Day: outubro 1, 2020

Luiz Carlos Azedo: Aonde Guedes quer chegar?

A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade

Ontem foi um dia de mais confusão na área econômica. O ministro da Economia, Paulo Guedes, rechaçou a proposta de utilização dos recursos destinados aos precatórios para viabilizar o programa Renda Cidadã, muito criticada pelos especialistas, como se nada tivesse a ver com ela. A medida foi anunciada pelo relator da PEC Emergencial, senador Márcio Bittar (MDB-AC), depois de ter sido aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro e, pasmem, o próprio Guedes. O ministro da Economia também estava com Bolsonaro e os líderes do governo no Congresso quando a proposta foi anunciada.

“Um projeto dessa magnitude jamais seria apresentado se não tivesse o conhecimento e a aprovação do presidente da nação e o carimbo de OK do ministro da Economia”, disse Bittar, segundo o qual Guedes havia dado uma demonstração cabal de que concorda com a proposta, durante a sua reunião com Bolsonaro. Na manhã de ontem, porém, Guedes disse que o gasto com precatório estava sendo examinado com foco no controle de despesas e que não era “uma fonte saudável, limpa, permanente, previsível” para financiar a nova política de transferência de renda do governo. Ou seja, detonou a proposta de Bittar. Na terça-feira, apesar das críticas, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, também havia anunciado que o Palácio do Planalto não recuaria da proposta.

A grande interrogação é se a postura de Guedes teve aval do presidente Jair Bolsonaro, que gosta desse faz que vai mas não vai, ou o ministro da Economia se encheu de brios e resolveu marcar posição mais responsável sobre a questão fiscal. A primeira hipótese é mais provável, porém, outra declaração polêmica de Guedes levanta suspeitas de que pode ser a segunda. O ministro da Economia acusou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de ter feito um acordo com a esquerda para não aprovar as privatizações.

“Não há razão para interditar as privatizações. Há boatos de que haveria acordo entre o presidente da Câmara e a esquerda para não pautar as privatizações. Precisamos retomar as privatizações, temos que seguir com as reformas e temos que pautar toda essa transformação que queremos fazer. A retomada do crescimento vem pela aceleração de investimentos em cabotagem, infraestrutura, logística, setor elétrico, das privatizações, Eletrobrás, Correios… Estamos esperando”, disparou Guedes, que aproveitou a divulgação de dados do Caged sobre geração de empregos para provocar o presidente da Câmara, com quem vive às turras. Em resposta, Maia disse que Guedes “está desequilibrado” e sugeriu ao ministro que assistisse ao filme A Queda, que narra os últimos dias de Adolf Hitler e do Terceiro Reich.

Jogada de risco
É surreal o que está acontecendo, às vésperas da discussão no Congresso de uma proposta que é considerada a principal bandeira social do presidente Jair Bolsonaro para sua campanha de reeleição. Além disso, o governo precisa aprovar uma série de medidas para enfrentar a recessão e também mitigar outros efeitos da pandemia, a maioria na área do ministro da Economia. A troca de acusações entre Guedes e Maia é sinal de que a relação entre ambos se deteriorou de tal forma que o diálogo será quase inviável. Quem mais perde com isso é a sociedade. O governo precisa aprovar um Orçamento de 2021 exequível, para evitar a degringolada da economia.

Não faz sentido o ataque de Guedes a Maia. O presidente da Câmara é um político liberal, nunca foi de esquerda. Para ele, porém, dialogar com a esquerda é tão importante quanto ter o apoio do Centrão para o bom funcionamento da Casa, isso possibilita acordos que garantem as votações e o avanço do trabalho legislativo. Maia foi o grande artífice da reforma da Previdência. Dispõe-se a ter mesmo papel nas reformas tributária e administrativa, mas há divergências de fundo entre o presidente da Câmara e Guedes, principalmente sobre o novo imposto sobre operações financeiras, que Maia não aceita. Com o bate-boca de ontem, um dos dois terá de recuar para o processo andar.

