Day: outubro 29, 2020
Eduardo Rocha: Riqueza concentrada e pobreza ampliada
Como desgraça pouca é bobagem e nunca vem desacompanhada, a pandemia da Covid-19 mudou os modos de vida, contaminou maleficamente as esferas da produção, distribuição, comércio, finanças, processo de trabalho, emprego, renda, saúde, lazer, cultura, esporte, Estados nacionais, organismos multilaterais, comércio mundial - enfim, toda a arquitetura da sociabilidade humana local, nacional, regional e global – e aprofundou a distância entre dois polos quantitativo e qualitativamente opostos: o da riqueza concentrada e o da pobreza ampliada.
O relatório Riding the storm, do banco suíço UBS e da consultoria PwC, mostra, por exemplo, que os 2.189 magnatas globais somados (em julho deste dramático ano de 2020) aumentaram seu patrimônio líquido para U$ 10,2 trilhões, em plena pandemia.
Os Estados Unidos lideram o ranking. A fortuna dos seus bilionários chegou a US$ 3,6 trilhões. Depois vem a China (US$ 1,7 trilhão), Alemanha (US$ 594,9 bilhões), Rússia (US$ 467,6 bilhões), França (US$ 442,9 bilhões), Índia (US$ 422,9 bilhões), Hong Kong (US$ 356,1 bilhões), Reino Unido (US$ 205,9 bilhões), Canadá (US$ 178,5 bilhões) e, em décimo lugar, o Brasil (US$ 176,1 bilhões. Coexistindo com o crescimento dessa riqueza concentrada está o decréscimo da renda da pobreza ampliada. O terreno da desgraça é longo e fértil em frutos maléficos.
O Relatório de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) aponta 1,3 bilhão de pessoas no mundo vivendo na pobreza. O Banco Mundial diz que até 2021 a pandemia levará mais 150 milhões à extrema pobreza (renda diária de até US$ 1,90 ou cerca de R$ 10). A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) estima quase 690 milhões de famintos no mundo. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) calcula que 1,6 bilhão de pessoas estão na precarizante informalidade trabalhista. O Brasil tem hoje cerca de 13 milhões de desempregados, 40 milhões de trabalhadores informais e precarizados.
Foi na seção 4 do capítulo XXIII do Livro 1 de O Capital (1867) que Karl Marx (1818-1883) expos que, sob o capitalismo, a acumulação de riqueza num polo é ao mesmo tempo acumulação relativa de miséria no polo oposto. Tal tendência acentua-se! Não basta, portanto, aplicar uma vacina segura que elimine a Covid-19. É preciso erradicar sua herança nefasta. E não será com caridade/filantropia que se faz isso ou se desativa o mecanismo da acumulação da riqueza, de um lado, e da miséria, de outro.
O infarto econômico mundial causado pela Covid-19 demanda, mais do que as atuais terapias intensivas, uma nova arquitetura socioeconômica global via uma Conferência Mundial pela Produção e pelo Emprego, sob a responsabilidade da Organização das Nações Unidas (ONU), visando harmonizar os fluxos monetários e financeiros internacionais de modo a canalizar a poupança pública e privada em investimentos produtivo-reais.
Daí pode sair uma vacina democrático-civilizatória de modo a anular e superar a força gravitacional da recessão mundial tenebrosa e de um futuro sinistro e sombrio e permita a construção de um embrião de um novo padrão global de desenvolvimento neste século XXI.
*Eduardo Rocha é Economista
Míriam Leitão: Governo perdido e decreto sem dono
Qual é o pior momento para se juntar a palavra “privado” com a expressão “saúde básica” ? Resposta: no meio de uma pandemia, em que temos um ministro da Saúde convencido de que sua única função é obedecer ao presidente, sendo o presidente a pessoa que diariamente atormenta a área com péssimas ideias: ora um remédio sem comprovação científica, ora a negação da ciência, ora a campanha contra a vacina. O governo Bolsonaro conseguiu. Ele vai entrar no livro “Guinness” como o governo mais capaz de ter ideias ruins e na hora errada. Como, por exemplo, quando quis cobrar imposto de desempregado numa escalada de desemprego.
