prepara-los para a cidadania e o mercado de trabalho.

No mundo do trabalho, a pandemia revelou um verdadeiro Raio X. Descobrimos os invisíveis. Revelamos que os nossos cadastros são falhos. Talvez seja a chance de amadurecermos um cadastro único eficaz e a identidade digital única dos cidadãos brasileiros. Formas alternativas e flexíveis de relações de trabalho foram reveladas. Entretanto, apenas uma minoria pode desempenhar suas funções “on line”. O mundo pós-moderno diferenciou trabalho e emprego. É preciso repensar o mundo do trabalho acossado pela introdução de inovações radicais. E a partir daí, reorganizar nosso sistema de seguridade social, pensado para uma sociedade industrial do século passado.

As novas tecnologias possibilitam avanços como a Teleducação, a Tele Saúde, novos serviços digitais, públicos e privados. No momento em que se discute a introdução do 5G é fundamental estar atento à questão da exclusão digital e ter como objetivo a universalização do acesso à serviços de qualidade.

Aprendemos, na pandemia, que o orçamento público não é elástico. O “Orçamento de Guerra” de 2020 que bancou despesas de saúde, auxílio emergencial, apoio às empresas foi à custa de um forte endividamento. E, o imbróglio do orçamento de 2021 revelou nossos limites e impõe uma radical mudança estrutural na dinâmica rígida das despesas públicas.

Mas, o maior legado da pandemia é se a partir dela construirmos uma sociedade mais solidária e generosa. Não é a única opção. Escolher o futuro que queremos está em nossas mãos.

*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)  


Demétrio Magnoli: Retirada americana do Afeganistão é tão inevitável quanto a do Vietnã

O dia da queda de Cabul marcará um bárbaro retrocesso

No 11 de setembro, exatos 20 anos depois dos atentados jihadistas de 2001, as forças americanas e da Otan deixarão o Afeganistão, encerrando a mais longa guerra da história dos EUA. Quase meio século atrás, em janeiro de 1973, os Acordos de Paris colocaram ponto final no envolvimento militar dos EUA no Vietnã. No 30 de abril de 1975, as forças do Vietnã do Norte capturaram Saigon, capital do Vietnã do Sul. De quanto tempo, depois de setembro, precisará o Taleban para tomar Cabul?

O Afeganistão, cemitério de potências, foi o palco principal do Grande Jogo, a disputa política, diplomática e militar travada entre os impérios britânico e russo, desde 1830 até 1895, pelo controle sobre a Ásia Central. No país montanhoso, dominado pela cordilheira do Hindu Kush, sem saídas marítimas, a URSS travou sua última guerra, de 1979 a 1989, o conflito que empurrou o Império Vermelho ao precipício. O Taleban e a Al Qaeda nasceram das ruínas daquela guerra.

Obama definiu a intervenção americana no Afeganistão como a “guerra inevitável”, por oposição à “guerra estúpida” no Iraque. O 11 de setembro de 2001 não deixava alternativa senão a derrubada do regime do Taleban e a eliminação das forças da Al Qaeda abrigadas no país.

Mas George W. Bush e, especialmente, o cortejo de neoconservadores que comandaram sua política externa, queriam mais. A ambição geopolítica de hegemonia sobre o “coração da Ásia” inspirou a estratégia de “construção da nação” —e, por consequência, uma prolongada ocupação do Afeganistão. A “guerra inevitável” converteu-se numa segunda “guerra estúpida”.

Nos EUA, desde Woodrow Wilson, a realpolitik deve ser coberta pela túnica dos valores e ideais. Prometeu-se aos afegãos democracia, liberdades públicas, a igualdade das mulheres. A Constituição de 2004 garante, ao menos em palavras, os direitos básicos de cidadania. Ironicamente, sob esse ponto de vista, a presença militar americana separa os afegãos do fundamentalismo religioso tirânico. O dia da queda de Cabul marcará um bárbaro retrocesso.

A retirada do Afeganistão é tão inevitável quanto a do Vietnã —e por razões similares. Os americanos cansaram das guerras sem fim e, para eles, sem sentido. Os Acordos de Paris de 1973 foram negociados por todas as partes, inclusive o Vietnã do Sul, e previam um cessar-fogo. Dessa vez, os EUA correram rumo à porta de saída. Trump firmou com o Taleban um acordo de paz bilateral, que excluiu o governo afegão e só previne ataques contra as forças ocidentais. Biden adotou-o quase por inteiro, apenas postergando em quatro meses a retirada.