Entretanto, pode-se imaginar que Guedes aguarda o fim do mandato de Maia e aposta num presidente da Câmara alinhado com Bolsonaro: Arthur Lyra (PP-AL), por exemplo, o líder do Centrão mais alinhado com o governo. Mas essa é uma jogada de alto risco, porque o governo perde tempo, e nada garante que o sucessor de Maia será um pau mandado do presidente da República. A outra possibilidade, já aventamos aqui: Guedes está se movimentando como quem pretende marcar posição e sair do cargo em grande estilo. O desgaste do ministro da Economia só aumenta junto aos agentes econômicos, seu prestígio com os políticos nunca esteve tão por baixo. Ambos farejaram o cheiro de animal ferido na floresta. Guedes, o superministro, era o Posto Ipiranga de Bolsonaro. Não é mais.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-aonde-guedes-quer-chegar/

El País: 'Se Trump vence eleições via ação judicial, será nocivo e pode atiçar Bolsonaro', diz Anthony Pereira

Anthony Pereira, do King’s College, vê risco de radicalização da extrema direita no mundo com vitória do republicano, mas celebra oposição da sociedade civil

Felipe Betim, do El País

Anthony Pereira, cientista político e professor da King’s College de Londres, onde coordena o centro de estudos sobre o Brasil, olha com preocupação para o que chama de “nacional-populismo” em ascensão no mundo, especialmente quando mira as eleições dos Estados Unidos. “Donald Trump vem dizendo que, se perde, a eleição terá sido fraudulenta. Não apresenta indícios, mas muitos eleitores estão acreditando. Além do resultado, o próprio procedimento e a confiança nas instituições estão em jogo”, explicou em entrevista ao EL PAÍS por videoconferência, às vésperas de sua participação no evento online Cidadania em Cena, com discussões sobre a democracia, promovido pelo Instituto Votorantim, na terça-feira. “Se Trump ganha via ação judicial, o efeito para democracia mundial é muito nocivo, porque mostra que se pode ganhar dessa forma. Pode atiçar Jair Bolsonaro e movimentos [de extrema direita] na Europa, porque o custo de fazer movimento do tipo fica mais baixo”.

Pereira, que acompanha a realidade brasileira de perto há mais de 30 anos, aponta para algumas características do Governo Bolsonaro que o colocam dentro desse grupo nacional-populista em ascensão. “Esse tipo de populismo define a nação de uma maneira excludente. Em discursos do presidente e de ministros como Ricardo Salles, Ernesto Araújo e, antigamente, Abraham Weintraub, eles pegam uma maioria, seja étnica ou religiosa, e falam em nome da nação por meio desse grupo dominante”, argumenta. Pereira se refere sobretudo às falas em que esses dirigentes se mostram “muito desconfortáveis com a ideia de diversidade, com a ideia de povos indígenas sendo um grupo distintos merecendo reconhecimento e respeito por suas terras e tradições e maneiras de viver”.

O alinhamento, explica, “é com a maioria das pessoas que não estão lutando para preservar o meio ambiente e, ao invés de conciliar interesses distintos a partir de uma visão de desenvolvimento sustentável, apostam em uma visão predatória que desconta os direitos dessa minoria, dizendo que é importante desenvolver a qualquer custo”. Embora haja uma exclusão étnica e religiosa no discurso das atuais autoridades brasileiras e um crescente autoritarismo do Governo, Pereira diz evitar a palavra fascismo. “Nos fascismos italiano e alemão havia uma forte mobilização cívico-militar, com pessoas enfrentando outras na rua e cometendo atos de violência”, argumenta. “Acho que as milícias são uma força protofacista com potencial de se mobilizar dessa forma, mas até agora as vejo mais como grupos interessados em lucrar para si próprios”.

Sobre o discurso de Bolsonaro na Assembleia Geral da ONU, ele acredita que a comunidade internacional passou a enxergar o Brasil com “ceticismo”. Enquanto os dados indicam que as queimadas na Amazônia e no Pantanal estão aumentando, o presidente “não reconhece o problema e nega sua existência”, além apresentar alguns fatos “falsos” em seu discurso.