No final, o decreto que o governo havia baixado incluindo as Unidades Básicas de Saúde no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) foi revogado. Esta pandemia nos mostrou o valor de se ter o Sistema Único de Saúde (SUS). Público. É conquista da Constituição que o líder do governo Ricardo Barros diz que tornou o país ingovernável. O que dificulta é uma administração sem rumo, atirando a esmo, e agravando as aflições do país no meio de uma pandemia.
Essa ideia de incluir a porta de entrada do SUS num programa que pode levar à privatização é ruim em qualquer momento, mas no meio da maior crise da saúde do mundo é ainda pior. Imediatamente políticos e especialistas se mobilizaram contra o decreto. Diante da reação, o Planalto lavou as mãos e mandou o Ministério da Economia se explicar. Lígia Bahia, professora de economia da saúde da UFRJ e colunista deste jornal, disse que o ministro Paulo Guedes deveria se preocupar com o desemprego, as empresas quebradas e a redução da renda, e completou: o “Brasil precisa de paz”. E paz é o que não temos tido em nenhuma área, notadamente na saúde.
A lista dos afazeres do ministro Guedes é grande. Inclui a resposta que precisa ser dada contra a crise fiscal que o país enfrenta. Os sinais são cada vez mais preocupantes. Ontem, o dólar encostou em R$ 5,80 e obrigou o Banco Central a vender US$ 1 bilhão à vista. O mercado financeiro, que havia comemorado a volta da bolsa brasileira acima dos 100 mil pontos, viu novamente o índice ter uma forte queda diária, voltando aos 95 mil. O investidor pessoa física que saiu da renda fixa para a bolsa precisa ter nervos de aço diante da oscilação dos últimos meses. Quem entrou no início do ano está vendo seu patrimônio reduzido. O país está sem horizonte na economia. Não há um plano para sair da crise. Há apenas ruídos ocupando o lugar de decisões de governo que deveriam ter sido tomadas. Como essa sandice criada pelo decreto das UBS.
Para o Banco Central, contudo, tudo está bem. No dia em que a bolsa caiu 4,5% ele escreveu no comunicado de ontem que “a moderação na volatilidade dos ativos financeiros segue resultando em um ambiente relativamente favorável para economias emergentes”. A propósito, uma comparação feita pela economista Fernanda Consorte entre moedas de países emergentes mostra que o real brasileiro é, como ela disse, o patinho feio. Desvalorizou-se 42%, enquanto a média em outras 15 moedas foi de 12%.
O BC fez o que todos esperavam. Manteve os juros em 2%. Mas foi otimista ao descrever o ambiente econômico. No dia em que a França e a Alemanha decretam novo lockdown ele diz que “no cenário externo, a forte retomada em alguns setores produtivos parecem sofrer alguma desaceleração”. Admite que “algumas leituras de inflação foram acima do esperado”, mas disse que as diversas medidas estão “compatíveis com o cumprimento da meta no horizonte relevante”. O Banco Central admite que o risco fiscal é elevado, mas avisa que não pretende subir os juros — “reduzir o grau de estímulo monetário” — desde que “condições sejam satisfeitas”. E o comunicado diz que estão satisfeitas essas condições: a inflação está abaixo da meta, “o regime fiscal não foi alterado”, e “as expectativas de inflação permanecem ancoradas”.
Por falar em regime fiscal inalterado, a cada dia o governo concede uma vantagem para um setor. Ontem foi sancionada lei que prorroga incentivos à indústria automobilística até 2025, dias atrás foi reduzido o imposto do setor de games, e na semana passada virou permanente um benefício para multinacionais de bebidas na Zona Franca. Cada um, isoladamente, pode parecer pouco, mas o caminho devia ser exatamente o oposto.
Merval Pereira: O poder corrompe
Dois casos semelhantes, aqui e nos Estados Unidos, revelam como presidentes autoritários são controlados dentro da democracia por assessores que não perdem a noção da realidade, nem o escrúpulo diante dos absurdos que vêem acontecer nos bastidores do Poder.
