Day: agosto 30, 2020
El País: As mulheres do poderoso clã Bolsonaro
A atual esposa e as duas ex do presidente compõem uma extensa família cujo lema poderia ser “política (ou poder) acima de tudo”. Investigações sobre Queiroz rondam primeira-dama
Embora o núcleo duro do clã Bolsonaro seja claramente masculino, ele também inclui mulheres, as três com quem o presidente compartilhou sua vida, as mães de seus filhos. Por motivos diferentes, elas também são notícia. A atual esposa, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, de 38 anos, protagonizou o fenômeno viral da semana por conta de um dinheiro de origem suspeita que recebeu de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro. A segunda mulher, Ana Cristina Valle, uma advogada de 53 anos, também sob suspeita por esse mesmo caso de desvio de dinheiro público. E a primeira, Rogéria Nantes Nunes Braga, de 65 anos, mãe dos três filhos mais velhos do mandatário, os três políticos profissionais com vários mandatos legislativos nas costas, cogita disputar as próximas eleições municipais por uma vaga na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro.
Juntas, compõem uma árvore genealógica complexa, uma família com vários ramos cujo lema poderia ser “política (ou o poder) acima de tudo”, parafraseando seu lema de Governo, “Brasil a cima de tudo, Deus acima de todos”. Os laços −incluindo os trabalhistas e políticos− sobrevivem às rupturas sentimentais. Desde que se casou pela primeira vez, em 1978, Jair Bolsonaro nunca chegou a ficar um ano solteiro.
Formou uma dessas famílias cada vez mais comuns, mas que pouco tem a ver com a família clássica apregoada pelas Igrejas evangélicas que tantas alegrias lhe deram em forma de votos. Cinco filhos de três casamentos, exatamente como seu admirado Donald Trump.
A primeira-dama do Brasil é uma mulher discreta quase três décadas mais jovem que o presidente. Evangélica, mãe da única filha de Bolsonaro, Laura ―a menina por quem esse presidente machista baba. Conheceram-se no Congresso quando Michelle era secretária de outro deputado. Às vezes ela participa de algum ato governamental de perfil social ou acompanha seu marido, mas sempre em segundo plano. Raramente fala em público. Foi vista usando máscara antes que fosse obrigatório, nada a ver com ele, sempre relutante. E, assim como ele e vários ministros, acaba de superar o coronavírus sem consequências graves.
Uma ameaça explícita de Bolsonaro a um jornalista se voltou como um bumerangue contra ele na última semana, embora sua esposa é que tenha sido colocada sob os holofotes. No domingo passado, um repórter perguntou ao presidente sobre umas transferências suspeitas de um amigo da família preso por corrupção, e Bolsonaro lhe respondeu com uma frase inadequada para um chefe de Estado, mas que não destoa de seu histórico de grosserias: “Tenho vontade de encher tua boca de porrada”. Nas horas seguintes, mais de um milhão de tuiteiros o bombardearam com a pergunta que o deixou nervoso e ficou sem resposta: “Presidente @JairBolsonaro, por que sua esposa Michelle recebeu 89.000 reais de Fabrício Queiroz?”. Essa quantia foi depositada na conta da primeira-dama, como descobriu a polícia. A pergunta continua sem resposta. Michelle também não abriu a boca.
É um caso complicado, coisa que no Brasil não é incomum. A polícia suspeita que o primogênito do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, administrava com Queiroz, seu faz-tudo, um sistema para ficar fraudulentamente com parte dos salários de assessores de seu gabinete, quando ele era deputado estadual no Rio de Janeiro. E é aí que aparece a conexão com a segunda esposa de Jair Bolsonaro, a mãe de Renan, o único filho que não está na política. Aos 22 anos, ele estuda direito. Embora tenham se separado há mais de uma década, Ana Cristina Valle −que não usa o sobrenome de seu ex− colocou parentes como funcionários nos escritórios legislativos de Flávio e de seu irmão Carlos, familiares que agora estão sendo investigados pela polícia por repassar ao chefe parte de seus salários, uma prática conhecida como “rachadinha”.PUBLICIDADE
O Bolsonaro pai tem conseguido manter boas relações com suas ex-esposas. As duas saíram em sua defesa quando a ocasião exigiu e pediram votos para ele. Isso também não causa muita surpresa se olhamos para os Bolsonaro mais como uma marca ou como uma empresa.
O presidente foi militar antes de iniciar uma longa e insignificante carreira de deputado enquanto ia colocando sua prole na política. A jogada funcionou. Tem cada um dos filhos mais velhos colocado em uma casa legislativa. Flávio, 39 anos, é senador, o calcanhar de aquiles de uma família que fez da luta contra a corrupção sua grande bandeira política. Carlos, 37 anos, é vereador no Rio. E Eduardo, de 36, deputado federal. Seu pai os defende com unhas e dentes.
Dizem que Jair Bolsonaro tem mais instinto que inteligência. O fato é que, depois de um ano e meio no poder, com uma trajetória repleta de escândalos, sua popularidade está mais alta que nunca. Escrúpulos, certamente, não lhe sobram. Quando se separou de Rogéria após uma década de casamento, Bolsonaro fez com que Carlos, então com apenas 17 anos, concorresse contra ela nas eleições municipais, para que não fosse reeleita vereadora. O jovem obteve três vezes mais votos que sua mãe e ficou com a cadeira na Câmara do Rio, que ainda ocupa. Está em seu quinto mandato. Agora Rogéria aspira a reconquistar o cargo no Rio, nas eleições municipais de novembro. Seus planos de concorrer como vice na chapa do prefeito Marcelo Crivella, um pastor evangélico, esfriaram, mas quem sabe, ainda faltam três meses.
Arminio Fraga: Fim do teto. Não se, mas como
Limite sinalizou entendimento contra o crescimento ininterrupto dos gastos a partir dos anos 1990
A emenda constitucional nº 95 de dezembro de 2016 instituiu o teto de gastos públicos, que congelou em termos reais os gastos do governo federal. O teto sinalizou um bem-vindo entendimento quanto à necessidade de se lidar com o crescimento ininterrupto dos gastos a partir dos anos 1990.
Foi parte de uma guinada na gestão macroeconômica do país em resposta ao colapso fiscal que ocorreu a partir de 2014. A partir da guinada, as taxas de juros entraram em trajetória de queda, chegando aos inéditos níveis que prevalecem hoje.
Parecia claro desde o primeiro momento que a manutenção do teto por mais do que alguns anos seria difícil sem que se encarasse de frente a absoluta rigidez dos gastos obrigatórios. Um exemplo pode ajudar aqui. Sob as regras da EC 95, se o PIB crescesse a 2,5% por dez anos, o gasto federal cairia de 19% para 15% do PIB. Se todos os gastos públicos ficassem congelados, em termos reais, teríamos uma queda de 35% para 27%. Não faz muito sentido.
Havia esperança de que reformas mais profundas ocorreriam, o que permitiria em algum momento uma flexibilização do teto, sem grandes estresses. Mas não foi o caso. Algo se fez, como a reforma da Previdência aprovada no ano passado, mas não foi o suficiente: o espaço para cortes nos gastos correntes discricionários praticamente se esgotou e o investimento público está próximo de zero, o que é política e economicamente insustentável.
