Day: outubro 24, 2020
Marcus Pestana: Mais foco e menos confusão
O grande apresentador da TV brasileira, Abelardo Barbosa, o Chacrinha, em seu estilo único e inconfundível anarco-pré-tropicalista, cunhou duas frases lapidares que nos servem neste grave momento de angústia e dúvidas: “Quem não se comunica, se trumbica” e “Eu não vim para explicar, mas para confundir”. Afinal, já são mais de 155 mil vidas brasileiras roubadas pela COVID-19 e a guerra ainda não acabou. No entanto, quando olhamos para o horizonte não vemos comunicação e rumo claros.
Não só a sociedade, mas também o governo e as lideranças políticas e sociais produzem desinformação. E como orientava Chacrinha, isto é fatal.
Confesso que mesmo com toda a minha experiência de 38 anos, como político e gestor público, fico estupefato com a leitura dos jornais. Por vezes sinto que estou vivenciando um misto de teatro do absurdo, filme de terror e seriado dos três patetas. É inacreditável que diante de uma crise sanitária, econômica e social gravíssima, tenhamos tal descolamento da realidade.
Contraí a COVID. Foram quatorze dias de convivência com o vírus, terminados ontem. Este vírus é traiçoeiro. Não há um padrão. Cada pessoa manifesta os sintomas e sofre as consequências de um jeito único. Baixei na UTI. Lá fiquei três dias e li o livro do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, “Um paciente chamado Brasil” (Objetiva). E enxerguei ali a dificuldade de alguém de bem, com as melhores intenções, apoiador de Bolsonaro desde o primeiro turno, querendo apenas acertar na política de combate à pandemia, para impor o mínimo de compromisso com as evidências, a ciência, a realidade, a experiência internacional e as limitações operacionais. Como às vezes a má política e a miopia ideológica podem ser nocivas ao interesse real das pessoas e do país?
Muitas pessoas não entenderam que o isolamento social e as medidas preventivas não eram para derrotar o vírus. A vitória só virá com a vacinação em massa. O período de lockdown tinha dois objetivos: estudar o vírus e preparar a retaguarda hospitalar e o sistema de saúde. Tivemos relativo êxito. Mas o despenho do Brasil e dos EUA, pra citar dois ambientes de negacionismo, são proporcionalmente muito piores do que no restante do mundo. Não há argumentação política ou ideológica possível que justifique que o Brasil tenha 2,7% da população mundial e 14% das mortes por COVID. Alguma coisa deu errado. Qual não foi a minha surpresa ao ler o noticiário da semana e ver a inútil, nociva e desqualificada discussão sobre a vacinação contra a COVID-19. Vamos pedir passaporte à vacina?
O vírus que está matando o Brasil é a falta de tolerância e diálogo. Termino com o gesto maior de dois ex-presidentes do Uruguai, que deveria servir de inspiração para o Brasil, o conservador colorado Julio Maria Sanguinetti e o líder de esquerda, José Mujica, que renunciaram ao Senado conjuntamente. Cito o trecho do discurso de Mujica:
“No meu jardim, há décadas, não cultivo o ódio. Aprendi uma dura lição que a vida me impôs. O ódio acaba deixando as pessoas estúpidas. Passei por tudo nessa vida, fiquei seis meses atado por um arame, com as mãos nas costas. Fiquei dois anos sem ser levado para tomar banho e tive que me banhar com um copo. Já passei por tudo, mas não tenho ódio de ninguém”.
Que o Brasil seja mais Mujica e menos ódio!
*Marcus Pestana, ex-deputado federal (PSDB-MG)
Adriana Fernandes: Coragem para cortar
Há quatro anos, o corte de renúncias fiscais vai e volta do debate econômico, absolutamente sem sucesso
O corte linear das renúncias fiscais concedidas pelo governo voltou à mesa na discussão das medidas de ajuste fiscal para 2021. Com o pouco tempo até o final do ano para decisões difíceis e impopulares, não se fala mais em mexer em apenas um ou outro grupo de isenções e benefícios tributários, mas passar a tesoura em todas elas ao mesmo tempo e na mesma proporção: algo em torno de 12% a 15%.
O alvo passou a ser todas as renúncias para engordar os cofres da União e abrir espaço para novas despesas sem piorar o déficit público. Essa medida se somaria também à discussão de corte das emendas parlamentares e outras ações do lado das despesas para o financiamento do novo programa de transferência de renda aos mais pobres e de investimentos. Frentes de dificílima execução.
O diagnóstico político é que dessa forma é mais fácil vencer as resistências daqueles setores, empresas e pessoas físicas que vão perder com a retirada dos benefícios e incentivos. Um movimento mais rápido e palatável para angariar apoio no Congresso.
Ainda que esteja no topo da agenda econômica do momento, é complicado colocar na conta como uma medida que tem chances reais de avançar em tão pouco tempo. Será preciso um esforço concentrado de convencimento das lideranças. Com a crise da pandemia, ninguém quer ver ser a sua carga tributária aumentar.
Há pelo menos quatro anos, o corte de renúncias vai e volta do debate econômico de Brasília, absolutamente sem sucesso. Tem sido quase um mantra o discurso de autoridades, políticos e economistas de que é preciso reduzir renúncias, pois o País não aguenta mais bancar patamar tão elevado, de 4% do PIB, de perda de arrecadação.
Nos últimos anos, para cada tentativa de aumento de gastos, o tema ressurge como medida compensatória. Mas na hora H não anda. Essa defesa tem sido muito mais da boca para fora.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 prometia um avanço: o envio de medidas para o atingimento da meta de reduzir os benefícios tributários para 2% do PIB em 10 anos. Nada aconteceu. Pelo contrário, apenas uma lista foi enviada ao Congresso sob sigilo e sem nenhum efeito prático.
