Day: dezembro 23, 2020
Merval Pereira: Projeto de poder desmontado
A prisão do agora prefeito afastado do Rio Marcelo Crivella tem efeitos políticos imediatos, e outros a médio e longo prazos. O Republicanos é o quarto nome de um mesmo partido ligado ao projeto de poder do Bispo Macedo da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Nasceu como uma facção da bancada evangélica dentro do Partido Liberal (PL), mas o mensalão apanhou em cheio seus líderes envolvidos em corrupção, inclusive o bispo Carlos Rodrigues, braço direito de Macedo, que foi parar na cadeia. Para fugir desse estigma, o bispo Macedo fundou o Partido Municipalista Renovador (PMR), que foi apelidado na época pelo então prefeito do Rio Cesar Maia, de “Gospel do Crioulo Doido”: além do vice-presidente de Lula, o mineiro José Alencar, dos políticos evangélicos da seita do Bispo Macedo, como o então senador, bispo licenciado Marcelo Crivella, teve a adesão inicial intelectual Mangabeira Unger, do ex-ministro Raphael de Almeida Magalhães, entre outros.
Em 2006, o partido mudou o nome para Partido Republicano Brasileiro (PRB), e em 2019 passou a se chamar Republicanos, sempre tendo como líder e atual presidente o bispo Marcos Pereira, entre idas e vindas para ser ministro do governo Michel Temer.
A escolha do partido do Bispo Edir Macedo pelo clã Bolsonaro pode ter se esvaído diante do escândalo envolvendo Crivella, que acolheu os filhos do presidente 01, Flavio, e 02, Carlos, e a mãe deles, que não conseguiu se eleger este ano.
Pode haver também repercussão indireta na disputa da presidência da Câmara, na qual o Republicanos declarou voto a favor de Arthur Lira. Se bem que envolvimento com corrupção não seja empecilho para boa parte dos deputados.
Um dado interessante da prisão do prefeito Marcelo Crivella do ponto de vista político é que fica claro que a Igreja Universal faz parte do esquema de lavagem de dinheiro e de corrupção agora denunciado. A IURD já foi envolvida em diversos casos de lavagem de dinheiro ao longo do tempo.
Crivella era o projeto político da Universal e acabou preso. A ligação entre política e igreja não dá coisa boa. O então prefeito Crivella inaugurou na Rocinha um centro com equipamentos ultra modernos de tomografia, no terreno da Igreja Universal. Evidente que com o dinheiro do Estado, para favorecer os moradores da Rocinha em nome da Universal, e não do Estado.
Essa turma toda é muito ligada a Bolsonaro, que pediu votos para Crivella na disputa pela reeleição na Prefeitura do Rio, e a cada dia se desgasta mais com derrotas eleitorais, como a mais recente, a derrota do irmão do senador Davi Alcolumbre em Macapá.
Perde a força política, e a força moral que fingia ter. A força moral dele era proclamar nunca ter sido apanhado em corrupção, um político que combatia a corrupção, mas há dois anos estamos vendo o desmonte das ações de combate à corrupção, e diversos processos contra os filhos, e contra ele próprio, como o da interferência na Polícia Federal. Bolsonaro também empregava milicianos no gabinete, e os condecorou, numa ação coordenada com os filhos, que tinha como ponto de contato Fabricio Queiroz, também ligado a milicianos como Adriano Nóbrega. Está ficando claro que todo o esquema de rachadinha do gabinete do senador Flavio Bolsonaro é familiar, e dessa rachadinha a família progrediu financeiramente.
Detalhes
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que anunciaram que continuarão trabalhando no recesso - Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio Mello - estão recebendo normalmente em seus gabinetes os processos, assim como os demais ministros, pois, no recesso, sempre os processos são distribuídos.
Alguns ministros preferem recebê-los só no início do Ano Judiciário, mas a distribuição continua. O Presidente não pode despachar em processos de outros ministros, que continuam com jurisdição.
Em julho, na presidência de Dias Toffoli, o ministro Alexandre de Moraes manteve jurisdição, assim como Marco Aurélio, pois queriam continuar as investigações dos inquéritos. O plantão do presidente é para medidas de urgência. Se alguém recorrer da decisão de um ministro dada no período normal, volta o recurso para ele. Em regra, o presidente trabalha no recesso com Habeas-Corpus (HCs), Suspensões de Segurança, que são de sua competência exclusiva. Se um ministro no recesso decide medida urgente, pode ser questionada a sua validade por falta de jurisdição para tanto no recesso que se iniciou dia 20 de Dezembro.