Entre os temas de pesquisa de Pereira estão as ditaduras militar brasileira, argentina e chilena e o tratamento que a Justiça desses países dava para os dissidentes políticos, criando o que chama de “legalismo autoritário”. Agora, o professor reflete sobre a presença dos militares como integrantes da burocracia no Governo Bolsonaro. Pereira afirma ser difícil enxergar os militares que ocupam ministérios como “figuras totalmente técnicas”, como eles se apresentaram e são vistos por parcela importante da opinião pública. “Eles estão fazendo uma aposta política e sinto que sabem que estão correndo risco, já que a imagem das Forças Armadas está ligada a um Governo que não responde aos anseios da população”, explica. Para o especialista, isso “pode ser positivo porque podem lutar para limitar os danos e buscar sair dessa situação sem a reputação rasgada”.

O brasilianista também opina que até os militares da reserva que estão no Governo “dificilmente pensam como civis”, mesmo que afastados da cadeia de comando da corporação. Assim, enxerga a defesa de interesses do Exército, como a aproximação com os Estados Unidos para troca de informações de inteligência e acesso ao sistema de defesa norte-americano, e dentro da máquina pública. “Podem defender um orçamento maior para eles ou agir de forma a beneficiar os interesses corporativos”.

“São mais de 6.000 militares nas várias camadas da burocracia federal, e alguns ainda estão na ativa, então existe potencial conflito de interesse”, argumenta. Acredita, porém, que a instituição possui correntes políticas diferentes, como em outras instituições. "Nem todos os militares são necessariamente bolsonaristas, isso é algo que temos que reconhecer.” Da mesma forma, acredita que existe dentro das Forças Armadas aqueles com mais afinidade à ideia de conservação da Amazônia e que consideram que “mais desmatamento gera atenção indesejável para a região”.

Para ele, Bolsonaro respondeu aos anseios de uma sociedade que passou a enxergar que todas as instituições estavam corrompidas. “Existe uma tentação de que precisamos provocar uma ruptura para limpar a democracia e começar de novo. Mas não resolve as coisas. Melhor qualidade de democracia significa mais democracia, e não menos”, defende. Ainda assim, diz enxergar uma “mobilização contrária” ao bolsonarismo no seio da sociedade civil, com pessoas “mais zelosas sobre as instituições e com pluralidade”. Ele acredita que as eleições municipais de 2020, e também as de 2022, podem refletir essa diversidade de interesses. “No longo prazo sou otimista. Vejo a disposição de muitas pessoas, de muitos jovens, de defender e participar das instituições democráticas”.


Ciclo de debates online discutirá impactos da pandemia na vida urbana

Tom Rebello, Emilia Stenel e Philip Yang também analisam linhas de ocupação nas cidades, com mediação de Caetano Araújo

Cleomar Almeida, comunicação FAP

Impactos da pandemia na vida urbana serão discutidos, na próxima quarta-feira (7), a partir das 19 horas, no segundo encontro online do ciclo de debates A reinvenção das cidades, com transmissão ao vivo no site e na página da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) no Facebook. Internautas poderão participar diretamente da discussão, por meio da sala virtual do zoom.

Realizado de forma online por causa da pandemia do coronavírus, o ciclo de debates ocorre como parte da programação de lançamento da 55ª edição da revista Política Democrática impressa, produzida em parceria com a Tema Editorial e que também tem como título A reinvenção das cidades. A publicação já está à venda na internet.

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Mediado pelo sociólogo e diretor da FAP Caetano Araújo e com participação permanente da idealizadora da edição, jornalista Beth Cataldo, o segundo debate online tem presença confirmada do arquiteto e urbanista Tom Rebello. Formado pela UnB (Universidade de Brasília) ele tem especializações na França em Planejamento de Transportes e Desenvolvimento Urbano e Regional.

Assista ao vivo!

Outros dois participantes do debate são a arquiteta e professora Emilia Stenel, que especializou-se em arquitetura habitacional pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e tem mestrado em Teoria e Crítica da Arquitetura pela UnB, e o fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole), Philip Yang.

Na nova edição da revista Política Democrática, os três especialistas analisam linhas de ocupação. Em seu artigo, Rebello observa que, com o passar dos anos, “a expansão urbana desenfreada comprimiu áreas centrais e gerou, nas periferias, as chamadas cidades-dormitório”.

“Entre as duas, sistemas de transporte de massa que, em movimentos pendulares, levam trabalhadores da periferia para o centro e do centro para a periferia, a um custo social e econômico desumano”, pontua o especialista em Planejamento de Transportes e Desenvolvimento Urbano e Regional. “Para mudar essa situação, é preciso descomprimir os centros urbanos”, sugere.