Os Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, que propuseram cortes de renúncias para diminuir o déficit em 2021, estão enfrentando fortes resistências. É tão difícil mexer nesse vespeiro que a menção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o Simples precisa ser revisto que a acendeu a luz vermelha das micro e pequenas para o risco. É que a desoneração das empresas pelo regime tributário diferenciado é incluído no cálculo da Receita como renúncia, uma briga antiga do Sebrae com o Fisco. Se a tesoura for linear, o Simples também será atingido num momento em que as micro e pequenas empresas alegam grandes perdas com a pandemia.
Para atropelar o debate, o presidente Jair Bolsonaro acabou de assinar um decreto tornando permanente em 8% o benefício fiscal a concentrados de refrigerante produzidos na Zona Franca de Manaus e que favorece grandes fabricantes, como a Coca-Cola e Ambev.
A redução do benefício havia sido adotada no governo Temer para compensar perdas de arrecadação com medidas voltadas para atender os caminhoneiros, que pararam o País. Foi a única medida de corte de renúncias. Agora, o benefício volta de forma permanente (embora não no mesmo patamar da época que foi reduzido) justamente quando se discute a revisão das renúncias. É mais uma decisão do presidente contrária ao ajuste fiscal.
Um olhar rápido sobre as grandes renúncias em 2021 dá a dimensão da encrenca. A lisa é longo e chata, mas a coluna faz questão de descrevê-la para mostrar a realidade: Simples (R$ 74,3 bilhões); rendimentos isentos e não tributáveis do IRPF (R$ 33,5 bilhões); agricultura e agroindústria (R$ 32,6 bilhões); entidades sem fins lucrativos e imunes (R$ 29,2 bilhões); Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio (R$ 24,2 bilhões); deduções do IRPF (R$ 22,1 bilhões); medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos (R$ 14,4 bilhões), benefícios do trabalhador (R$ 14,3 bilhões); desenvolvimento regional (R$ 11,8 bilhões); poupança e títulos de crédito - setor imobiliário e do agronegócio (R$ 6,8 bilhões); setor automotivo (R$ 5,9 bilhões); e embarcações e aeronaves (R$ 4,5 bilhões). São números fresquinhos que constam na proposta de orçamento de 2021.
Quem vai ter coragem de cortar? Essa guerra será feroz.
José Márcio Camargo: A pandemia e o mercado de trabalho
Medidas direcionadas a gerar empregos no setor de serviços são fundamentais neste momento
O efeito da pandemia sobre o mercado de trabalho brasileiro foi devastador. Ainda que o País não tenha adotado lockdowns tão restritivos quanto em outras regiões, como França, Itália, Espanha e alguns Estados americanos, entre outros, os efeitos sobre a atividade, a ocupação e a renda da população foram extremamente negativos. O Produto Interno Bruto (PIB) da economia brasileira caiu 11,4% no segundo trimestre de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, e o nível de ocupação mostrou queda de mais de 10% entre março e abril (12 milhões de trabalhadores ficaram desocupados).
Os trabalhadores menos educados, os mais jovens e os informais foram os que tiveram maior perda. Dos 12 milhões de novos desocupados, 8 milhões (70%) eram informais e 4 milhões (40%), formais. Entre os mais jovens (14 a 17 anos) a redução no número de ocupados no segundo trimestre de 2020 em relação ao segundo trimestre de 2019 foi de 35,2%, enquanto para os trabalhadores com idade acima de 40 anos a queda foi de 5,5%. Trabalhadores com ensino superior completo ou incompleto tiveram aumento de 2% na ocupação no segundo trimestre de 2020, em comparação com o mesmo trimestre de 2019, enquanto a queda da ocupação dos trabalhadores sem instrução ou com fundamental incompleto atingiu 21,7%.
Com a diminuição do isolamento social, os primeiros sinais de recuperação da atividade começaram a aparecer já em junho. Agropecuária, indústria, construção civil e o comércio mostram forte crescimento da atividade e da geração de postos de trabalho formais. Na agropecuária, após dois meses de queda da ocupação formal, totalizando 12 mil demissões líquidas, foram gerados 86 mil postos de trabalho formais. No setor industrial, após terem sido destruídos 300 mil empregos formais, foram gerados em julho e agosto 150 mil empregos formais. Na construção civil, a redução de 120 mil postos de trabalho já foi compensada entre junho e agosto, e no comércio, dos 400 mil postos de trabalho destruídos, já foram repostos 90 mil postos.
Entretanto, o setor de serviços, que é o maior gerador de postos de trabalho, principalmente para os trabalhadores jovens, informais e menos qualificados, continua bastante defasado. Depois de destruir 600 mil postos de trabalho formais, somente em agosto o setor retomou a trajetória positiva, tendo gerado 45 mil postos de trabalho. Estes dados sugerem que medidas direcionadas a gerar postos de trabalho no setor de serviços são fundamentais.
O setor de serviços no Brasil é um setor que tem uma tecnologia flexível, de baixa produtividade, com uma porcentagem relativamente grande de trabalhadores informais, pouco qualificados e jovens – exatamente os grupos que mais sofreram com a queda da atividade na pandemia. Em razão do baixo valor da produtividade do trabalho neste setor, comparado ao valor do salário mínimo, uma grande parte dos trabalhadores não tem carteira assinada ou são trabalhadores por conta própria sem CNPJ.
Neste contexto, medidas que reduzam ou que evitem um aumento do custo de contratação destes trabalhadores, como não aumentar o salário mínimo até que o mercado de trabalho se estabilize e desonerar a folha de salários, seriam muito efetivas, não apenas para aumentar a ocupação, mas também para reduzir a informalidade.
