Day: agosto 25, 2020

Rubens Barbosa: Brasil atropelado

EUA lançam candidato à presidência do BID, quebrando uma tradição de 60 anos

Com sede em Washington, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi criado em 1959. Embora com participação acionaria majoritária dos EUA, ficou estabelecido que a presidência sempre caberia a um nacional da região e a vice-presidência, a um norte-americano. Nos últimos 60 anos essa regra não escrita (antigamente se dizia acordo de cavalheiros) foi mantida: o BID, um bem-sucedido banco de fomento econômico e social das Américas, foi presidido por chileno, mexicano, uruguaio e colombiano.

Na sucessão do atual presidente havia a expectativa de que Brasil ou Argentina pudessem apresentar candidatos, o que de fato foi feito. O Brasil lançou Ricardo Xavier, de pouco peso político, para a presidência do BID. O ministro da Economia, Paulo Guedes, havia avisado o secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, da apresentação do nome brasileiro, na expectativa de que o Brasil pudesse pela primeira vez eleger o novo presidente. Mnuchin, contudo, com um telefonema acabou com a pretensão do Brasil ao informar que o governo de Washington havia decidido lançar para presidente do BID Mauricio Claver Carone, diretor para assuntos de América Latina no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, quebrando uma tradição de 60 anos. Na contramão do interesse brasileiro, em nota oficial conjunta Ministério da Economia e Itamaraty se alinharam aos EUA, ao afirmarem “ter recebido positivamente o anúncio do firme comprometimento do governo dos Estados Unidos com o futuro do BID por meio da candidatura norte-americana à presidência da instituição”. E completou a nota alinhada ao governo americano: “O Brasil e os Estados Unidos compartilham valores fundamentais, como a defesa da democracia, a liberdade econômica e o Estado de Direito. O Brasil defende uma nova gestão do BID condizente com esses valores”.

Os EUA sempre preservaram sua influência no BID pelo poder do voto, cerca de 30%, nas decisões, mais do dobro dos outros países latino-americanos maiores acionistas. O anúncio de Washington não causou nenhuma reação dos governos, pela ausência de lideranças afirmativas na região. Os principais países encontram-se vulneráveis e sem capacidade de reagir. A Argentina, pela delicada situação econômico-financeira e social, em meio a um processo de negociação de sua dívida externa para evitar mais um default; o México, por ter um passivo de atritos com os EUA nas áreas comercial, de imigração, da construção do muro separando os dois países; o Brasil, concentrado em seus problemas de saúde e políticos internos.

A reação política à medida de Washington veio inicialmente de cinco ex-presidentes latino-americanos, que lançaram uma declaração em que condenam a indicação de um norte-americano para a presidência do BID. “A proposta de nomeação não anuncia bons tempos para o futuro da entidade, o que nos leva a expressar nossa consternação com essa nova agressão do governo dos Estados Unidos ao sistema multilateral, com base nas regras acordadas pelos países-membros”, destaca o documento assinado pelos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Ricardo Lagos (Chile), Julio Maria Sanguinetti (Uruguai), Juan Manuel Santos (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México).

Além da declaração dos presidentes, há também a que foi assinada por todos os ex-chanceleres, ex-ministros da Fazenda e vários do Planejamento brasileiros. A reação dos países começou timidamente com manifestação do governo chileno pedindo que a eleição fosse adiada por seis meses, depois da eleição presidencial dos EUA. México, Peru e União Europeia, associada ao BID, passaram a apoiar a iniciativa chilena.

Em seguida, ampliando a articulação contra a escolha de um norte-americano para a presidência do BID, conhecidas personalidades politicas somente dos EUA, entre as quais ex-secretários do Tesouro e do USTR, divulgaram carta contra a indicação de Trump e pedindo o adiamento da eleição para março de 2021, argumentando que com a eventual vitória de Joe Biden a indicação seria anulada. Na semana passada, em nota conjunta do Ministério da Economia e do Itamaraty, o governo brasileiro associou-se à declaração de um grupo de países favoráveis à manutenção da eleição virtual nas datas previstas (12 e 13 de setembro), assim como instou todos os países-membros a cumprirem as resoluções aprovadas. Essa nota foi resultado da pressão de Washington e indica o temor de que os que propugnam pelo adiamento da eleição estejam ganhando força. O resultado até aqui é imprevisível.