Feliz Natal a todos. Volto a escrever na terça dia 29.
Diplomata, Jorio Dauster é dedicado à literatura desde a década de 1960
Em artigo publicado na revista da FAP de dezembro, autor relata um pouco de sua vida em primeira pessoa
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Mais reconhecido por seu trabalho empresarial e diplomático, Jorio Dauster se dedica à literatura desde a década de 1960, traduzindo grandes autores, como Salinger e Nabokov. Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de dezembro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), ele conta uma pouco de sua jornada no mundo das palavras.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!
A seguir, confira trechos do artigo de Dauster:
Já lá vão mais de seis décadas, quando eu passava uns tempos em Washington na casa de minha irmã, recebi das mãos do cunhado um pocket book fininho, com umas duzentas páginas, que já era culto nos Estados Unidos. Comecei a ler naquela noite mesmo e não sei a que horas fui dormir, fascinado com a história do rapaz de dezessete anos que, expulso da escola, vaga por três dias em Nova York tentando evitar o confronto com os pais. Eu próprio, como algumas dezenas de milhões de adolescentes em todo o planeta, reconheci no angustiado protagonista todas aquelas dúvidas e aflições que o mundo adulto nos impõe em termos de acomodação a uma realidade muitas vezes envolta em hipocrisia e falsidade.
Estou falando, obviamente, de Holden Caufield, a figura icônica que J.D. Salinger eternizou em sua obra-prima The Catcher in the Rye, lançada em 1951. Terminada a leitura, senti uma vontade irreprimível de traduzir o livro, provocado até mesmo pelas três últimas frases: “É engraçado. A gente nunca devia contar nada a ninguém. Mal acaba de contar, a gente começa a sentir saudade de todo mundo.”
Já no Brasil, preparando-me para o exame do Instituto Rio Branco, reencontro um velho colega, Álvaro Alencar. Conversa vai, conversa vem, descubro que ele também quer ser diplomata e deseja traduzir o Catcher. Coincidência dupla, planos de trabalho conjunto que renderam muitas rodadas de chope e nem uma página de texto. Fast forward na fita da memória e, passados mais alguns anos, já ambos no Itamaraty, resolvemos pôr mãos à obra quando nos dizem que um colega mais antigo, Antônio Rocha, também está vertendo o livro. Fomos procurá-lo para anunciar a “competição”, e o tranquilo Rocha, ele próprio escritor, nos deseja boa sorte, pois apenas fazia aquilo por amar o texto e como grande exercício literário. Obviamente, foi recrutado ali mesmo para a rara e curiosa tarefa de uma tradução a seis mãos!
Por conta de nossas tarefas profissionais, não sei quanto tempo levou para que cada qual apresentasse o terço do texto que lhe coube por sorteio. O fato é que, por ser considerado à época subversivo, depois do golpe de 31 de março, eu fui chamado de Genebra, onde participava da I Conferência de Comércio e Desenvolvimento, e posto em casa durante seis meses enquanto ocorriam inquéritos e coisas do gênero no Itamaraty.
Como meus dois companheiros de tradução já haviam sido removidos para o exterior, dediquei incontáveis horas daquele recesso forçado a repassar a versão brasileira frase por frase, tratando de homogeneizar a linguagem dos três num livro que é intrinsecamente coloquial, pois representa de fato o depoimento gravado do Holden na clínica de repouso em que foi internado para se recuperar de seu evidente nervous breakdown.
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Luiz Carlos Azedo: Cidade Maravilhosa
E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos)
Refrão: “Cidade maravilhosa,/ Cheia de encantos mil!/ Cidade maravilhosa,/ Coração do meu Brasil! (Bis)”. Primeira parte: “Berço do samba e das lindas can- ções/ Que vivem n’alma da gente,/ És o altar dos nossos corações/ Que cantam alegremente”. Segunda parte: “Jardim florido de amor e saudade,/ Terra que a todos seduz, /Que Deus te cubra de feli- cidade, /Ninho de sonho e de luz”. O velho Sérgio Cabral, pai, foi quem me chamou a atenção para o fato de que o famoso hino carioca Cidade Maravilhosa, de autoria de André Filho, começa como se a orquestra fosse tocar uma sinfonia e logo vira marchinha de carnaval.