É, também, importante simplificar as normas trabalhistas e evitar criar instituições que enrijecem o mercado de trabalho. Em especial, seriam particularmente negativas medidas que têm por objetivo regular formalmente fatores subjetivos do trabalho não presencial, como a jornada de trabalho e tratar acidentes domésticos como se fossem acidentes de trabalho, e criar regulações que tornem mais cara ou mais difícil a intermediação de mão de obra via aplicativos. Aumentar o custo de contratação e tornar o mercado mais rígido, ainda que o objetivo seja proteger os trabalhadores, vai apenas mantê-los desocupados.
*Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista-chefe da Genial Investimentos
Sérgio Augusto: Tempos ásperos
Vargas Llosa candidata-se a ser, com todas as honras, o Balzac das ditaduras cucarachas
Saudei aqui, em 2006, a eleição de Evo Morales, a grande esperança chola de um país que, até então, sofrera cerca de 200 golpes de Estado em 175 anos de história. Cholos são os índios aculturados da Bolívia. Morales não os decepcionou: a desigualdade social diminuiu bastante, o PIB subiu de forma surpreendente. Muitos criollos (brancos descendentes de colonos europeus), donos seculares daquelas terras e riquezas, desdobraram-se na manutenção de seus privilégios e do recorde golpista boliviano, fazendo Morales pagar bem caro pela teimosia de um mandato a mais – o quarto.
Se antigamente os gringos cobiçavam a prata e, depois, o gás dos bolivianos, agora em jogo também figuram as maiores reservas de lítio do mundo. Combustível básico das baterias de celulares e dos carros elétricos, o lítio virou o pré-sal da Bolívia.
Poucos meses atrás, quando começou a balançar o coreto da direita (Áñez, Camacho e Mesa) que tomou conta do poder após derrubar Morales, o fundador da fábrica de carros elétricos Tesla Motors, Elon Musk, temeroso de perder a mamata do lítio, ameaçou, ele próprio, uma nova virada de (sem trocadilho) mesa. “Vamos dar um golpe em quem quisermos!”, fanfarronou o empresário. Ridículo. Musk foi um dos mais gozados pela lídima vitória eleitoral do candidato de Morales, Luis Arce, no último fim de semana.
Minha recolhida celebração da segunda “vitória chola” coincidiu com a leitura do novo romance de Mario Vargas Llosa, Tempos Ásperos, traduzido pela Alfaguara. A rigor, só mudei de país: da Bolívia para a Guatemala, ambos com majoritária população indígena e passado, presente e vilões similares. Vilões adventícios e autóctones, de ternos e fardados, com e sem armas de fogo. Nas repúblicas bananeiras da América Latina, férteis em bananas e outras riquezas vegetais e minerais, as palavras golpe e militar são como irmãos siameses, inseparáveis.
(Sempre que algo palpitante rende manchetes à Guatemala, eu me lembro de uma hilariante chamada do telejornal que o comediante Chevy Chase apresentava no humorístico Saturday Night Live, nos anos 1970: “Um terremoto de grande intensidade atingiu ontem a Guatemala, matando 350 ditadores militares”).
O romance de Vargas Llosa conta a história de um deles, o tenente-coronel Carlos Castillo Armas que, em 1954, à frente de um exército de mercenários financiado pela CIA, tirou da presidência da Guatemala o coronel Jacobo Árbenz Guzmán, eleito democraticamente em 1950. Começava ali a longa cruzada golpista dos EUA ao sul do Rio Grande, alimentada pela Guerra Fria e arquitetada pelos sinistros irmãos John Foster e Allan Dulles, respectivamente secretário de Estado e diretor da CIA do governo Eisenhower, dois falcões obcecados com a União Soviética e o “avanço do comunismo” mundo afora. Pelos estragos que causaram, esses dois mereciam um círculo especial no Inferno de Dante.
Tempos Ásperos é, de certo modo, uma complementação de A Festa do Bode, que o escritor peruano escreveu sobre o ditador dominicano Rafael Trujillo, 20 anos atrás. Vargas Llosa candidata-se a ser, com todas as honras, o Balzac das ditaduras cucarachas.
Déspotas fardados é o que não falta na história do continente; todos “cavernícolas fanáticos” do anticomunismo, quase todos irremediavelmente corruptos e ocasionalmente assassinados. Trujillo, por sinal, aparece no livro, assim como outro assassinado, Anastasio Somoza, que permitiu o treinamento dos mercenários da Castillo Armas na Nicarágua, pois a invasão foi uma operação consorciada pelos tiranetes da região subservientes aos interesses econômicos, ideológicos e geopolíticos dos EUA.
Árbenz Guzmán era um militar honesto, reservado, caladão (daí o apelido de “Mudo”), apenas interessado em aclimatar ao país uma democracia moderna à americana, com imprensa e eleições livres e concretizar uma eficiente reforma agrária, também os anseios de seu antecessor, o educador Juan José Arévalo, de quem Guzmán foi ministro da Defesa.
O coronel legalista enfrentou mais de trinta tentativas de golpe contra Arévalo, demonizado, sem pudor nem fundamento, como títere do comunismo soviético. Essa mesma aleivosia seria lançada contra Guzmán pela máquina de mentiras e meias-verdades manipulada da CIA e disseminadas na imprensa amiga pelo embaixador americano na Guatemala, John Peufiroy, que não ganhara o apelido de “açougueiro da Grécia” por eventuais obras beneficentes em Atenas, seu posto anterior.
Em janeiro de 1954, Peufiroy insinuou à revista Time que o comunismo avançava célere na Guatemala. No mês seguinte, falsas armas soviéticas “destinadas à Guatemala” apareceram, misteriosamente, na Nicarágua. Tais patranhas eram as fake news da época, inventadas e orquestradas por um ancestral de Steve Bannon chamado Edward Bernays.
