Day: outubro 3, 2020
‘Bolsonaro deve manter-se distante das eleições 2020’, analisa Paulo Baía
Cientista político observa estratégia do governo federal, em artigo publicado na revista Política Democrática Online
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) pretende manter-se distante das disputas [das eleições 2020], em função das alianças feitas com o Blocão no Congresso desde o inquérito das Fake News, quando houve ‘contenção’ provisória de seus arroubos autoritários”. A avaliação é do sociólogo e cientista político Paulo Baía, em artigo que produziu para a 23ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, e que tem todos os conteúdos liberados para acesso gratuito no site da entidade.
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Na avaliação de Baía, Bolsonaro precisa garantir suas alianças e a ideia é distanciar-se o máximo possível do pleito no primeiro turno, para evitar conflitos com partidos como o DEM e o MDB, por exemplo. “Os candidatos às prefeituras não desejam nacionalizar o debate; ao contrário, preferem manter-se presos às questões de interesse do eleitor em suas cidades, debatendo as mazelas locais’, afirma.
Em seu artigo na revista Política Democrática Online, o cientista político observa, ainda, que o equilíbrio de Bolsonaro no Congresso também depende de atender às demandas dos deputados em seus colégios eleitorais. “Para tanto, a máquina bolsonarista já atua para satisfazer os desejos dos aliados, além da importância dos fundos partidários nesta disputa eleitoral; dessa forma, não há como negar apoios”, afirma. “A oposição busca nacionalizar o debate, mas não é desejo da maioria dos candidatos a prefeito pelo não interesse do eleitor – veja Márcio França em São Paulo”.
As eleições municipais tiveram que ser adiadas para o dia 15 de novembro. De acordo com o sociólogo, os eleitores se aproximam do pleito sob o signo da tristeza, sem esperança de mudanças. “A sociedade, impactada pela crise sanitária da Covid-19, divide-se em responsabilizar a própria população e o presidente pela ampla tragédia social e econômica”, observa. “E sabemos que há uma subnotificação dos casos pela ausência de testes e com um ministro da Saúde improvisado”, destaca.
Além disso, conforme aborda em outro trecho do artigo, Baía diz que o governo federal vive gangorra interna, com Paulo Guedes apoiado por Rodrigo Maia, de um lado, e Henrique Marinho, por militares e prefeitos, de outro. “Isto é, são dois projetos político-econômicos, para tentar retomar as medidas reformistas e o crescimento econômico atraindo investimentos”, afirma. “As oposições partidárias a Jair Bolsonaro acabam por se aproximar, pragmaticamente, das propostas de Henrique Marinho através do aumento de investimentos”, diz.
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Folha de S. Paulo: STF aprova aplicação imediata da cota financeira para candidatos negros
Em julgamento virtual, ministros votaram para referendar decisão de Lewandowski; TSE havia decidido aplicar só a partir de 2022
O STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou nesta sexta-feira (2) a adoção da cota financeira para candidatos negros já na eleição deste ano. Foram 10 votos contra um.
Com isso, os partidos terão de distribuir a verba do Fundo Eleitoral de acordo com a proporção de negros que concorrem no pleito. Inicialmente, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) havia decidido que a regra só valeria para as eleições de 2022.
O ministro Ricardo Lewandowski, que é o relator do caso, no entanto, determinou a adoção imediata da reserva financeira. Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Rosa Weber acompanharam o relator. O ministro Marco Aurélio foi o único que divergiu do relator.
O julgamento confirmou a liminar que havia sido concedida por Lewandowski. A sessão ocorreu no plenário virtual.
Os dirigentes partidários ficaram insatisfeitos com a decisão e argumentaram que o tema não havia sido regulamentado e que havia incertezas sobre a forma de aplicação da norma.
No último dia 24, porém, Lewandowski esclareceu como as siglas devem adotar a cota.
A divisão deverá respeitar a proporção de candidatos negros em todo o país. Assim, concorrentes negros podem ficar sem recursos, caso a sigla escolha investir todo montante em poucos políticos negros do partido.