O jornal The New York Times revelou ontem, dois anos depois, o autor do artigo anônimo que publicou em setembro de 2018 contra o presidente Donald Trump, numa decisão inédita que causou repercussão à época. É Miles Taylor, ex-chefe de gabinete do Departamento de Segurança Nacional dos EUA quando escreveu o artigo, chamando o presidente de “impetuoso, contraditório, mesquinho e ineficiente”. O autor revelou que fazia parte de uma “resistência silenciosa” a Trump dentro do próprio governo dos EUA.
Também ontem o jornal Correio Brasiliense publicou um artigo do General Rego Barros, ex-porta-voz do Palácio do Planalto que critica o presidente Bolsonaro indiretamente quando afirma, por exemplo, que o poder “inebria, corrompe e destrói”.
Assim como nos Estados Unidos, o anonimato permitiu que um assessor de alto nível criticasse Trump sem se arriscar, aqui não é preciso que o General Rego Barros explicite que fala sobre Bolsonaro, pois ele também fez parte de uma “resistência silenciosa” que tentou dar um rumo ao governo.
Ele usa imagens da Roma Antiga para alertar que os generais, vitoriosos, faziam-se “acompanhar apenas de uma pequena guarda e de escravos cuja missão é sussurrar incessantemente aos seus ouvidos vitoriosos: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal”. Fica claro no texto do General Rego Barros que ele considera perigoso o caminho que Bolsonaro tomou no governo, chegando a usar a imagem de “um governante piromaníaco” para retratar o personagem sobre quem escreve.
“Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião”, escreve o general. Como se referisse à sua experiência no Palácio do Planalto, ele lamenta: “Os assessores leais — escravos modernos — que sussurram os conselhos de humildade e bom senso aos eleitos chegam a ficar roucos. Alguns deixam de ser respeitados. Outros, abandonados ao longo do caminho, feridos pelas intrigas palacianas. O restante, por sobrevivência, assume uma confortável mudez. São esses, seguidores subservientes que não praticam, por interesses pessoais, a discordância leal”.
No inicio do governo, vindo do gabinete do General Villas Boas, o mais importante chefe militar do Exército nos últimos tempos, Rego Barros tinha poderes, tanto que conseguiu que o presidente Bolsonaro recebesse jornalistas em cafés da manhã periódicos. Foi engolido, no entanto, pelas “intrigas palacianas”, assim como aconteceu com o General Santos Cruz, ambos alvos do filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro.
Vários ministros militares vieram do entorno do General Villas Boas, como os Generais Luiz Eduardo Ramos, que gosta de se dizer “do time do Villas-Boas”, e Braga Neto. O desabafo do ex-porta voz representa o pensamento de uma ala militar que se vê cada vez mais desconfortável dentro do Governo, especialmente depois que o Centrão passou a ser o esteio parlamentar do governo.
Escreveu Rego Barros: “É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais”.
O desabafo de Rego Barros tem repercussão dentro do Exército, e espelha o pensamento de um grupo que tem certos pudores e constrangimentos diante de atitudes do presidente. Há um limite - o Rubicão a que se refere o General no seu artigo, que Bolsonaro não poderá atravessar -, e se Bolsonaro não passou dele, está chegando perto.
Indústria tem papel fundamental em inovação, dizem especialistas em webinar
Evento online encerrou programação da recém-lançada revista Política Democrática especial sobre cidades
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O setor de indústria deve assumir protagonismo na inovação no Brasil, que deve ser estimulada por meio de parcerias público-privadas e investimentos em educação. A análise é de especialistas que participaram, na noite desta quarta-feira (29), do quinto e último encontro do ciclo de debates online da programação de lançamento da 55ª edição da revista Política Democrática impressa, que inaugurou sua versão temática com o título A reinvenção das cidades. O evento teve transmissão ao vivo no site e na página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) no Facebook.
