Day: dezembro 22, 2020
Yascha Mounk: Verniz de invencibilidade de Trump se desfaz com vitória de Biden
Republicano lançou tentativa de golpe mais incompetente desde 'Bananas', de Woody Allen
O presidente Donald Trump deixou uma coisa dolorosamente clara: depois de deixar a Casa Branca a contragosto, ele vai seguir fazendo tudo o que puder para continuar a ser notícia. Vai postar insultos e teorias conspiratórias no Twitter. Talvez abra seu canal de televisão próprio. E, segundo membros de seu círculo interno, é possível que se candidate a presidente em 2024.
Após meia década sob sua influência, muitos observadores políticos imaginam que Trump vai conseguir conservar a atenção da nação voltada para ele. Entendo por quê. Uma minoria considerável dos americanos acredita que a eleição foi fraudada e permanece profundamente devota ao presidente que está de saída.
Mesmo agora que a derrota de Trump libertou o Partido Republicano de seu captor, os políticos republicanos parecem estar sofrendo de um caso grave de síndrome de Estocolmo. E a única área na qual o 45º presidente já comprovou reiteradamente possuir talento real é sua capacidade de se manter no centro da atenção pública.
Mas, embora Trump ainda possa acabar se mostrando uma influência tão dominante sobre a política na década de 2020 quanto foi na década de 2010, esse resultado é menos provável do que muitos supõem.
Sobram teorias para tentar explicar a ascensão de Trump ao poder em 2016. De acordo com algumas, ele falou em nome dos economicamente despossuídos. Segundo outras, suas mensagens racistas disfarçadas atraíram eleitores preconceituosos.
Entretanto, embora as duas hipóteses ajudem a explicar parte de sua atração, a verdade é muito mais simples: milhões de americanos que não pensam muito em política encaravam Trump como um vencedor, um realizador.
Desde seus primeiros momentos de fama local em Nova York, ele vem moldando sua imagem pública cuidadosamente para dar ênfase a seu poder e seu sucesso.
Os insiders de Manhattan sabem que a verdadeira elite da cidade sempre o desprezou. Mas os leitores de seu livro “A Arte da Negociação” o encaram como exemplo rematado de um negociador dominante que sabe como usar seu poderio financeiro.
Jornalistas de negócios sabem que muitos dos empreendimentos de Trump foram à falência em pouco tempo e que ele poderia estar muito mais rico agora se tivesse simplesmente aplicado sua herança no mercado acionário. Mas, para a maioria dos americanos, o apresentador de “O Aprendiz” é a personificação de um empreendedor que construiu um grande império graças a seu incrível tino para os negócios.
Agora, porém, o verniz de invencibilidade de Trump está se desfazendo. Ele perdeu sua tentativa de reeleição e lançou a tentativa de golpe mais incompetente desde “Bananas”, de Woody Allen. Ele pode se enfurecer e falar loucuras sobre o que aconteceu em novembro, mas não poderá impedir seus seguidores de verem Joe Biden tomar posse em janeiro. O medo de qual pode ser seu próximo passo está dando lugar às gargalhadas. Trump está parecendo mais fraco e assustado a cada dia que passa.
Tampouco está claro se o presidente em final de mandato vai conseguir construir uma “Rede Trump de Jornalismo”. Se ele tiver um programa diário de uma hora na televisão, seus fãs mais devotos com certeza vão assistir. Mas, para ser comercialmente viável, seu canal teria que ampliar aquele público fundamental, atrair outros apresentadores que fossem capazes de conservar a atenção do público, contratar jornalistas que pudessem cobrir de fato o que acontece no mundo e atrair publicidade de empresas comuns.
Competir com a Rede Fox não seria fácil para ninguém que estivesse lançando uma nova rede de jornalismo conservador. Dado o histórico de incompetência de Trump tanto nos negócios quanto em seu cargo público, parece improvável que ele tivesse êxito nessa empreitada.
Tampouco é evidente que Trump pudesse realisticamente se candidatar à Presidência outra vez. Em 2024 ele pode estar falido, na prisão ou com a saúde muito fragilizada. E, mesmo que esteja em condições de disputar a candidatura presidencial republicana, ele não necessariamente a conquistaria.
O Partido Republicano teve uma composição ideológica relativamente estável no último meio século. O chamado “banquinho de três pés” unia conservadores sociais, defensores do livre mercado e figuras de linha dura na política externa, formando uma aliança intranquila, mas durável. Mas, precisamente pelo fato de a composição política do partido ser tão heterogênea, seus líderes mais influentes —de Richard Nixon a George W. Bush e de John McCain a Donald Trump— não guardam muita semelhança uns com os outros.
Que ninguém se engane: ainda é muito cedo para encarar Trump como carta fora do baralho. Pode ser que os americanos continuem a acompanhar seu feed no Twitter com horror ou fascínio pelos próximos quatro anos. Talvez os eleitores das primárias escolham Trump como candidato republicano em 2024. Pode até ser que Trump faça um retorno triunfal à Casa Branca.