Não surpreende, portanto, que um exame mais detalhado dos fatos sugira que não se exagere o impacto causal do teto sobre as taxas de juros: a Selic (a taxa de curto prazo fixada pelo BC) está em 2% e a taxa dos títulos do Tesouro de dez anos em torno de 7,5%.
Ambas caíram bastante desde 2016. Parece razoável atribuir parte relevante da queda na Selic à enorme recessão que nos assola há sete anos. As taxas de longo prazo embutidas na curva de juros estão em torno de 9%.
Ou seja, o prêmio de risco segue elevado, espelhando juros reais acima de 4% e ainda algum medo de inflação. E isso num período em que as taxas de juros equivalentes para as economias avançadas caíram em cerca de 1,5 p.p..
Conclusão: o futuro macroeconômico do país ainda está longe de ser confiável. Quem vai investir em um país com indicadores tão incertos? O que fazer então com o teto?
Há quem acredite que um caminho seria abandonar o teto e seguir gastando e acumulando dívida (presume-se que por mais algum tempo). Alguns cogitam prorrogar o orçamento de guerra. Outros entendem que, no limite, seria possível reduzir a taxa de juros de curto prazo a zero (se a inflação permitir) e encurtar ainda mais o perfil de vencimento da dívida (na prática, "emitir moeda").
Acreditam também que haveria espaço para abrir novas frentes de investimento público e privado de boa qualidade. Essa opção conta com o atraente apelo de dispensar a definição de prioridades, bem como parece não impor custos.
Seria bom, mas não para de pé. Falta combinar com os russos. Não há confiança na capacidade de o governo executar bons investimentos. Tampouco há confiança interna e externa para financiar tal caminho. E não sem razão. Nas atuais condições, nem se fala. Seria mais crise na certa. Já vimos esse filme. O Brasil não é uma economia avançada. Os reais problemas seguiriam intocados.
Restam então duas alternativas: defender a ferro e fogo o teto ou buscar uma saída mais equilibrada. Não creio que a defesa pura e simples do teto seja uma solução viável por muito mais tempo, pelas razões que expus acima. Melhor planejar o quanto antes uma saída organizada e crível. A operação é muito delicada. Flexibilizar o teto sem uma nova âncora traria consequências dramáticas.
O quadro geral é bastante complexo. O país apresenta déficits primários há sete anos. O Ministério da Economia sinaliza compromisso com o teto. O presidente da República, pensando na reeleição, aposta suas fichas políticas no Renda Brasil e se opõe a cortes em outros benefícios e aumentos de impostos.
A PEC Emergencial, que ganharia algum tempo para o teto, não parece contar com o apoio do Executivo, pela mesma razão. Claramente a conta não fecha. O que fazer?
Tenho defendido uma estratégia de ajuste estrutural que começou com as reformas do BNDES e da Previdência (3 p.p. do PIB) e que ao longo de dez anos liberaria recursos crescentes, que poderiam chegar a mais 8 p.p. do PIB no décimo ano.
Perdoem-me a repetição, mas não vejo saída para o Brasil que não passe por alguma redução simultânea do nível e das distorções de uma parcela relevante do gasto público.
A economia viria da eliminação de subsídios e brechas tributárias regressivas, de ajustes na folha de pagamentos do setor público e de mais ajustes na Previdência. Boa parte dos recursos ficaria livre para gastos e investimentos em áreas de alto retorno social como saúde, assistência social, pesquisa básica, educação e infraestrutura, sempre que possível alavancados por capital privado. Ficaria livre também para reduzir a carga tributária.
Seria fundamental que a economia com o funcionalismo fosse obtida por meio de uma reforma de recursos humanos do Estado, que promovesse um salto na qualidade nos serviços públicos, seu principal objetivo e importante alavanca para o desenvolvimento.
O lobby do funcionalismo se opõe, mas se espera que o entendimento de que há muito privilégio e desperdício a eliminar acabará prevalecendo. O Brasil é um ponto fora da curva global no que tange ao peso do funcionalismo no gasto público. É prerrogativa do Executivo federal encaminhar ao Congresso uma proposta, mas aqui também a reeleição parece atrapalhar.
Parte do resultado da estratégia acima se destinaria à obtenção de um superávit primário capaz de viabilizar uma queda gradual do endividamento público, hoje elevado pelas barbeiragens, emergências e recessões dos últimos sete anos. O ajuste do primário deveria ser gradual, atingindo cerca de 3 p.p. do PIB em três anos.
Notem que o espaço de manobra seria limitado. No curto prazo haveria um (pequeno) aumento real no gasto público e um aumento da carga tributária. Com o correr dos anos, na medida em que as reformas mostrassem resultado, seria possível aumentar os gastos em termos reais, mas reduzi-los como proporção do PIB. O mesmo vale para a carga. Seria uma decisão política.
Como o único caminho que enxergo é gradual e a nossa credibilidade, baixa, me parece de todo essencial que se aprove o quanto antes uma versão da PEC Emergencial que ofereça ao governo as ferramentas necessárias para se desenhar e executar um orçamento plurianual crível.
Esse orçamento deveria indicar com clareza as metas mencionadas acima para o gasto público e o superávit primário. Só assim seria possível uma flexibilização segura do teto.
A bem-vinda discussão em curso sobre uma renda básica universal, que ampliaria e consolidaria os programas de assistência social existentes, teria que obrigatoriamente acontecer no bojo desse orçamento plurianual. Um igualmente desejável reforço do SUS teria que fazer parte do processo, disputando espaço com outras prioridades. A discussão de temas isolados é má prática econômica e política.
O tempo é curto e o espaço de manobra, ainda menor. Mas ainda temos a oportunidade de reduzir privilégios, buscar a saúde fiscal do Estado e perseguir um crescimento inclusivo. Isso requer metas claras e factíveis e um plano integrado como esboçado aqui. Requer também liderança política com visão de longo prazo.
*Arminio Fraga, sócio da Gávea Investimentos, é presidente do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS).
Vinicius Torres Freire: Baderna no Ambiente e no Renda Brasil são sintomas de que país afunda na vala
Brasil vai cair no buracão, pois verba de investimento míngua a cada ano; dinheiro para obra nova praticamente não há
O vice-presidente Hamilton Mourão disse, em outras palavras, que o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) mente ou é incapaz de ler uma planilha do governo. É mais um sintoma da baderna do governo e um exemplo da mixórdia orçamentária, que vão levando o país para o buraco.
Na sexta-feira (28), Salles anunciara o cancelamento dos trabalhos restantes de combate à destruição da Amazônia. Teria sido informado pelo Ministério da Economia de que os ministros-generais do Planalto haviam decidido que ele perdera a verba para apagar incêndios. Mourão disse que não era nada disso, que o ministro criara caso à toa e que mandara Salles pensar no que havia feito, não se sabe se ajoelhando no milho.
Essa turumbamba se deve a uma disputa por R$ 60,7 milhões, a verba que, sabe-se lá, teria sido tirada do Meio Ambiente. Esse dinheiro equivale a 0,004% do Orçamento de R$ 1,48 trilhão do governo federal (excluídos os gastos extraordinários com a pandemia).
Salles foi uma brasinha soprada pelo esquecido Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo. Um dia expoente do Partido Novo, o ministro espalhou-se como um incêndio no Ambiente de Jair Bolsonaro. Generais do Planalto e Mourão, que tutela Salles desde janeiro, querem apagar o fogo dele.