“Nós ganhamos a guerra e os americanos perderam”, declarou Haji Hekmat, um alto comandante do Taleban, enquanto Biden anunciava a data fatal. O Exército afegão, composto por 175 mil tropas e 150 mil paramilitares, é um tigre de papel. Sem o apoio aéreo fornecido pelos EUA, ninguém acredita que sobreviverá ao choque direto com o Taleban. Vietnã, outra vez.
2021 não é 2001. A Al Qaeda só existe como fiapos, e o Talebã dificilmente voltará a abrigar jihadistas dispostos a atacar os EUA. A retirada justifica-se, à luz da segurança nacional americana. Mas, ao contrário do Vietnã, é um ato de traição.

Na hora da queda de Saigon, em operação frenética, os EUA evacuaram mais de 7.000 pessoas, inclusive milhares de políticos e funcionários sul-vietnamitas. Nos anos seguintes, centenas de milhares embarcaram em frágeis botes para tentar a travessia do golfo da Tailândia e do mar do Sul da China. Mesmo assim, o êxodo abrangeu um setor minoritário associado, direta ou indiretamente, ao antigo regime.

Não haverá helicópteros americanos no dia da queda de Cabul. O povo afegão será deixado para trás, nas mãos dos fanáticos do Taleban e sua polícia religiosa. As mulheres serão trancafiadas em casa e não haverá escola para as meninas.​

*Sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Hélio Schwartsman: Não chega a ser um dilema

Lula não foi julgado por um juiz equidistante das partes

Se não houver surpresas, deveremos ter no próximo pleito presidencial um embate entre Luiz Inácio Lula da Silva, que acaba de ser liberado pelo STF para concorrer, e o presidente Jair Bolsonaro.

Não é o meu cenário de sonhos. E não digo isso porque considere Lula um perigoso radical. Ele já esteve no poder e fez um governo bem "neoliberal", marcado por generosos superávits primários. Também soube respeitar o sistema democrático, embora tenha tido condições políticas de torcê-lo para beneficiar-se. Ele poderia, por exemplo, ter conseguido que o Congresso aprovasse uma PEC retirando os limites à reeleição. Não o fez, e isso é digno de crédito.

Duas coisas me incomodam na candidatura Lula. A primeira é que o PT, em tese o partido moderno de centro-esquerda do Brasil, já deveria ter superado a fase das lideranças personalistas que mandam e desmandam na legenda.

A segunda é a questão da ética. Lula não foi julgado por um juiz equidistante das partes, e isso justifica a anulação de suas condenações. Mas, pelo menos para meu tribunal ético interno, ele precisaria explicar melhor as histórias do apartamento no Guarujá e do sítio em Atibaia, além do fato de manter relações promíscuas com empreiteiros confessadamente corruptos. Pela régua moral do jovem PT, isso bastaria para a sua expulsão do partido.

O caso de Bolsonaro é mais cristalino. Ele é radical (de extrema direita) e não tem nenhum apreço pela democracia. Tem feito um governo desastroso em todos os aspectos, a começar da gestão da pandemia. Se nossas instituições fossem só um pouquinho melhores, ele já teria sofrido impeachment e estaria respondendo por crimes comuns. Mas, como estamos no Brasil do centrão e do eleitor complacente, ele deve chegar ao fim do mandato, talvez até como candidato competitivo à reeleição.

Não sei quanto a você, leitor, mas, entre o "corrupto" e o "assassino", a escolha não me parece difícil.


Cristina Serra: Lula livre. E agora?

A demora do sistema judicial em examinar as ilicitudes de Moro custou caríssimo ao país

Em meio à profusão habitual e enfadonha de "datas venias" e "excelências", o STF, finalmente, decidiu que não é da competência da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba julgar acusações contra o ex-presidente Lula, por falta de conexão com a corrupção na Petrobras.