Pioneiro da propaganda e do serviço de relações públicas, Bernays era o braço direito do magnata das bananas Samuel Zemurray, dono da United Fruit, que, embora tivesse conseguido do governo guatemalteco um bom preço pela compra de parte do seu gigantesco latifúndio, não abriu mão do golpe.
Em 18 de julho, Guzmán foi derrubado e exilou-se no México, onde viveu até morrer, em 1971. O traiçoeiro coronel Castillo Armas, “figura apagada que passou pela Escola Militar sem glória nem brilho”, enterrou o país, mas não chegou ao fim de sua ditadura, interrompida em 1957 quando um guarda da presidência o despachou para os quintos do inferno.
*É jornalista e escritor, autor de ‘Esse mundo é um pandeiro’
Demétrio Magnoli: Mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita
Estrutura gramatical do QAnon recupera e atualiza a narrativa dos Protocolos dos Sábios do Sião
Na sua reta final, a campanha de Donald Trump à reeleição entrelaça-se ao culto online QAnon. O fenômeno inscreve-se numa longa história e descortina as tendências evolutivas do discurso da extrema direta, nos EUA e mundo afora.
O QAnon nasceu como narrativa conspiratória singular. Segundo ela, o Partido Democrata americano é o núcleo de um complô de líderes pedófilos que organiza o sequestro de crianças para escravizá-las a redes de exploração sexual. Sob o comando de figuras como Joe Biden, Hillary Clinton e Barack Obama, operam Angela Merkel, Emmanuel Macron, Xi Jinping e outros “globalistas” engajados no negócio diabólico da pedofilia. Nessa moldura, Trump ocuparia o papel de salvador providencial das famílias, o derradeiro escudo protetor da cristandade ameaçada.
O mito da conspiração mundial sempre andou junto com a extrema direita. A estrutura gramatical do QAnon recupera e atualiza a narrativa dos Protocolos dos Sábios do Sião, fabricada pela polícia secreta da Rússia czarista para impulsionar o antissemitismo. Os Protocolos contam a história de um complô multissecular dos judeus destinado a assumir o controle dos bancos, das escolas e dos veículos de comunicação, o que propiciaria a conquista dos poderes estatais. A lenda, inventada em 1903, fez seu caminho até o movimento nazista e, mais tarde, foi adotada pelos negacionistas do Holocausto.
Nos Protocolos, os judeus encarnam o cosmopolitismo, o liberalismo, o agnosticismo e a depravação. O QAnon simplesmente substitui os judeus pelos “globalistas”. Os judeus dos Protocolos imolariam crianças para extrair o sangue usado no cozimento do matzá da Páscoa; os “globalistas” sacrificariam crianças puras nas engrenagens da luxúria.
A novidade está na plasticidade do QAnon —isto é, na sua natureza agregadora. Ao longo de poucos anos, o mito original foi incorporando outras lendas difundidas no ciberespaço. Obama não nasceu nos EUA e é um muçulmano disfarçado como cristão. Osama Bin Laden não morreu, mas foi escondido pelo governo americano. A Terra esférica é uma mentira carimbada pela Nasa. O coronavírus foi produzido num laboratório chinês e exportado ao Ocidente com a cumplicidade dos “globalistas”, que querem destruir as economias e submeter as nações a perversas instituições multilaterais. A “vacina chinesa” é um vetor de controle biológico dos indivíduos.
Acostumados a um universo extremo de fantasias, os seguidores do QAnon tendem a assimilar as sub-teorias conspirativas adventícias. Já os crentes dessas sub-teorias nem sempre compram o complô dos pedófilos, mas não se importam em consumir seletivamente as teses delirantes que circulam nas mesmas praças discursivas.
A lenda mais recente está adaptada à hipótese realista do fracasso de Trump na disputa pela Casa Branca —e é proclamada pelo próprio presidente americano. O resultado adverso decorreria de vasta fraude eleitoral e anunciaria uma ofensiva avassaladora do “Estado profundo”, por meio de uma “revolução colorida” que confiscaria as armas e as liberdades dos cidadãos.
Como qualquer discurso conspiratório que se preze, o QAnon triunfa nos dois cenários. Se Trump perder, a profecia cataclísmica realizou-se, impondo uma resistência ilimitada contra o governo dos pedófilos. Se, no fim das contas, Trump vencer, a exposição do maligno complô evitou o pior, provando a necessidade de uma guerra inclemente diante do ardiloso inimigo.
Há outra distinção relevante. No tempo dos Protocolos, a narrativa da conspiração movia-se exclusivamente de cima para baixo, ou seja, das lideranças políticas rumo ao grande público. Hoje, na era das redes sociais, ela transita nas duas direções, que se retroalimentam. Engana-se quem pensa que a “guerra da vacina” é, apenas, uma expressão da rivalidade eleitoral de Jair Bolsonaro com João Doria.
*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.
Alvaro Costa e Silva: Os bons brasileiros
Nos quase dois anos de Bolsonaro em Brasília, o Rio teve plenos poderes para cumprir seu ideal: transformar-se no paraíso da milícia
Bolsonaro é um produto carioca. Como o sacolé da favela ou o biscoito Globo, tem gente que adora e gente que detesta. Mas sua origem —origem política— é indiscutível. Como também sua projeção nacional a partir do Rio: vereador em 1989; 30 anos como deputado federal defendendo a caserna; presidente. Em todo esse tempo ele foi se acariocando, até virar um legítimo morador da Barra. Registre-se, contudo, que não perdeu de todo o sotaque interiorano de São Paulo, onde nasceu.
Nos quase dois anos de Bolsonaro em Brasília, o Rio teve plenos poderes para cumprir seu ideal: tornar-se terra de miliciano. Sede do poder no Brasil Colônia, Vice-Reino, Império e República, a cidade hoje tem dois milhões de moradores e mais da metade de seu território sob o domínio de grupos paramilitares.