O magistrado também determinou que o cálculo para divisão dos recursos deverá levar em consideração, primeiro, o gênero dos concorrentes para, depois, ocorrer a distribuição proporcional relativa à raça do candidato.
Desta forma, os partidos deverão distribuir igualmente a verba entre as concorrentes mulheres negras e brancas e entre os homens brancos e negros.
As regras valem para o fundo eleitoral, que será de R$ 2 bilhões. Recursos do fundo partidário que forem aplicados nas eleições também deverão seguir essas normas, mas a fiscalização será local.
“Nesse caso, a proporcionalidade será aferida com base nas candidaturas apresentadas no âmbito territorial do órgão partidário doador”, esclareceu.
Com a decisão, não haverá duplicidade de cota. Por exemplo, caso um partido tenha 30% de candidatas mulheres, todas negras, sendo os candidatos homens todos brancos, poderia haver a obrigação de as legendas destinarem 60% dos recursos às candidaturas femininas.
No julgamento do TSE, a corte havia decidido que a cota valeria apenas para 2022. Os ministros do Supremo que integram a corte eleitoral, Barroso, Moraes e Fachin, já haviam defendido, na ocasião, a aplicação imediata da regra.
Depois, no entanto, Lewandowski deu uma decisão liminar (provisória) na ação apresentada pelo PSOL e determinou a aplicação imediata da regra.
A decisão do TSE foi tomada em uma consulta apresentada pela deputada Benedita da Silva (PT-RJ). A congressista solicitou ao TSE a aplicação aos negros do mesmo entendimento segundo o qual o STF obrigou os partidos a investirem ao menos 30% do fundo público eleitoral em candidaturas femininas.
Mario Sergio Conti: Leitura de 'A República das Milícias' leva à constatação de que dias piores virão
Obra do cientista político com formação de jornalista Bruno Paes Manso é um forte candidato a livro mais triste do ano
O clã Bolsonaro sempre exalta o direito dos cidadãos a ter e usar armas. Ignorante que só ela, a primeira família não usa o argumento óbvio: o direito do povo em mandar bala em quem ataca a sua soberania está inscrito na segunda emenda à Constituição americana.
Diz ela: "Sendo uma milícia bem regulamentada necessária à segurança de um Estado livre, o direito do povo de manter e portar armas não deve ser violado".
Aprovada em 1791, a emenda é fruto de levantes libertários: a revolução inglesa do século anterior; a francesa, que se encontrava no auge; e a guerra americana contra a coroa inglesa pela independência, vencida poucos anos antes.
Nos três casos, a mobilização de tropas populares para enfrentar os exércitos da aristocracia foi vital para o triunfo do poder burguês, plebeu e, no caso americano, anticolonial. Assim nasceu o mundo moderno, armado e atirando para matar.
O discurso de Bolsonaro é outro. Na imunda reunião ministerial de abril, gravada por ordem sua, ele rebaixou a Presidência ao seu nível, o da sarjeta: "Um bosta de um prefeito faz uma bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia para a rua".
O que quis dizer, na sua sintaxe selvagem, é que, armado, o povo acabaria na marra com o confinamento. Fechou sua exortação assim: "Quero dar um puta de um recado para esses bostas! Por que eu estou armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura". Cabe o clichê: estilo é o homem.
Na época, todos os comentaristas concordaram que o rosnado presidencial visava, sim, a imposição de uma ditadura —por meio do armamento de seus cupinchas, do núcleo duro da sua freguesia e de seu séquito de fanáticos. Mas havia algo mais no baixo calão do Cavalão.
Esse algo mais é o tema de Bruno Paes Manso em "A República das Milícias - Dos Esquadrões da Morte à Era Bolsonaro" (Todavia, 302 págs.), um forte candidato a livro mais triste do ano. Ele esmiúça com sobriedade o processo de desagregação fluminense.
Bolsonaro e seus filhos, por exemplo, frequentam com assiduidade clubes de tiro. Pimpões, posam para fotos com fuzis e metralhadoras. Não são apenas infantiloides, perversos, maníacos por símbolos fálicos que simulam disparar armas à la Rambo.