Durante cinco anos, a defesa de Lula, baseada em condutas abusivas do ex-juiz Sergio Moro no processo, apresentou a mesma alegação em várias instâncias do Poder Judiciário, sem sucesso. O que teria acontecido se o "paciente" em questão não fosse Lula ? Algum juiz ou colegiado não teria visto pertinência no argumento que, agora —e só agora—, recebeu oito votos favoráveis na instância máxima e irrecorrível do Judiciário brasileiro?

A revisão dos atos de Moro só está sendo possível graças a dois personagens de fora do aparato judicial. Em 2019, o hacker Walter Delgatti Neto pirateou as conversas que revelaram o papel do ex-juiz como chefe da Lava Jato. O jornalista Glenn Greenwald trouxe o material à luz no site The Intercept, com a ajuda posterior de outros veículos.

Nada disso foi lembrado na sessão da corte. Mas é óbvio que a Vaza Jato é o pano de fundo da reviravolta a que estamos assistindo. Antes tarde do que nunca. Mas, convém lembrar, justiça que tarda é justiça falha. Lula passou um ano e sete meses na prisão e não pôde concorrer em 2018.

Em que pese a gravidade do prejuízo individual, a demora do sistema judicial em examinar as ilicitudes de Moro custou caríssimo ao país. O falso super-herói contribuiu decisivamente para a eleição de Bolsonaro, cataclismo mais do que esperado à luz de biografia tão desprezível. O extermínio de 370 mil brasileiros na pandemia, até agora, me poupa de expor mais argumentos.

A análise da Lava Jato ainda não chegou ao fim. A Segunda Turma do STF já decidiu que Moro agiu com suspeição. O plenário da corte, porém, pode reservar surpresas ao examinar a questão. O STF têm um encontro marcado com o devido processo legal e com a história.


Adriana Fernandes: O limbo da reforma tributária

Arthur Lira quer apoiar ou enterrar o relatório da reforma tributária?

Novo fiador das reformas para o mercado financeiro e setor empresarial, o presidente da CâmaraArthur Lira (Progressistas-AL), não assinou a prorrogação dos trabalhos da comissão mista de reforma tributária.

O presidente do SenadoRodrigo Pacheco, acabou assinando sozinho o ato que estendeu por mais um mês o funcionamento da comissão, criada no ano passado para dar uma solução ao impasse em torno das duas propostas de emenda constitucional de reforma tributária que tramitam no Congresso: a PEC 45, na Câmara, e a PEC 110, no Senado.

A recusa de Lira é tratada muito reservadamente nos corredores (virtuais e presenciais) do Congresso, mas o episódio retrata bem as relações estremecidas entre a Câmara e o Senado após a votação fatídica do Orçamento no dia 25 de março (que, aliás, continua até hoje sem solução com a indecisão do presidente Bolsonaro).

Lira não aceitou que o Senado tenha ficado com mais emendas do que os deputados, em valores acima do acordo político fechado entre as duas Casas e o governo. O presidente da Câmara se queixou de não ter sido consultado por Pacheco sobre a prorrogação até o dia 30 deste mês.

Lira está pressionando o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), para apresentar o seu parecer. Aguinaldo, que originalmente é o relator da PEC 45 (patrocinada pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia), queria que a Câmara fizesse uma nova rodada de conversas com empresários para apresentar o texto. Mas Lira não gostou da ideia e reclamou, com ironia, que se fosse fazer isso ele só apresentaria o relatório daqui a alguns anos.

A comissão foi criada, em fevereiro, em ato conjunto da Câmara e Senado, que recebeu as assinaturas dos então presidentes Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP). O colegiado foi formado por 25 deputados e 25 senadores e fez várias reuniões, sob a presidência do senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

Sem rumo claro e com a proximidade do fim do prazo, as especulações se voltaram agora em desvendar a real estratégia de Lira em relação à reforma, que foi prometida por ele e Pacheco ao mercado e empresários em comunicado em fevereiro.

O presidente da Câmara quer apoiar ou enterrar o relatório da comissão? No início do seu mandato como presidente, Lira chegou a buscar nomes para trocar o relator. A desconfiança é de que a pressão para a apresentação do relatório seja uma armadilha para o parecer ficar exposto a bombardeios e críticas fortes de quem não quer essa reforma ou quem não acha o momento atual o ideal.

Essa preocupação tem sua razão de ser porque há empresários, apoiadores do governo Bolsonaro, que preferem que a reforma dessas PECs não seja aprovada.