Um assunto com o qual o presidente tem intimidade é milícia. Muito mais do que com vacina. Em entrevistas, ele já sugeriu sua legalização. Na Câmara, elogiou seus integrantes, entre os quais o PM Adriano da Nóbrega, que comandava o Escritório do Crime em Rio das Pedras e foi morto na Bahia --seus 13 celulares até agora continuam mudos. Flávio, o filho 01, condecorou policiais que tinham ligação com o terror armado.
Velho amigo do Queiroz e vizinho de um acusado de matar Marielle Franco, Bolsonaro, mais do que ninguém, tem conhecimento do que se passa no Rio. A pergunta a ser feita é se ele se importa. Deu alguma ordem ao ministro da Justiça? Ou André Mendonça só ocupa a pasta para invocar a Lei de Segurança Nacional contra jornalistas e cartunistas?
Com a desculpa de que eram "maus brasileiros", o general Heleno mandou a Abin monitorar participantes da conferência climática da ONU realizada na Espanha. O governo poderia agir com a mesma inteligência no combate a milicianos que atuam dentro do país. Mas estes devem ser bons brasileiros.
Cristina Serra: Bolsonaro é a epidemia
O Capitão Cloroquina fez o que pôde para ajudar o vírus
O ano está quase no fim e me pergunto: como resumiria este 2020, que mudou nossas vidas para sempre? As covas coletivas abertas por escavadeiras encerram numa única imagem a nossa desventura. Mais de 155 mil mortos.
Não precisava ser assim. Mas o capitão cloroquina fez o que pôde para ajudar o vírus. Sabotou a quarentena, promoveu aglomerações, boicotou as máscaras e distribuiu perdigotos. Demitiu ministros, não testou o suficiente, menosprezou a ciência. Como continua fazendo, ao questionar a qualidade de uma vacina e estimular um surreal movimento contrário à imunização.
Mais de um século nos separam do episódio que ficou conhecido como a Revolta da Vacina. Em novembro de 1904, um motim popular explodiu no Rio de Janeiro em rejeição à obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. Houve mortos, feridos e prisões. O contexto era de protestos contra uma reforma urbana e sanitária imposta a ferro e fogo.
Entre a sublevação de 1904 e hoje, o Brasil construiu sólida reputação no combate a doenças infecciosas, com as mentes brilhantes de Oswaldo Cruz, Carlos e Evandro Chagas, Vital Brazil e Adolfo Lutz, para citar só alguns. O Programa Nacional de Imunizações tornou-se patrimônio nacional. Criado nos anos 1970, fortaleceu-se com o SUS, universalizou a vacinação e erradicou doenças.
Pouco importa se Bolsonaro ataca a vacina de origem chinesa por vassalagem a Trump ou cálculo eleitoral contra um adversário político, no caso, Doria. Muito mais grave é saber que a confusão e o descrédito que tenta lançar contra a imunização se inscrevem num ataque amplo e ininterrupto contra a ciência e o conhecimento que salvam vidas.
O mundo inteiro espera a vacina, seja qual for sua procedência, porque é a única maneira de voltarmos a viver em algum nível de normalidade. Em sua parvoíce profundamente entranhada e da qual se orgulha, Bolsonaro tornou-se um agente da infecção, um parceiro do vírus. Tornou-se, ele próprio, a epidemia.
Hélio Schwartsman: E quando a ordem é absurda?
Civis ou militares, estamos todos obrigados a avaliar a moralidade de nossas ações
Em junho, o presidente Jair Bolsonaro proclamou que as Forças Armadas não cumprem ordens absurdas. Penso que ele tem razão. O direito internacional também. Pelo menos desde os Julgamentos de Nuremberg, ficou estabelecido que a obediência a ordens de superiores não isenta o agente de responsabilidade penal por suas ações.
Assim, se o tenente manda e o soldado atira na nuca do suspeito rendido, ambos cometem homicídio qualificado. Se o presidente manda e o ministro some com a papelada incriminadora, os dois infringem a lei. Estar abaixo na hierarquia pode no máximo ser considerado circunstância atenuante.
Não há escapatória, civis ou militares, estamos todos obrigados a avaliar o tempo todo a moralidade de nossas ações.
Diante disso, o general Eduardo "um Manda e o Outro Obedece" Pazuello, ministro da Saúde, pode ficar em maus lençóis. O militar, ainda nos quadros da ativa do Exército, acatou determinação do presidente de encerrar colaboração com o Instituto Butantan para a aquisição de uma vacina chinesa contra a Covid, a Coronavac. Foi uma ordem absurda?
A questão é traiçoeira. Não penso que governos precisem fazer compras antecipadas de um imunizante que ninguém sabe se vai funcionar. O terreno é suficientemente incerto para não gerar obrigações. Mas é importante atentar para o fato de que a administração Bolsonaro já firmara um acordo desses para obter a vacina da Universidade de Oxford.
O presidente até pode sustentar que o acerto deve valer num caso e não no outro, mas precisaria oferecer uma justificativa racional para isso. Sem essa justificativa, que não apareceu, a ordem se torna de fato absurda, o que daria a Pazuello, seja como ministro, seja como militar, o direito de desobedecê-la.
Ordens absurdas até podem ser executadas, mas só se forem inócuas o suficiente para não causar danos. Caso contrário, o executor se torna coautor.
Míriam Leitão: O racismo persistente
Quando o assunto é racismo, o Brasil sempre volta à quadra um. É preciso recomeçar de conceitos que já deveriam estar absorvidos. No debate das cotas, parecia ter havido avanço no entendimento desse problema complexo e fundador do país. Se o Brasil não vencer a discriminação que pesa sobre pretos e pardos, se não houver política de inclusão, se as empresas não abrirem suas portas, é o país que fracassará. Jamais foi um problema de um grupo de brasileiros, é de toda a nação brasileira.