A crescente presença da China na América do Sul está na raiz da decisão de Washington de apresentar candidato à presidência do BID, contra um representante brasileiro, e pode ser indício de um renovado interesse político dos EUA em conter Beijing pela pressão financeira sobre os países da região. Seria a volta da Doutrina Monroe (América para os americanos) e do corolário Roosevelt (speak softly and carry a big stick).

Não é do interesse brasileiro apoiar medidas que tragam para nosso entorno geográfico preocupações geopolíticas globais com a volta da confrontação entre superpotências e a pressão por alinhamentos absolutos, deixando de lado o interesse da Nação, e não apenas do governo da vez.

*Presidente do IRICE


Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro recrudesceu

“O caso Fabrício Queiroz tira o presidente do sério, porque a história da rachadinha chegou ao Palácio da Alvorada. Não pode ser investigado, mas a primeira-dama pode”

No Dicionário Houaiss, o significado de recrudescer é “exacerbar-se”, “agravar-se”, se tornar mais intenso. A palavra ficou famosa durante o regime militar, quando o presidente João Batista Figueiredo, que era grosseiro pra caramba, brandiu o verbo. Outro dia, o cronista da Folha de S.Paulo Ruy Castro, grande biógrafo de Garrincha, Nelson Rodrigues e Carmem Miranda, além de historiador da bossa nova, na base da gozação, resgatou a frase enigmática do último presidente do regime militar: “Reagindo às tremendas pressões sobre ele, vindas tanto dos civis quanto da linha-dura militar, Figueiredo explodiu: ‘Olha que eu recrudesço!’. O país parou, expectante. Parecia uma ameaça — mas de quê, como e contra quem? No Pasquim, Jaguar botou seus dois calunguinhas para discutir. Um deles pergunta: ‘O que é ‘recrudesço’?’. E o outro: ‘Não sei. Mas tem cru no meio’”. Apesar da censura e das prisões, a turma do Pasquim não refrescava o general Figueiredo.

Pois bem, Bolsonaro recrudesceu nas grosserias. Irritado com um repórter do jornal O Globo, que havia lhe feito a pergunta que não quer calar nas redes sociais — “Presidente, por que a sua esposa recebeu R$ 89 mil do Fabricio Queiroz?” —, Bolsonaro partiu para a ignorância: “Vontade de encher sua boca de porrada”, respondeu. Estava em silêncio obsequioso desde quando o tempo fechou no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Congresso, contra sua escalada para intimidar os demais poderes. Na semana passada, porém, voltou a ficar à vontade, fortalecido pela bem-sucedida articulação de sua nova base na Câmara e por pesquisas de opinião que, depois de longo tempo, registram aprovação popular maior do que a desaprovação. O caso Queiroz, porém, é seu calo inflamado. O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), seu filho mais velho, está cada vez mais enrolado no escândalo das rachadinhas da Assembleia Legislativa e nas movimentações financeiras suspeitas de Queiroz, o amigo do presidente e seu ex-assessor parlamentar, que arrasta o clã para as relações perigosas com o submundo das milícias do Rio de Janeiro.

A ameaça de agressão ao jornalista virou meme nas redes sociais, com a pergunta sendo repetida não só por grande número de seus colegas, como também por formadores de opinião e influenciadores digitais. É óbvio que a base de Bolsonaro, que é truculenta e não suporta a mídia tradicional, vibrou com a resposta do presidente. Mas a sua repercussão política foi péssima, tanto no Congresso como internacionalmente. O presidente vinha cultivando a imagem “Jair paz e amor”, para alegria dos militares que formam seu estado-maior no Palácio do Planalto e dos líderes do Centrão, que dão sustentação ao governo. A declaração explosiva foi um banho de água fria nas expetativas de uma distensão com a mídia.