Coube ao maranhense Coelho Neto — que hoje empresta o nome a um dos subúrbios cariocas da antiga Central do Brasil —, cunhar a expressão “cidade maravilhosa”, num artigo publicado no jornal A Notícia, em 1908. Mais tarde, em 1928, publicaria um livro de contos com esse título. Era época em que a antiga capital da República fervilhava, em todos os sentidos, aspirando à condição de Paris dos trópicos, ambição criada após a reforma urbana do prefeito Pereira Passos, no começo do século. O jornalista Ruy Castro relata essa época no livro Metrópole à beira mar (Companhia das Letras).
A marchinha surgiu logo depois, em 1934, mas somente fez sucesso no carnaval do ano seguinte. A primeira parte da música é realmente sinfônica, plagiada de Mimi é una civetta, o terceiro ato da ópera La Bohème, de Puccini. André Filho era amigo de Noel Rosa, com quem divide a autoria do samba “Filosofia”, gravado por Mário Reis, em 1933. A amizade entre ambos, porém, gerou controvérsias sobre a autoria do hino carioca, que alguns atribuem ao poeta de Vila Isabel, como registrou Jacy Pacheco, em Noel Rosa e sua época: “Aqui nos lembramos de composições que ele deu e que vendeu. Que foram divulgadas com outros nomes… dentro da cidade maravilhosa, cheia de encantos mil…” Pode ser pura maldade.
André Filho morou na casa da mãe do músico Oscar Bolão entre o final dos anos 1950 até início dos 1960. Como sofria de problemas psiquiátricos, acabou internado no hospital da Ordem do Carmo. Ali, quando soube, tempos depois, por meio de um repórter do Diário da Noite, que “Cidade maravilhosa” tinha sido reconhecida como marcha oficial da cidade do Rio de Janeiro — por meio da Lei no5, de5 de maio de 1960—, segundo Bolão, enfiou a cabeça dentro do vaso sanitário e, dando descarga, gritava: “Tô rico, tô rico”. Multiinstrumentista (piano, violão, bandolim, violino, banjo, percussão), compositor, cantor e radialista, ficou órfão muito cedo, sendo, por isso, criado pela avó. Começou a estudar música erudita aos 8 anos, com Pascoale Gambardella, e formou-se em ciências e letras no Colégio Salesiano de Niterói, RJ, onde foi colega de Henrique Foréis Domingues, o radialista Almirante.
Sísifo
Cronista esportivo e historiador do samba, o velho Cabral dizia que Cidade Maravilhosa era uma síntese da alma do Rio de Janeiro: “Tudo vira marchinha de carnaval”. E não é que, ontem à tarde, já havia virado meme, nas redes sociais, uma marchinha sobre a prisão do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos). Intitulada “Bispo no xadrez”, a marchinha é muito cruel: “Crivella, Crivella/ Pode entrar / Já abençoamos a sua cela”, diz o refrão. E segue adiante: “É essa aqui que escolhemos pro senhor/ Fica ao lado da do governador/ Tem um palquinho pra fazer os seus sermões/ Os carcereiros são seus novos guardiões (…)”. É mais uma música de carnaval que vai para o acervo do Museu da Imagem e do Som (MIS), criado por Almirante. A verdadeira história dos cariocas é contada pelo samba e pelas marchinhas de carnaval. Está registrada no acervo do MIS, com cerca de 305 mil documentos, entre discos, partituras, fotos, cartas, textos e vídeos.
Voltando ao prefeito Crivella, havia sérias dúvidas sobre a necessidade de sua prisão, a 10 dias de passar o cargo para o prefeito eleito, Eduardo Paes (DEM). Era preciso comprovar que estava obstruindo a Justiça e tentando eliminar provas. Horas depois, o Superior Tribunal de Justiça acabou por revogar a detenção preventiva, mandando-o para a prisão domiciliar.
A prisão do prefeito carioca abre um novo ciclo de investigações criminais no Rio de Janeiro, envolvendo o partido Republicanos e a Igreja Universal do Reino de Deus. A prisão de Crivella deve ter deixado o presidente Jair Bolsonaro bastante cabreiro, devido às investigações que envolvem seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (Republicanos), muito próximos de Crivella, também no âmbito do Ministério Público e da Justiça fluminenses. A postagem bolada de Bolsonaro no Twitter, ontem à tarde, alusiva à Síndrome de Sísifo, tem tudo a ver com a cidade maravilhosa.