Por enquanto, esse lado está ganhando a parada porque, depois de um ano da instalação da comissão mista, o avanço foi quase nenhum. Além dos entraves políticos, a razão para isso ter acontecido é o temor com o fim de incentivos tributários dos setores beneficiados e o aumento da carga tributária.

Entre os empresários e tributaristas que apoiam o texto, a esperança de um acordo para a aprovação da reforma tributária, ainda no governo Bolsonaro, está minguando. Mas não morreu de vez.

Enquanto Lira ainda não deu sinas claros do encaminhamento que pretende dar à reforma tributária, no Senado as conversas de bastidores se intensificaram com lideranças em meio às discussões de um novo Refis. Pacheco quer a reforma e conseguiu a aprovação esta semana de um programa para atualização patrimonial voluntária de imóveis e bens móveis com alíquota de 3%, medida com grande interesse dos empresários.

O grupo que quer a reforma logo articulou um movimento de empresários, governadores e prefeitos para “ressuscitá-la”. Uma carta conjunta foi assinada em defesa de uma reforma ampla. Eles estão buscando apoio de mais instituições. A tentativa é manter o debate aceso aguardando a definição política que continua sem rumo.

Em encontro com representantes do mercado, o presidente da Câmara prometeu mais uma vez acelerar a agenda das reformas. Como mais novo fiador delas, papel que está ocupando no lugar da equipe econômica de Bolsonaro, será cobrado logo mais.


Pablo Ortellado: Debate polarizado

Um dos debates mais importantes para o futuro do país parece irremediavelmente capturado pela polarização. Boa parte dos críticos e dos defensores da abertura das escolas não consegue enxergar nuances.

Um lado acredita que aqueles que defendem a abertura são anjos da morte que querem colocar professores em risco para beneficiar empresas de ensino ou governos genocidas; o outro lado acredita que os que são contra a abertura não passam de sindicalistas acomodados que querem receber salário integral sem trabalhar.

Surpreende, entre muitos professores, a pouca consideração pelos efeitos danosos da suspensão das aulas presenciais. Não há controvérsia de que a migração para o ensino remoto na educação básica foi, de forma geral, malsucedida. Para além do déficit de aprendizagem que será muito difícil de reparar, pesquisa do C6 Bank/Datafolha mostrou que 11% dos estudantes do ensino médio e 5% dos estudantes do fundamental abandonaram a escola em 2020. Esse abandono pode se ampliar e se consolidar e terá impacto estrutural sobre a produtividade do trabalho, a desigualdade de renda e o desemprego nas próximas décadas.

Não é razoável a posição do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo, que não considera suficiente a vacinação de professores com mais de 47 anos e quer retomar o trabalho presencial apenas quando todos estiverem vacinados. Reconhecendo a carência de vacinas, por que professores mais jovens deveriam passar na frente de pessoas com comorbidades ou de motoristas e cobradores de ônibus que também desempenham ocupações essenciais, estão expostos à contaminação e estão no Plano Nacional de Imunização?

Do outro lado, o governo do estado de São Paulo, que não tem garantido todas as condições sanitárias nas escolas, tem atuado agressivamente pela abertura. Semana passada, foi flagrado manipulando as estatísticas sobre contaminação por Covid-19 para empurrar uma abertura acelerada.

Segundo um boletim epidemiológico da Secretaria de Educação, “a taxa de incidência [de casos de Covid-19] notificada pelas escolas públicas e privadas foi 33 vezes menor do que a do [resto do] Estado”. Estudo de uma rede de pesquisadores mostrou, porém, que, na construção do índice, o governo usou o número total de estudantes matriculados, e não aqueles que foram efetivamente à escola, subestimando enormemente a taxa de incidência. Além disso, o boletim deliberadamente misturou dados de estudantes e de servidores, dissolvendo a alta taxa dos servidores nas baixas taxas dos estudantes.

O movimento de pais “Escolas Abertas” tem incitado o desrespeito às medidas de controle da pandemia, alegando que a prefeitura de São Paulo não tem competência para decidir o fechamento temporário das escolas, mesmo no pico da contaminação.

Deveríamos estar trabalhando para construir as condições de abertura assim que a taxa de contaminação arrefecesse, com salas de aula ventiladas, rodízio de turmas reduzidas e distribuição de máscaras PFF2, mas as partes do debate ficam se atacando com posições intransigentes, tornando cada vez mais difícil uma abertura segura das escolas.