Mas o que é possível não precisa ser provável. E as chances são muito boas que os americanos se entediem com as palhaçadas cada vez mais risíveis do mau perdedor que acabam de expulsar do cargo.
*O cientista social Yascha Mounk é professor associado na Universidade Johns Hopkins e autor de "O Povo contra a Democracia".
Ricardo Noblat: Baleia Rossi será o candidato de Maia a presidente da Câmara
Falta o PT decidir se o apoiará desde já ou só mais adiante
Luiz Felipe Baleia Tenuto Rossi, ou apenas Baleia Rossi como prefere que o chamem, 48 anos de idade, deputado federal no seu segundo mandato, ex-deputado estadual e ex-vereador de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, atual presidente nacional do MDB, será anunciado amanhã como o candidato do grupo montado por Rodrigo Maia (DEM-RJ) para disputar a presidência da Câmara.
O grupo é formado por 11 partidos – PT, PSL, MDB, PSB, PSDB, DEM, PDT, Cidadania, PV, PC do B e Rede. Juntos, eles somam 269 votos de um total de 513. Para eleger o presidente em primeiro turno são necessários 257 votos. Ao grupo ainda poderão se juntar o NOVO (8 deputados) e o PSOL (10 deputados). A disputa será contra o candidato de Bolsonaro, o deputado Arthur Lira (PP-AL)
Lira conta com o apoio do PP, PL, PSD, Republicanos, Solidariedade, PTB, Pros, PSC, Avante e Patriota que, juntos, somam 204 votos. Ou seja: 65 votos a menos do que tem hoje o grupo de Maia, o atual presidente da Câmara. O Podemos (10 deputados) deverá aderir a Lira. A eleição será realizada em 1º de fevereiro e, como o voto é secreto, haverá traições nos dois lados.
O PT decidirá hoje se apresentará um pré-candidato à presidência da Câmara só para marcar posição ou se declarará desde já apoio a Rossi. Já foi maior a resistência ao nome de Rossi dentro do PT. Em carta enviada, ontem, aos seus colegas de bancada, o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) defendeu o apoio do partido ao candidato de oposição ao governo Bolsonaro.
No último sábado, por mais de duas horas, Maia e Rossi conversaram em São Paulo sobre a sucessão na Câmara com o ex-presidente Michel Temer (MDB). Até aquele momento, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) ainda era uma opção ao nome de Rossi. Deixou de ser porque seu partido, por larga maioria de votos, apoiará Lira. A conversa de Maia com Temer sacramentou a escolha de Rossi.
Levou-se em conta também a pretensão do deputado Fábio Ramalho (MDB-MG) de ser candidato à presidência da Câmara. Ramalho já foi vice-presidente, é famoso pelos magníficos almoços e jantares que oferece no seu apartamento em Brasília, e calcula-se que possa atrair de 50 a 60 votos caso concorra. Mas dificilmente concorrerá contra o presidente do seu próprio partido.
A candidatura de Rossi reduzirá as chances de que seja lançado um nome do MDB para presidente do Senado. Dois nomes despontavam até então: Fernando Bezerra Coelho (PE), líder do governo no Senado, o que agradaria Bolsonaro, e Eduardo Braga (AM). Rara é a vez, como acontece agora no caso do DEM, de um partido presidir ao mesmo tempo a Câmara e o Senado.
Carlos Andreazza: A semana do presidente
Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença, difunde desconfiança, atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização
A semana passada foi especialmente rica em manchetes oferecidas — forjadas — pelo presidente da República. Acuado, Jair Bolsonaro disparou. É o que faz. Ameaçado, reage com novos graus de irresponsabilidade. Provoca. Agride. Trai. Mente. Conspira. Comete crimes. Promove conflitos. Dedica-se ao seu nós contra eles total — obra por meio da qual será capaz de atiçar policiais contra o inimigo jornalista. Obra por meio da qual transformou uma vacina — a chinesa, a comunista — em inimiga da liberdade.
Isto é Bolsonaro. Aquele que, sob pressão, espalha-se para lançar estímulos em direções diversas; para difundir pautas-isca, apostando em que o volume de suas descargas resulte num conjunto de reações difusas que embaralhe a hierarquia das gravidades.
São muitas as gravidades. Uma maior que as outras, porém. Óbvio que o Bolsonaro particularmente cafajeste dos últimos dias é produto do caso Abin. Evidente que seu último pacote de barbáries pretendeu também dissolver em boçalidades as novas revelações sobre o que seria a privatização da Agência Brasileira de Inteligência pela sua família. Nada se soube de mais comprometedor — de mais perigoso para Bolsonaro — numa semana em que galgou novos parâmetros em sua pregação antivacina.