Rachadinha

O governador de São Paulo, João Doria, desafeto do presidente, ironizou: “Bolsonaro voltou a ser Bolsonaro”. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, também não deixou barato: “O presidente vinha muito bem nas últimas semanas. Com sua moderação estava contribuindo para a pacificação do debate público. Lamentável ver a volta do perfil autoritário que tanta apreensão causa nos democratas”, disparou no Twitter. O caso Queiroz tira Bolsonaro do sério porque a história da rachadinha chegou ao Palácio da Alvorada. Bolsonaro não pode ser investigado por fatos ocorridos antes do seu mandato, salvo se atuar para obstruir a Justiça, mas a primeira-dama pode. E seu filho mais velho, o senador Flávio, está cada vez mais enrolado na Justiça. O envolvimento de Michelle tira o sono de Bolsonaro, porque cada vez mais a história tece um enredo de não-conformidades na atuação parlamentar de todo o clã.

Se alguém pensava que o caso fosse parar por aí, ontem, Bolsonaro voltou a atacar os jornalistas: “Aquela história de atleta, né, que o pessoal da imprensa vai para o deboche, mas quando pega (covid-19) num bundão de vocês, a chance de sobreviver é bem menor”. Deu a declaração durante discurso no Palácio do Planalto, no evento batizado de “Brasil vencendo a covid-19”. Como assim? Estamos levando uma surra do vírus letal. O Brasil registrava 3,6 milhões de casos e 115 mil mortes, até ontem à tarde. Depois de desafiar a doença até contraí-la, Bolsonaro passou de vilão a vítima da pandemia, à qual sobreviveu, segundo diz, se tratando com cloroquina e outros medicamentos. Mas a pandemia não acabou, o trauma causado pela doença atinge um número cada vez maior de famílias. De certa forma, o silêncio e a doença descolaram Bolsonaro da pandemia, mas o desgaste de sua imagem por causa da peste também pode recrudescer.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-bolsonaro-recrudesceux/

Cenário brasileiro na economia para 2021 é ‘assustador’, diz José Luiz Oreiro

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, professor da UnB aponta risco de queda de renda significativa no último trimestre do ano

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A pandemia do coronavírus está produzindo a maior contração coordenada do nível de atividade econômica em nível global, desde a grande depressão de 1929. Na avaliação do economista José Luiz Oreiro, professor da UnB (Universidade de Brasília), o caso brasileiro é particularmente grave. “O cenário para 2021 é assustador”, alerta, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de agosto, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todas as edições podem ser acessadas, gratuitamente, no site da entidade.

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Em seu artigo, Oreiro lembra que a média das previsões do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico e da Comissão Europeia aponta para uma queda de 6,5% da economia mundial, em 2020. As economias avançadas podem apresentar recuo mais forte, de 7,5%.

Já as economias em desenvolvimento devem apresentar retração mais suave, de “apenas” 3,0%. “Claro está, contudo, que boa parte da queda mais suave das economias em desenvolvimento relativamente às economias avançadas se deve à projeção média de queda de 0,6%, em 2020, para a economia da China”, analisa o economista.

No caso brasileiro, segundo o professor da UnB, o cenário para 2021 é assustador, já que os programas do governo federal, de manutenção de renda e de emprego, devem ser terminados no final do terceiro trimestre de 2020. “Se nada for posto em seu lugar, teremos queda de renda significativa no último trimestre do ano, o que deverá produzir uma segunda contração do nível de atividade econômica e novo mergulho recessivo”, analisa.

Além disso, de acordo com o economista, se o teto de gastos não for flexibilizado em 2020, com a exclusão dos investimentos públicos do teto a partir de 2021, o governo federal será obrigado a recomeçar o ajuste fiscal. “Mas com uma economia que deverá registrar índices cavalares de ociosidade da capacidade produtiva”, diz Oreiro.

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