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A publicação foi lançada, oficialmente, no dia 30 de setembro, com a realização do primeiro encontro do ciclo de debates online, e colocada à venda na internet com o objetivo de colaborar com as discussões de melhorias das cidades, às vésperas das eleições municipais. Todos os eventos da programação foram mediados pelo sociólogo e diretor da FAP Caetano Araújo e tiveram presença permanente da jornalista Beth Cataldo, da Tema Editorial, que, em parceria com a fundação, coeditou a revista.
Autor do texto Em busca da cidade sustentável e empreendedora, publicado na revista, o doutor em engenharia e diretor executivo da Federação Global de Conselhos de Competitividade (GFCC), Roberto Alvarez, disse que “o Brasil é um país pouco inovador”, considerando métricas internacionais. Segundo ele, dados da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostram que o crescimento econômico de seus países membros é explicado pela inovação.
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No Brasil, desde 2003, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) realiza um trabalho com 75 mil empresas no país, que correspondem a 97,5% do produto da indústria brasileira. “Empresas que inovam e diferenciam produtos crescem mais, exportam mais, são mais lucrativas e geram mais e melhores empregos, que remuneram melhor os trabalhadores e nos quais as pessoas permanecem por mais tempo”, afirmou Alvarez. “Inovação é fundamental para o crescimento econômico”, disse.
De acordo com Alvarez, a baixa conexão do país com o restante do mundo é um problema, considerando a perspectiva de pessoas. Ele observou que a média mundial de imigrantes é de 3,5% em relação ao total da população de cada país. Nos Estados Unidos, 15% dos moradores nasceram fora. No Brasil, estrangeiros representam apenas 0,3% dos habitantes. “Fomos um país de imigrantes. A nossa sociedade hoje oxigena pouco e tem poucas conexões com o mundo, o que representa gargalo muito grande para capacidade de inovar e levar coisas novas para o mundo”, criticou o diretor da GFCC, organização sediada em Washington (EUA) e presente em mais de 30 países.
Mais recursos
O professor André Corrêa d'Almeida, da Universidade de Columbia e conselheiro sênior da Academia de Ciências de Nova Iorque, alertou que o discurso de inovação centrado em tecnologia e dados não ajuda 99% das cidades do mundo por causa da falta de recursos para executar os projetos. Ele escreveu o texto Cidades mais inteligentes no Brasil: teoria e prática, publicado na revista e produzido em parceria com Clara Clemente Langevin.
Autor de Smarter New York City: How City Agencies Innovate, d’Almeida também citou a importância de fortalecer os meios de implementação e revitalizar parceria global para o desenvolvimento sustentável. É o que já prevê o último dos 17 objetivos da Agenda 2030, um plano global proposto pela ONU (Organização das Nações Unidas) e que ainda é formado por 169 metas. “A indústria tem que desempenhar um papel de frente”, sugeriu.
O autor fez um alerta para que a discussão do assunto não fique apenas “no plano das ideias, das visões”. “Na realidade local, dos municípios, não nas grandes empresas, é preciso mapear o que já existe de talento, iniciativa e experimentações para desenvolver agenda de inovação a partir do que já existe”, afirmou d’Almeida. Segundo ele, a falta de autonomia financeira das cidades é outra grande barreira para processos inovadores.
Clara Clemente, que tem MBA em Prática de Desenvolvimento da Columbia University e é especializada em utilizar tecnologias emergentes no setor público, destacou que uma gestão baseada em inovação toma decisões sustentadas em dados. “Para ter uma gestão de cidades inteligentes no Brasil, é importante criar uma rede de partes interessadas para garantir processo holístico e que tenha olhar para toda a sociedade”, enfatizou.
Barreiras políticas
Convidado para debater o assunto com os autores de textos publicados na nova edição da revista Política Democrática, o presidente do Conselho de Administração da FAS (Fundação Amazonas Sustentável), engenheiro civil Benjamin Sicsú, criticou a falta de governança no Brasil em busca de processos inovadores. Segundo ele, barreiras políticas ainda precisam ser superadas para implementá-los, efetivamente.