O motivo fundamental da confusão nem é esse. O sururu se deve à falta geral de dinheiro e do desejo de Jair Bolsonaro de criar um Bolsa Família Verde-Amarelo. Assim indicou Mourão, ao tentar explicar de onde teria saído a ideia de que houvera corte no Ambiente. “O governo está buscando recursos para poder pagar o auxílio emergencial, é isso que eu estou chegando à conclusão”, disse o vice-presidente.
Foi o segundo pito ministerial da semana. Bolsonaro passara um sabão público em Paulo Guedes por causa do Renda Brasil. Também na sexta, o ministro da Economia disse, meio brincando, que a bronca bolsonariana foi “um carrinho”, jogada perigosa, quase “dentro da área” (se fosse pênalti, era cartão vermelho?).
Em suma, não há dinheiro para bancar políticas públicas, caso existissem, ou para a política assistencial de Bolsonaro. Todo o mundo deve se lembrar daquelas cenas de estradas interrompidas por crateras, abertas pelos aguaceiros das chuvas de verão. Os temporais vão levar rodovias, e a coisa pode ficar assim, caindo aos pedaços, assim como em hospital, na universidade e na ciência.
O Brasil vai cair no buracão, pois a verba de investimento (em obras, equipamentos etc.) míngua a cada ano. Dinheiro para obra nova praticamente não há.
O investimento, com R$ 43 bilhões previstos para 2020, fica com apenas 2,9% do Orçamento. As maiores obras levam apenas R$ 300 milhões cada uma; 17% do investimento é despesa militar (avião, submarino etc.).
Quase todo o gasto federal vai para benefícios previdenciários, assistenciais e salários. Mas, mesmo com cortes aí, não haverá dinheiro bastante para investimento, ainda menos se houver um Renda Brasil gordo.
O establishment não quer tributar e gastar mais (reformar o teto).
Os reformistas liberais dizem que sobra capital privado no mundo (verdade); que, com boa regulação e bons projetos, haveria dinheiro privado para investimento (mesmo para aqueles com retorno social alto e retorno privado baixo?), que não se precisa do Estado.
Mas o partido reformista está no poder desde 2016 e não fez nada disto: nem bons projetos, nem nova regulação, nem abertura comercial, nem outros liberalismos. Sua grande obra, no momento, é escorar o governo de baderna desaforada de Jair Bolsonaro.
Míriam Leitão: Escolhas trágicas na economia
O tumulto da sexta-feira com o afastamento do governador Wilson Witzel ajudou a afastar a atenção da área econômica, que vivia o constrangimento de um ultimato dado pelo presidente para ter em mãos o novo Renda Brasil. Foi mais uma semana ruim para o ministro Paulo Guedes. No mercado, a dúvida sobre a sua permanência; no Ministério, a corrida atrás do dinheiro para cumprir outra ordem do presidente: ter recursos para as obras dos ministros Tarcísio Freitas e Rogério Marinho. Por isso a verba do combate ao desmatamento e aos incêndios quase foi usada para outros fins.
A pasta do Meio Ambiente, como se sabe, é ocupada por um inimigo do meio ambiente. É do seu feitio sabotar as ações dos órgãos de fiscalização, ou não dar os meios para que as missões se realizem. O Ministério da Economia conseguiu fazer Ricardo Salles parecer um ambientalista. Na sexta-feira, o MMA comunicou que estava suspendendo 100% das ações porque o dinheiro do Ministério fora congelado. Com o susto, o orçamento foi descongelado, e restou ao vice-presidente dizer que Salles havia se precipitado.
Os dias têm sido pesados na área ambiental. Estudos mostram o avanço do desmatamento, e o efeito da queimada na saúde humana. O movimento das empresas e bancos contra essa deterioração tem crescido. No exterior, as notícias confirmam os temores dos investidores. O vice-presidente Hamilton Mourão vinha ouvindo com atenção os empresários, executivos, banqueiros e administradores de fundos. Mas mostrou na quinta-feira que, se ouviu, não entendeu. Segundo ele, os 24 mil focos de incêndio em um mês na Amazônia são “agulha no palheiro”. A notícia de que o Brasil tiraria a verba do combate ao desmatamento e incêndio seria arrasadora.
Há outro complicador. O dinheiro do Fundo Amazônia não está sendo utilizado, mesmo quando há disponibilidade e projeto, por causa do teto de gastos. Lá estão parados hoje R$ 200 milhões, de acordo com o site oficial. O Fundo não consegue executar os projetos contratados e com recursos porque a despesa bate no teto. O dinheiro do MMA quase foi tirado para atender às ordens do presidente que nunca se importou com o futuro da floresta. Ao mesmo tempo, os recursos de um fundo formado por doações de outros países, mesmo quando há projetos aprovados, não podem ser usados. As autoridades já foram avisadas pelo BNDES e pelos doadores, mas não tomaram qualquer providência.
Não faz sentido que o dinheiro de fora do orçamento tenha que enfrentar esse impedimento. “O ente executor, seja o Ibama ou o Ministério da Justiça, em operações de comando e controle, fica no dilema: usar os recursos do Fundo e bater no teto, ou usar recursos próprios e não conseguir utilizar o dinheiro do fundo”, me contou um funcionário que acompanha a kafkiana situação em que a área ambiental está, e da qual estão a par todas as autoridades, inclusive o vice-presidente Hamilton Mourão.
Na Economia, esta foi a semana de anunciar um outro enorme rombo nas contas públicas, de R$ 87 bilhões em julho. Nos sete meses, o buraco é de R$ 505,2 bilhões. O ministro Paulo Guedes tem que administrar esse mar vermelho e ainda engolir os ataques do presidente Jair Bolsonaro. A crítica ao seu projeto foi feita pelo presidente no religamento de um alto-forno da Usiminas, em ato público e demagógico, quando poderia ter sido dita diretamente ao próprio ministro e à sua equipe. Todo mundo entendeu como um ato de fritura que de fato foi. Mas numa reunião do Instituto Aço Brasil, Paulo Guedes mostrou que do presidente tudo suporta.
– Eu falei para o presidente: carrinho fora da área não dá. Se fosse na área era pênalti.
Em rápida passagem pelos microfones da imprensa, Guedes repetiu as palavras do presidente, de que “R$ 200 é pouco”. Mas foi esse o número que a equipe econômica havia apresentado, tanto na primeira versão do auxílio emergencial quanto no valor que cabia no orçamento para o Renda Brasil.
Segundo Guedes, “é perfeitamente legítimo” o presidente querer outro valor. Querer pode. O problema é que há limites fiscais, e cabe ao ministro apresentá-los ao governo. Em vez de conter o ímpeto gastador dos colegas que ele alcunhou de “fura-teto”, o ministro Paulo Guedes mandou a equipe sair procurando dinheiro em outras áreas. Os recursos da proteção da Amazônia quase foram vítimas das escolhas trágicas do Ministério da Economia.