"A República das Milícias" conta que muitos clubes de tiro são mocós para a compra e tráfico de armas de calibre pesado. O comércio de armamento é essencial para as milícias cariocas corromperem, ocuparem novos bairros, aterrorizarem; e assim enriquecerem seus membros e padrinhos —caso de Bolsonaro e caterva.
A segunda emenda usa "milícias bem regulamentadas" como sinônimo de batalhões populares de libertação. Não são essas as milícias do presidente. As dele são gangues que vendem proteção, gás, conexão com a TV paga e até casas. Além de roubar e matar, suas milícias exploram o povo.
Paes Manso é um cientista político com formação de jornalista. Ele recorre à primeira pessoa para relatar seus encontros com milicianos e a paisagem social na qual se movimentam. O que o espanta é a banalidade do mal. O crime virou norma; o Estado é bandido.
A condição de paulista circunspecto não o leva ao bairrismo —seu livro anterior, "A Guerra", com a socióloga Camila Nunes Dias, é um mergulho nos infernos do PCC. Mas o fato de ser estrangeiro ao Rio lhe garante distanciamento crítico de um sistema escabroso.
É dessa forma que "A República das Milícias" investiga os estertores de uma sociedade em desagregação. Fala de esquadrões da morte; de militares que migraram da tortura para o jogo do bicho; dohomicídio de Tim Lopes; da ocupação marqueteira da Cidade de Deus; do fracasso das UPPs; do assassinato de Marielle Franco; do espraiamento da força bruta.
A eleição de milicianos para o Planalto é o corolário de um estado de coisas. Nele se imbricam a política, a polícia, igrejas, as Forças Armadas, as rachadinhas, as Vivendas da Barra, a corrupção, a condescendência das elites.
O triunfo miliciano espelha uma sociedade que se desindustrializou, não oferece empregos e na qual a miséria grassa. E a ideologia dominante, nessa terra sem lei nem ordem, é a de cortes que desmantelam o Estado —que, justamente, deveria implementar a lei e a ordem.
Não há força social capaz de fazer frente à anomia que se instala. Por isso "A República das Milícias" é um livro triste. Ele não oferece soluções porque elas não parecem existir. Sua leitura leva a uma constatação amarga: dias piores virão.Mario Sergio Conti
Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".
El País: Mandetta expõe presidente difícil de moderar e excesso de cálculo político na pandemia
Ex-ministro detalha em livro os bastidores dos 90 dias na liderança do combate ao coronavírus. Conta das pressões políticas que sofreu do presidente às concessões que fez à frente do Ministério
Cerca de um mês antes de terminar a quarentena laboral que lhe foi imposta após ser demitido do Ministério da Saúde, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta publica um longo depoimento sobre os bastidores políticos dos 90 dias que liderou o combate à crise do novo coronavírus, incluindo detalhes da fritura pública que sofreu diante das divergências com o presidente Jair Bolsonaro. No livro Um paciente chamado Brasil, o ex-ministro traz uma visão interna do funcionamento do Governo Bolsonaro durante a crise. Revela um presidente difícil de ser moderado e mostra como teorias da conspiração (nessa visão, o vírus fazia parte de um plano da China para derrubar governos de direita da América Latina), cálculos eleitoreiros e conflitos com o Palácio do Planalto influenciaram as decisões políticas que culminaram na omissão federal para conter a epidemia no país ― que já soma mais de 145.000 mortos.
Mandetta abre pela primeira vez os números com os quais trabalhava no início da crise: o Ministério da Saúde estimava que o coronavírus poderia matar 180.000 pessoas no Brasil caso não fossem adotadas medidas para frear o contágio. Os números teriam assustado os militares, mas não foram capazes de mudar a postura de Bolsonaro. O ex-ministro diz que tentou apresentar os cenários várias vezes ao presidente, que sempre deixava para depois. “Bolsonaro nunca aceitou sentar comigo para ver a realidade”, afirma. Mas Mandetta garante que o presidente tinha conhecimento da situação catastrófica que se avizinhava. Ele afirma ter apresentado seus números ao ministro general Braga Netto e ao ex-ministro Sergio Moro, alertado o presidente verbalmente várias vezes e chegado a lhe enviar um documento por escrito, como já havia adiantado em entrevista ao EL PAÍS.