O caso Abin: uma apuração jornalística, da revista “Época”, informou-nos que um órgão de Estado — aparelho de inteligência impessoal a serviço da Presidência — teria operado, com relatórios, para orientar a defesa do filho do presidente numa investigação relativa ao tempo em que Flávio Bolsonaro era deputado estadual. Escândalo a que se somou a notícia, pela revista Crusoé, de que haveria — dentro da agência — uma espécie de Abin do B trabalhando, à margem da estrutura convencional, pelos interesses de Bolsonaro e turma.
Então, para embaçar: onda e espuma. Também para camuflar a imposição do mundo real — seu governo, derrubando-lhe a palavra-veto, terá de comprar a vacina do Doria — à sua mistificação de macho-mito: onda e espuma.
Impressiona que ainda haja quem se surpreenda com Bolsonaro. Ingenuidade pela qual ele é gratíssimo; e que explora com engenho e arte. Por exemplo: em visita à Ceagesp, chocou os bocós liberais retardatários que, em dezembro de 2020, creem em que este governo privatizará alguma coisa. Nem a Ceagesp! Oh! Fomos traídos...
Em que planeta vivem? Como nenhum entre os limpinhos percebeu que o populista-estatista manipularia os manés liberais-só-na-economia para promover uma das facetas do grande estelionato eleitoral que aplica há quase dois anos? É como acreditar que de uma jaqueira pudesse cair uva. Como se um sujeito que engordou aboletado no sofá do Estado — um tipo que constituiu família, que ergueu bem-sucedida empresa familiar, dentro do Estado — pudesse se mover para diminuir a superfície que lhe enche e ampara a pança. Oh! Fomos enganados!
O presidente anunciou também que não montará o novo partido. Que não fundará o tal Aliança pelo Brasil; e que deverá se filiar a um já existente, decerto uma dessas legendas de aluguel que lhe assegurariam a escada formal para poder disputar a reeleição. Ah! Quem poderia imaginar que um notório depredador da democracia representativa — uma força destruidora que prosperou explorando a criminalização da política — não fosse investir na construção de um partido? Oh!
Também nos informou que Fabrício Queiroz pagava suas contas e que os R$ 89 mil que o amigo, amigo também de milicianos, depositou na conta da primeira-dama Michelle eram para ele — e que aquilo, aquela merreca, não poderia ser considerado propina. Ocorre que ninguém disse que a transação consistiria em pagamento de propina.
Como faz com frequência, Bolsonaro respondeu, com indignação, a uma acusação jamais feita. É mestre nisso; em criar uma falsa imputação, um falso problema, como o da vacinação obrigatória, e lhe responder com energia. Concebe um mundo paralelo — no qual estará sempre com a razão. Ninguém pode ser forçado a se vacinar — e assim brigará contra tirano inexistente. Com o que desvia a verdadeira questão: Queiroz foi denunciado como operador de um esquema de peculato havido no gabinete de Flávio Bolsonaro, tendo sido o mesmo Queiroz a fazer depósitos na conta da mulher do presidente. Essa é a fotografia no mundo real; a pergunta sendo: de onde veio o dinheiro depositado na conta de Michelle Bolsonaro?
Nenhum, porém, entre os atos graves encenados para diluir-distorcer a gravíssima investigação sobre a captura da Abin pela famiglia, teve maior gravidade do que o presidente da República declarar que não se vacinará. Foi o investimento desinformante mais violento em sua campanha — genocida – de dilapidação de nossa cultura vacinal. Isto é Jair Bolsonaro. O que planta descrença. Difunde desconfiança. Atenta contra o pacto social que fundamenta nossa rede de imunização — atentado que não apenas chama de volta o sarampo, mas também mina as bases de uma teia que costura mesmo, na prática, a própria ideia de República entre nós.
Essa malha de confiança — que alinhava a nação (como o sistema eleitoral) — é empecilho para o autocrata tanto quanto lhe será impulso ter uma Abin, uma Polícia Federal, particular.
Bernardo Mello Franco: O tombo de Davi Alcolumbre
Davi Alcolumbre planejou um dezembro glorioso. O presidente do Senado esperava garantir a permanência no cargo e emplacar o irmão como prefeito de Macapá. Em duas semanas, tudo foi por água abaixo.
No dia 6, o Supremo Tribunal Federal surpreendeu e vetou a reeleição dos chefes da Câmara e do Senado. A jogada estava ensaiada, mas a Corte voltou atrás e desistiu de atropelar a Constituição.
No dia 20, veio a segunda derrota: Josiel Alcolumbre perdeu a eleição na capital do Amapá. Ele liderava as pesquisas desde o início da campanha, mas foi ultrapassado na reta final pelo azarão Dr. Furlan.
O presidente do Senado se empenhou nas duas disputas. Para conquistar a simpatia do Supremo, engavetou pedidos de impeachment e barrou a chamada CPI da Lava-Toga. Para eleger o irmão, montou uma coligação de 12 partidos, apoiada pelas máquinas do estado e da prefeitura. A chapa parecia invencível até o apagão que atingiu o Amapá em novembro.