Affonso Celso Pastore: EUA, Europa e Brasil
Há muitas razões para que os brasileiros analisem atentamente o comportamento da economia norte-americana
Há muitas razões para que os brasileiros analisem atentamente o comportamento da economia norte-americana. Ciclos econômicos nos EUA afetam a economia mundial; a guerra comercial contra a China iniciada por Trump interfere com o Brasil devido às relações comerciais que mantemos com ambos; e, acima de tudo, o mercado financeiro centrado em Nova York, interage intensamente com a economia brasileira, afetando direta e indiretamente o seu comportamento. De um modo geral, temos muito a aprender com os EUA, mas não com a sua reação à pandemia e às suas consequências na política monetária. Neste caso, ganharíamos muito mais se prestássemos a devida atenção ao que vem ocorrendo na Europa.
Enquanto o governo dos EUA optou pela negação da pandemia, os vários governos europeus impuseram desde logo um rígido lockdown, que derrubou o contágio e permitiu o início mais rápido de uma cuidadosa reabertura, que favoreceu o bem estar de suas populações.
Como o PIB é uma medida imperfeita de bem-estar, não reflete o ganho devido ao já quase pleno retorno à livre movimentação dos europeus. Porém, acima de tudo, a boa reação europeia no campo sanitário levou a uma utilização bem menos intensa de estímulos monetários. De fato, o BCE vem gerando uma expansão de seu ativo significativamente menor do que a do Fed, e a maior preocupação dos governos europeus é com o “futuro do euro”, para cuja consolidação, na última reunião do Conselho Europeu, foi aprovado um fundo de recuperação de € 750 bilhões, com € 390 bilhões na forma de subvenções e € 360 bilhões em empréstimos. Os europeus reagiram racionalmente à pandemia; foram prudentes na política monetária, e apesar da oposição dos países “frugais” procuraram exorcizar o fantasma de uma nova versão do Brexit, defendendo a moeda única e a cooperação entre os países do bloco.
Já a negação da pandemia por parte do governo dos Estados Unidos levou o país, após uma segunda onda de contágio, a amargar uma média de mil mortes por dia, e para compensar os efeitos econômicos de sua omissão no campo sanitário teve que exagerar na concessão de estímulos monetários, cuja intensidade é melhor avaliada observando seus reflexos sobre os preços dos ativos.
A compra de treasuries por parte do Federal Reserve tem sido tão intensa que derrubou todas as suas taxas de juros para próximo da taxa dos fed funds. Os governos emitem dois tipos de passivo: o que rende juros – os títulos da dívida pública – e o que não rende juros – o papel moeda, e diante de uma estrutura de taxas gravitando em torno de zero tudo se passa “como se” estivesse jogando moeda de um helicóptero. No passado, as curvas de juros já foram inclinadas e planas, mas nunca devido a este comportamento do Fed. Uma de suas consequências é acentuar a tendência de enfraquecimento do dólar, porém a mais preocupante é que o Fed vem alimentando uma bolha no mercado de ações. Há várias semanas a Nasdaq já superou em muito o pico anterior ao início da pandemia, e esse patamar também foi superado pelo S&P 500. Ao se comprometer mais com a queda do desemprego do que com a inflação, Jerome Powell tende a inflar ainda mais a bolha no mercado de ações, e sabemos que estouros de bolhas têm custos econômicos elevados.
Na reação à pandemia o Brasil seguiu os EUA; há mais de 80 dias o país amarga em torno de mil mortes/dia, e para evitar uma recessão ainda mais profunda teve de lançar mão de estímulos. Felizmente o Banco Central nunca cogitou de realizar uma operação twist que reproduzisse a curva de juros norte americana, e esperamos que o lucro da depreciação cambial transferido ao Tesouro não tenha o seu uso desvirtuado. Porém, no campo fiscal, o País desperdiçou recursos de que não dispunha. Sendo incapaz de montar um cadastro que delimitasse corretamente qual seria o “grupo alvo” beneficiado pelas transferências, destinou-as a perto de 66 milhões de brasileiros!
Chegaremos ao final de 2020 com um déficit primário e uma relação dívida/PIB bem superiores ao que ocorreria na ausência desse erro, com as consequências de que: não salvamos as vidas que poderiam ter sido salvas com uma reação correta à pandemia; e deixamos para nós mesmos e para as gerações futuras um enorme custo fiscal.
Uma proeza, maximizamos os dois custos ao adotar um modelo que busca, apenas, viabilizar a reeleição do presidente. Melhor seria termos aprendido com a história dos países de sucesso, que priorizam o bem comum, como fizeram os europeus.
*Ex-presidente do Banco Central e sócio da A.C. Pastore & Associados.
Dorrit Harazim: Trump coroado
O país real ficou de fora do seu discurso e do Jardim da Casa Branca
Leonard Cohen fez bem em morrer na véspera da eleição de Donald Trump em 2016. Deixou um vasto tesouro feito de palavras e música, entre elas a sublime “Aleluia”, canção-reflexão sobre amor e perda, espiritualidade e empatia. Muito da força desse hino à humanidade está no que ele deixa em aberto para interpretações múltiplas do que é ser, do que é viver. Difícil imaginar que Trump tenha sido fã do compositor canadense. Mais difícil ainda cogitar que Cohen algum dia se resignaria ao triunfo trumpista. Daí a vilania da rasteira post-mortem dada no artista por ocasião do festão de quinta-feira na Casa Branca: “Aleluia” foi entoada duas vezes, sem autorização dos herdeiros, na coroação do presidente-candidato à reeleição em novembro próximo. Nada transcendental, apenas um detalhe da grosseria em tudo o que leva a logomarca Trump.
Na cerimônia de encerramento da Convenção Republicana faltou apenas rebatizar o partido para Trump Party. De resto —da apropriação da Casa Branca como imobiliário do ocupante aos fogos de artifício proclamando “Trump 2020” sobre o Monumento a Washington —, o evento todo foi de adulação personalista. Nos jardins da “casa do povo americano” haviam sido plantadas 1.500 cadeiras para familiares e servidores públicos, não por servirem ao Estado, mas por serem servos de Trump. E, ao final de quatro dias de elegias, coube ao entronizado apresentar a sua versão fantasia de si mesmo.
Foi um discurso de 70 minutos que arrebatou a plateia. Mesclando fatos e ficção, o presidente proclamou-se predestinado guardião da Constituição e acenou com um futuro de grandeza nacional. Sobretudo, Trump incitou medo, recurso de eficácia comprovada em tantas eleições mundo afora. Richard Nixon disse o essencial em 1968 ao conquistar a Casa Branca: “As pessoas reagem a medo, não a amor. Ninguém aprende essas coisas em aula de catecismo, mas a verdade é essa.”
Na semana anterior, a Convenção Democrata também procurara definir Donald Trump como uma ameaça nacional — mas à democracia. O partido do presidente optou por retratar o país como uma presa da violência urbana. Uma escumalha de foras da lei e da ordem estaria a rondar os subúrbios brancos, governantes democratas seriam incapazes de conter o caos urbano, a China acabará com a bonança americana e, resumiu Trump, “ninguém mais estará em segurança nos Estados Unidos de Joe Biden”.
O presidente referiu-se ao adversário Biden 41 vezes, ora como incompetente desvertebrado — “está há 47 anos no Congresso e nunca fez nada” —, ora como “cavalo de Troia” a serviço da extrema-esquerda socialista.
Mas a estocada de Trump mais letal contra o adversário, e talvez a mais temida pela campanha democrata, ainda está por vir. Trata-se da reiterada insinuação do presidente de que Joe Biden, aos 77 anos, estaria com a acuidade cognitiva comprometida, portanto sem condições de liderar a nação.