El País: Prisão de Marcelo Crivella fecha ano infernal da política no Rio de Janeiro
Além da detenção domiciliar do prefeito, Estado teve governador sofrendo impeachment por acusações de corrupção, a exemplo dos mandatários anteriores. Enquanto isso, covid-19 avança e lota hospitais
2020 vem sendo um ano difícil para o Brasil, entre uma pandemia que já deixou mais de 188.000 mortos e uma crise econômica que poderá levar milhões de pessoas ao desemprego e à pobreza. No Rio de Janeiro, entretanto, o ano ganhou um contorno extra de agonia: uma crise política cada vez mais profunda, que culminou nesta terça-feira com a prisão do prefeito da capital, Marcelo Crivella (Republicanos), pastor licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, acusado de liderar uma organização criminosa dentro da prefeitura para praticar corrupção ―no fim da noite, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, concedeu prisão domiciliar ao prefeito, com o uso de tornozeleira eletrônica. De acordo com o magistrado, Crivella não apresenta periculosidade o bastante para permanecer preso em uma penitenciária.
Além de preso, Crivella também foi afastado do cargo. O Rio terá como prefeito nos últimos nove dias deste ano o presidente da Câmara de Vereadores da cidade, Jorge Felippe (DEM), até a posse em 1º de janeiro de Eduardo Paes, filiado ao mesmo partido, vencedor da última eleição municipal ao derrotar o próprio Crivella. Via rede social, Paes disse que irá manter o trabalho de transição para o cargo. O episódio da prisão tem pitadas de ironia. No último debate na TV antes do segundo turno da eleição, Crivella afirmou repetidas vezes que o adversário iria ser preso.
A prisão ocorre depois de o governador do Rio, Wilson Witzel (PSC), ser afastado do cargo em agosto e ter seu impeachment aprovado pelo parlamento fluminense devido a diversas denúncias envolvendo fraudes em contratos na área da saúde, principalmente os emergenciais para a compra de equipamentos e a construção e operação dos hospitais de campanha para tratamento da covid-19.
O histórico recente dos governadores do Rio, aliás, é trágico. Os dois antecessores de Witzel estão presos devido às investigações do braço da Operação Lava Jato no Estado. O ex-governador Sérgio Cabral foi preso em 2016, após deixar o cargo, e está no Complexo Penitenciário de Bangu. Já o ex-governador Luiz Fernando Pezão, preso em 2018, está em prisão domiciliar. O casal Anthony Garotinho e Rosinha Matheus, que governou o Estado antes de Cabral, também já foi preso. Hoje os dois estão em liberdade, embora processos que motivaram as prisões ainda tramitem no Judiciário. Garotinho chegou a ser preso cinco vezes. Rosinha, três. Houve ainda a prisão do ex-governador Moreira Franco em 2019, quando era ministro do governo Michel Temer. Moreira Franco ficou preso por quatro dias devido à Lava Jato.
Como se não bastasse o caos na política, o Rio também enfrenta uma taxa de ocupação de mais de 90% dos leitos de UTI da rede pública em plena epidemia, poucas semanas após Crivella ―ainda durante a campanha em busca da reeleição à prefeitura― autorizar a volta de banhistas às praias, aumentar a flexibilização para o uso de bares e restaurantes e permitir a prática de esportes em espaços públicos, além da volta às aulas nas redes pública e privada. Desde o início da pandemia da covid-19, o Estado do Rio de Janeiro já acumula mais de 24.000 mortos.
QG da Propina
Como motivo da prisão, o Ministério Público do Rio de Janeiro acusa Crivella e mais seis pessoas de praticar os crimes de corrupção, peculato, fraudes a licitações e lavagem de dinheiro. Os promotores também teriam identificado uma movimentação atípica de quase 6 bilhões de reais na Igreja Universal do Reino de Deus entre maio de 2018 e abril de 2019, de acordo com o portal UOL. Ao chegar à delegacia para ser preso, o prefeito declarou ser alvo de “perseguição política” e que espera por “justiça”. “Fui o governo que mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”, disse.