Numa entrevista desastrada, Davi disse que o maior prejudicado com a falta de luz foi Josiel, “que ia ganhar a eleição no primeiro turno”. A declaração revoltou amapaenses que passaram 22 dias às escuras.
Na véspera das urnas, Jair Bolsonaro ainda tentou retribuir a blindagem do senador ao primeiro-filho. Em vídeo, ele pediu votos para Josiel “do fundo do coração”. Tarde demais: a zebra já estava no pasto em Macapá.
Em dois anos na cadeira, o presidente do Senado nunca deixou de agir como um político do baixo clero. Sem luz própria, ele se equilibrou graças à distribuição de cargos e favores. Quando os bolsonaristas ameaçavam fechar o Congresso, fez cara de paisagem e aproveitou para arrancar mais verbas para aliados.
Após se recuperar do tombo, Davi poderá ser recompensado com uma vaga de ministro. Nesse caso, Josiel também ganhará um consolo: ele é o primeiro suplente do irmão no Senado.
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Depois de dois anos sem trabalhar, Bolsonaro saiu de férias. Deve ser isso o que chamam de meritocracia.
Eliane Cantanhêde: O mundo dá voltas
Obscurantismo, negacionismo e terraplanismo estão passando. Bolsonaro é capaz de entender?
Uma pergunta envolta de desânimo se alastra pelos meios políticos e diplomáticos: Jair Bolsonaro vai dar um cavalo de pau na política externa para repor o Brasil nos trilhos, abrir um diálogo produtivo com os Estados Unidos de Joe Biden, reencontrar os parceiros tradicionais e retomar o pragmatismo, a tradição diplomática e a defesa dos interesses nacionais?
Assim como serão necessárias décadas para tentar recuperar nossas perdas na Amazônia e demais biomas, há também previsões nada otimistas sobre o tempo e as condições de Bolsonaro para liderar o recomeço da política externa. E assim como a culpa pelo desmanche do Meio Ambiente recai sobre o ministro Ricardo Salles, também a culpa pela política externa é jogada diretamente sobre o chanceler Ernesto Araújo. O responsável pelas políticas de governo, porém, é o presidente. Ministros só executam.
O que esperar de quem nomeia para o Meio Ambiente do Brasil um cidadão que jamais havia sequer pisado na Amazônia? E para o Itamaraty um embaixador júnior que escreve coisas sem nexo, muda de ideia de acordo com os ventos e compara Donald Trump a “Deus”, único capaz de salvar o Ocidente da China?
O governo Bolsonaro e, aliás, o próprio Bolsonaro, deram caneladas na China, França, Alemanha, Noruega, Argentina, Chile, Mundo Árabe... E jogaram todas as fichas não nos Estados Unidos, mas em Trump – que perdeu. Como em tudo, como na Saúde, que opera entre a vida e a morte, Bolsonaro não se deu por satisfeito e dobrou a aposta. Manteve-se firme e resolutamente trumpista e levou o Brasil a ser o último país do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo) a fazer o óbvio: reconhecer a vitória do democrata Joe Biden.
Os telegramas do embaixador brasileiro em Washington, Nestor Forster, divulgados pelo Estadão, mostram constrangedoramente que ele estava mais preocupado em falar o que Bolsonaro queria ouvir e em escrever o que Planalto e Itamaraty queriam ler, do que em relatar a realidade. Em live do Cebri, Celso Lafer disse que, se ainda fosse chanceler, demitiria o embaixador do cargo na hora. Forster, porém, é um coadjuvante, seguiu a linha do general Eduardo Pazuello de que “uns mandam, o outro obedece”. Apenas compactuou, mas não interferiu na realidade paralela de Bolsonaro e Araújo.
Com ou sem as 22 páginas papagaiando Trump, presidente e chanceler insistiriam na versão de “fraude”, “judicialização”, “guinadas”. Uma maluquice. Fica no ar: é possível recolocar a política externa no trilho do pragmatismo e do interesse nacional com Forster em Washington, Araújo no Itamaraty e Bolsonaro na Presidência? Mais: como corrigir a imagem do Brasil com Salles e o desastre ambiental?
Nunca a imagem do País esteve tão deteriorada entre governos, parlamentos, mídias, entidades e cidadãos do mundo inteiro. O chanceler tem de parar de achar bacana a posição de “pária internacional”, Bolsonaro tem de dar sinais para Biden, Eduardo Bolsonaro tem de torrar seu boné “Trump 2022”, todos têm de sentar com diplomatas, generais, políticos, acadêmicos e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, para tentar entender o mundo, parar de atacar a China, voltar à racionalidade com Europa e vizinhos.
Biden já começou a mudar os EUA, a voltar ao Acordo de Paris e ao multilateralismo, a trocar retrocessos por avanços. É esse o caminho que o Brasil precisa fazer, abandonando as pisadas tortuosas de Trump e olhando para a frente. Não porque “um manda (os EUA) e outro obedece (o Brasil)”, mas porque os tempos de obscurantismo, terraplanismo e negacionismo estão passando. O difícil é acreditar que Bolsonaro, que chegou atrasado nas vacinas e na era Biden, esteja entendendo alguma coisa. Provavelmente, não. Nem quer.