Dias atrás Trump chegou a sugerir que os dois candidatos se submetessem a testes toxicológicos antes do primeiro debate presidencial, marcado para 29 de setembro, com divulgação dos remédios que cada um toma. Alegou ter observado que Biden apresentou-se apagado e confuso nos dez debates democratas coletivos, e que apenas no último, contra Bernie Sanders, apresentara vigor cerebral. O repórter do ultraconservador “Washington Examiner” quis saber se Trump estava sugerindo testes como os que lutadores fazem antes de subir no ringue.
“Sim”, respondeu o presidente, “debate é como uma luta entre gladiadores. Só que no debate você usa o cérebro e a boca. E também seu corpo. Quero debater em pé, não sentado como quer a comissão organizadora.”
A esse contexto que, por si, já parecia insólito, veio se juntar, também esta semana, um inesperado conselho público da presidente da Câmara, a democrata Nancy Pelosi, para Biden: recusar-se a debater com Trump no formato habitual. A falta de civilidade e a notória enxurrada de afirmações falsas do presidente tornariam o debate inútil, argumentou Pelosi. Por ora, Joe Biden descartou a sugestão. Ainda bem.
A tática do medo adotada por Trump contém um risco evidente — alardear para o caos num país que está sob seu comando há três anos e meio. O papel de presidente como espectador, não responsável pelas desgraças nacionais, só existe no planeta Trump, porque o país real ficou de fora do seu discurso e do Jardim da Casa Branca. Mas esse país real existe — ele tem 180 mil mortos por Covid, é formado por uma sociedade dilacerada pelo racismo, pela violência policial, esgotamento e desgoverno. É esse o país que vai votar. Ou deixar Donald J. Trump se reeleger. Rest in Peace, Leonard Cohen.
Ricardo Noblat: A inteligente jogada de Bolsonaro de concluir obras dos outros
Para chamá-las de suas
Um pouco por toda parte, mas aqui com toda certeza, está para nascer o político que reconheça os méritos e exalte as obras legadas pelos que o antecederam no cargo.
Getúlio Vargas, o estadista, foi o que mais fez pelo país ao seu tempo. Mas como foi também um ditador, e não existe ditador bonzinho, pega mal elogiá-lo.
Juscelino Kubistchek, o rei da simpatia, redescobriu parte do país esquecido e o seu governo coincidiu com o tempo em que o brasileiro sentiu orgulho – da música ao futebol, Brasília incluída.
Mas Jânio Quadros, que sucedeu a Juscelino, não esperou acabar o dia de sua posse para criticá-lo duramente. Foi um fenômeno eleitoral que vivia de porre e não aguentou governar seis meses.
À falta de obras para chamar de suas porque lhe falta um projeto para o país, Bolsonaro pretende inaugurar ainda este ano 33 obras, a maioria começada em governos passados.
Das 33, 25 planejadas por Lula e Dilma, duas por Temer e seis da atual administração, mas que ainda mal se arrastam. Claro, para que isso seja possível, precisa combinar com o dinheiro escasso.
Dirão os adversários de Bolsonaro, e com razão: ele vai se apropriar de coisas dos outros, e sequer dirá que procede assim. De fato, essa é a ideia dele, inteligente por sinal. Mas, e daí?
Se não concluísse as obras só porque elas tiveram início em governos anteriores, dele se diria que é um político mesquinho, irresponsável, que preferiu pará-las a tocá-las em frente.
O país só tem a ganhar com a continuidade de obras desde que vitais para seu desenvolvimento. Não importa o que esconda a verdadeira intenção de Bolsonaro com isso.
Janio de Freitas: A Folha no Erramos; editorial 'Jair Rousseff' trouxe de volta o tratamento de 'ditabranda'
Relações entre jornais e leitores são repletas de equívocos, de parte a parte
O jornalismo das últimas décadas, entre nós, vem fechando olhos e ouvidos para o leitor, cada vez mais. Com a consequência automática de tiragens em permanente queda livre e apelo ilusório à soma das versões impressas e digital, para socorrer os slogans. Na própria soma, está uma prova do descaso, que lhe deu o preguiçoso nome de audiência, referente a nada mais do que audição, captação de sons.
Da parte dos leitores, os equívocos vêm, em grande parte, de insatisfações e indignações que se retroalimentam porque, aqui, o jornalismo não se ocupa da imprensa como notícia normal. Um caso exemplar se tornou, na Folha, tabu que assumo a responsabilidade de romper, como outros que este jornal no passado me permitiu desrespeitar.
Trata-se do empréstimo, não sei se apenas episódico, de veículos da Folha à repressão na ditadura. Desde a redemocratização, essa colaboração substantiva e indigna é uma tinta pegajosa e indelével lançada contra a Folha, com justos motivos. Como sentença moral restaurada a cada atitude reprovável por determinados segmentos leitores.
À Folha não falta soberba, mas não vem daí a falta de explicação satisfatória para o erro. A impessoalidade do jornal e o seu silêncio levaram o ônus aos dois controladores da empresa, Octavio Frias e Carlos Caldeira Filho.
O primeiro, incumbindo-se sobretudo da atividade editorial; o outro, voltado mais para setores administrativos. A Caldeira credita-se a criação e comando de um modelar serviço de transporte e entrega de jornais, incomparável na imprensa brasileira da época, pela modernidade e dimensão da frota. Da qual saíram os veículos para o serviço sórdido.
Nunca ouvi que alguma vez Caldeira tenha clareado o ocorrido. Frias, muito menos. Mais onerado do que o sócio, dada a maior notoriedade da condução editorial, em 1993 a morte de Caldeira tornou Frias o alvo único. Um equívoco, além de intocado, ampliado. Não tem por que permanecer.
Da ditadura ainda tão presente ao presente ameaçado de sua volta: o editorial “Jair Rousseff”, no sábado (22), trouxe de volta a muitos leitores o tratamento de “ditabranda” certa vez aplicado, também em editorial, aos anos de tortura e assassinato nos quartéis.
Deste erro afrontoso adveio outro equívoco traumatizante nas relações entre o jornal e imensa parte da então centenas de milhares de leitores. Difundiu-se que Otavio Frias Filho, já diretor de Redação, foi o autor do editorial. Ou, em versão mais arriscada, quem determinou o uso do termo.
O que houve não era novidade, um editorialista revestindo com a autoridade do jornal o que, pode-se presumir por outros motivos, era ou é um conceito seu. Do jornal que publicara, e continuou publicando, tantas revelações de crimes de militares e da ditadura em geral, é que tal conceito não era.
A exemplo de Octavio pai, Otavio Filho guardou silêncio a respeito do editorial. Não há dúvida de que a imputação incabível o feriu. E acirrou indisposições suas com algumas figuras públicas e com posições à esquerda. Equívoco contra equívoco. Injustiça contra injustiça.
Para o bem e para o mal, com segurança do ato ou não, é incomum jornalistas ultrapassarem as reais ou presumidas opiniões e posições desejadas para o jornal, a TV e o rádio pelas respectivas cúpulas. Mas há transgressões e transgressões.
Sou, por exemplo, uma prova (ainda) viva, entre muitas, de que censura é inconciliável com os cânones da Folha. Já foi observado por inúmeros leitores, no entanto, que determinados comentaristas não são chamados à Primeira Página, ou o são rarissimamente. Embora possam ter frequente presença entre os mais lidos, no jornal e na internet.