A detenção preventiva do grupo tem relação com o chamado QG da Propina, um esquema supostamente operado por Rafael Alves, amigo de Crivella que despachava na prefeitura sem ter cargo oficial. Também preso nesta terça-feira, Rafael é irmão de Marcelo Alves, que presidiu a Riotur, a empresa municipal de turismo. Rafael operava nas dependências da Prefeitura do Rio a partir da indicação de postos-chave, como no Tesouro Municipal e de acordo com o MP , negociava propinas com empresários que buscavam pagamentos devidos ou manutenção de contratos. Além dos sete presos, 26 pessoas foram denunciadas no esquema. Segundo o Ministério Público do Estado, tratava-se de “uma bem-estruturada e complexa organização criminosa liderada por Crivella” que atuava desde 2017, ano em que iniciou o seu mandato.
Como mostrou reportagem do EL PAÍS em setembro, em um vídeo gravado durante a busca e apreensão na casa dele, em março, Crivella supostamente liga para um dos celulares de Rafael Alves para avisar de uma busca na Riotur e é atendido pelo delegado da Polícia Civil responsável pela ação. Ao perceber que não se tratava de Alves ao telefone, Crivella encerra a chamada. A desembargadora Rosa Helena Guita, da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que deu a ordem de busca na ocasião e determinou a prisão do prefeito nesta terça, disse que na época que “a subserviência de Crivella a Rafael Alves é assustadora”.
O prefeito passou a ser investigado após a delação premiada do doleiro Sérgio Mizrahy, em 2018, no âmbito da Operação Lava Jato. Em setembro, no pedido para busca e apreensão na casa de Crivella, os promotores do MP diziam que a organização criminosa praticava “toda a sorte de crimes contra a administração” e que a sua “nefasta atuação se espalhou por todo o tecido da administração municipal do Rio de Janeiro, consistindo, o seu modus operandi, em um verdadeiro mecanismo predatório de governo, em que todas as facetas da administração são enxergadas como oportunidades para a consumação de novas negociatas espúrias”.
Agarrado a Bolsonaro
Durante sua gestão, Crivella foi alvo de três votações de impeachment na Câmara dos Vereadores e conseguiu se livrar de todos. Desaprovado por cerca de 70% dos cariocas, perdeu a reeleição para o seu antecessor. No segundo turno, a maioria dos concorrentes do primeiro turno declararam apoio a Paes contra Crivella, incluindo os partidos de esquerda PT e PSOL.
Com uma administração criticada em diversas áreas, o pastor buscou se agarrar ao seu eleitorado mais fiel, os evangélicos de denominações neopentecostais, e à figura do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O Rio é o berço político do presidente e de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro e o vereador Carlos Bolsonaro, ambos do Republicanos, mesma legenda de Crivella.
Durante a campanha, Crivella usou diversas imagens de arquivo junto a Bolsonaro na propaganda política, mas o presidente nunca chegou a gravar para o horário eleitoral. Cerca de duas semanas antes do primeiro turno, em sua live semanal, o presidente declarou apoio a Crivella, liberando os seus seguidores a votar em Paes. “O outro [Paes], eu não quero tecer críticas. É um bom administrador, mas eu fico aqui com o Crivella. Se você não quiser votar nele, fique tranquilo, não vamos criar polêmica e brigar entre nós porque eu respeito os seus candidatos também”, afirmou Bolsonaro.
Nesta terça, em conversa com jornalistas, o vice-presidente Hamilton Mourão negou que a prisão de Crivella respingue no governo. “Isso aí é questão policial, segue o baile, investigação e acabou”, disse ele “Para o governo não tem impacto nenhum. Tem nada a ver com a gente. Sem impacto, zero impacto”, afirmou. Bolsonaro não comentou o episódio ao longo desta terça-feira.
Problemas pela frente
À frente da prefeitura, Paes terá que encarar diversos problemas. Um deles é o déficit fiscal, estimado por sua equipe em R$ 10 bilhões. Outro é uma situação caótica de enfrentamento à pandemia na cidade. O Rio é a capital brasileira com a maior taxa de letalidade em relação ao total de casos de covid-19. Além da superlotação nas UTIs e do sucateamento do sistema de saúde, praias, igrejas e bares seguem liberados.
Para evitar a corrupção dentro da administração, o futuro prefeito anunciou no início de dezembro a criação da Secretaria de Governo e Integridade Pública, a ser comandada pelo deputado federal Marcelo Calero (Cidadania). “Todos nós na vida pública temos que responder pelos nossos atos. Aqueles que forem designados por mim terão suas vidas abertas, não a sua vida pessoal, mas terão a sua dimensão pública permanentemente acompanhada”, disse Paes ao anunciar a pasta.