Sicsu, que também é ex-ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e ex-vice-presidente de novos negócios da Samsung Eletronics para a América Latina, sugeriu mais integração entre instituições para o desenvolvimento de ações inovadoras. “No Brasil, diferente de outras países, o número de pesquisas colaborativas é muito pequeno. Entidades associativas não trabalham de forma que as empresas possam encontrar, em conjunto, soluções para problemas’, lamentou.
Além disso, o engenheiro ressaltou a importância de criação de banco de dados que possam ser compartilhados com a sociedade a fim de estimular processos inovadores. “Precisamos armazenar e difundir informações de coisas boas e de coisas que não deram certo, para outros não repetirem os erros”, afirmou, ressaltando a importância de mais investimentos em educação. “Não teremos inovação com baixíssimo nível educacional. O [baixo] nível de inovação brasileiro só será resolvido com patamar superior de educação”, destacou.
Ficha técnica
Título: A reinvenção das cidades – Revista Política Democrática edição 55
Número de páginas: 282
Projeto gráfico e diagramação: Rosivan Pereira
Revisão textual: Mariana Ribeiro
Preço versão impressa: R$ 45,00
Publicação: Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Tema Editorial
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‘Desenvolvimento econômico não é prioridade de Bolsonaro’, diz José Luis Oreiro
Professor da UnB observa que não há qualquer projeto consistente para a reconstrução da indústria nacional, em artigo na revista Política Democrática Online
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro diz que “o governo Bolsonaro não tem semelhança alguma com o pensamento desenvolvimentista”. “Trata-se de um governo sem rumo ou norte na política econômica cuja agenda de ‘reformas’ tem por objetivo destruir o Estado Brasileiro e sua capacidade de ser agente indutor do processo de desenvolvimento econômico”, afirma, em artigo na revista Política Democrática Online de outubro.
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A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todos os conteúdos, gratuitamente, em seu site. De acordo com Oreiro, as obras de infraestrutura que a ala militar do governo deseja realizar estão centradas na construção de ferrovias para facilitar o escoamento da produção de produtos primários para a exportação, ou seja, irão apenas reforçar o caráter periférico e, portanto, dependente da economia brasileira.
“Não há qualquer projeto minimamente consistente para a reconstrução da indústria nacional, a qual teve sua participação no emprego e no PIB da economia brasileira prematuramente reduzida nos governos tucanos e petistas”, lamenta o professor da UnB. “O tratamento que o atual governo dá a área de ciência e tecnologia mostra, de forma didática, que o desenvolvimento econômico não é prioridade”, critica ele.
O desenvolvimentismo, explica Oreiro, é um sistema de pensamento econômico surgido na América Latina a partir do famoso Manifesto Latino Americano, escrito por Raul Prebish, por ocasião da primeira reunião da CEPAL, em 1949, em Havana. “A ideia fundamental por trás do Manifesto é que a divisão internacional do trabalho entre países exportadores de produtos primários (a periferia) e os países exportadores de produtos manufaturados (o centro) gerava padrão de desenvolvimento desigual entre os países”, explica ele.
Isso porque, segundo o autor do artigo da revista Política Democrática Online, os produtos primários apresentavam tendência secular de queda, revertida apenas temporariamente durante os dois conflitos mundiais, ao passo que os produtos manufaturados mantinham seus preços mais ou menos estáveis ao longo do tempo. “Essa deterioração dos termos de troca impunha restrição externa ao desenvolvimento econômico dos países periféricos, os quais incorriam regularmente em elevado endividamento externo e crise do balanço de pagamentos”, diz o professor.
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Luiz Carlos Azedo: Ideia de jerico
Faltou um memento mori, por exemplo, na hora em que Bolsonaro assinou o decreto autorizando estudos para privatização das unidades básicas de atendimento do SUS
Tem razão o general da reserva Rêgo Barros, ex-porta-voz da Presidência: falta alguém ao lado do presidente Jair Bolsonaro para dizer-lhe no ouvido: “Memento Mori!” — lembra-te que és mortal! A sentença latina intitula o artigo publicado, na terça-feira, pelo Correio Braziliense, com a assinatura do militar. É a mais dura crítica feita ao ex-capitão por um dos generais que apoiaram sua eleição e agora se arrependem. “Os líderes atuais, após alcançarem suas vitórias nos coliseus eleitorais, são tragados pelos comentários babosos dos que o cercam ou pelas demonstrações alucinadas de seguidores de ocasião. É doloroso perceber que os projetos apresentados nas campanhas eleitorais, com vistas a convencer-nos a depositar nosso voto nas urnas eletrônicas, são meras peças publicitárias, talhadas para aquele momento. Valem tanto quanto uma nota de sete reais.”