Merval Pereira: Na janelinha
Nos Estados Unidos, um “Júnior justice” da Suprema Corte - ministro novato - tem, por tradição, a tarefa de fechar a porta da sala de reuniões depois que o último ministro chega. Uma demonstração de humildade diante dos mais antigos. Há até mesmo filmes que mostram essa cena, com o presidente da Corte advertindo um novato: “Você esqueceu de fechar a porta. É a tradição”.
Aqui, nosso ministro junior Nunes Marques mal chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, como diria o sábio popular senador Romário, “já está querendo sentar na janelinha”. Em sua primeira atuação, ele deu aquele voto pseudamente salomônico que aprovou a reeleição de seu amigo senador David Alcolumbre, e proibiu o deputado Rodrigo Maia, inimigo do Planalto, de fazer o mesmo.
Sua decisão monocrática de reduzir o prazo de inelegibilidade dos atingidos pela Lei de Ficha Limpa, fazendo com que ele seja descontado da pena cumprida, está causando séria perturbação dos tribunais eleitorais pelo país, e alimentando a percepção de que o novo ministro, nomeado ao acaso pelo presidente Bolsonaro, cumpre mais uma etapa do plano governamental de desmontar o aparato jurídico de combate à corrupção nos meios políticos, depois da aliança com o Centrão.
A atitude do ministro Nunes Marques foi tomada um dia antes do recesso do Judiciário, e em pleno período eleitoral. Isso quer dizer que centenas de candidatos que concorreram subjudice agora exigirão da Justiça Eleitoral suas posses, o que pode até mesmo alterar a composição das Câmaras de Vereadores. Ou até mesmo eleger algum prefeito.
O mais espantoso é que a Lei da Ficha Limpa foi colocada sob o escrutínio do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012, e considerada constitucional pela maioria. O ponto específico agora alterado liminarmente pelo novo ministro foi analisado e considerado compatível com a Constituição e com a vontade do legislador, o Congresso Nacional.
O atual presidente do Supremo, Luis Fux, que era o relator do processo, tinha na ocasião a mesma opinião de Nunes Marques agora. Achava que a inelegibilidade, passando a contar somente a partir do fim da pena, era exagerada. O ministro Cezar Peluso, já aposentado, teve a mesma opinião, mas o ministro Marco Aurélio Mello rebateu o argumento lembrando que a utilização de recursos sobre recursos fazia com que a inelegibilidade não tivesse efeito prático, rejeitando a proposta de subtração do tempo decorrido entre a condenação e o julgamento dos recursos.
Sendo assim, a decisão monocrática do juiz novato foi contra um ponto da Lei da Ficha Limpa que já foi debatido pelo plenário, o que agrava a percepção de que, no Supremo, cada ministro é uma ilha que não se comunica com os outros, nem com as decisões já tomadas, sem que haja razão para um novo julgamento, mas apenas uma opinião pessoal
O caso, de todo modo, será avaliado pelo plenário depois do recesso, mas há uma movimentação no Supremo para que Nunes Marques altere sua decisão, para evitar o caos na justiça eleitoral. Ele pode definir que a medida só vale para a próxima eleição, para evitar que os tribunais eleitorais fiquem abarrotados de recurso durante o período de diplomação dos novos prefeitos e vereadores, ou, no limite, o presidente do Supremo, ministro Luis Fux, pode suspender essa liminar, com base exatamente em que essa lei já foi considerada constitucional pelo próprio STF.
Embora essa medida radical seja defendida por setores do judiciário, Fux parece inclinado a resolver o impasse pelo diálogo. A atuação do Supremo durante o recesso, que começou dia 20 de dezembro e vai até o dia 6 de janeiro, também está em discussão, pois quatro ministros já comunicaram que continuarão trabalhando nesse período.
Os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes e Marco Aurélio Mello, com isso, reduzem o poder do presidente Luis Fux, que fica de plantão durante o recesso com poder de decisão. Aliados de Luis Fux garantem que o Regimento do Supremo não autoriza essa atitude, e o presidente parece decidido a exercer seu poder integralmente. Sendo assim, qualquer decisão a ser tomada no recesso dependerá apenas do ministro Luis Fux, que poderá cassar liminares que considere injustificáveis.
Pesquisas correm contra o tempo em relação ao eleitorado, diz Ciro Leichsenring
Em artigo na revista da FAP de dezembro, especialista mostra importância das pesquisas de intenção de voto
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Especialista em pesquisas de mercado e opinião por mais de 40 anos, o psicólogo Ciro Gondim Leichsenring diz que a divulgação de resultados das pesquisas eleitorais tem significativa relevância na intenção de voto. “A posição dos candidatos no ranking de preferências do eleitorado produz efeitos, positivos e negativos, na arrecadação de recursos, na mobilização partidária, na formalização de alianças. Lembremo-nos do voto útil”, analisa, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de dezembro.
Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de dezembro!
Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), são disponibilizados, gratuitamente, no site da entidade. De acordo com o especialista, que é ex-presidente do Conselho da Sociedade Brasileira de Pesquisas de Mercado e vice-presidente executivo da mesma instituição, cada um dos elementos, isoladamente ou em articulação com os demais, influencia a escolha do eleitor, contribuindo para a sua decisão final.
“Nesse contexto, as pesquisas estão sempre correndo contra o tempo em relação ao movimento do eleitorado, pois, de um dia para o outro, tudo pode mudar sem que as pesquisas, defasadas temporalmente, possam captar o sentido da mudança”, observa, ressaltando a importância das pesquisas, embora algumas tenham projetado resultados diferentes dos que foram apurados nas urnas, nas eleições deste ano.
Pesquisas de intenção de voto, segundo Leichsenring, são eventos estáticos dentro de um processo dinâmico, que é a consolidação da decisão de voto pelo eleitor. “A decisão é um caminho que se revela por aproximações sucessivas. No início das campanhas eleitorais, as possibilidades de escolha apenas se insinuam para o eleitor típico, com baixo nível de engajamento político”, diz. “À medida que a campanha evolui, o eleitor gradualmente vai ajustando suas escolhas com as informações recebidas, até chegar à decisão final, que pode até mesmo ser a de não votar, anular o voto ou votar em branco”, acrescenta.
Em outro trecho, o especialista cita dados de 30 pesquisas, concluídas em média dois dias antes da última eleição, divulgados no site Poder 360 (Ibope, 26 e Datafolha, 4), que revelaram que apenas 15 tiveram acertos dentro da margem de erro. “Nenhum resultado coincidiu exatamente com os números das urnas. No entanto, em 26 casos, o nome do vencedor foi apontado corretamente e, em 3, apontaram empate, registrando-se apenas um erro na indicação do vencedor”, avalia.
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Luiz Carlos Azedo: O espelho estilhaçado
É impressionante o paralelo do governo Bolsonaro com o governo Trump, a partir da crítica de Hannah Arendt à degradação política do governo de Nixon
Instigante artigo do ex-chanceler Celso Lafer, professor emérito da Faculdade do Largo do São Francisco (Direito-USP), publicado no último domingo, no O Estado de S. Paulo, faz um diagnóstico político preciso do governo de Donald Trump, que merece muita reflexão entre nós, pelo paralelo que podemos projetar, a partir do texto, para o governo do presidente Jair Bolsonaro.
O “mote” do artigo é uma carta enviada, em 1975, pelo presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, à filósofa judia-alemã Hannah Arendt, autora de Origens do Totalitarismo (Companhia de Bolso) e a A Condição Humana (Forense Universitária), na qual solicita à escritora que lhe envie o texto de uma palestra que fizera nas comemorações do bicentenário da independência dos Estados Unidos. Intitulada Tiro pela culatra, na tradução para o português, seu texto fui publicado no Brasil, na coletânea Responsabilidade e Julgamento (Companhia das Letras), organizada por Jerome Kohn.
Lafer destaca a iniciativa de Biden, quando integrante da Comissão de Relações Exteriores do Senado, como uma espécie de preocupação germinal do que pode vir a ser a linha de atuação do novo presidente dos Estados Unidos, de resto já anunciada na campanha eleitoral. O texto de Arendt trata da crise do governo Nixon e da degenerescência da política norte-americana nos anos 1970, cujos elementos se reproduzem durante o governo Trump, na visão de Lafer:
(1) a mentira por princípio, para manipular o Congresso e o povo americanos e, nesse caminho, pôr em questão a credibilidade dos EUA perante outros Estados;
(2) o empenho em abolir qualquer lei, constitucional ou não, que se interpusesse aos objetivos da presidência;
(3) o inserir da criminalidade nos processos políticos do país;
(4) o valer-se do “privilégio do Executivo” para proteger os colaboradores atraídos pela aura do poder;
(5) o não aceitar a derrota, qualquer derrota, da maior potência sobre a Terra, cujo poder estava em declínio;
(6) o equívoco de respaldar uma economia de desperdício, sem atentar para “as ameaças ao nosso ambiente” (Arendt);
(7) o cobrir com um tecido de mentiras os problemas do desemprego e da automação.
Espelho quebrado
A dimensão histórica da vitória de Biden vem sendo destacada não somente por Lafer como por outros analistas da cena brasileira. Sua repercussão na política mundial já se faz sentir, em todos os aspectos, inclusive em relação à pandemia da covid-19. Como ignorar, por exemplo, o gesto de ontem, quando o novo presidente dos Estados Unidos foi a um posto de saúde de sua cidade para tomar a vacina da Pfizer-Biontech? Quanta diferença em relação ao nosso presidente da República, que já disse e repetiu que não vai tomar e vacina e põe em dúvida a eficácia e segurança de qualquer uma delas. A troca de comando e rumo nos Estados Unidos, porém, transcende esse plano imediato das políticas públicas: a prática dos costumes democráticos repercute no fortalecimento das instituições republicanas e servem de exemplo para o mundo.