A fritura pública
Mandetta narra ter tentado exaustivamente convencer Bolsonaro a mudar sua concepção sobre a pandemia. Usou a imprensa, inclusive, para tentar pressioná-lo. Mas o presidente, segundo conta o ex-ministro, insistia em nutrir-se das teorias conspiratórias, negava a gravidade da doença e se apoiava em soluções “mágicas” de cura com a cloroquina, uma forma de animar a população a quebrar o isolamento social em nome do desenvolvimento econômico, uma pauta cara em disputas presidenciais. Mandetta seguiu defendendo o isolamento e recusou adotar o uso da cloroquina como recomendação oficial do Governo.
O descompasso entre os dois ficou insustentável, com alfinetadas públicas e um longo processo de fritura de Mandetta. Bolsonaro adotava um discurso de que não se poderia cuidar da Saúde em detrimento da Economia. Militares tentavam segurar o médico no cargo, mas o entorno do presidente começava a tratá-lo como opositor. Mandetta conta que o assessor especial da presidência, Arthur Weintraub, chegou a bater a porta na sua cara antes de uma reunião no Planalto. E revela ter ficado receoso quando Bolsonaro visitou a mesma padaria que ele frequenta, provocando aglomeração: “Aquilo foi um recado para me dizer que ele sabia dos meus passos, da minha vida". Ele temia que vazassem imagens suas no mesmo local para desmoralizá-lo caso fizesse uma crítica aberta ao presidente naquele episódio ― um modus operandi comum atribuído ao chamado “gabinete do ódio”.
Relação com ministro da Economia
Enquanto o suposto dilema entre Saúde e Economia era disseminado para a opinião pública, a relação entre os ministros das pastas que cuidam desses temas ruía. Mandetta retrata no livro um Paulo Guedes egóico, que costumava fazer autoelogios nas reuniões. Conta que o ministro nunca o procurou para saber mais informações sobre a epidemia para poder planejar as ações que amenizassem a repercussão na economia do país. “Paulo Guedes demonstrava profundo desinteresse sobre o assunto”, afirma.
E narra ainda um fervoroso bate-boca entre os dois em uma das reuniões de ministros, quando Mandetta defendia o adiamento da autorização para o reajuste de medicamentos. Sem saber que o valor dos remédios é tabelado no Brasil, Guedes dizia “não admitir” o tabelamento. O tom dos dois estava tão alterado que o vice-presidente Hamilton Mourão precisou intervir com um tapa na mesa para interromper a discussão. Bolsonaro, por sua vez, ouvia tudo calado. Nas reuniões ministeriais, o presidente costumava se manifestar majoritariamente sobre o “inimigo da semana”, relata o ex-ministro.
Traições políticas
O movimento interno para exonerar Mandetta crescia, e um diálogo entre o ministro Onyx Lorenzoni e o ex-ministro Osmar Terra - um negacionista da gravidade da pandemia - na qual tramavam a queda dele vazou na imprensa. Provavelmente por conta disso o ex-ministro da Saúde decidiu revelar só agora uma suposta traição de Lorenzoni, depois de quatro anos de silêncio. Mandetta relata que, em 2016, no auge da Lava Jato, o então deputado gravou uma reunião entre colegas do DEM. Eles discutiam as medidas de combate à corrupção propostas pelos procuradores de Curitiba, relatada por Lorenzoni, e parlamentares queriam amenizar alguns trechos. O ex-deputado revelou a Mandetta que poderia vazá-la e acabou isolado. Só restabeleceu trânsito político após a eleição de Bolsonaro, para quem tinha trabalhado fortemente na campanha.