Rêgo Barros não cita Bolsonaro, mas é a ele que se refere quando alerta que os demais Poderes da República “precisarão, então, blindar-se contra os atos indecorosos, desalinhados dos interesses da sociedade, que advirão como decisões do ‘imperador imortal’. Deverão ser firmes, não recuar diante de pressões. A imprensa, sempre ela, deverá fortalecer-se na ética para o cumprimento de seu papel de informar, esclarecendo à população os pontos de fragilidade e os de potencialidade nos atos do César”. Rêgo Barros foi defenestrado do cargo depois de uma longa queda de braço com o vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República, que dá as cartas na Comunicação Social do Palácio do Planalto.
Seu artigo reflete o pensamento de uma parcela dos altos oficiais das Forças Armadas, principalmente depois da humilhação a que foi submetido o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, desautorizado por Bolsonaro e, depois, constrangido a dar uma declaração, ao lado do chefe, dizendo que Bolsonaro manda e ele obedece. Na semana passada, no Dia do Aviador, durante a solenidade de entrega dos novos caças F-39E Gripen da Aeronáutica, era visível o constrangimento dos generais presentes, inclusive do comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, para quem o cerimonial da Presidência reservou a cadeira mais distante do presidente da República, entre todas as autoridades presentes.
Entretanto, nada disso muda o fato de que Bolsonaro manda e os militares, de fato, obedecem, por dever constitucional. São poucos os militares que se manifestam contra Bolsonaro, a maioria apoia o governo incondicionalmente. Além de abrigar muitos oficiais no governo — estima-se que sejam em torno de sete mil, inclusive, alguns generais da ativa —, Bolsonaro poupou os militares na reforma da Previdência, mantendo o salário integral dos oficiais ao se aposentar, sem idade mínima obrigatória, e a contribuição máxima de 10,5% ao INSS, contra o teto de 11,68% na iniciativa privada.
Atendimento em massa
A propósito, faltou um memento mori, por exemplo, na hora em que Bolsonaro assinou o decreto autorizando a realização de estudos para privatização das unidades básicas do Sistema Único de Saúde (SUS), a cargo dos municípios, para espanto dos sanitaristas, dos prefeitos e da população que utiliza os serviços públicos, a maioria por não ter plano de saúde. A reação foi tão negativa nas redes sociais que Bolsonaro teve de cancelar o decreto, que incluía o sistema de atendimento básico — considerado um dos melhores do mundo — no programa de privatizações e parcerias público-privadas do Ministério da Economia. Como filho feio que não tem pai, ninguém assume a ideia de jerico. O governo divulgou a versão de que a proposta era do Ministério da Saúde. E que seria uma solução para conclusão de 4 mil UBS inacabadas, que já consumiram R$ 1,7 bilhão de recursos do SUS, obras de responsabilidade do governo federal.
Bolsonaro não levou em conta que o SUS atende 190 milhões de brasileiros, contra 46 milhões dos planos de saúde. Antes de sua criação, eram apenas 30 milhões. Produz 7,8 bilhões de medicamentos, sendo 163 milhões de antiretrovirais. Realiza 2 milhões de partos por ano, tem mais de 30 mil equipes de saúde da família e 248 mil agentes comunitários de saúde em 5.393 municípios. Graças a essa estrutura, com todas as suas deficiências, a tragédia da pandemia do novo coronavírus, que já matou 157,8 mil brasileiros, não é maior. Dos 5,4 milhões de infectados — Bolsonaro disputa com o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para ver quem lidera o país com maior número de casos —, 4,9 milhões recuperaram-se e 375,2 mil estão em recuperação. A esmagadora maioria utiliza os serviços do SUS.