Entre estes autores, em comum, a crítica ao conservadorismo, ao neoliberalismo, às fraquezas morais e à política no Judiciário e no Ministério Público, matéria-prima dos admirados comentários de Conrado Hübner Mendes e Celso Rocha de Barros. A discriminação é censura. É, no caso, autoritarismo clandestino, porque imposto onde é repudiado por princípio. Perde o jornal.
A procedência do editorial “Jair Rousseff” pode ter sido, também, o abuso de função. Como pode ter sido um aprofundamento, no pior rumo, da queda de asa para a direita introduzida ainda por Otavio Frias Filho. Se a Folha não esclarecer, o tempo, e não muito, o fará. Seja como for, não é, não pode ser próprio de um jornal, e deste nem como hipótese, o presente de maquiar a miséria humana de Bolsonaro juntando-lhe o nome ao de uma vida de dignidade que ninguém pôde atingir —Dilma Rousseff.
Por isso, peço licença a Cristina Serra para subscrever o bravo e brilhante artigo em que situa Dilma, Bolsonaro e o editorial nos termos justos e merecidos. Estendo o pedido a Conrado Hübner Mendes e a Nelson Barbosa, que apontou as imprecisões do editorial para servir ao seu título. Assim como o editorial será, são artigos para a história. Aos quais se junta a excelente carta da própria Dilma Rousseff à Folha.
Mas não se pode ignorar —nem entender, creio— o que se passa para que seja o mesmo jornal no erro ignominioso daquele título e na ética impecável da publicação, em suas íntegras, dos artigos de reprovação enérgica e sem concessão.
Elio Gaspari: A caótica fritura de Paulo Guedes
Como superministro, ele foi uma invenção marqueteira
O “Posto Ipiranga” entrou num humilhante processo de fritura. Felizmente, essa figura nunca existiu. Se existisse, o perigo seria enorme, pois é impossível fritar um posto de gasolina. Pode-se explodi-lo, mas o quarteirão vai junto. Paulo Guedes como superministro foi uma invenção marqueteira, que jamais ficou em pé. O doutor acumulou poderes sem ter um projeto viável, acreditou na própria lenda, achou que estava chegando ao paraíso, confiou em velhos truques e em menos de dois anos deu-se conta de que é o presidente quem manda.
Quando Bolsonaro mandou ao lixo seu projeto para o Renda Brasil, deu-lhe uma lição: “Não posso tirar dos pobres para dar para paupérrimos”. Na mosca, pois era isso que Guedes propunha, tirar recursos do abono que beneficia 23 milhões de pessoas com renda inferior a dois salários mínimos, para quem não tem nem isso.
Essa foi a boa notícia. A má é que Paulo Guedes vem sendo perseguido por outro fantasma marqueteiro, chamado “Pró-Brasil”. Ele apareceu intitulando-se um “Plano Marshall” para o país. Era coisa de quem não sabia o que foi o plano de recuperação econômica da Europa depois da Segunda Guerra Mundial.
Piorando, é também coisa de quem não sabe o que quer, além do elementar avanço sobre a bolsa da Viúva. Nesse bloco brilha o ministro Rogério Marinho. Quando ele estava na ekipekonômica de Guedes, defendeu a taxação compulsória das pessoas que recebem auxílio-desemprego. Não se tratava de tirar do pobre para dar ao paupérrimo, mas de tirar de quem está sem trabalho para reforçar a caixa do governo.
Promovido a ministro do Desenvolvimento Regional (e candidato ao governo do Rio Grande do Norte), tornou-se um defensor da necessidade de investimentos “no capital humano e na infraestrutura”. Nada mais sensato. Marinho defendeu essa tese na tenebrosa reunião ministerial de 22 de abril. Amparou-se no exemplo da audaciosa e clarividente decisão do chanceler alemão Helmut Kohl para custear a reunificação do país no final do século passado. (Nessa reunião, Jair Bolsonaro fritava seu ex-superministro Sergio Moro.) Marinho poderia ter prosseguido no exemplo alemão: Kohl foi apanhado num escândalo de arrecadação ilegal de dinheiro de campanha, perdeu o cargo, sua mulher matou-se e ele morreu no ostracismo, em 2017.
Guedes acreditou em muitas fantasias. Achou que o mercado lhe dava tanta força que podia advertir o presidente da República. No último dia 11 ele disse o seguinte:
“Os conselheiros do presidente que estão aconselhando a pular a cerca e furar teto e vão levar o presidente para uma zona de incerteza, uma zona sombria, uma zona de impeachment, de irresponsabilidade fiscal. E o presidente sabe disso e tem nos apoiado.”
Passaram-se 15 dias e tomou o troco. O “tem nos apoiado” era uma doce ilusão.
A turma que frita Guedes apresenta-se como “ala desenvolvimentista”. Antes fosse. Passou o tempo e tudo voltou ao dia em que disseram ao marechal Castelo Branco que se formava uma aliança contra o “inimigo comum”. Ele perguntou quem seria esse inimigo e disseram-lhe que era ele.
—Eu, não. É o Erário.
Recordar é viver
No século passado, quando o presidente José Sarney fez o Plano Cruzado e pareceu ter acabado com a inflação, o empresário Dilson Funaro tornou-se o ministro da Fazenda mais popular de todos os tempos.
O Cruzado fazia água e falava-se que o ministro popular poderia deixar o governo. No Planalto repetia-se que Funaro só sairia se quisesse.
Um dos ministros mais poderosos do governo avisava:
“Ele vai sair, mas só depois de termos quebrado todos os seus ossinhos.”
Desossado, ele saiu em abril de 1987.
Como salvar uma escola
As coisas boas também acontecem. Com a pandemia e a recessão, milhares de colégios particulares estão lutando pela vida. Em julho, a Escola Espaço Ratimbum de Morungaba, pequena cidade próxima a Campinas, parecia condenada. Sua fundadora, Viviane Catapani, foi buscar ajuda na comunidade. Aos empresários, pediu que adotassem alunos com bolsas de estudo. Ao pais das crianças, ofereceu descontos a quem pudesse adiantar as mensalidades.
Dono de uma fazenda na região, o empresário Fernando Carramaschi ajudou a mobilização da professora e, em menos de dois meses, a comunidade salvou a escola. Seis mães de alunas, o dono do posto Shell e pessoas ligadas às empresas Alpina Têxtil e Agropecuária Purininha salvaram a Ratimbum. A escola recebeu R$ 17 mil, e tem apalavrados outros R$ 41 mil. Dos 52 alunos do colégio, dez terão bolsas de estudo.
Ressaca
Em uma semana a polícia, o Ministério Público e o Superior Tribunal de Justiça mostraram o tamanho de embustes que estavam embutidos na onda moralista de 2018.
A polícia acusa a deputada Flordelis de ter matado o marido-pastor Anderson do Carmo. O Ministério Público acusou o Pastor Everaldo de ter avançado sobre recursos destinados a combater a pandemia e o ministro Benedito Gonçalves mandou-o para a cadeia.