O debate do fim dos anos 90 e começo dos anos 2000 sobre a inclusão de estudantes pretos e pobres foi intenso e terminou com a confirmação pelo STF de que cotas raciais nas universidades federais eram constitucionais. Eu, neste espaço, defendi a adoção das cotas. Houve uma avalanche de argumentos contrários. Seria a derrota da meritocracia, seria melhor investir na educação básica, iria “criar” o racismo reverso, geraria conflitos entre os estudantes, iria nivelar por baixo a qualidade acadêmica. Nada disso.
É evidente que é preciso melhorar a educação brasileira, ninguém defende o contrário. As cotas permitiram ao país dar um passo numa longa caminhada para encontrar a si mesmo. Somos um país profundamente preto, do ponto de vista cultural e étnico. O racismo fere a natureza do país. Que julgamento de mérito pode ser feito entre um jovem de classe média que frequentou bons colégios, pré-vestibulares e cursos de inglês, e um jovem da periferia que fez seu caminho para a escola se desviando das balas? Serão julgados pela mesma régua? O jovem pobre e negro que sobreviveu para chegar na porta da universidade tem resiliência, hoje uma das habilidades mais valiosas na visão dos educadores. A convivência de diferentes entre si fez bem a todos. As universidades puderam dar aos alunos uma ampliação da visão das várias realidades do país e entregar ao mercado de trabalho jovens qualificados e com experiências diversas.
Na impactante entrevista que concedeu a Ronaldo Lemos, no evento Cidadão Global, do “Valor” e Santander, a atriz Viola Davis explicou o drama que leva tantos a morrer sem que possam realizar suas possibilidades. “Se não há oportunidade, você é invisível. Vou dizer de novo, se não há oportunidade, ou acesso a oportunidades, você é invisível. Não importa o quanto você trabalha, o quanto você é talentoso, você é invisível se não houver um veículo para literalmente demonstrar o seu talento, sua inteligência e o seu potencial.”
O que o Brasil tem que discutir sinceramente é como construiu uma sociedade com essa hegemonia de brancos em posições de poder, em todas as áreas, tendo mais da metade da população de não brancos. Com quantas desculpas esfarrapadas mantemos o muro que nos divide, nos apequena e mata tantos talentos antes que eles possam desabrochar?
Nessa vasta distopia que nos atrasa neste momento, em que os valores do respeito à diversidade são ofendidos até por quem ocupa o órgão do governo criado para promovê-los, há pelo menos uma boa notícia. Algumas empresas começam a avançar. Entenderam que um jovem discriminado não se sente nem autorizado a aparecer numa seleção de pessoas para posições de liderança de uma empresa. Há um código não escrito marcando as fronteiras que ele ou ela não deveriam atravessar. Este é um país fundado na mão de obra escravizada, indígena e africana. Superar esse passado é tarefa de todos.
Quando o Magazine Luiza tomou a decisão de abrir uma seleção exclusiva para negros provocou uma reação em que as velhas teses reapareceram. E o debate foi retomado como se não tivesse acontecido há quase duas décadas.
O Brasil muda muito devagar. A banqueira Cristina Junqueira, do Nubank, repetiu os argumentos de sempre. “Não consigo contratar executivos negros.” E ofendeu como sempre. “Não pode nivelar por baixo.” Depois ela pediu desculpas. Tomara que reflita sobre esse episódio. Em outra frase infeliz que revela preconceito classista, o banqueiro Guilherme Benchimol, da XP, disse em maio que o Brasil estava bem. “O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média, a classe média alta. O desafio é que o Brasil é um país com muita comunidade, muita favela, o que acaba dificultando o processo todo.” Cristina e Guilherme são o que há de novo no mundo do capital. E ainda não entenderam o Brasil.
Ascânio Seleme: Bolsonaro é o grande perdedor das eleições municipais
Dedo de ouro das eleições de 2018 aparentemente virou um dedo podre, pelo menos até aqui
Você pode dizer que ainda é cedo para se fazer projeções, e eu devo concordar. Mas não dá para espiar o desenvolvimento das campanhas municipais sem se constatar o óbvio. Até aqui, o grande derrotado é Jair Bolsonaro. Seu dedo de ouro das eleições de 2018 aparentemente virou um dedo podre. Para onde ele aponta, é dali mesmo que não sai nada. As pesquisas não deixam margem para dúvida. Segundo o Datafolha de quinta passada, Bolsonaro perde em São Paulo, com Russomanno, no Rio, com Crivella, e em Belo Horizonte, com Engler. Os três mereceram o apoio explícito do capitão.
Em BH, o candidato bolsonarista tem apenas 3% das intenções de voto. Está certo que lá o prefeito deve ser reeleito no primeiro turno, mas mesmo assim, onde anda a pujança do presidente? O nome apoiado por ele rasteja por migalhas eleitorais. No Rio, o malfadado bispo Crivella corre sério risco de não ir para o segundo turno. Se os cariocas respiram aliviados com a boa nova, os três zeros do presidente tentam entender por que a coisa vai tão mal na cidade que deveria lhes pertencer. E em São Paulo, Russomanno derrete sob a luz do sol. Se continuar nesse ritmo, também perde a vaga no segundo turno.
Curioso é que os candidatos apoiados por Bolsonaro podem ser passados para trás por adversários de partidos de esquerda, ou de centro-esquerda. No Rio, a delegada Martha Rocha, do PDT, já empatou com Crivella, com uma curva de intenções de votos em ascendência contra a descendente do bispo. Em São Paulo, o quadro não é menos dramático. Em um mês, Guilherme Boulos, do PSOL, subiu de 9% para 14%, enquanto o candidato do capitão despencou de 29% para 20%. E faltam ainda três semanas para o primeiro turno. Bruno Covas (PSDB) lidera com 23%.