William Waack: Bolsonaro decepciona os generais
O desabafo do ex-porta-voz do presidente não é a voz isolada de um fardado
Foi já para lá da metade de 2018 que os altos oficiais das Forças Armadas encantaram-se com a popularidade de alguém que surfava a onda disruptiva, que oferecia a oportunidade de se alterar os rumos do País. Hoje levanta-se a tese se houve mesmo uma alternância entre “esquerda” e “direita” em 2018, pois o que se percebe é a prevalência de um sistema pelo qual os donos do poder descritos já há tantos anos continuam acomodando interesses setoriais e corporativos às custas dos cofres públicos, sem visão de conjunto ou de Nação – tanto faz o nome ou o partido.
Além da bem amarrada ou não agenda econômica proposta por Paulo Guedes, foram os militares formados em academias de primeira linha que trouxeram para Bolsonaro o que se poderia chamar, com boa vontade, de “elementos de planejamento” num governo que, logo de saída, titubeou entre entregar a coordenação dos ministérios para uma ala “política” (enquanto se recusava a praticar a “velha” política) ou depositá-la no que era a esperança dos generais: um dos seus como chefe de “Estado-Maior” (a Casa Civil). Hoje se constata que era o primeiro sinal inequívoco do que acabou virando a marca do governo: sem eixo, sem saber como adequar os meios aos fins (supondo que “mudar o Brasil” seja o objetivo final) num espaço de tempo definido (um mandato? Dois mandatos?). Portanto, sem estratégia.
Os militares de alta patente no governo carregaram consigo uma aura de respeito e credibilidade e, em alguns ministérios, de eficiência e competência, mas não estão usufruindo disso. Ao contrário, a reputação deles como grupo está sendo moída em casos como o da Saúde, área na qual o presidente interfere como se entendesse alguma coisa disso, e da Amazônia, com um “governo do B” entregue a quem conhece a área (o general Hamilton Mourão) enquanto o enciumado Bolsonaro deixa que Meio Ambiente e Relações Exteriores pratiquem o “fogo amigo”.
Dois fatores políticos levaram os militares à “confortável mudez” à qual se refere o ex-porta-voz do governo, general Rêgo Barros, na destruidora descrição que fez do esfarelamento da autoridade dos militares num governo que eles nunca controlaram. É “subserviência”, diz o ex-porta-voz, que impede a prática da “discordância leal” (coisa de fato complicada para quem cresceu em hierarquias). O primeiro fator político era a consolidada noção de que governar o Brasil se tornara impossível por culpa de outros Poderes, como Legislativo e Judiciário. Caberia ao grupo militar “defender” o Executivo.
O segundo componente político é mais amplo e difuso. Tem a ver com 2018 e o medo do esgarçamento do tecido social. Os militares “compraram” em boa medida o mantra repetido por Bolsonaro, segundo o qual “as esquerdas”, sorrateiramente postadas atrás da esquina, só estão esperando maus resultados econômicos, crise ainda maior de saúde pública e aumento de criminalidade para promover a baderna que colocará de joelhos o governo e, portanto, o projeto de “mudar o Brasil”. Fugiria tudo ao controle.
Ironicamente, Bolsonaro acabou encontrando seu porto seguro não tanto nos militares, de cuja coesão e capacidade de articulação desconfia (como desconfia de tudo ao redor). O presidente acomodou-se no conforto do Centrão e na capilaridade que esse conjunto de correntes políticas, desde sempre empenhadas em controlar o cofre e a máquina pública, exibe em todas as instâncias decisivas no Legislativo e também do Judiciário, onde acaba de ser colocado no topo um ministro para o Centrão chamar de seu.
“Jair preocupou-se mais com seus filhos e reeleição do que com o País”, queixou-se, confidencialmente, um dos militares que chamam o presidente pelo primeiro nome. O desabafo do general Rêgo Barros não é simplesmente o de um indivíduo decepcionado. É de um grupo desarticulado.
*JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN