Day: setembro 28, 2020

Ciclo de debates A reinvenção das cidades tem início nesta quarta-feira (30)

Primeiro encontro virtual será realizado no lançamento da nova edição da revista Política Democrática com transmissão ao vivo pela internet

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O lançamento da nova edição da revista Política Democrática, nesta quarta-feira (30), a partir das 19 horas, marcará também a abertura do ciclo de debates online A reinvenção das cidades, mesmo título da publicação da FAP (Fundação Astrojildo Pereira) em parceria com a Tema Editorial. A transmissão dos eventos virtuais será realizada pelo site e pela página da entidade no Facebook, com retransmissão na rede social da editora.

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O ciclo de debates e o lançamento da revista serão apenas online em razão da pandemia do coronavírus. Os cinco encontros virtuais serão realizados todas as quartas-feiras e terão a mediação do doutor em sociologia Caetano Araújo, representante da FAP, e participação permanente da jornalista Beth Cataldo, mestre em Comunicação pela UnB (Universidade de Brasília) e editora responsável da Tema Editorial.

Assista ao vídeo!



Participam como debatedores do primeiro encontro o professor emérito da UnB Cristovam Buarque, ex-governador e ex-senador pelo Distrito Federal; o secretário-executivo de Segurança Urbana do Recife, Felipe Sampaio, ex-assessor especial dos ministros da Segurança Pública e da Defesa. Além deles, o primeiro debate também tem participação confirmada do economista Jackson De Toni, doutor em Ciência Política e mestre em Planejamento Urbano e Regional.

Na revista, De Toni e Sampaio fazem análises aprofundadas sobre agenda de desafios das cidades, que contempla a primeira das seis partes da obra. A publicação também aborda linhas de ocupação, espaços de transformação – com contribuição de Cristovam –, Brasília aos 60 anos, ambientes urbanos e caminhos da inovação.

Segundo De Toni, o gestor deve se habilitar para internalizar e utilizar toda e qualquer ajuda dos programas emergenciais estaduais e federais, o município deve pôr em prática uma estratégia de reação rápida diante da crise sanitária provocada pela pandemia da Covid-19. “Cabe ao gestor igualmente pensar o futuro pós-crise, desenhar cenários, preparar a cidade para retomar a normalidade e o caminho do desenvolvimento”, afirma. Ele também é professor de Formulação e Avaliação de Políticas Públicas no Ibmec-DF (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais no Distrito Federal) e na Enap (Escola Nacional de Administração Pública).

Sampaio, por sua vez, ressalta a importância da segurança das pessoas nas cidades, abordando também urbanismo e democracia. “Os espaços públicos devem ser projetados e utilizados segundo um plano de desenvolvimento integrado da cidade, baseado em evidências relevantes, no conhecimento técnico e no diálogo com os usuários e os afetados pelo desenho urbano resultante”, avalia

Os próximos debates online também terão participação de especialistas e pesquisadores de cada um dos grandes temas tratados na revista. Os vídeos dos encontros virtuais ficarão disponíveis no site da FAP e nas páginas da fundação e da Tema Editorial no Facebook.

Ficha técnica

Título: A reinvenção das cidades – Revista Política Democrática edição 55
Número de páginas: 282
Projeto gráfico e diagramação: Rosivan Pereira
Revisão textual: Mariana Ribeiro
Preço versão impressa: R$ 45,00
Publicação: Fundação Astrojildo Pereira (FAP) e Tema Editorial

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FAP e Tema Editorial lançam publicação sobre cidades


Novos conselheiros e diretores da FAP são eleitos em reunião online

Luciano Rezende e Caetano Araújo serão os próximos presidente do Conselho Curador e diretor-geral da fundação, respectivamente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

O prefeito de Vitória (ES), médico Luciano Rezende (Cidadania), foi eleito o novo presidente do Conselho Curador da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), para o biênio 2020-2022. Em eleição conjunta, também foram eleitos os integrantes da próxima diretoria da entidade, que terá como diretor-geral o sociólogo Caetano Araújo, consultor do Senado e professor da UnB (Universidade de Brasília). A eleição foi realizada, neste sábado (26), de forma virtual, durante reunião ordinária, com transmissão ao vivo pela página da FAP no Facebook. Todos assumirão seus mandatos no dia 7 de novembro (veja lista de nomes ao final do texto).

Confira o vídeo da reunião sobre eleição da FAP



Sediada em Brasília e fundada em 2000, a FAP é vinculada ao Cidadania e atua para promover o estudo e a reflexão crítica da sociedade, de maneira a construir referências técnicas e culturais relevantes para a defesa, consolidação e reforma do Estado Democrático de Direito. O objetivo da fundação é ser referência para a cultura e a política democrática no Brasil, com base nos valores da transparência, sustentabilidade, solidariedade, reformismo, ética, equidade, democracia e cosmopolitismo.

Confira aqui o Relatório do Seminário de Planejamento Estratégico da FAP da FAP

Confira aqui o Mapa Estratégico da FAP 2021-2022

A reunião online foi coordenada pelo atual diretor-geral da FAP, jornalista Luiz Carlos Azedo, que recebeu elogios dos conselheiros pelos resultados de sua gestão. O próximo presidente do Conselho Curador da fundação, que termina seu segundo mandato de prefeito de Vitória em 31 de dezembro e vai ocupar o lugar do ex-senador Cristovam Buarque, parabenizou a atual diretoria pelo planejamento estratégico, que foi discutido em três seminários online.

Luciano Rezende será o próximo presidente do Conselho Curador da FAP. Foto: Ana Volpe/Agência Senado

“O planejamento estratégico está muito bem feito. É um plano de voo”, disse Rezende, destacando orientação de Azedo sobre a possibilidade de a FAP interagir com organizações e movimentos internacionais nos próximos anos, além de continuar com suas frequentes publicações, eventos e cursos de formação política. “A Fundação Astrojildo Pereira presta um serviço de formação absolutamente necessário em um ambiente de política tão rasa e desqualificada. É uma luz na escuridão”, ressaltou.

Interlocução

O sociólogo Caetano Araújo foi eleito novo diretor-geral da FAP. Foto: ITV

Desde sua fundação, a FAP teve como diretriz o diálogo com o mundo da cultura e da ciência, de acordo com o diretor-geral eleito. “Ao longo dos anos, essa diretriz se consolidou, no cultivo de parcerias diversas, no meio acadêmico e artístico. Hoje, demos um passo à frente e integramos grupos de interlocução permanentes com outras fundações partidárias e movimentos sociais”, disse Araújo, que atualmente integra a diretoria-executiva da FAP.

Em um país marcado por intensa instabilidade política e guerras ideológicas, agravadas ainda mais por causa da crise sanitária da pandemia do coronavírus, a fundação terá, cada vez mais, de fortalecer sua luta pela defesa da democracia e dos valores republicanos. “Vivemos uma conjuntura marcada pelo risco do retrocesso da ordem democrática. Nesse quadro, a FAP terá que assumir com firmeza a defesa permanente do Estado de Direito, além de manter sempre a abertura para o diálogo com todos os democratas”, analisa o sociólogo.

Araújo também lembra que, em 2022, o país vai celebrar três datas relevantes: os centenários da Semana de Arte Moderna e do Partido Comunista e o bicentenário da independência. “As três datas serão motivo para um calendário de debates e comemorações nos quais estarão em discussão a identidade e o projeto de pais, o balanço do que foi alcançado até agora e as principais vulnerabilidades que precisamos superar no futuro próximo”, antecipou ele.

O diretor financeiro eleito para o próximo biênio, engenheiro civil Raimundo Benoni Franco, afirmou que a FAP tem “papel extremamente relevante e indispensável”. “Tem como função principal motivar o debate, construir argumentos técnicos e culturais, para ter visão democrática e progressista e ajudar a sociedade brasileira”, pontuou. Ele, que é ex-presidente do Fórum Nacional de Ouvidores do Setor Elétrico, também tem ampla experiência em gestão de políticas públicas e executiva.

“Minha experiência na ouvidoria me traz muita lucidez sobre índices de controle e atuação de qualquer instituição”, afirmou Benoni. Além da sua capacidade técnica, ele pretende levar para a fundação muita sensibilidade política para criar ambiente de maior harmonia possível e fazer a instituição exercer sua missão de contribuir com a formação de quadros e discussões técnicas de ideias para fortalecer a democracia brasileira.

Integração

Cofundador do Movimento Acredito, José Frederico Lyra Neto é um dos integrantes da diretoria eleita e confirma a integração da FAP com grupos de inovação política. “Faço parte de uma nova geração que olha para a política como forma de mudar o Brasil e a sociedade e entende a importância do passado e da formação. Quero ajudar muito com políticas públicas e conexão com movimentos políticos”, afirmou.

Fundador e coordenador nacional do núcleo Diversidade23 do Cidadania, o psicólogo Eliseu de Oliveira Neto destacou que, cada vez mais, a FAP busca maior pluralidade de representações em sua composição, integrando “novas vozes” para enriquecer os debates. “A fundação tem obrigação com educação política dos jovens do Brasil e espero que a gente possa cumpri-la”, acentuou.

O atual presidente do Conselho Curador da FAP, Cristovam Buarque, disse que continuará participando das ações da fundação e colaborando com os novos conselheiros. “Desejo que o Conselho aproveite o momento que virá, naquilo que é mais ou menos devaneio de muitos de nós, de buscar rumos para o país. Agora vai ser uma exigência concreta. Terminando as eleições municipais, a gente vai começar a debater o futuro do Brasil”, salientou.

Professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), o historiador Alberto Aggio, que também deixará a diretoria da FAP e passará a integrar o Conselho Curador, disse que há muitos desafios a serem enfrentados. “O principal deles é que essa fundação vinculada ao Cidadania seja, como diz o Cidadania, seja um novo partido. Tem que colaborar para que esse partido não seja, ou não se mantenha inercialmente, o mesmo PCB desde 1922 porque a sociedade é fundamentalmente distinta e nós ainda mantemos essa cultura política de maneira inercial. Esse é um desafio extraordinário”, afirmou. “Espero que a nova diretoria e o novo conselho curador possam seguir essa trilha de maneira exitosa”, asseverou.

Veja, abaixo, composição da Fundação Astrojildo Pereira para o biênio 2020-2022

» DIRETORIA EXECUTIVA

  • Caetano Ernesto Pereira De Araújo (Diretor Geral)
  • Raimundo Benoni Franco (Diretor Financeiro)
  • Ana Stela Alves De Lima
  • Ciro Gondim Leichsenring
  • Jane Monteiro Neves
  • José Frederico Lyra Netto
  • Marco Aurelio Marrafon

» CONSELHO CURADOR

  • Luciano Santos Rezende (Presidente do Conselho Curador)
  • Bazileu Alves Margarido Neto (Vice-Presidente do Conselho Curador)
  • Juarez Amorim (Secretário Executivo)
  • Alberto Aggio
  • Alexandre Youssef
  • Arlindo Fernandes De Oliveira
  • Dora Kaufmann
  • Dulce Galindo
  • Eliana Calmon
  • Eliseu de Oliveira Neto
  • George Gurgel de Oliveira
  • Ivair Augusto Alves dos Santos
  • Jane Maria Vilas Bôas
  • Leandro Machado da Rosa
  • Lenise Menezes Loureiro
  • Ligia Bahia
  • Luiz Carlos Azedo
  • Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira
  • Maria Terezinha Carrara Lelis
  • Sérgio Besserman
  • Sionei Ricardo Leão de Araújo
  • Tibério Canuto de Queiroz Portela
  • Vinícius De Bragança Müller e Oliveira

Suplentes

  • Luzia Maria Ferreira
  • Cezar Vasquez
  • Miguel Arcangelo Ribeiro
  • Indaiá Griebeler Pacheco
  • José Maria Alencar

» CONSELHO FISCAL

  • Benjamin Sicsu (Presidente do Conselho Fiscal)
  • Marluce de Paula
  • Carlos Alberto Muller Lima Torres

Suplentes

  • Paulo Morais Santa Rosa
  • José Arnor Brito Silva

» CONSELHO CONSULTIVO

  • Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque (Presidente do Conselho Consultivo)
  • Nestor Borba (Secretário Executivo)
  • Alexandre Pessoa
  • Amílcar Baiardi
  • Anderson Martins
  • André Gomyde Porto
  • Any Machado Ortiz
  • Elimar Pinheiro do Nascimento
  • Gisele Santoro
  • Hamilton Garcia de Lima
  • Henrique Mendes Dau
  • Ivanir dos Santos
  • Joaquim Falcão Filho
  • José Antônio Segatto
  • José Arlindo Soares
  • José Jorge Tobias de Santana
  • Jose Luiz Oreiro
  • Juliet Neves Matos
  • Luciano Pinho
  • Luiz Sérgio Henriques
  • Manuel Thedim
  • Maria Amélia Rodrigues da Silva Enríquez
  • Mauricio Rudner Huertas
  • Paulo Baía
  • Paulo Fábio Dantas Neto
  • Pollyana Fatima Gama Santos
  • Raquel Dias
  • Renata Eitelwein Bueno
  • Rogério Baptistini Mendes
  • Sérgio Camps de Morais
  • Sérgio José Cavalcanti Buarque

Alex Ribeiro: BC teme que risco fiscal segure consumo

Receio é que uma parcela da população siga poupando por temor de vir a ser chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública

O Banco Central começa a mapear um novo risco à retomada da economia: a política fiscal. O receio é que uma parcela da população siga poupando, abrindo mão de consumir, porque será chamada a pagar a conta do aumento da dívida pública.

A preocupação é o que os economistas chamam de “equivalência ricardiana”. Essa é uma teoria do economista David Ricardo, desenvolvida mais tarde por um outro economista, Robert Barro, que afirma que tentativas do governo de expandir a economia por meio de déficits públicos são ineficazes. Os contribuintes sabem que, mais tarde, a despesa terá que ser coberta com o aumento de impostos. Preventivamente, eles poupam mais.

A tese foi levantada pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, e pelo diretor de política econômica da instituição, Fabio Kanczuk, na entrevista do relatório de inflação, na semana passada. “É a poupança de alguém que está vendo uma situação fiscal mais grave e está entendendo que vai ter que pagar uma parte do custo mais para frente”, disse Campos Neto.
Para o Banco Central, esse comportamento “ricardiano” dos indivíduos é, por ora, uma hipótese, a ser comprovada ou não. O diagnóstico é que o auxílio emergencial e outras liberações de dinheiro pelo governo, que o BC sempre entendeu como necessárias, recompuseram a renda da população perdida durante a pandemia. Mas o consumo não se sustentou da mesma forma e caiu abaixo do que era antes. Essa diferença entre renda e consumo representa um aumento da poupança.

A grande questão é o que vai acontecer com essa poupança mais adiante. O cenário ideal, disse Campos Neto, é que o auxílio emergencial termine no fim do ano e, provavelmente, seja substituído por um programa permanente de transferência de renda que caiba no teto de gastos. Desse ponto em diante, afirmou, a população começaria a gastar a poupança acumulada durante a pandemia, o que operaria como mais um motor de sustentação da demanda.

Obviamente, para que a poupança vire consumo, será preciso que os indivíduos que acumularam essas reservas passem a gastar. É por isso que o BC está procurando entender a natureza da poupança acumulada pela população.

Kanczuk falou um pouco sobre o que acontece nos EUA, que para ele é um indicativo do que poderá vir a ocorrer no Brasil. Lá, a renda da população subiu bem, sustentada pelo pagamento de auxílios pelo governo. Ainda assim, o consumo caiu. Mais recentemente, a renda recuou, depois que acabaram as transferências, e o consumo passou a subir.

Apesar de, no fluxo, renda e consumo terem se aproximado, o resultado de todo esse processo foi um aumento do estoque de poupança. Os economistas estão olhando os dados no detalhe para entender melhor os desdobramentos. Uma conclusão é que os mais pobres mantiveram o consumo durante a pandemia - na verdade, aumentaram 1,6% em relação a janeiro passado. Provavelmente, substituíram o consumo de alguns serviços - cujo acesso ficou mais restrito por causa da pandemia - por outros bens, como os duráveis. “Vemos alguns mercados, como construção civil e carros usados, que estão bem exuberantes”, afirma Kanczuk.

Já entre os mais ricos, o consumo está quase 10% abaixo dos níveis de janeiro. Uma possível explicação é que, com as medidas de distanciamento social, essas pessoas não estão tendo acesso aos serviços que gostariam de consumir. Outra hipótese é que esses indivíduos aumentaram a poupança precaucional porque têm medo do futuro. Mas medo do quê?

Uma possibilidade é as pessoas terem poupado mais porque estão receosas de perder o emprego. Kanczuk, porém, apresentou um gráfico que mostra que o nível de emprego dessa faixa da população quase se recuperou - está apenas 1,6% abaixo de janeiro. Ou seja, pode ser um pouco de medo de desemprego, mas parece ser mais do que isso. É aí que entra a tese do medo do desequilíbrio fiscal.

“Não é a incerteza em relação ao emprego, mas talvez uma questão sobre o que vai acontecer lá na frente, já que de algum modo a economia não produziu, o governo aumentou a sua dívida, e isso vai ter que ser pago”, disse Kanczuk. “Uma possibilidade é que os ricos estão incorporando isso - sendo ricardianos - sabendo que talvez eles que vão arcar com o aumento do consumo que houve sem ter produção.”

Uma implicação dessa conjectura, se ela se mostrar verdadeira, é que um pedaço da poupança acumulada durante a pandemia não vai voltar para a economia. Esse motor de sustentação da retomada seria um pouco mais fraco do que se imaginava inicialmente.

O argumento, certamente, não é unânime. A teoria da equivalência ricardiana é uma contraponto à tese keynesiana de que, nos momentos em que o setor privado fica com medo e se retrai, o governo deve se endividar para sustentar a demanda agregada. As críticas à teoria Ricardo-Barro são conhecidas: ela pressupõe indivíduos extremamente racionais que poupam em resposta a uma situação meio etérea das contas fiscais. A evidência empírica sobre o tema é um tanto ambígua, o que ajuda a alimentar o esporte favorito dos economistas de discordarem entre si.

Juros suficientes?

Em 2% ao ano, os juros básicos são baixos o suficiente para estimular a economia? O ex-chefe do Departamento de Pesquisa Econômica (Depep) do BC, Marcelo Kfoury Muinhos, foi conferir num estudo que acaba de publicar com seu colega no Centro de Estudos Macroeconômicos da FGV-EESP, Marcelo Fonseca, e com Evandro Schulz, da B3. Alerta de spoiler: sim, estão baixos o suficiente.

Eles estimam entre 2% e 3% reais ao ano a taxa neutra de longo prazo, usando três metodologias diferentes batizadas com sobrenomes de seus criadores, como a de Laubach-Williams. E calculam quanto os juros deveriam estar seguindo a regra de Taylor: 0,8% reais negativos. Hoje, os juros reais de mercado estão mais ou menos nesse patamar. E, além de juro baixo, há o reforço do “forward guidance” do BC de não o subir em algumas situações em que a regra de Taylor exigiria aperto.


Bruno Carazza: Vai dar liga?

Surpreendentemente o número de candidatos a prefeito este ano caiu em relação a 2016

O homem começou a desenvolver a habilidade de lidar com metais para produzir ferramentas e objetos na fase final da pré-História, por volta do ano 5.000 a.C. Depois das idades da pedra lascada (paleolítico) e da pedra polida (neolítico), nossa escalada evolutiva passou a ser designada pelos materiais metálicos com os quais aprendemos a trabalhar para facilitar nossa vida: do cobre para o bronze, chegando finalmente ao ferro, fomos nos tornando cada vez mais capazes de extraí-los, fundi-los e manuseá-los.

Na tabela periódica, de um total de 118 elementos, 94 são metais. Graças à sua estrutura atômica, marcada por uma fraca atração dos elétrons mais externos da camada de valência, os metais apresentam uma tendência de se associarem por meio de ligações iônicas com outros átomos, inclusive não-metais. Essa propriedade também colabora para a sua alta condutividade elétrica e do calor.

Ao longo do tempo, a siderurgia e a indústria em geral foram percebendo que poderiam ampliar enormemente seu potencial caso explorassem essa característica química dos metais. Dependendo do uso, poderia ser melhor associar um metal a outro, formando uma liga que teria dureza, ponto de fusão, maleabilidade e resistência completamente diferentes. Ao se alterar o percentual de carbono adicionado ao ferro, podemos obter um aço que terá uma aplicação completamente diferente caso o demandante seja a indústria automobilística, naval ou aeroespacial – tudo vai depender da composição da liga metálica.
Fim das coligações não altera natureza química dos partidos

Desde o final da ditadura, a política brasileira se caracteriza por uma infinidade de ligações formadas por dezenas de partidos com características diferentes. Assim como os metais, as legendas brasileiras em geral possuem um núcleo programático que exerce pouco poder de atração sobre seus integrantes, que ficam orbitando ao seu redor, mas com grande liberdade para formar moléculas com elementos de natureza química às vezes bastante distinta.

As coligações partidárias servem muito bem aos interesses dos políticos, reduzindo os custos de campanha, isolando rivais, tornando mais maleáveis propostas de governo e forjando alianças oportunistas entre antigos adversários a depender do contexto local ou nacional e a situação econômica do país.

É verdade que algumas poucas legendas têm o perfil de gases nobres, mantendo-se fiéis à sua composição ideológica original e rejeitando qualquer aproximação com elementos distintos. Os radicais de esquerda PCO, PCB e PSTU tradicionalmente são pouco afeitos a associações, e mais recentemente o Novo surgiu à direita com a mesma vocação de isolamento e baixa reatividade química.

Para os demais elementos da tabela periódica da política brasileira, porém, a tendência é de formação de aglomerados de partidos, com baixa densidade ideológica, forte resistência à tração exercida pelas cobranças sociais e elevada elasticidade de comportamento moral. Em 2002, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentou impor limites às coligações partidárias, determinando que elas só poderiam ser fabricadas nacionalmente. Em 2006, contudo, o Congresso Nacional aprovou uma Emenda à Constituição liberando as ligações em qualquer âmbito federativo.

Na esteira da Lava Jato e da corrosão da imagem das coalizões partidárias, em 2017 os parlamentares consentiram em barrar as associações entre partidos, mas só para as eleições legislativas representativas. Neste ano teremos, portanto, a primeira eleição neste novo ambiente químico em que as associações estão liberadas para as disputas para prefeito, mas não para vereador.

Os dados preliminares divulgados no final da tarde de ontem (27/09) pelo TSE indicam que o número de candidatos a prefeito no país subiu apenas 10,9% –o que indica que as coligações se mantêm muito resistentes, apesar da nova regra.

Com relação à composição dessas chapas, a diluição ideológica continua altíssima. Só para se ter uma ideia, PT e PSL, os grandes rivais da última eleição nacional, serão aliados em 462 municípios neste pleito, enquanto tucanos farão parceria com petistas em 830 cidades brasileiras.

33 legendas disputam pelo menos uma prefeitura nas eleições deste ano.

Partidos políticos no Brasil não costumam ter muita identidade ideológica; para a maioria deles, portanto, pouca diferença faz se os tratamos pelas siglas ou pelos nomes. De toda forma, pelo menos como curiosidade, seguem as principais alterações em relação ao último pleito municipal.

De um lado há a moda de tentar modernizar imagem dos partidos por meio da troca de suas antigas siglas por nomes mais simpáticos. Nesse movimento, de 2016 para 2020 o PPS virou Cidadania, PRB é Republicanos, o PTN passou a se apresentar como Podemos, o PEN tornou-se Patriota, o PT do B responde como Avante, o PP chama-se agora Progressistas e o PSDC aparecerá na urna como Democracia Cristã. Houve também duas mudanças de siglas: o PMDB perdeu o “P” de partido e o PR virou PL (não, o Cebolinha não se filiou a essa legenda).

Por fim, como desde 2018 a Constituição exige que as legendas tenham um desempenho mínimo nas urnas para fazer jus às benesses da legislação eleitoral, houve uma tímida redução de concorrentes neste ano. Com a imposição da cláusula de barreira o Patriota deglutiu o PRP, o PHS foi incorporado ao Podemos e o PPL fundiu-se com o PC do B.

Esse resultado, porém, teria sido muito mais forte se a legislação também tivesse condicionado a distribuição do bilionário fundão eleitoral à cláusula de desempenho. Como não o fez, muitos partidos nanicos consideram que vale a pena financeiramente continuar existindo em carreira solo. Neste ano haverá, inclusive, a estreia de mais um: o Unidade Popular (UP) disputa sua primeira eleição com candidatos a prefeito em 29 municípios brasileiros.

Erramos: na versão impressa desta coluna, a variação do número de prefeitos saiu incorreta em função de inconsistências devido a uma leitura incorreta das planilhas de coligações e candidatos fornecidas ao longo do dia no site do Tribunal Superior Eleitoral. O colunista pede desculpas pelos inconvenientes.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.


Catarina Rochamonte: Reeleição e rebaixamento da República

Alcolumbre move-se às claras pela reeleição

Os três Poderes se acumpliciam, mais uma vez, rebaixando o princípio constitucional de independência e harmonia ao nível da dependência e mútua proteção. Nessa República do compadrio, antes do interesse público vêm os interesses particulares dos mandatários, e as práticas do tipo "uma mão lava outra" dos ilustres políticos sequer são camufladas. O senador Davi Alcolumbre, por exemplo, move-se às claras e com desembaraço para garantir sua pretensão de continuar no cargo de presidente do Senado por meio de uma reeleição flagrantemente inconstitucional.

Já avança no Senado, elaborada às pressas pela senadora Rose de Freitas, uma PEC para a reeleição de Alcolumbre. O presidente do Senado, todavia, tendo muitos favores prestados a seus aliados nos outros Poderes, não quis confiar apenas na PEC da Rose, tratando logo de manobrar para que o STF o autorize a atropelar a Constituição. Atropelo esse que, aliás, já conta com o aval da PGR e da AGU, sob a alegação de que se trata de questão regimental, e não constitucional.

Questionada por membros do Muda Senado sobre eventual reeleição do atual presidente, a Consultoria Legislativa da casa deu o seguinte parecer: "reeleição dentro da mesma legislatura é inconstitucional". Alcolumbre não deu a mínima; mandou a consultoria às favas e aproveitou para atacar o grupo Muda Senado, que tenta defender a Constituição.

O rebaixamento da República foi selado em elegante jantar oferecido pela senadora Kátia Abreu, que recebeu os senadores Alcolumbre, Eduardo Braga e Renan Calheiros e o ministro Gilmar Mendes, relator de uma ação que poderá resultar na autorização do projeto continuísta.

O que esses convivas têm em comum além do cuidado com a reeleição de Alcolumbre? São contrários à Lava Jato; estão em campanha —aberta ou sorrateira— para destruí-la e, com isso, trazer de volta a garantia de impunidade dos poderosos, no espírito da velha política de acomodação de interesses.

*Catarina Rochamonte, Doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).


Marcus André Melo: Na eleição norte-americana, o ganhador leva tudo

EUA: polarização nacional, eleições locais

A campanha presidencial nos EUA virou um jogo de apostas altíssimas agora que Trump poderá ter maioria estável na Suprema Corte, em um pleito que provavelmente será judicializado. Mas, se o pleito é nacional, de importância inédita, a disputa é fragmentada, estadualizada.

Isso se deve à importância no colégio eleitoral dos "swing states" —estados com muitos delegados e onde há equilíbrio de forças. Espécie de relíquia institucional, tem sobrevivido a 700 emendas constitucionais apresentadas para sua eliminação, que tiveram apoio massivo, como discuti neste espaço.

Países que copiaram os EUA nas suas constituições eliminaram o colégio já no século 19, e outros no século 20, como a Argentina (1995) e o Chile (1920).

A instituição é exemplo de regra majoritária ("winner takes all") aplicada a eleições presidenciais, mas o raciocínio vale para as legislativas.

As chances de vitória no colégio e derrota no voto popular têm origem dupla: a) o ganhador no estado escolhe todos os delegados da jurisdição: uma vitória por uma margem de 1% produz um ganho de 100%; b) o número de delegados em cada estado é a soma do número de deputados federais e senadores, o que favorece os de menor população.

Entre nós, na República Velha, valia a mesma lógica, mas para as eleições legislativas: o mais votado em cada distrito levava a totalidade das vagas em disputa (que variava de 1 a 4). Utilizamos também no Segundo Reinado distritos de um representante, como nos EUA hoje. O impacto da regra fica claro no resultado final. No limite, um partido que obtiver um terço dos votos nacionalmente, mas não for o mais votado em nenhum distrito, não obterá nenhuma cadeira.

A regra majoritária cria uma estrutura de incentivos pela qual, durante as eleições, a campanha ocorre apenas nos poucos distritos onde há equilíbrio na disputa (também chamados de "marginal districts"). Caso contrário, é como se não houvesse eleição (caso dos "safe districts"). Aos simpatizantes de partidos minoritários resta não votar ou votar no candidato que rejeite menos.

Em contraste, sob a representação proporcional, os partidos minoritários têm incentivos para disputar o voto porque conseguem obter cadeiras mesmo não sendo os mais votados. Quanto maior a magnitude do distrito eleitoral, maiores as chances de representação (desconsiderando efeitos de cláusulas de barreira e a existência de segundo turno). Por isso o comparecimento às urnas também aumenta.

Assim as regras importam e têm enorme resiliência. O localismo na eleição americana tem raízes institucionais e se insere paradoxalmente em um ambiente "desespacializado" e polarizado das redes.

*Marcus André Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).


Celso Rocha de Barros: A história de Mandetta

Em "Um Paciente Chamado Brasil", ex-ministro da Saúde conta história que se encerra com sua saída do governo

O ex-ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta acaba de publicar um relato de sua passagem pelo ministério durante a pandemia de 2020.

Em “Um Paciente Chamado Brasil”, conta a história que começa na reunião de Davos de janeiro deste ano, em que a pandemia começou a entrar na agenda internacional, e termina com sua demissão, voltando para casa ouvindo Jimmy Hendrix no carro.

Mandetta é cotado para ser candidato a presidente ou vice-presidente (talvez em chapa com Sergio Moro) em 2022. Por isso, algum cuidado com a versão que conta sempre é aconselhável.

Mas também é verdade que sua versão bate muito melhor com o que dizem fontes independentes, a ciência e os números da pandemia do que, por exemplo, a versão de Jair Bolsonaro, que também será candidato em 2022 e já fez coisa muito pior para garantir sua reeleição do que escrever um livro.

A trama central de “Um Paciente Chamado Brasil” já é conhecida, mas é muito importante que tenha sido registrada e assinada por um participante-chave da história: Jair Bolsonaro ignorou completamente a pandemia, não demonstrou qualquer interesse em salvar vidas e só se preocupou com o efeito da quarentena sobre suas chances de ser reeleito.

Alimentava ilusões paranoicas como a de que o embaixador chinês trabalhava para derrubar governos de direita na América Latina.

No que se refere à cloroquina, Mandetta é taxativo: Bolsonaro nunca se interessou pela sua capacidade de curar ninguém. Queria que, com a caixinha de cloroquina no bolso, os brasileiros voltassem a trabalhar, morresse quem morresse.

Via na quarentena uma conspiração dos governadores, em especial de João Doria, para derrubá-lo. E sabotou o Ministério da Saúde em diversos momentos.

Entre os outros personagens, o livro permite a construção de uma espécie de escala que, sempre na opinião de Mandetta, vai dos razoáveis como Campos Neto, os generais Braga Neto e Fernando Azevedo, aos criminalmente irresponsáveis como Osmar Terra e Eduardo Bolsonaro.

Paulo Guedes teria chegado atrasado no entendimento sobre a gravidade da pandemia, o que teria forçado, inclusive, o Congresso a assumir protagonismo na criação do auxílio emergencial.

Além da distribuição de responsabilidades, o livro tem outro interesse: é um relato do choque de um direitista tradicional (Mandetta) diante do extremismo de Bolsonaro, e de como fracassaram as manobras para moderar o presidente.

Mandetta lamenta, por exemplo, que o DEM não tenha encampado Bolsonaro na campanha de 2018.
Imagino que Mandetta o lamente por achar que isso poderia tê-lo moderado.
Já escrevi aqui que a aproximação com o DEM no começo do governo teria sido um sinal forte de moderação por Bolsonaro.

Ele nunca a quis, e, à luz do que Mandetta conta no livro, parece que o DEM teve razão em não bancar Bolsonaro em 2018: ele não parece aceitar moderação nenhuma.

Permanece, entretanto, o fato de que nem a direita tradicional nem os militares nem Guedes nem Moro se mobilizaram com o ânimo necessário para forçar Bolsonaro a agir como um adulto responsável durante a maior crise sanitária do Brasil em cem anos, ou para puni-lo por não tê-lo feito.

Mas mesmo que o tivessem feito, essa era a hora do líder. E Bolsonaro falhou como nenhum outro líder brasileiro já havia falhado.

*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).


Ricardo Noblat: Dada a largada para a primeira eleição do voto quase facultativo

Nunca se viu nada de parecido

O voto no Brasil é obrigatório há 74 anos. O Código Eleitoral prevê multa de 3% a 10% sobre o salário mínimo da região para os que deixarem de votar e não se justificarem.

Sem a justificativa e o pagamento da multa, o eleitor não poderá obter passaporte ou carteira de identidade e renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo.

Mas como a punição pela abstenção é irrisória, o voto obrigatório é uma ficção. O prazo para justificar a abstenção é de 60 dias. E basta pagar uma multa de R$ 3,50 para que o eleitor fique quite.

Este ano, graças à crise sanitária, não votar e não ser multado ficou ainda mais fácil. Em cartório, o eleitor poderá depois justificar sua ausência dizendo que passou mal no dia da votação.

“Em algum lugar no futuro, idealmente, o voto deverá ser facultativo”, disse a este blog o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral.

“Mas a nossa jovem democracia ainda terá que ter esse ajuda extra, lembrando que o voto facultativo dá protagonismo aos extremos, o que não é bom no momento que o país atravessa”.

Segundo a mais recente pesquisa Datafolha, por medo de ser contaminado pelo coronavírus, 1 em cada 5 moradores da cidade de São Paulo diz que pode deixar de ir votar em novembro.

34% dos eleitores afirmam que não se sentem nada seguros em sair para votar, 24% dizem se sentir muito seguros e os outros 42% sugerem ter pouca segurança.

Os eleitores mais ricos são os que revelam menor grau de insegurança (12%). A maior taxa (24%) está entre os que recebem até dois salários mínimos. A s mulheres são mais inseguras.

Nunca antes na história uma eleição mereceu ser chamada de atípica como esta. Ela se dará sob a convergência inédita de fatos extraordinários – o mais impactante deles, a pandemia.

O vírus que já matou quase 142 mil pessoas e infectou mais de 4 milhões e 730 mil transferiu para novembro a eleição que deveria acontecer em outubro e que poderá se estender até dezembro.

A crise econômica que o país enfrenta decorre da pandemia que aumentou também a polarização política. A briga pelo voto deixará as ruas e será travada em grande parte nas redes sociais.

Por ser municipal, a eleição de vereadores e prefeitos costuma girar em torno de problemas locais. A pandemia, a crise econômica e a polarização política nacionalizarão o discurso dos candidatos.

A abstenção será maior do que jamais foi. Tudo isso somado, os resultados tornam-se ainda mais imprevisíveis. Quem se disser capaz de prevê-los é porque está mal informado.


Cacá Diegues: Vamos cantar até o fim

Outros horizontes surgem diante de nós, com conceitos menos culpados de liberdade

A visão e revisão, na televisão, do espetáculo dirigido por Bárbara Paz, com Lirinha, músico e poeta pernambucano, me levou, por oposição, a algumas ideias sobre a cultura popular cultivada no Brasil, em meados do século passado. Não vou voltar ao rico espetáculo, sobre o qual escrevi na semana passada. Mas ele representou, para mim, alguma coisa que, partindo daquela tradição de mais de 60 anos, nos envia a novos horizontes de uma cultura nacional.

Para os que não sabem ou não se lembram, a cultura popular da segunda metade do século XX se tornou um estilo de criação, como tinha sido o Modernismo, anos antes. Mais que isso, ela foi tratada, por nossos mais finos intelectuais, como instrumento de conhecimento e transformação do país, nos revelando o que não sabíamos sobre nosso povo e servindo de rumo para o que seríamos com o fim à vista do subdesenvolvimento social e econômico. Inventores da poesia neoconcreta se tornavam cordelistas, músicos de vanguarda compunham hinos de mobilização política, gênios do teatro de costumes se dedicavam a esquetes de shows sindicais.

A cultura popular foi, no Brasil daquela geração, o que seria a contracultura nos países do Primeiro Mundo, uma revolução cultural sincronizada ao que acontecia em nossa política partidária e ideológica. Uma troca de Marcuse por Gramsci. O que chamávamos de cultura popular adquiriu tal força de expressão entre nós que se tornou a representação mais generosa do que era e do que pretendia ser o país. Ela não só representava com pertinência o que se passava, como ainda se tornava fundadora de novos costumes capazes de nos organizar como nação.

É claro que, do bolero ao forró, da bossa nova ao tropicalismo, a canção popular exerceu um papel de destaque e, às vezes, de liderança no desenrolar dessa história. Mas a chama da cultura popular pegou fogo nos mais variados formatos e plataformas, das artes plásticas ao cinema, da arquitetura ao teatro, da ficção à poesia. Passando sobretudo pela recuperação de tradições esquecidas, do folhetim e do rádio, das caravanas circenses e do teatro de revista, das quais nós não nos lembrávamos que amávamos tanto e que foram reordenadas pela então recente televisão. Mesmo que houvesse eventuais conflitos entre essas manifestações, cada uma delas se julgava o cerne fértil da sociedade brasileira daquele momento, a origem de uma nova nação.
De tal modo essa ideia de cultura popular radical e construtiva se instalou entre nós, que os sucessivos fracassos políticos, econômicos e sociais de nossos governos passaram quase despercebidos, voluntária ou magicamente disfarçados pelo que era, para os criadores e seu público, o Brasil de verdade. Só recentemente nos demos conta da mediocridade do conjunto de homens públicos, de direita ou de esquerda, que temos merecido, dos enganos a que eles nos levaram em nome de ideias que não se traduziram, na prática, em bem-estar, justiça e progresso permanentes para todos.

A cultura popular acabava sendo o lugar de nossas queixas pelo fracasso de nossos projetos. Navegantes embarcados em canoas sem rumo, alimentando a pretensão de uma relevância que não tínhamos, não percebíamos a distância entre povo e nação. Do horror da ditadura militar, passamos a uma democratização de circunstâncias e compromissos, até chegar à tragédia que vivemos hoje. A tragédia de um país sendo destruído pelo fascismo, para o qual a cultura é inimiga prioritária, porque ela é movimento e aponta direções.

Não digo que isso esteja mudando ou que vá necessariamente mudar, que encontramos enfim o caminho que a bússola política descompensada do passado não nos permitia encontrar. Mas outros horizontes surgem diante de nós, com conceitos menos culpados de liberdade, uma fé maior em nossas ilusões pessoais, a certeza de que somos responsáveis por todos mas não necessariamente por ninguém, que, parodiando Baudrillard, somos produto do desejo e da necessidade. A diferença é que, no passado do século passado, queríamos, sem saber que queríamos, que o conjunto de nossas obras substituísse a nação. E hoje sabemos que cada um de nós é uma nação.


Fernando Gabeira: Memórias de um mau brasileiro

O discurso de Bolsonaro é tão mentiroso que talvez nem ele acredite

A tese da conspiração internacional contra o Brasil foi ressuscitada pelo discurso de Bolsonaro na ONU. Ela vem acompanhada de um lamento pela ajuda de maus brasileiros aos que conspiram contra o país.

Modestamente, tenho sido um desses maus brasileiros, ao longo de meio século. Relato algumas memórias, comemorando bodas de ouro.

Na década de 70, a conspiração contra o Brasil consistia em divulgar notícias sobre torturas e assassinatos sob o governo militar. Usávamos lembranças pessoais, relatos dos presídios e até documentos levados ao exterior por abnegados diplomatas.

Com esse material, construímos uma teia na qual a ditadura se enredou, caiu no isolamento e foi estigmatizada. O ponto alto desse trabalho foi o Tribunal Bertrand Russell, em Roma, onde foram denunciadas as agressões aos direitos humanos no Brasil.

Contamos com notáveis conspiradores sul-americanos: o colombiano Gabriel García Márquez e o argentino Julio Cortázar.

As atividades conspiratórias ressurgiram após o assassinato de Chico Mendes. Outros seringueiros morreram antes dele. Chico Mendes era um líder extraordinário, e sua morte coincidiu com uma crescente consciência ecológica mundial e, dentro dela, o reconhecimento do singular papel da Amazônia.

No embalo desse movimento, houve o encontro dos povos indígenas em Altamira. Inúmeros conspiradores internacionais presentes. Entre eles, Sting e Anita Roddick, dona da Body Shop.

O tema: construção da Usina de Belo Monte, mais tarde concluída por um governo de esquerda, sinal de que a conspiração não respeita os parâmetros ideológicos.

Semana passada, em Nova York, em campanha pela Amazônia, Harrison Ford lembrou que o primeiro grande concerto pela Amazônia foi de Sting, há 30 anos.

Ford não mencionou, mas de lá para cá a floresta perdeu 300 mil quilômetros quadrados de vegetação. Novas vozes surgiram espontaneamente: Brad Pitt visitou a Amazônia, Gisele Bündchen pediu pela floresta.

A novíssima geração é mais poderosa. Greta Thunberg, a jovem sueca, já foi recebida por Angela Merkel para falar do acordo econômico Mercosul-UE.

Apesar da má vontade com que é vista por alguns, é uma das favoritas ao Prêmio Nobel da Paz. Como assim, uma menina? As meninas de hoje vão muito além do que possam imaginar.

A conspiração ganhou ares mais solenes. Fundos de pensão falam na defesa da Amazônia e na proteção dos povos tradicionais. Empresas e bancos aproximam-se do conceito de exploração sustentável.

Não é preciso ser inocente quanto aos outros. Quando surgiu, no Canadá, a falsa notícia de que havia a doença da vaca louca no rebanho brasileiro, imediatamente reagi.

Apesar de vegetariano, integrei a comissão parlamentar destinada a revelar a verdade e defender a carne brasileira. Creio que fomos vitoriosos.

Adiante, discordamos. Era pelo rastreamento do rebanho, transparência na origem e condição do gado. Houve quem achasse isso caro, reduzia a competitividade. Hoje há muitos que compreendem e defendem o rastreamento. A melhor maneira de competir é ter qualidade.

Aí estão a trama da nossa conspiração e o conteúdo de nossa maldade. A ideia da preservação do meio ambiente pode ser também a garantia de nossos mercados — uma visão que abarca o futuro das gerações brasileiras.

O discurso de Bolsonaro é tão mentiroso que talvez nem ele acredite no que fala. As Forças Armadas têm compartilhado seu delírio. É assustador, pois indica uma distância da realidade incompatível com a tarefa de defesa nacional.

Cada vez mais o planeta depende de respostas globais, e é preciso manter a soberania num quadro de cooperação. O general Heleno cogitou boicote nacional aos produtos escandinavos, mas não conseguiu se lembrar de nenhum. Não houve uma alma caridosa para informar que São Paulo é o segundo centro industrial da Suécia. Na ausência de escandinavos, ele se volta para produtos alemães passíveis de boicote. Talvez o Fusca, general.

Será preciso que o mundo nos abandone para que se compreenda que somos governados por fantasmas do passado?


El País: 'Bolsonaro é uma liderança inequívoca. É um Lula da direita', diz Jairo Nicolau

Para o cientista político Jairo Nicolau, oposição combate o presidente de modo equivocado ao não entender seu eleitorado, especialmente aquele situado na periferia das grandes metrópoles

Afonso Benites e Felipe Martins, do El País

O cientista político e professor da FGV Jairo Nicolau.
O cientista político e professor da FGV Jairo Nicolau.CAROLINA SOUZA DE ALMEIDA / DIVULGAÇÃO

Nos últimos dois anos, o cientista político e professor Jairo Nicolau (Nova Friburgo, RJ, 1964) se dedicou a estudar quem são as pessoas que elegeram Jair Bolsonaro presidente da República. Com base em pesquisas eleitorais e nos resultados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral, conseguiu fazer uma radiografia do eleitorado. Descobriu o tamanho da força do antipetismo, reforçou a importância da comunicação feita pelo WhatsApp em uma disputa com novas regras e percebeu que nem só extremistas apoiam o polêmico presidente brasileiro. Parte dessas conclusões estão em sua mais nova obra: O Brasil dobrou à direita. O livro será lançado no dia 5 de outubro, pela editora Zahar.

Em entrevista ao EL PAÍS por videoconferência, Nicolau destacou que a oposição tem combatido Bolsonaro de maneira equivocada, insistindo em dizer que seus eleitores seriam fascistas ou extremistas, enquanto que a maioria deles não é. “Parte realmente é formada por pessoas de extrema direita, mas grande parte é de pessoas comuns que vê nele um mito, que tem enorme identidade com ele, que tem admiração por ele”, diz. Nesse sentido, ele vê paralelos entre o atual presidente e o antigo, seu antagonista político Luiz Inácio Lula da Silva. “O bolsonarismo mexeu com a política brasileira de uma maneira muito forte (...) Bolsonaro é uma liderança inequívoca. É um Lula da direita”.

Para esse pesquisador de temas como reforma política e comportamentos eleitorais na FGV Rio, a oposição não conseguiu entender que o presidente tem conseguido ganhar as metrópoles e, principalmente, os pobres que nelas vivem. Por esta razão, não precisa avançar sobre o Nordeste, tradicional reduto eleitoral petista. “Bolsonaro não precisa do Nordeste. Ele foi um fenômeno urbano dos grandes centros e poderá ser novamente. Não precisa invadir a cidadela petista para ganhar uma eleição”.

Pergunta. O quanto Jair Bolsonaro conseguiu entrar na base eleitoral petista?

Resposta. Em 2018, Bolsonaro não conseguiu ir muito além do que Aécio Neves (PSDB) tinha ido quatro anos antes no Nordeste. Em compensação, foi muito melhor no restante do Brasil inteiro. Há um muro invisível que ele não entrou. Os dados revelam o tamanho dessa força nordestina em termos absolutos. Há uma nova hipótese, que temos de ver com calma, de que Bolsonaro estaria mudando sua base de sustentação. Tem alguns clichês que nós, analistas, compramos. O de que, por exemplo, se ele cresceu nas pesquisas só pode ser porque deu dinheiro aos mais pobres. É uma conta feita por analistas apressados. Nenhuma pesquisa que vi conseguiu enxergar essa entrada tão contundente. É difícil imaginar que um eleitor vai votar em Bolsonaro por causa do auxílio emergencial, sabendo que o PT fez uma série de políticas públicas para o Nordeste por 13 anos.

P. O presidente está fazendo campanha, com suas seguidas visitas ao Nordeste?

R. Bolsonaro não precisa do Nordeste. Ele foi um fenômeno urbano dos grandes centros e poderá ser novamente. Não precisa invadir a cidadela petista para ganhar uma eleição. A não ser que perca o eleitorado pobre urbano. Não a elite, a classe média, que aderiu a ele por frustração e conta o mínimo, praticamente nada, em uma disputa presidencial. Ele não pode é perder os pobres urbanos, as periferias das metrópoles. Antes da renda emergencial, ninguém falava que ele cresceria. Ao contrário, diziam que a pandemia o empurraria para um lugar de onde não sairia.

P. Em sua avaliação, o apoio de Bolsonaro hoje já não é diferente daquele que ele teve em 2018?

R. Os dados que vi mostram que a base do Bolsonaro de hoje ainda é muito parecida com a de 2018. Parte de seu eleitorado tem uma relação de muita fidelidade. Independentemente da maneira como ele ganhou, independentemente da facada, Bolsonaro é um grande líder para parte dos eleitores brasileiros. Uma outra obsessão da imprensa é medir o teto do bolsonarismo, mas não dá para medir isso. Temos de reconhecer que Bolsonaro se comunica com um Brasil que tem enorme admiração por ele. Quem não entender isso, vai começar a chamar os eleitores de fascistas. Não vai entender o Brasil. Entre os eleitores do Bolsonaro, parte realmente é formada por pessoas de extrema direita, mas grande parte é de pessoas comuns que vê nele um mito, que tem enorme identidade com ele, que tem admiração por ele. Acham que ele fala aquelas coisas que nós achamos uma aberração por ser uma pessoa comum que está nervosa, que está sob pressão, que tem de enfrentar os desafios do Brasil. Não importa se ele era um deputado medíocre, que ficava lá no fundo do plenário. Bolsonaro conseguiu se mostrar como um líder para boa parte do eleitorado brasileiro. Deslocar esse apoio vai ser uma enorme dificuldade para a oposição. Muitos veem em Bolsonaro uma grande liderança que eles respeitam e admiram.

P. Como se fosse um espelho de si mesmo?

R. Justamente. É isso. O Brasil tem uma parte agrária, uma parte que não assiste a rede Globo, que assiste a Record, que não é informada de política. Veem o Bolsonaro como alguém que está fazendo as coisas. Quando pergunta, “ah, mas e o filho dele que é investigado?”. Essas pessoas dizem: “Mas é o filho dele, não é ele”. As pessoas vão dando um jeito de proteger Bolsonaro. Temos de entender o bolsonarismo não só como um fenômeno de expressão ideológica que encontrou passagem nele, mas também como o primeiro líder de direita popular desde a redemocratização do Brasil. Uma coisa é ser um líder de direita de uma cidade, como [ex-prefeito] Paulo Maluf foi em São Paulo. Outra coisa é ser como Bolsonaro, que é de direita mesmo, defende o regime militar, fala o que outros não têm coragem de falar, e mesmo assim as pessoas o admiram. E são essas pessoas comuns, que não são os tais fascistas, que nós temos de entender. Enquanto combatermos a extrema direita fascista e achar que essa é a melhor forma de combater o bolsonarismo, não estaremos entendendo o Brasil. O bolsonarismo mexeu com a política brasileira de uma maneira muito forte. Não sei se veio para ficar, não sei se ficará por muito tempo. Bolsonaro é uma liderança inequívoca. É um Lula da direita.Bolsonaro é uma liderança inequívoca. É um Lula da direita.

P. Derrotar o bolsonarismo passa por alterar o foco da oposição?

R. Passa por recuperar a política das metrópoles. É a política de um mundo que não é mais o industrial, mas sim expresso pelos entregadores e que a política tradicional talvez ainda não tenha conseguido modular o discurso. Em Caxias, na Baixada Fluminense, Bolsonaro teve cerca de 64% dos votos. E a cidade sempre foi petista. Ou seja, o antigo petista hoje é bolsonarista. Esse eleitor viu em Bolsonaro um cavaleiro. Há um mundo novo. Os jovens de hoje que chegam ao ensino médio são menos brancos do que os de 30 anos atrás, são mais religiosos, estão trabalhando em um mundo de serviço muito mais desorganizado do que aquele que a esquerda operava, que era o do trabalho, das grandes corporações, dos bancos, da indústria metalúrgica. Se não retomar as grandes metrópoles, não ganha eleição. E essas pessoas não são fascistas, são pessoas comuns. Há, claro, um contingente de extrema direita que são hiperconservadores, que preferem a ditadura, que adoram militares, que odeiam a esquerda. Mas esse grupo é pequeno.

P. Qual será o impacto dessas eleições municipais para a disputa nacional?

R. Elas produzirão um rearranjo. Tem muitos cargos em disputa. Acredito que Bolsonaro já é um derrotado na eleição municipal.

P. Derrotado? Por que?

R. Por tudo o que ele poderia ser. No PSL, ele tinha o partido com mais dinheiro, o segundo mais votado para a Câmara. Depois que saiu, tornou-se o único líder de direita que não tem um partido para ele. Eu imaginava que iria organizar o PSL pelo Brasil inteiro, como fez o PSDB, que cresceu na cola do Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. Era o momento de ele aproveitar o apoio de diversas pessoas que tinham virado bolsonaristas. Se estivesse no PSL, seria uma lavada. Com dinheiro, com apoio do presidente, o partido deixaria de ser inexpressivo e passaria a ter uma estrutura muito sólida, com uma bancada ainda maior em 2022. Mas ele foi um desastre, brigou com o próprio partido. Ele tinha uma preciosidade, com grande tempo de TV, com dinheiro, com sucesso eleitoral. Agora, ele chega nas eleições escangalhado. Imagina a [deputada] Joice Hasselmann com apoio do Bolsonaro para a prefeitura de São Paulo. Ela seria diferente. Teria atraído um monte de gente para ser candidato a vereador. Bolsonaro não só esqueceu desse projeto como foi um desastre na construção da Aliança Pelo Brasil. É um fiasco para um presidente que se propõe a criar um partido e não consegue. Era para ele ter um milhão de filiados agora. Mas ele não se empenhou. O Bolsonaro não é um ideólogo. É um sujeito conservador, limitado, que por acaso chegou lá. Ele não tem grupo, não tem projeto, não tem nada. Você até pode dizer que, em algumas cidades, o bolsonarismo não foi tão mal. Mas, onde está esse bolsonarismo de fato? Como se mede isso? No PSL não está.É um fiasco para um presidente que se propõe a criar um partido e não consegue

P. Por que o brasileiro elegeu Jair Bolsonaro?

R. No livro, eu trato do perfil do eleitor. É como se eu tirasse um retrato dos eleitores, dos territórios que apoiaram Bolsonaro e Haddad em contraste com o que aconteceu em eleições anteriores. Essa pergunta é dificílima de ser respondida porque as causas são sempre questionáveis. Eu nunca posso demonstrar que o meu argumento sobre a causa do fenômeno é o que explica o fenômeno na história. Alguns dizem, “foi a Lava Jato”. Sem a Lava Jato haveria Bolsonaro? Não sei. A Lava Jato ganhou força em 2015. Bolsonaro também.

P. E uma coisa não está relacionada a outra?

R. Não sei até que ponto uma coisa está associada com a outra, podemos especular que sim. Mas não tenho como demonstrar. Evitei cair em uma armadilha, para mim intelectual, de tentar responder por que Bolsonaro venceu. A minha pergunta é: quem votou no Bolsonaro? Com os dados que consegui levantar, não consigo responder essa sua pergunta. Consigo especular um pouco, mas não tenho como cravar o que explica o Bolsonaro.

P. Levando em conta que os órgãos de imprensa trataram Bolsonaro como uma figura quase anedótica, qual foi a influência da mídia em sua vitória?

R. Para escrever o livro, assisti a muitos programas de televisão a partir de 2011, quando Bolsonaro deixa de ser um deputado apenas com uma agenda corporativa de representação militar. Ele foi assumindo uma pauta de costumes, em embates com a esquerda, sobretudo Maria do Rosário (PT) e Jean Wyllys (PSOL). Assumiu a defesa de temas tradicionais que sempre existiram, mas não tinham dono. Bolsonaro começa a participar de muitos debates e de programas humorísticos. O CQC e o Pânico, dois programas de humor que atingiam a juventude, fizeram alguns episódios especiais com Bolsonaro. Ele é tratado como um ser exótico, bizarro. Ele tinha coragem de defender aqueles temas e era tão bizarro que ele divertia, gerava controvérsia. Não era uma cobertura ideológica, em que a mídia abriu espaço para alguém de direita. Simultaneamente, Bolsonaro começa a usar de maneira muito eficiente as redes sociais. Se a gente observar, seu crescimento se dá paulatinamente. Uma coisa alimenta a outra. Ele vai ao programa e um trechinho vai ser difundido depois nas redes. E ele fez isso muito bem. Entre 2010 e 2014, sua votação para deputado no Rio sai de cerca de 100.000 votos para 450.000 votos. Deixou de ser um deputado de nicho para ser essa figura conservadora.

P. O discurso contra a classe política não pesou?

R. Esse discurso já está presente nos programas como o Pânico ou o CQC. Eu, que sou um apreciador da política tradicional, ficava um pouco incomodado com o fato de eles irem ao Congresso para fazer piada, mostrar a ignorância de alguns deputados. Claro que o humor é para isso. Veja os protestos de 2013, que foram sobretudo um movimento contra a elite política tradicional. Ou seja, a crítica à elite política tradicional não é de hoje.

P. Mas a mídia não normalizou esse comportamento esdrúxulo?

R. Depois do vigésimo programa que você leva um sujeito que é considerado exótico, ele passa a ser um político que deve ser considerado. Não vou criticar a imprensa tradicional nesse momento. A Lava Jato é outra história, teve um efeito colateral maior. Você passa a ter uma visão muito negativa dos políticos. Especialmente por parte do Judiciário e do Ministério Público, que passam a ideia de que a política era uma atividade basicamente corrupta e que caberia ao Judiciário e ao Ministério Público fazer uma limpa.

P. E a facada, qual foi o impacto para sua eleição?

R. Acho que o atentado contra Bolsonaro ampliou o número de eleitores que o conheciam. Quando a campanha começa, ele ainda é desconhecido para mais metade do eleitorado. Era conhecido nas redes sociais, entre os setores mais informados, entre quem assistia a esses programas de televisão. Mas ele era desconhecido no interior do Brasil, em áreas com pouca cobertura de internet. Com pouco tempo de TV, acho que a cobertura da televisão compensou e gerou salto de conhecimento. Mas essa visibilidade é uma condição necessária, mas não é suficiente para ser votado.

P. Não era a única.

R. Isso. Todos conhecem Marina Silva [Rede], mas só 1% votou nela. Bolsonaro saiu do patamar de 20 pontos percentuais em setembro para 30 pontos em outubro porque as pessoas o compraram ali. Quando se fala em Bolsonaro, ele não é um outsiderDilma Rousseff é muito mais do que ele, relativamente. O primeiro cargo que ela concorreu foi para presidente. Bolsonaro já tinha sete mandatos na Câmara, depois ser vereador no Rio. Nada indicaria que era Bolsonaro quem caberia nesse figurino. Um figurino de extrema direita não é o de um outsider. João Doriaou Luciano Huck seriam outsiders. Eu via Bolsonaro como um extremista. E com ele a direita sairia do armário pela primeira vez. E essa direita não passaria de 15% ou 20%. Errei.

P. Pouco depois da eleição de Donald Trump, havia analistas nos EUA que diziam que quase ninguém previu a sua eleição porque a imprensa e a academia pouco olhavam para o interior do país. No Brasil, vemos uma concentração de veículos de comunicação e de produção acadêmica em poucos Estados. Acha que o Brasil não se conhece, de fato?

R. Vejo uma disparidade entre o que acontece no mundo digital e no mundo real. O Twitter, por exemplo, é uma péssima mostra do Brasil. Ele é uma ótima mostra do Brasil mobilizado, politizado, informado, ativo. Como você dialoga com tribos, você entende o Brasil de uma forma muito mais conflituosa que o Brasil real. Há um abismo entre os combatentes das redes sociais e o Brasil real, onde os brasileiros são muito mal informados. O jogo tradicional é um pouco diferente para a maioria. Se ficar muitas horas, muitos dias nas redes sociais, aí começam as interpretações de que estamos sob o fascismo, de que o golpe vai chegar. Ou, do outro lado, um anticomunismo completamente fora de hora. Não tem ameaça comunista em lugar nenhum do mundo. Só pode ser explicado por uma forma de auto alimentação das pessoas nas redes.

P. Essa desinformação é um território propício para que mais desinformação ocorra. O WhatsApp, por onde circulam muitas teorias da conspiração, é muito usado pelo brasileiro médio. Depois de anos investindo neste ecossistema de manipulação massiva, qual será seu peso nas próximas eleições?

R. O WhatsApp é um fenômeno de comunicação dos mais impressionantes. Em 2018, teve um papel fundamental para explicar alguns fenômenos, como a ascensão fulminante do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. Acho que seria impossível que ocorresse fora do mundo das redes sociais. Um candidato sempre pode crescer da noite para o dia, isso não é um fenômeno novo. Mas com Witzel só foi possível por conta de uma propagação dessas como de pirâmides de dinheiro. E Bolsonaro saiu na frente porque ele e seu grupo de assessores o usaram com muita eficiência. Também havia muitos grupos que se organizaram de maneira espontânea. O bolsonarismo foi muito eficiente em fazer propaganda. Assim que o adversário vinha com uma crítica, eles tinham uma resposta imediata. E, naquele momento, os grupos do WhatsApp podiam contar com um número muito grande de pessoas. Você podia disparar muitas mensagens ao mesmo tempo. Então, de fato o WhatsApp foi um ativo fundamental para o sucesso do bolsonarismo. Mas acredito que esse efeito não se replica, não se reproduz da mesma maneira em eleições locais.

P. Por que?

R. O mágico fez um truque na frente da plateia e todo mundo aprendeu: tem de investir em rede social e no WhatsApp. Além disso, a própria empresa começou controlar. Você não pode encaminhar um texto para muitas pessoas, os grupos têm limites de participantes... E nas eleições locais a política se faz face a face. Talvez em grandes cidades, o WhatsApp ainda faça diferença. A campanha na TV vai ser mínima, a pandemia afastou as pessoas das ruas e, talvez, as redes sociais ajudem. Agora, no interior, em cidades com até 50.000 habitantes, você conhece dez candidatos a vereador. A eleição municipal não é nacional.

P. E não funcionaria para 2022?

R. Acho que voltaremos à mesma estaca. O WhatsApp deve ter suas limitações. Agora, pode surgir um fenômeno que a gente não sabe qual é. Uma rede social nova. Um TikTok que surge da noite pro dia e alguém usa de maneira mais eficiente. Mas a vantagem que Bolsonaro abriu por ter sido pioneiro tende a desaparecer. Nos Estados Unidos, o Facebook já disse que não vai permitir propaganda política nos últimos sete dias da campanha. Isso tem um efeito gigantesco. As redes sociais, de modo geral, terão um efeito limitado.

P. O que podemos esperar para 2022 com relação às candidaturas presidenciais? O foco principal será essa polarização entre o PT e Bolsonaro?

R. A gente está numa conjuntura muito mais incerta. Nas últimas duas décadas, o PT era o ator central da política brasileira. E, por seis eleições, o outro ator foi o PSDB. Agora, temos essa desorganização produzida pelo fenômeno Bolsonaro no quadro partidário. O presidente sequer tem partido. Eu não me arriscaria a fazer nenhum prognóstico sobre 2022. A única coisa que indica é que o Bolsonaro deve sair para a reeleição.

P. Lula voltou ao tabuleiro político depois de seu discurso em 7 de setembro?

R. Quando Lula saiu da prisão, há um ano, ele fez uns discursos tão contundentes contra Bolsonaro que imaginei que comandaria a oposição. Imediatamente, vi que Bolsonaro não respondeu. Foi contra seu instinto, que é o do confronto. Provavelmente, foi orientado ou se convenceu de que não valia a pena. Lula não ganhou o protagonismo que achei que fosse ganhar. Talvez o fato de não ter uma rede social tão potente tenha interferido nessa questão também.O Lula não ganhou o protagonismo que achei que ele fosse ganhar

P. No cenário atual, quem é o principal adversário de Bolsonaro, a centro-direita ou o PT?

R. O PT ainda tem o Nordeste. Até 2018 o partido está muito associado ao partido, quando Fernando Haddad teve uma votação expressiva lá. Ele foi um fenômeno impressionante e isso é um grande ativo. Não sei se os votos que o Nordeste deu ao PT seriam transferidos a outro candidato. Ciro Gomes (PDT) tentou, mas não conseguiu. Não sei se Flávio Dino, governador do Maranhão, conseguiria. Me parece que esses votos estão muito vinculados a Lula e ao PT. Esse reduto do Nordeste dá um volume de votos que possibilita qualquer candidato do PT estar entre os dois ou três candidatos mais votados. Agora, a centro-direita, não sei. Depende de Bolsonaro manter ou não consigo essa centro-direita. Ele ganhou a centro-direita. Ele ganhou o centrão. Se ele for para 2022 como o candidato do centrão, ele estrangula a possibilidade de qualquer nome de centro-direita. Seria uma eleição diferente da de 2018, quando ele era um falso outsider.

P. Qual é o prazo de validade da união do Bolsonaro com o Congresso?

R. Bolsonaro fugiu do manual clássico de como governar o Brasil. A política previa que o presidente deve fazer uma coalizão e oferecer a todos os partidos, salvo os pequenininhos, um ministério. Os ministérios de Bolsonaro não têm nenhuma relação com a composição partidária da Câmara. Se você observar as votações, notamos que ele teve um apoio de 8 entre 10 deputados do PSDB. No DEM ou no PP, foi de 7 entre 10. Varia um pouco entre outras legendas de centro-direita, de 7 a 9 deputados entre 10 apoiaram o Governo nas votações nominais. E não havia ainda o apoio formal do centrão. Agora, ele deve ter uma base de sustentação minimamente sólida. Provavelmente, esses seis ou oito partidos vão eleger o próximo presidente da Câmara, produzindo um alinhamento entre a Câmara e o Executivo. Hoje, Rodrigo Maia não pode ser considerado um inimigo, mas não foi um completo aliado do Governo. Eu imaginava que o presidente teria mais dificuldades, que os deputados seriam mais hostis. E não esperava essa entrada do centrão. Foi uma inflexão muito impressionante. Algo incomum para a carreira dele.

P. Que mensagem o presidente passa ao vetar anistia de dívidas de igrejas e, depois nas redes sociais, dizer que se fosse deputado derrubaria esse veto?

R. Ele quis ficar bem com parte fundamental de seu eleitorado. Se ele não vetasse, ele poderia incorrer em impeachment. E se ele pode incorrer em impeachment, talvez esse projeto de lei seja inconstitucional.


O que caracteriza a mentalidade bolsonarista? João Cezar de Castro Rocha responde

Em artigo publicado na revista mensal da FAP, professor da Uerj cita narrativa conspiratória do Orvil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação FAP

A mentalidade bolsonarista é caracterizada, por meio da guerra cultural, a ponta de lança de um projeto autoritário, com base no resgate insensato da Doutrina de Segurança Nacional, no alinhamento cego à matriz narrativa conspiratória do Orvil e na adesão náufraga ao sistema de crenças Olavo de Carvalho. A análise é do professor Titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de setembro.

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A publicação mensal é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que disponibiliza, gratuitamente, todos os conteúdos em seu site para os internautas. Rocha observa que a ascensão da direita é anterior à emergência do bolsonarismo, o que, segundo ele, favoreceu sua possibilidade de êxito.

“Em boa parte dos estudos acerca do fenômeno, o efeito é tomado como causa. O bolsonarismo não possibilitou o triunfo eleitoral da direita, mas, pelo contrário, a ascensão paulatina da direita, articulada desde meados da década de 1980, preparou a vitória do Messias Bolsonaro no segundo turno em 2018”, analisa o professor da Uerj.

O ensaísta lembra que as manifestações de rua da direita explodiram em março de 2016, depois de se iniciarem em março de 2015, e ampliadas em abril, agosto e dezembro do mesmo ano. Os atos, de acordo com o analista, revelaram ao país uma organização sólida de grupos conservadores, com destaque para movimentos articulados nas redes sociais, que, com grande desenvoltura, tomaram os céus de assalto, não para defender a revolução, porém, todo o oposto, para derrubar o único partido de esquerda que chegou à presidência do Brasil.

Rocha explica que O Orvil é o modelo narrativo adotado pelo bolsonarismo. “Trata-se de documento-chave que oferece o relato de uma permanente ‘ameaça comunista’, fortalecendo o discurso da atual extrema-direita no Brasil, pois se trata do livro de cabeceira da família Bolsonaro”, afirma o professor da Uerj.

O livro, conforme observa o autor do artigo, foi preparado pelo Exército entre 1986 e 1989, cujo objetivo era denunciar a “ameaça comunista”. “A ascensão da direita, um movimento de duas décadas, explodiu em 2015 e 2016, porém sua intensidade foi preparada lentamente por meio da criação de uma linguagem própria, saturada de clichês anticomunistas com ressonâncias anacrônicas da Guerra Fria, ademais do recurso a uma moldura narrativa com base nas tentativas de tomada do poder por parte da esquerda brasileira, “naturalmente” em acordo com o movimento comunista internacional, numa vasta trama de proporções apocalípticas.

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