“A campanha eleitoral americana deste ano teve entre suas características uma batalha pela ‘alma’ dos Estados Unidos”, destaca Lafer. Nessa batalha, Biden personificou os valores e as instituições americanas, suas práticas e seus costumes. “Foi uma contraposição aos modos de proceder da presidência Donald Trump, que trouxe com o personalismo do seu bullying a erosão generalizada do softpower de atração dos Estados Unidos.”
E, aqui, no Brasil? É impressionante como Donald Trump serviu de espelho para o presidente Jair Bolsonaro, nas mais diversas áreas. Na política externa brasileira, por exemplo, toda a respeitabilidade de nossa diplomacia está sendo jogada pela janela, apesar de sua cultura secular, cujas raízes são as negociações com os países vizinhos, nas quais garantimos a consolidação de nossas fronteiras, sem derramamento de sangue. Ou na questão ambiental, na qual nosso protagonismo, da Rio-92 ao Acordo de Paris, deu lugar à vexatória condição de “pária” internacional, nas palavras do chanceler Ernesto Araújo.
As mentiras (1); as afrontas legais aos demais poderes (2); a promiscuidade com as milícias e outras atividades transgressoras (3); a proteção aos apaniguados (4); o não-reconhecimento dos fracassos (5); os incentivos à grilagem de terras, ao garimpo ilegal e ao desmatamento (6); e a terceirização dos problemas nacionais (7) tecem impressionante paralelo do governo Bolsonaro com o governo Trump (derrotado na reeleição), a partir da crítica de Hannah Arendt à degradação política do governo de Nixon (afastado por impeachment). Com a vitória de Joe Biden, esse espelho se quebrou.
Evandro Milet: As mídias sociais enganariam Alan Turing, o pai da computação
A OpenAI, uma organização fundada por Elon Musk, lançou o mais potente sistema de Inteligência Artificial(IA) para produção e compreensão de linguagem escrita, o GPT-3. Muita gente imaginou que acabaria o emprego de escritores e jornalistas. Cientistas porém estão constatando as limitações da engenhoca. Apesar da sofisticação, o novo sistema não sabe o que fala, embora seja um redator razoável: pode produzir qualquer tipo de texto, mas também pode cometer bobagens ao ignorar semântica, contexto, psicologia, convenções sociais, raciocínio lógico e até leis da física. Falta aquilo que nos torna humanos: bom senso.
Afinal, ao ser alimentado com tudo o que há na internet, o GPT-3 retrata o estágio onde a humanidade se encontra, incluindo vieses racistas e sexistas e uma capacidade de criação e disseminação de fake news.
Nos anos 50, Alan Turing,um dos pais da ciência da computação e da inteligência artificial criou o teste que leva seu nome. Seu objetivo é descobrir se uma inteligência artificial é inteligente a ponto de enganar um humano, fazendo-o acreditar que se trata de uma pessoa respondendo às suas perguntas. Se 30% dos humanos consultados acreditarem que se trata de outro humano, a máquina passa no teste de Turing.
Ora, mais de 30% dos humanos reconheceriam hoje o GPT-3 como uma pessoa se comunicando nas redes sociais. Afinal é fácil encontrar ali raciocínios tortuosos, negações de verdades científicas, interpretações contorcionistas de textos, elaborações fantásticas para teorias da conspiração, justificativas fora de contexto, vieses racistas e sexistas, fake news esdrúxulas, enfim falta total de bom senso - realmente, um triste retrato da humanidade.
Todos os dias recebemos textos estranhos, supostamente assinados pelo Veríssimo, Jabor ou Clarice Lispector, onde qualquer um acostumado com esses autores percebe imediatamente a fraude. Ou vídeos onde médicos e supostos especialistas, sem nenhuma relevância profissional, glorificam remédios sem efeito ou condenam criminosamente vacinas, máscaras ou distanciamento social. Ou recebemos avisos alarmados sobre uma suposta conspiração internacional globalista soros-sino-gramsciana que amedronta até mentes doentias no governo.
Cabeças estacionadas na década de 1950 enxergam iminentes invasões da Amazônia atrás de nossos recursos naturais sem perceber que os recursos mais valiosos hoje estão no conhecimento. E esse conhecimento está se perdendo no flagelo da educação brasileira, no desprezo da bioeconomia e indo embora na diáspora dos nossos estudantes e cientistas brilhantes contratados no exterior. Por analogia do nome, a Amazon que negocia com bits e bytes e gerencia conhecimento tem valor de mercado 25 vezes maior que a nossa Vale, especialista em minérios.
O GPT-3 deve se sentir em casa com tanta falta de bom senso. Se Turing fosse vivo e se baseasse nas postagens das mídias sociais teria que inventar outro teste, o GPT-3 passaria por humano.