Em apenas três capitais candidatos claramente bolsonaristas estão à frente nas pesquisas. Em Fortaleza, o capitão Wagner, do PROS, tinha entre os dias 12 e 14 de outubro, segundo o Ibope, 28% das intenções de voto contra 23% de Luizianne Lins, do PT. Em Goiânia, levantamento do Ibope entre 30 de setembro e 2 de outubro indicava Vanderlan Cardoso (PSD) com 21% contra 20% de Maguito Vilela (MDB). E em Cuiabá, o candidato Abílio Jr. (Podemos) tinha 26%, entre 14 e 16 de outubro, contra 20% dados a Emanuel Pinheiro (MDB).
No restante do país, os candidatos de Bolsonaro comem poeira. Partidos de esquerda e centro-esquerda estão na frente em nove capitais. PSDB em quatro, PSB em duas, PSOL, PDT e PCdoB em uma cada. Em Recife, João Campos (PSB) tem 31% das intenções contra 18% da sua prima Marília Arraes (PT) e 16% da delegada Patrícia (Podemos). Lá, o candidato com a cara de Bolsonaro é o coronel Feitosa (PSC), que tem apenas 2% de acordo com a pesquisa Datafolha de quinta-feira. Em Porto Alegre, Manuela D’Ávila (PCdoB) lidera pesquisa Ibope feita há duas semanas com 24% dos votos, dez pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado.
O que se vê é um aparente refluxo da onda bolsonarista. E não adianta argumentar de que estas são outras eleições e que pleitos municipais tratam de questões paroquiais e não refletem a grande política nacional. Isso pode ser verdade em Conceição do Mato Dentro (MG), Iguaba Grande (RJ) e Júlio de Castilhos (RS), mas não em São Paulo, Rio, Belo Horizonte, Porto Alegre ou Recife. Pode ser verdade também na mixuruca Jaboticabal, no interior de São Paulo. Mas lá, um dos candidatos tem sobrenome Bolsonaro, se apresenta como primo do presidente, propõe armar a guarda municipal e jura que não vai ceder à pressão de vereadores por cargos na prefeitura. Então, quer pauta mais local do que esta?
Sinais de recaída
Estão ficando cada dia mais claros os sinais de que sua excelência está voltando aos velhos tempos. A estúpida briga em torno da vacina chinesa é apenas um deles. Não há nada mais atrasado do que tentar fazer valer para todo o país suas teorias negacionistas por motivação política. Há os que apostam, ou torcem, para que seja apenas retórica. Pode ser, mas a absoluta falta de hora para a nova bobageira prova a tese de que as coisas não andam bem naquela cabeça. Beligerância burra foi o que se viu nos primeiros 18 meses de governo. Ninguém aguenta mais.
Vermífugo do astronauta
Era só o que faltava. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações veio à público afirmar que descobriu que o vermífugo nitazoxanida é capaz de reduzir a carga viral de pacientes de Covid usando como elemento de convencimento um gráfico genérico comprado de um banco de dados na internet. Ou pirateado, com este governo nunca se sabe. Pior, tratou a questão de maneira oficial, em cerimônia no Palácio do Planalto, sem reunir sequer um elemento que comprove a descoberta. A situação é tão medonha, que o ministério do astronauta disse que não oferecia mais dados porque um artigo com a tese foi oferecido a uma revista científica internacional. Talvez não quisessem tirar o furo da revista cujo nome, aliás, não foi citado.
Boiando
Estudo mostra que o cérebro da maioria das pessoas passa 47% do tempo divagando. Há casos bem piores.
General para a PGR
Se for correta a tese da Procuradoria-Geral da República de que militar da ativa pode exercer posto de ministro, então deve ser possível também que milico com diploma de doutor exerça função no Ministério Público. Augusto Aras que abra o olho, daqui a pouco o capitão pode querer indicar um general com curso noturno de advogado para o seu lugar.
Senado para quê?
O episódio do dinheiro nas nádegas do senador Chico Rodrigues levantou o debate sobre os suplentes, já que o indigitado tem seu filho como segundo e que deve assumir a vaga com seu afastamento. Uma vergonha. Mas, indo um pouco mais fundo, não seria hora de discutir para que serve o Senado Federal? Talvez assim se possa entender porque o Amapá (751 mil habitantes) tem o mesmo número de senadores de São Paulo (44 milhões de habitantes). Davi Alcolumbre, por exemplo, teve 131.695 votos, enquanto o Major Olímpio foi eleito com o sufrágio de 9.039.523 paulistas. Está certo?
Landslide
O debate de quinta deu um fôlego inesperado a Trump. Ele aproveitou a última chance que tinha. Ainda assim, ele deve ser varrido do mapa, mas já não dá para afirmar que será com uma avalanche de votos contra. Quarenta milhões de americanos já votaram antecipadamente, e 90% dos eleitores dizem que não mudam o voto por causa de debate.
E daí?
E, nesse caso, Bolsonaro como vai ficar? Sua birra com a China e o bonezinho Trump 2020 ainda podem render muita dor de cabeça. Não para ele, que não está nem aí, mas sim para o Brasil e seus negócios. Só um detalhe: a China consome 50% de todo metal produzido no planeta.
Restaurante de covid
Estudo do Centro de Prevenção e Controle de Doenças nos Estados Unidos mostra que adultos que testaram positivo para Covid-19 foram duas vezes mais a restaurantes nas duas semanas antecedentes ao teste do que as que negativadas.
Paes recomenda
Eduardo Paes está tão preocupado com o crescimento de Martha Rocha nas pesquisas, que vai mexer na campanha para mirar mais na delegada e menos no bispo Crivella. E já avisou aos cabos eleitorais que, onde não for possível ganhar, recomendem voto em Crivella.