Tentativa de interferir em cargos chave da Saúde
Foi Onyx, aliás, um nome chave para que Mandetta ocupasse o posto de ministro da Saúde. O então deputado o convidou para conversar com o presidente antes da campanha. Eleito com um discurso de que manteria quadros técnicos em seus ministérios, Bolsonaro teria tentado mudar cargos chave da Saúde antes da crise sanitária, segundo conta seu ex-ministro. Queria exonerar quatro secretários porque não eram “gente nossa”, sob sugestão do filho, Flávio Bolsonaro. “Com o pedido, já vinham quatro novos nomes para substituí-los, todos do Rio de Janeiro e sem qualquer experiência em gestão do SUS”, afirma o ex-ministro. “Quem articulou as exonerações e impôs os novos nomes mirava o controle de mais de 80% do orçamento do Ministério da Saúde”, completa. A solução foi sugerir mais autonomia a hospitais federais do Rio de Janeiro para manter sua equipe, mas ela nunca foi realizada por causa da pandemia.
Mandetta deixou o Ministério da Saúde depois de perder o apoio dos militares. O estopim: uma entrevista dada à Rede Globo na qual criticava Bolsonaro publicamente e verbalizava o enorme descompasso entre o Ministério da Saúde e o Planalto. Em várias passagens do livro, Mandetta deixa claro que media palavras e calculava o peso de suas declarações. Em um dos capítulos, por exemplo, abre o off do conteúdo que vazou a uma jornalista numa tentativa de pressionar por uma mudança na conduta de Bolsonaro diante da crise. Não surtiu efeito. O ex-ministro tem dito que participará das próximas eleições, mas evita cravar uma candidatura ao Planalto. São informações que não devem ser menosprezadas na leitura da obra publicada pela editora Objetiva.
As concessões de Mandetta
No livro, Mandetta atira para todos os lados, com as críticas ao Governo que integrou bastante explícitas. Mas está ausente uma autocrítica mais contundente sobre o seu desempenho no comando das políticas da crise sanitária. Suas ações são justificadas por erros externos ou cálculo político. O ex-ministro, porém, conta algumas concessões que podem soar controversas. Voltou atrás, por exemplo, na suspensão de cruzeiros marítimos (espaço com alto risco de contaminação) após um forte lobby de setores do Turismo, com direito a ligações diretas para Bolsonaro. A decisão ―que ele justifica como estratégia política, tendo decidido esperar um momento mais favorável para implementá-la― desagradou seu secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson de Oliveira, que chegou a anunciar que deixaria o cargo. Mandetta não aceitou a demissão, e ele acabou decidindo permanecer no posto.
Em outra ocasião, o ex-ministro admite que orientou os militares sobre como poderiam proceder para despistar a imprensa quando um integrante da comitiva da operação de repatriação dos brasileiros que estavam emWuhan apresentou sintomas de covid-19. O presidente Bolsonaro só decidiu repatriá-los depois que sua negativa repercutiu mal nas redes sociais. Uma equipe de 120 pessoas esteve envolvida na operação ― um “exagero”, nas palavras de Mandetta. Como companhias aéreas se recusaram a transportar os 34 brasileiros diante do risco de contaminação, o Governo usou aviões de reserva da Presidência. Sem orçamento para abastecê-los, o próprio Bolsonaro pagou 739.000 reais de combustível no seu cartão corporativo.
Segundo Mandetta, foi decidido que os repatriados ficariam em quarentena em Anápolis ― embora Florianópolis, a outra opção, representasse maior segurança biológica por estar mais distante da principal base da Força Aérea Brasileira e do centro do poder, Brasília. “Mas pesou a questão do protagonismo, já que os militares poderiam frequentar o local, aparecendo como comandantes da operação”, afirma. Havia ali uma oportunidade de dar uma visão heroica aos militares. A quarentena dos brasileiros contou com uma área comum com direito a cinema (ironicamente, foi exibido o filme Epidemia) e até um pocket show de uma dupla sertaneja, apesar do isolamento visar evitar o contágio de uma doença infecciosa. Sem protocolos estabelecidos, eles decidiram dispensar parte da comitiva da quarentena, e um dos tripulantes apresentou sintomas e deu entrada no hospital do Exército. Sob orientação de Mandetta, o caso foi colocado na lista de suspeitos apenas horas depois, quando os exames já descartavam a infecção.