Rubens Barbosa: Estratégia para o comércio exterior
Objetivo é fazer o Brasil se inserir plenamente nos fluxos dinâmicos de trocas internacionais
Uma estratégia de desenvolvimento para o Brasil para o período 2020-2030 com cinco eixos – econômico, institucional, de infraestrutura, ambiental e social – foi divulgada pelo governo Bolsonaro. Nos desafios e orientações de todos os eixos, em especial no da área econômica, encontram-se declarações de intenção que terão forte impacto no futuro do comércio exterior.
Como subsídio para o exame dessas medidas, o Conselho de Comércio Exterior (Coscex) da Fiesp discutiu e elaborou uma estratégia para o comércio exterior, encaminhada pelo presidente da entidade a Brasília. Essa estratégia tem como objetivo a ampliação das exportações e importações, diversificar os mercados e os produtos exportáveis e permitir uma inserção competitiva dos produtos brasileiros nos fluxos mais dinâmicos do intercâmbio comercial.
Do ponto de vista da indústria, essa estratégia deveria estar baseada no tripé reindustrialização, agenda de competitividade e abertura da economia via negociação de acordos comerciais, cujos principais aspectos poderiam ser resumidos como a seguir.
A reindustrialização e a modernização industrial seriam possibilitadas pela implementação da atual agenda de reformas horizontais (mudança estrutural) e pelo aumento da produtividade, que seriam complementadas com uma verdadeira política industrial que induza negócios estratégicos de alto impacto econômico e social, visando à geração de empregos e renda. Nesse sentido, caberia fortalecer mecanismos de apoio à indústria como financiamento, compras governamentais e estímulos à produção e exportação de bens de média e alta tecnologia; definir como áreas prioritárias as indústrias de alto conteúdo tecnológico e inovadoras; identificar nichos de mercado para a nacionalização de produtos essenciais estratégicos na área da saúde e outros; identificação de áreas para criar cadeias de valor agregado na América do Sul a partir de interesses da indústria nacional; apoio com políticas públicas à internacionalização da empresa nacional
A agenda de competitividade poderia ser levada adiante mediante ação política junto ao Executivo e ao Legislativo para aprovação da reforma tributária, o fator mais importante para aumentar a competitividade da economia e das empresas nacionais. Outras políticas incluiriam a isonomia de tratamento entre produtos importados e nacionais; aprovação da reforma do Estado, com a desburocratização e a simplificação de regras e regulamentos a fim de facilitar os negócios (portal único e OEA); fortalecimento de uma política de incentivos à inovação com estímulos a P&D junto à iniciativa privada (universidades e centros de pesquisa) e aos órgãos governamentais existentes em áreas estratégicas (mas não limitadas), como indústria 4.0, inteligência artificial e biotecnologia; incentivos à formação e capacitação de profissionais e dirigentes empresariais com a concessão de bolsas de estudo e estágios, no País e no exterior; licitação da tecnologia 5G ou autorização de redes particulares para acelerar o processo de modernização da indústria (4.0–inteligência artificial, automação avançada); alinhamento de políticas internas, principalmente a ambiental, com a política de comércio exterior para evitar medidas restritivas contra produtos brasileiros; medir os impactos sociais após a revisão completa dos tributos e outros projetos estratégicos em nível federal (sustentabilidade).
A abertura da economia seria realizada via acordos comerciais, com a definição de uma política de negociação de acordos comerciais, com a participação do setor privado, com vista a diversificar mercados e a pauta de produtos exportáveis e promover a ampliação de empresas exportadoras, de modo a reduzir a concentração hoje existente. Deveria haver uma sincronização com a agenda de competitividade, cujo atraso em sua implementação justificaria certo grau de proteção à indústria pela elaboração de lista setorial limitada de produtos sensíveis que seriam liberalizados no final do processo ou ficariam em lista de exceção. Impõe-se a transparência nas negociações dos acordos e na defesa comercial contra medidas restritivas e protecionistas. Nesse contexto, caberia examinar, entre outras, uma reforma tarifária com a revisão da Tarifa Externa Comum do Mercosul, sob a ótica da escalada tarifária; a convocação de conferência especial do Mercosul para examinar seu funcionamento e seus objetivos depois de 30 anos de sua criação, como previsto no artigo 47 do Protocolo de Ouro Preto; o exame junto ao Ministério da Economia e o Banco Central de mecanismos financeiros como o Centro de Clearing com o renminbi na China e o CCR na América Latina, para facilitar a expansão das exportações brasileiras num momento de crise no cenário externo; e rever o funcionamento e os objetivos da Zona Franca de Manaus à luz de uma nova política para a Amazônia, com ênfase na biotecnologia e na bioeconomia.
Urge a discussão de uma estratégia com o setor privado para que o Brasil possa inserir-se plenamente nos fluxos dinâmicos das trocas internacionais. Essa é a contribuição do Coscex da Fiesp.
*Presidente do Conselho de Comércio Exterior da FIESP