Merval Pereira: Militares x civis
Assim como as contas públicas estão a perigo, também a perigo está a (des)organização do governo, dependente dos impulsos de um presidente imprevisível que impõe suas idiossincrasias aos assessores e exige obediência servil, humilhando publicamente mesmo seus mais próximos amigos. A série foi iniciada com o afastamento do ministro chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, e do General Santos Cruz, amigo de longa data e ministro influente, ambos derrubados por conspiração palaciana levada a efeito pelo vereador Carlos Bolsonaro.
A disputa entre grupos civis e militares que assessoram o presidente no Palácio do Planalto está escancarada, com os políticos do Centrão abrindo espaço a cotoveladas. A briga do ministro do meio-ambiente Ricardo Salles com o chefe da Secretaria de Governo, General Luiz Eduardo Ramos, pelo Twitter, revela a instabilidade existente na equipe.
Não me surpreenderei se os militares, aí incluído o vice-presidente Hamilton Mourão, que tem atuação importante no Conselho da Amazônia, manobrarem para tirar Salles do meio-ambiente, num gesto político de aproximação com os governos europeus e uma preparação para a nova fase do relacionamento com os Estados Unidos com a provável vitória do democrata Joe Biden.
O problema maior é que o presidente Bolsonaro governa com as mídias sociais, e é nelas que os apoiadores mais radicais já estão atuando para defender Salles, com o reforço até mesmo do filho 02, deputado federal Eduardo Bolsonaro. Foi também devido às redes sociais que o presidente Bolsonaro desmoralizou publicamente seu ministro da Saúde, desautorizando uma fala sua na véspera, quando autorizara a compra de 46 milhões de doses da vacina chinesa Coronavac.
Não satisfeito com o vexame a que submeteu seu ministro, o vídeo que Bolsonaro o obrigou a gravar, onde admitiu a velha máxima dos quartéis “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, é das coisas mais aviltantes já vistas. Retira totalmente a condição de continuar ministro da Saúde do General Eduardo Pazzuelo, mesmo que, como tudo indica, não se demita. A vantagem que tinha se desfez com o episódio, pois nenhum interlocutor saberá a partir de agora até onde vai a capacidade de decisão do ministro.
Sem credenciais técnicas para ocupar o cargo, o General Pazzuelo tinha fama de ser próximo do presidente Bolsonaro, o que lhe dava boas condições de negociação com os governadores, por exemplo. Sua especialização em logística foi muito importante durante a pandemia na distribuição dos equipamentos necessários ao combate da Covid-19.
A partir de agora, volta a ser o interino de si mesmo. Isso porque não estamos em um quartel, nem ministro existe para falar sempre amém aos seus superiores. Em política, a hierarquia nem sempre fala mais alto, a não ser em partidos dominados por um caudilho.
O presidente Bolsonaro assume a figura do Comandante em Chefe das Forças Armadas para submeter os militares a seus desígnios, ao mesmo tempo em que os agrada com mimos, mordomias e remuneração engordada. Um capitão de passado medíocre e envolvido em terrorismo agora se impõe aos militares das mais altas patentes não pelo mérito, mas pela ousadia dos irresponsáveis.
Já tentou controlar, pelo poder da presidência, o Legislativo e o Judiciário, mas teve que recuar pois sentiu que o Presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Assim como os fatos demonstraram que, naquele caminho de tentar desestabilizar os demais Poderes, acabaria alimentando um processo de impeachment, assim também essas colisões entre militares e civis podem levá-lo a um impasse.
Bolsonaro entregou-se aos políticos do Centrão, e hoje é refém deles, sem os quais não terá facilidade para disputar a reeleição em 2002, em que pese sua popularidade. Mas os militares estão incomodados com a perda de poder político dentro do governo, e não é um vídeo claramente montado para aparentar normalidade, e que dobrou a humilhação já imposta, que resolverá a situação. O Centrão quer a coordenação política para si, tarefa atribuída ao General Ramos, e esse embate não será resolvido sem vítimas.
‘Bolsonaro tem comportamento calculado nas eleições municipais’, diz Paulo Baía
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de outubro, cientista político aponta quem o presidente quer agradar com sua estratégia
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
O sociólogo e cientista político Paulo Baía critica a inação “das muitas esquerdas e oposição” no país, ao analisar a popularidade em alta do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de outubro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Ele também observa que, no caso das eleições municipais, o presidente tem “comportamento calculado com o intuito de agradar os aliados dos últimos três meses, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, após o Inquérito contra as Fake News”.
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Em seu artigo, Baía observa que, neste período de corrida eleitoral, os movimentos do presidente são discretos em apoio às candidaturas a prefeito na maioria dos 5.570 municípios. “A presença ativa de Bolsonaro só é vista na cidade do Rio de Janeiro com dois candidatos, Marcelo Crivella e Luiz Lima e, na cidade de São Paulo, com Celso Russomano”, ressalta.
O sociólogo salienta que, mesmo com o aumento do desemprego, atingindo 13,1 milhões de brasileiros, a maior marca desde 2012, como indica a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), nada abala a popularidade de Bolsonaro. “O presidente da República permanece seguindo a favor de vetos numa reação recíproca entre identidades que se espelham ao se reconhecerem”, acentua.
Na opinião de Baía, a escolha do desembargador Kassio Nunes Marques, presidente do TRF 1 (Tribuna Regional Federal 1ª Região), para a vaga de Celso de Mello, é uma sinalização de paz e integração com a magistratura de carreira, uma das pautas da campanha presidencial de Bolsonaro e desejo dos bolsonaristas de raiz. “O juiz Kassio Nunes Marques encaixa-se nos critérios políticos e morais que são eixos de seu governo e evita críticas do mundo jurídico em relação ao currículo do novo ministro do STF, além de ser nordestino”, pondera.
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