O mesmo ministro afastou o ex-juiz Wilson Witzel do governo do Rio. Eleito em nome da moralidade num estado que teve cinco governadores encarcerados, Witzel dificilmente voltará ao Palácio Guanabara. Benedito Gonçalves poderia ter dado um toque de humor à sua decisão exigindo que o doutor usasse a ridícula faixa azul que mandou confeccionar no dia de sua posse.
Numa trapaça da História, no dia em que o Senado afastou a presidente Dilma Rousseff, o Pastor Everaldo batizava nas águas do Rio Jordão o deputado Jair Bolsonaro. Além do que seria a fé, Bolsonaro e Everaldo conviveram no Partido Social Cristão, presidido pelo pastor.
Biden pelado
Donald Trump passou quatro anos apanhando. No seu discurso aos republicanos, começou a atirar em Joseph Biden, e o candidato americano virará vidraça nos próximos meses.
Noves fora as trapalhadas de seu filho, a turma que lhe dava segurança quando era vice-presidente conta que o ilustre sexagenário tinha o hábito de tomar banho de piscina nu.
Os agentes do Serviço Secreto que protegem o presidente americano e seu vice adoram os republicanos, santificam Ronald Reagan, detestam Jimmy Carter e odeiam Hillary Clinton. Mesmo assim, não falam mal de Barack e Michelle Obama (codinomes “Renegado” e “Renascença”). Ela fazia questão de ser chamada pelo primeiro nome.
Wassef e a JBS
Quem conhece o valor dos honorários de advogados acha que os R$ 9,8 milhões que a JBS pagou ao advogado Frederick Wassef podem até ser razoáveis, desde que estejam vinculados ao êxito nos litígios.
Nos próximos dias o procurador-geral Augusto Aras saberá quais eram os exitosos caminhos de Wassef
Sergio Fausto: A voz mansa de Djalma Marinho
Suspeito que ele ficaria vexado pela proximidade política do neto com um político como Bolsonaro
O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é um político competente e estrela em ascensão no atual governo. Com dois mandatos de vereador em Natal e outros dois de deputado federal pelo Rio Grande do Norte, além de cargos importantes no Executivo estadual e federal, não lhe faltam experiência nem DNA: é neto de Djalma Marinho, político potiguar que se destacou na Câmara dos Deputados por mais de três décadas na segunda metade do século 20. O avô de Rogério Marinho não conseguiu se eleger governador de seu Estado, como agora pretende o neto, mas sua biografia revela um tipo de político cada vez mais raro no Brasil: um liberal-conservador culto e educado, que se manteve coerente com suas principais convicções ao longo de 40 anos de vida pública.
Filiado a um único partido entre 1945 e 1964, a UDN, aderiu à Arena quando da imposição do bipartidarismo. Embora membro do partido situacionista, não hesitou em levantar a sua voz mansa contra as piores arbitrariedades do regime autoritário.
Foi assim na conjuntura dramática que levaria à decretação do AI-5, em dezembro de 1968. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, não se dobrou à pressão dos militares que pretendiam processar Márcio Moreira Alves por discurso supostamente afrontoso à honra das Forças Armadas. Com críticas ao governo pela repressão a manifestações estudantis, o parlamentar fluminense conclamara os pais a não autorizarem seus filhos a desfilar no 7 de Setembro e às moças, a não dançarem com os cadetes no baile da Independência.
Em audiência com o então presidente Costa e Silva, Djalma Marinho anunciou que a comissão negaria a licença solicitada pelo Ministério da Justiça para instaurar processo contra o deputado, que gozava de imunidade parlamentar para expressar livremente a sua opinião. Buscou encontrar alternativas para o impasse. Diante da intransigência do general-presidente, fez discurso corajoso da tribuna da Câmara em que se disse um “vassalo da ordem democrática”, recusando-se a cumprir “exigências absurdas”.
A derrota do governo na comissão e no plenário serviu de pretexto para a edição do mais draconiano dos atos institucionais, que fechou o Congresso, suspendeu a imunidade parlamentar, a inamovibilidade e estabilidade de juízes e o habeas corpus, escancarando a ditadura e soltando as rédeas da repressão e da tortura. Marinho perdeu, mas não mandou às favas os escrúpulos de consciência.
Nas eleições legislativas de 1974 sofreu novo revés, dessa vez uma derrota eleitoral. No pleito daquele ano, quando o regime completou seu décimo aniversário, o partido de oposição obteve votação surpreendente para a Câmara (e também para o Senado). Sem reconquistar seu mandato nas urnas, Djalma Marinho foi à tribuna e expressou sua opinião sobre os resultados das eleições. Disse que seu “caráter plebiscitário representava o fato mais relevante dos últimos dez anos” e aconselhou o presidente Ernesto Geisel a rever conceitos e estilos, métodos e práticas, “que haviam sido impostos à nação de cima para baixo, sem debate, sem alternativa”, conforme se lê no verbete dedicado ao parlamentar no acervo do CPDOC da FGV.
De volta à Câmara em 1979, eleito deputado federal nas eleições do ano anterior, Djalma Marinho dedicou-se ao projeto de reforma da Lei Orgânica dos Partidos. Manifestou-se pela liberdade de organização partidária e admitiu a legalização do Partido Comunista Brasileiro (PCB), afirmando que, como democrata, “teria de conviver com todas as tendências”.
No ano seguinte, lançou-se à presidência da Câmara como candidato dissidente do PDS, sucessor da Arena, defendendo a independência do Congresso. Recebeu votos de alguns de seus colegas de partido e da maioria dos deputados de oposição, mas o vitorioso foi Nelson Marchezan, apoiado pelo presidente João Figueiredo.
Djalma Marinho não teve a força expressiva de Teotônio Villela, seu correligionário na UDN e na Arena, também ele proveniente de um pequeno Estado do Nordeste. Teotônio foi mais vocal e aguerrido na divergência com o regime, do qual se afastou para finalmente se filiar ao MDB, no início de 1979. Ainda no partido do governo, o Menestrel das Alagoas, como o chamaram Milton Nascimento e Fernando Brant, confrontou em andanças pelo País e discursos no Senado a legitimidade do autoritarismo e visitou presos políticos na campanha pela anistia ampla, geral e irrestrita. A seu modo, porém, Djalma Marinho também deixou sua marca no reencontro do País com a democracia.
Marinho morreu em dezembro de 1981, dois anos antes de Teotônio. Não sei o que pensaria sobre a proximidade política do neto com um político como Jair Bolsonaro. Suspeito que ficaria vexado. Afinal, era um homem culto, educado, conservador, mas liberal e tolerante. Perdeu a eleição para o governo de seu Estado em 1960, derrotado por Aluísio Alves, mas deixou uma biografia digna de ser lembrada.
O neto ainda não terminou de escrever a sua. Que o avô ilumine o seu caminho.
*Diretor-geral da Fundação FHC, é membro do Gacint-USP
Eliane Cantanhêde: Legalidade sempre!
Afastamento de Witzel por decisão monocrática e sem ouvi-lo acende luz amarela entre governadores
O Ministério Público acertou ao investigar e descobrir maracutaias justamente na área de saúde no Rio de Janeiro, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) errou ao decidir monocraticamente o afastamento do governador Wilson Witzel por 180 dias, sem nem sequer ouvir o que ele tem a dizer sobre as acusações, feitas a partir de uma delação premiada. Combater a corrupção, sim, mas abrir um precedente perigoso contra governadores, não. Por isso, o julgamento de terça-feira no plenário do STJ é tão importante.