Ricardo Noblat: Justiça deve um pedido de desculpas a Lula

Erro judicial é para ser reconhecido

Se ao Supremo Tribunal Federal cabe errar por último, como ministros da Corte, em tom de galhofa, costumam dizer, a ele cabe, portanto, pedir desculpas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelos processos que respondeu na 13ª Vara Federal de Curitiba, e os 580 dias que passou preso por lá.

Não importa o que eu penso ou você pensa a respeito da decisão do Supremo que anulou as condenações de Lula porque a 13ª Vara Federal de Curitiba não seria o foro natural para julgá-lo. Decisão judicial é para ser cumprida, e ponto final. Tanto mais se ela carrega a rubrica da Suprema Corte de justiça do país.

Também pouco importa se a decisão se sustenta em tecnicalidades como muitos juristas observaram. Ou que tenha vindo com atraso. Ou que revele o vai e vem do aparelho judicial. Sem o império da lei, a sociedade voltaria à Idade da Pedra. É melhor uma justiça imperfeita e por vezes contraditória a nenhuma.

Sem o erro, apontado pela defesa de Lula ao longo de anos, a história do país poderia ter sido outra. Lula liderou todas as pesquisas de intenção de voto para presidente em 2018 até um mês antes da eleição. Impedido de ser candidato, cedeu a vez a Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro o derrotou.

Caso Lula venha de fato a ser candidato a presidente no ano que vem, seus adversários dirão que ele roubou ou se beneficiou do roubo dos seus parceiros, muitos deles condenados, alguns que até já cumpriram pena. Lula responderá que foi perseguido, injustiçado e que o Supremo de certa forma reconheceu isso.

O discurso de Lula ganhará um forte reforço se na sessão marcada para a próxima quinta-feira, o Supremo considerar suspeita a maneira como o ex-juiz Sérgio Moro conduziu os processos contra ele. A anulação das condenações se deu pelo placar elástico de 8 votos contra três. Na quinta-feira, não se espera nada parecido.

Mas prevaleça ou não o entendimento da Segunda Turma do Supremo que julgou Moro suspeito, ainda assim continuará faltando um pedido de desculpas pelo erro cometido.

Engana-se Bolsonaro se pensa em levar Biden no papo

Sérgio Moro tinha razão

Ao pedir demissão do Ministério da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro acusou o presidente Jair Bolsonaro de tentar intervir na Polícia Federal. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, logo se apressou a pedir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito para apurar o que havia de verdade na acusação.

O inquérito ainda não foi concluído, mas é certo que Aras, bolsonarista fiel, recomendará seu arquivamento por falta de provas – ou por excesso delas se não se recusasse a enxergá-las. Mas se a intervenção de Bolsonaro na Polícia Federal naquela época ainda não se consumara, de lá para cá só fez aumentar.

A Polícia Federal ganhou há pouco um novo chefe. E o fato mais escandaloso da semana foi a demissão que ele se viu obrigado a fazer do seu colega Alexandre Saraiva, superintendente da Polícia Federal no Amazonas. Saraiva perdeu o cargo porque denunciou Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente.

Segundo Saraiva, amigo dos filhos de Bolsonaro e que no início do governo chegou a ser cotado para ministro do Meio Ambiente, Salles aliou-se a empresários flagrados na maior apreensão de madeira ilegal realizada pela Polícia Federal na região amazônica. Por isso apresentou contra ele notícia-crime ao Supremo Tribunal.

Salles é o queridinho de Bolsonaro. Só faz o que ele quer. E por ser assim, aumentou o desmatamento na Amazônia, a invasão de áreas indígenas por garimpeiros, e a máquina governamental de combate a tais desmandos segue em processo de desmonte. A aplicação de multas agora foi centralizada nas mãos de Salles.

Garimpeiros, desmatadores e contrabandistas de madeira votam em Bolsonaro. E isso é o que de fato importa para ele. O descaso de Bolsonaro com a preservação do meio ambiente lhe será cobrado na próxima semana durante um encontro internacional convocado por Joe Biden, presidente dos Estados Unidos.

Se Bolsonaro imagina que levará Biden no papo, engana-se.