A nova secretaria pretende implementar mecanismos de controle, transparência e sanção entre os integrantes do governo e nas compras públicas e licitações, além de adotar um novo sistema de gestão para o pagamento de dívidas.
Eduardo Paes foi muito ligado ao ex-governador do Rio Sérgio Cabral, preso na Operação Lava Jato devido a uma lista extensa de crimes de corrupção relacionados a contratos de fornecedores com o governo do Estado. Paes não é réu em nenhum inquérito criminal da Lava Jato, mas foi citado em delação da OAS por ter supostamente recebido caixa 2 na campanha eleitoral municipal de 2012. Existe também um processo que corre na Justiça Eleitoral por suposto recebimento de recursos da Odebrecht, também em campanha eleitoral.
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Elio Gaspari: 2021 com militares no quartel
Pode-se esperar que eles não se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam instrumentalizados para agravá-las
Salvo a vacina, o que é muita coisa, pouco se pode esperar de 2021. Bolsonaro não vai mudar, as investigações das rachadinhas e das notícias falsas continuarão a assombrá-lo. As reformas de Paulo Guedes continuarão como promessas de campanha. O ministro da Educação continuará sem saber de onde saiu o edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando computadores para escolas públicas, inclusive 230 mil laptops para os 255 alunos de um colégio mineiro. Pode-se contudo esperar que os militares não se metam nas confusões que vêm por aí, nem que sejam instrumentalizados para agravá-las.
Felizmente, os oficiais da ativa estão calados. Uns poucos, da reserva, fazem-se ouvir, sempre com alguma estridência. Há dois tipos de oficiais da reserva falando. Alguns, como o general Santos Cruz, foram para o governo de Jair Bolsonaro e viram-se excluídos. Suas falas são o jogo jogado. Outros, simplesmente estão na reserva, e falam como cidadãos. Quase todos achavam que o capitão no Planalto era uma boa ideia.
Militares falantes são heróis para as vivandeiras que rondam os bivaques dos granadeiros. Quem definiu esses personagens, há tempo, foi o marechal Castello Branco. Existem vivandeiras de todos os matizes políticos. Acabam todas mal. Em alguns casos, vão para a cadeia, como sucedeu à maior delas, Carlos Lacerda. O general De Gaulle chamou-o de “demolidor de presidentes”. Acabou proscrito pelos generais e preso no jirau de um quartel da Polícia Militar.
Bolsonaro e seu pelotão de palacianos já fizeram um estrago na imagem das Forças Armadas, mas não conseguiram envolvê-las em aventuras. Sempre existirão civis querendo levar a política para os quartéis em nome de uma purpurina da notoriedade.
Os oficiais que se sentem atraídos pelo ativismo político por alguma questão de coerência deveriam olhar para trás. Lá está o coronel Francisco Boaventura, que poderia ser o patrono dessa arma invisível.
Nos anos 50 do século passado, era um capitão e estava na diretoria do Clube Militar quando sua revista publicou um artigo meio de esquerda. Demitiu-se, junto com o major Euler Bentes. Treze anos depois o pelotão de palacianos do governo de João Goulart teve a ideia de usá-lo num sequestro de Carlos Lacerda, então governador do Rio. Quando veio a ordem, verbal, recusou-se a cumpri-la.
Pouco depois, com Jango no exílio e o pelotão palaciano fora das fardas, estava no Gabinete Militar, no palácio do Planalto. Escreveu um texto criticando o presidente da República e foi defenestrado. Era visto como um dos coronéis da linha dura.
Em 1968, percebeu que o pelotão palaciano do marechal Costa e Silva tramava um golpe e ficou contra. Veio o Ato Institucional nº 5 e o general-comandante do pelotão fabricou sua cassação com justificativas desabonadoras. O irmão de Boaventura era ministro do Interior. Fora da farda, ele nunca vestiu o uniforme de coitadinho profissional. Falando dos bastidores desse episódio, o general Sylvio Frota, ex-ministro do Exército, demitido em 1977, escreveu: “sempre tive náuseas ao ouvir falar desse caso”.
O coronel Francisco Boaventura teria sido um destacado general se não tivesse se metido com as vivandeiras.