Desde sexta-feira, há intensa troca de telefonemas e mensagens entre governadores, para analisar a situação e a operação que pegou Witzel de jeito. Ninguém defende Witzel, até porque eles não viram o processo e não conhecem as provas, mas todos defendem ferrenhamente a legalidade. Que o MP investigue e faça o que tem de fazer e que a Justiça decida, julgue, puna. Mas um único ministro afastar um governador eleito? Sem dar a ele acesso às acusações? Sem ouvi-lo?
Se hoje é Witzel, amanhã pode ser qualquer um. Há motivos para a preocupação. Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, a ministra Damares Alves disse, em bom e alto som, que estava tudo pronto para pedir a prisão de governadores e prefeitos. A deputada bolsonarista Carla Zambelli, do PSL, sabia de véspera das primeiras buscas e apreensões contra Witzel. O senador Flávio Bolsonaro avisou com antecedência que o vice-governador assumiria. Witzel lembrou que a subprocuradora-geral Lindôra Araújo é bolsonarista e amiga de Flávio. Amigo do meu inimigo é meu inimigo?
É um óbvio subterfúgio de réu que, sem resposta para os fatos, desqualifica acusadores. Mas serve de alerta para MP e Justiça serem milimetricamente rigorosos, sem abrir brechas ao acusado nem gerar desconfiança entre governadores. Uma coisa, legal, elogiável, é investigar roubalheiras e punir responsáveis. Outra é aproveitar erros de um governador para generalizar, jogar a opinião pública contra todos e criar ambiente para afastamentos, buscas e apreensões, até prisões.
Todo cuidado é pouco nessa hora, com o presidente Jair Bolsonaro em campanha e com tudo engatilhado para despejar sobre os governadores todas as culpas por 120 mil mortos, pandemia, economia, desemprego, queimadas, (falta de) educação. Bolsonaro vai posar de vítima, os governadores serão os réus. Bolsonaristas compram qualquer versão do “mito”. E os demais?
Witzel é uma das estrelas da “nova política” que invadiu governos estaduais e Congresso pelo PSL e PSC e na onda Bolsonaro. Nunca se ouvira falar num tal de Witzel e nem se sabia pronunciar o nome daquele juiz que caiu de paraquedas na eleição num dos três principais Estados do País, com direito a vídeo de apoio do general Augusto Heleno, um dos mentores da candidatura Bolsonaro.
O discurso de Witzel foi o mesmo que varou o País, com neófitos em Minas, DF, Norte, Sul, Centro-Oeste: Congresso, Supremo, política e políticos são uma porcaria, nós somos os bons, os salvadores da Pátria. Mas Witzel não é o único que sucumbe antes de completar dois anos de mandato. Aliás, como estão os processos contra Flávio Bolsonaro?
Por tudo isso e as provas que se acumulam, a repetição primária dos métodos do condenado Sérgio Cabral e a transformação de Helena Witzel na nova Adriana Ancelmo, os procuradores do Rio merecem aplausos, descortinando a corrupção, demolindo o discurso fraudulento. Mas não pode haver dúvidas quando Witzel se diz “massacrado politicamente”. Em vez de réu por corrupção, ele quer se passar por vítima do bolsonarismo. Se o STJ e o MP forem impecáveis, esse discurso não para em pé. Se não, o que é questão de justiça pode virar oportunismo político e ameaçar os governadores.
Vera Magalhães: Corrida da toga
Vale tudo em nome das cadeiras que vão vagar no Supremo Tribunal Federal
Com o protagonismo ainda maior adquirido pelo Supremo Tribunal Federal em tempos de revisão da Lava Jato e de freios nos arreganhos autoritários de Jair Bolsonaro, foi desencadeada uma bizarra corrida pelas duas cadeiras de ministros que vão vagar no intervalo de um ano. Vale tudo para demonstrar lealdade ao presidente e ser digno da canetada da sua Bic.
Pelo menos três atores têm sido pródigos em mostrar serviço na expectativa de serem premiados com a cobiçada toga. A briga pelos lugares dos “Mellos”, Celso e Marco Aurélio, tem produzido decisões em que o direito é torcido e retorcido, com graves consequências políticas e institucionais.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, nomeado por Bolsonaro ao arrepio da lista tríplice e à revelia dos seus pares, é um deles. A última da PGR sob seu comando foi produzida pelo seu vice, Humberto Jacques de Medeiros: o parecer favorável ao foro privilegiado retroativo para Flávio Bolsonaro no caso Fabrício Queiroz.
Medeiros também tem expectativas com a “corrida da toga”: se for Aras o agraciado agora em novembro, são grandes as chances de Bolsonaro designá-lo para o seu lugar.
O fundamento para aliviar a barra de Flávio contrasta com o que o próprio Medeiros usou em outra recente decisão polêmica: a de que requisitar documentos da Lava Jato de Curitiba. Agora ele argumentou que Flávio pode ter seu caso levado para o TJ do Rio porque a decisão do STF em contrário não era vinculante. Na outra, pegou um precedente aleatório para justificar a requisição de dados, sem evocar a necessidade de “aderência”. Um direito para cada ocasião.
Aras deu parecer contrário a buscas e apreensões contra bolsonaristas no inquérito do STF. Agora, no caso Wilson Witzel, o Ministério Público Federal pediu o afastamento de um governador e ele foi acatado por um ministro do STJ de forma monocrática.
Qual a linha da PGR? Depende da circunstância e do alvo?
O próprio STJ, aliás, virou palco auxiliar da corrida pela vaga no tribunal mais prestigiado. Basta lembrar do “canto do cisne” de João Otavio de Noronha na presidência da Corte: mandar Fabrício Queiroz para a prisão domiciliar por uma liminar no meio do recesso. Noronha é outro que tem a expectativa de ser agraciado por Bolsonaro.
Mais próximo do presidente está o ministro da Justiça, André Mendonça, que se transformou em tudo aquilo que Bolsonaro queria que Sérgio Moro fosse, mas o ex-juiz não quis.
A Advocacia-Geral da União, que ele chefiava antes, continua sendo uma subsidiária de sua linha de trabalho, e a pasta da Justiça virou um misto de advocacia particular do presidente e agência de espionagem de seus inimigos, em procedimento para o qual a maioria dos ministros do STF passou uma reprimenda, mas aliviou a barra do postulante a colega.
E aí há um aspecto importante: os 11 ministros do Supremo têm dado sinais ambíguos quanto à defesa da institucionalidade e aos freios necessários aos demais Poderes e a outros órgãos do sistema de Justiça.
Contêm o presidente, mas usam expedientes no mínimo duvidosos para isso. Repreendem os excessos da Lava Jato, mas seguem tomando decisões monocráticas que chocam a sociedade porque vão na contramão do esperado combate à impunidade. Defendem a liberdade de imprensa, mas abrem um precedente ao evocar a Lei de Segurança Nacional para punir ativistas – dando a senha para Mendonça fazer o mesmo com um jornalista.
O grau de degradação de todas as instâncias da vida nacional que Bolsonaro produziu com sua Presidência tóxica em um ano e 8 meses dará trabalho de corrigir. O sistema de Justiça não passará incólume a essa deliberada estratégia de destruição. Sob a complacência, quando não participação ativa, de muitos dos seus atores.