Lições importantes
De acordo com Emilia, a pandemia do coronavírus deixará importantes lições, e segundo ela, as sociedades saberão se defender das próximas crises sanitárias. “Núcleos urbanos descentralizados são bem-vindos independente de pandemias, desde que criados com empregos, lazer, equipamentos sociais e tudo mais, principalmente como alternativas às metrópoles saturadas”, afirma ela, em um trecho. “Cidades-dormitório nunca mais”, acrescenta.

Yang entende que, depois da pandemia, no plano urbano, as sociedades deverão catalisar o adensamento, a mistura de usos, o que, segundo ele, representa a mistura de usos e pessoas que caracterizam as cidades compactas. “No plano econômico, o pós-pandemia deverá ser marcado pelo aprofundamento da globalização e da cooperação internacional, dadas as tantas limitações que os Estados nacionais apresentam para a gestão de fenômenos globais”, afirma.

Todos os demais três debates online subsequentes, que serão realizados e transmitidos às quartas-feiras, também terão participação de especialistas e pesquisadores de cada um dos grandes temas tratados na revista. Os vídeos dos encontros virtuais ficarão disponíveis no site da FAP e nas páginas da fundação e da Tema Editorial no Facebook. O arquivo também será disponibilizado no canal da fundação no Youtube. O primeiro encontro foi realizado no dia 30 de setembro, no lançamento da revista Política Democrática.

Ficha técnica
Título: A reinvenção das cidades – Revista Política Democrática edição 55
Número de páginas: 282
Projeto gráfico e diagramação: Rosivan Pereira
Revisão textual: Mariana Ribeiro
Preço versão impressa: R$ 45,00
Publicação: Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Tema Editorial

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Ciclo de debates A reinvenção das cidades tem início nesta quarta-feira (30)


‘Na cidadania, mitos se despedaçam’, diz Rogério Baptistini Mendes

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, pesquisador da Unesp diz que ‘bolsonarismo é a versão contemporânea do oikos’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A polarização civilização e barbárie demarca grupos e sociedades humanas, analisa o sociólogo e pesquisador da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) Rogério Baptistini Mendes, em artigo que publicou na 23ª edição da revista Política Democrática Online , produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojilo Pereira), em Brasília. “No campo da cidadania, a democracia se fortalece e os mitos se espedaçam”, diz ele, em outro trecho.

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Para além do caráter evolucionista da classificação, herdado do século 19 europeu, o sentido da polarização está atrelado aos movimentos históricos e sociais emancipadores do homem, sendo o Iluminismo sua síntese. “A construção de uma noção inclusiva e abrangente de humanidade, que daí deriva, não está dissociada das ideias dos antigos, mas as alarga”, diz ele.

O cultivo do espírito pela filosofia encontra o método, as técnicas e a disseminação dos saberes contra a ignorância, segundo o autor do artigo da revista Política Democrática Online. “A razão esclarecida abre seu caminho em meio às trevas e aponta para o reconhecimento mútuo dos seres humanos como portadores do mesmo destino e condição. É o que torna possível a convivência e, repugnante, o assassinato”, analisa o pesquisador da Unesp.

Em outro trecho, Mendes destaca que a subversão da pólis pela lógica binária que apostou na pedagogia do conflito, do “nós contra eles”, se fez acompanhar por patologias de um mercado que nunca integrou e se apresenta como lugar de resistência desregrada, incivilizada. “Neste contexto, a cidade, lugar da política, é hostil, e os espaços são privatizados. Sob o manto de defesa da ordem, da propriedade e dos direitos do ‘cidadão de bem’, o bolsonarismo é a versão contemporânea do oikos”, critica ele.

Mais adiante, o sociólogo diz que a história não é uma marcha ascensional e unilinear, estando repleta de dificuldades e incoerências. “Mas com ela se aprende. A partir dos ensinamentos do passado, da experiência e da apreciação racional, o homem civilizado e verdadeiramente livre se manifesta, constrói o presente e projeta o futuro”, afirma. “Na civis, no espaço público e em relação aos demais, é que a liberdade esclarecida e verdadeiramente emancipadora é exercida”, continua.

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