Day: agosto 21, 2020

Fernando Gabeira: A escolha dos pobres

Apesar do esforço dos deputados, Bolsonaro capitalizou sozinho a ajuda emergencial

A divulgação da pesquisa com aumento da popularidade de Bolsonaro não deveria surpreender tanto. A negação da pandemia de coronavírus, para muitos de nós, parecia um fator de desgaste. Mas nem isso colou, pois 47% dos entrevistados consideram que Bolsonaro não tem culpa pelo fracasso nacional diante da pandemia.

O ponto elementar do aumento do prestígio de Bolsonaro é a ajuda emergencial. No início queria que fosse de R$ 200, mas as negociações com o Congresso acabaram elevando-a para R$ 600. Apesar do esforço dos deputados, Bolsonaro capitalizou sozinho essa extraordinária transferência de renda, que salvou muita gente e em alguns pontos do Nordeste melhorou as condições de vida.

Isso tudo, num momento em que discutimos a democracia e seus limites, deveria ser visto com bastante calma. Em primeiro lugar, é comum em todos os estudos da democracia apontar um apoio maior ao governo em regiões que dependem da assistência oficial. Tem sido assim no Nordeste. De modo geral, é a última região onde os governos perdem força.

Os anos em que a esquerda esteve no poder deram-lhe a sensação de que estava selada entre ela e a população mais pobre uma aliança histórica irreversível. Há muita ilusão nessa ideia. Alguns críticos da esquerda afirmam que ela errou por considerar apenas o aspecto fisiológico da aliança, sem avançar na educação política. Pessoalmente, acho que errou apenas ao enfatizar as melhorias no aumento de um tipo de consumo, deixando de lado alguns avanços que seriam vitais para os pobres, como, por exemplo, o saneamento básico.

Uma questão que se coloca para a democracia é até que ponto as limitações econômicas não transformam em fantasia a ideia de que as pessoas escolhem livremente seu caminho. Ou, em outras palavras, enquanto houver pessoas abaixo da linha de pobreza não há escolha para elas senão tentar escapar dela.

As pesquisas fora do Brasil que mostram a decadência da democracia entre gente da classe média e jovens são eloquentes nesse sentido. Em muitos lugares há uma tendência crescente a aceitar um governo autoritário e mesmo uma ditadura militar. Não é a extrema pobreza que produz esse sentimento. Em muitos casos a decadência da adesão democrática se dá apenas porque foi interrompido o processo de melhoria de vida. Em outros casos, os entrevistados dizem que estão bem de vida, mas abandonam a crença na democracia porque uma cidade vizinha ficou pobre ou porque um bairro próximo apresenta altos níveis de violência.

Em síntese, se setores da classe média orientam suas posições por um pressentimento quanto ao futuro, como questionar que pessoas em extrema dificuldade canalizem seu apoio político diante de algo mais essencial, que é a sobrevivência física?

Certamente outras políticas públicas têm peso na vida dos mais pobres. A de saúde é uma delas. Acontece que neste período de pandemia, apesar da corrupção, houve aumento de vagas em hospitais e uma sensação de que a maioria dos pacientes foi atendida. Alguns erros, como a não hospitalização mais precoce, não chegaram a ser sentidos com clareza. Muito menos a incidência maior de mortes em regiões mais pobres foi politizada, uma vez que a vimos com a habitual resignação diante de problemas estruturais.

Outra política que influencia a vida das pessoas mais pobres é a de educação. No período da pandemia o setor ficou congelado. Mesmo a educação privada sofreu o impacto e conseguiu se sair melhor com o trabalho a distância. Mas também essa diferença foi atenuada pelo fato de que nos acostumamos com o desnível estrutural entre o ensino particular e o público.

Um dos pontos que não foram articulados na análise da pesquisa é até que ponto a política assistencial de Bolsonaro será sustentável. Os dados que complementam a análise mostram que há uma previsão de queda de 11% na atividade econômica do segundo semestre. O País poderá com isso entrar em recessão.

Em que bases o governo consegue ser popular numa recessão? Precisaria de muito mais estudo para formular a saída. O único exemplo de governo que se sustenta apesar do avanço da pobreza é o da Venezuela. Ali se combinam dois fatores importantes. Uma parte da população se sente contemplada. E as Forças Armadas, sócias do chavismo e das benesses do governo, são de uma fidelidade até o momento inabalável.

A decisão de destinar mais dinheiro à Defesa do que à Educação e à Saúde revela que o caminho de se associar às Forcas Armadas Bolsonaro adotou desde o início. O que há de novidade é a ajuda assistencial, que ele sempre considerou uma forma de a esquerda comprar votos, passar a ser a principal esperança de sua sobrevivência política.

A esquerda tem dificuldade de aceitar que as massas apoiem a direita por causa da ajuda assistencial. E a direita sempre atacou o Bolsa Família como se fosse algo que entorpecia não só a escolha política, como o desejo de trabalhar e empreender.

Parece que, em certos casos, pouco importa ser de esquerda ou de direita, a história já está previamente escrita.

*Jornalista


Luiz Carlos Azedo: O esgotamento do milagre

“Os militares se retiraram em ordem para os quartéis, após a eleição de Tancredo Neves, em 1985. Agora, estão de volta ao poder, na garupa do presidente Jair Bolsonaro”

No Brasil republicano, houve dois longos ciclos de modernização do Estado e da economia, ambos em regimes ditatoriais. O primeiro, após a Revolução de 1930, que culminou no Estado Novo, durou 15 anos e se esgotou com o fim da II Guerra Mundial e a redemocratização; o segundo, após o golpe militar de 1964, resultou numa ditadura de 21 anos. Em dois momentos, porém, foi possível realizar ciclos de modernização do Estado e da economia em bases democráticas, durante os governos Juscelino Kubitschek (1956 a 1961), com seu Plano de Metas, e Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002), com o Plano Real.

Como foi a ascensão e queda do “milagre econômico” dos militares? O I Plano Nacional de Desenvolvimento, no governo do general Garrastazu Médici, idealizado pelo ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso, pretendia pôr o Brasil entre as nações desenvolvidas no espaço de uma geração. Para tanto, duplicaria a renda per capita do país até 1980; elevaria o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) até 1974, com base numa taxa anual entre 8% e 10%; e elevaria a taxa de expansão do emprego até 3,2% em 1974, além de reduzir a inflação.

A meta foi ultrapassada: o crescimento do PIB, de 1967 a 1973, foi de cerca de 10,2%, e de quase 12,5% entre 1971 e 1973, diante de uma média de 7% no pós-guerra, até o início dos anos 1960. Diante do crescimento da população de 2,9% ao ano, a segunda grande meta, de aumento do PIB per capita à taxa de cerca de 6%, também foi alcançada. Entre 1967 e 1973, população aumentou de 85,1 milhões para 99,8 milhões de habitantes, o produto per capita cresceu à taxa média de 7,2%. O nível de emprego passou “de 2,8% para a ordem de 3,3% em 1973”. Outra “grande meta” era o aumento do investimento fixo bruto em 58% de 1969 para 1973. Entre 1971 e 1973, a formação bruta de capital fixo correspondeu, em média, a 21% do PIB, alcançando 22,4% em 1973. Apenas no período de 1970 a 1973, o aumento real do nível de investimento foi de 62,9% –– novamente ultrapassou a meta estabelecida em 1970.

Tudo isso foi “financiado” pela poupança nacional bruta. Entre 1967 e 1973, a absorção líquida de recursos do exterior foi de apenas 0,8% do PIB, elevando-se um pouco para 1,2%, de 1970 a 1973. Houve excessivo endividamento externo e concentração de renda, porque os salários cresceram a taxas inferiores à da produtividade, porém com ganhos expressivos para a classe média, que cresceu.

Para corrigir essas distorções, no governo Ernesto Geisel foi lançado o II Plano Nacional de Desenvolvimento, que pretendia elevar a renda per capita a mais de US$ 1 mil e fazer com que o PIB ultrapassasse os US$ cem bilhões em 1977. A meta para o quinquênio 1975-1979 era enfrentar a escassez de petróleo e promover novo ciclo de industrialização, alavancado pelo setor produtivo estatal, com implantação de indústrias básicas, sobretudo bens de capital e eletrônica pesada, para substituir as importações e abrir novas frentes de exportação. A agropecuária também teria um novo papel.

Abertura
O II PND mirava uma sociedade industrial moderna, tendo por núcleo básico a região Centro-Sul. Exigia investimentos de Cr$ 700 bilhões para a indústria de base, o desenvolvimento científico e tecnológico e da infraestrutura econômica. A política de energia seria decisiva para reduzir a dependência do país em relação às fontes externas. Havia um programa de aplicação de recursos no Nordeste, ocupação produtiva da Amazônia e da região Centro-Oeste.

A crise do petróleo e a falta de capacidade de financiamento do setor público, porém, levaram ao colapso o projeto de capitalismo de estado dos militares. Havia muito voluntarismo, o modelo de substituição de importações havia se esgotado com o avanço da globalização, ao mesmo tempo que a sobrevivência política do regime militar era ameaçada pela oposição democrática, apesar da brutal repressão.

Na prática, o projeto de abertura política de Geisel, que teve seu curso no governo Figueiredo, diante das sucessivas derrotas eleitorais dos militares e seus aliados, foi mais bem-sucedido do que o II PND. Os militares se retiraram em ordem para os quartéis, após a eleição do oposicionista Tancredo Neves, um liberal-conservador, em 1985. Entretanto, agora, estão de volta ao poder, na garupa do presidente Jair Bolsonaro. Saudosistas do “milagre econômico”, porém, movem uma guerra surda contra o ministro da Economia, Paulo Guedes, para mudar a política econômica e retomar o velho projeto nacional-desenvolvimentista. Sem chances de dar certo.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-o-esgotamento-do-milagre/

Hamilton Garcia: Democracia em transe

A democracia, como sabemos, não é "coisa nossa”, como no samba de Noel; basta uma rápida olhada retrospectiva, da Independência (1822) aos estertores do regime militar-civil (1979), como tentei fazer em artigos passados (vide Por que somos assim?, A democratização do Estado, entre outros): encaremos os fatos para superarmos os obstáculos que continuam em seu caminho.

Naturalmente, isto não significa que não possamos perseguí-la (melhor dizer almejá-la, nas atuais circunstâncias). É isto, precisamente, o que fizemos a partir de 1889, quando a República inaugurou um período de aspirações democráticas frustradas pela "distância entre intenção e gesto”, como canta Chico, ou, como explica a Sociologia Política de Simon Schwartzman[i], pela "falta constante de correspondência entre as instituições formais do país e sua realidade social e econômica” – a primeira nos remete ao direito, a segunda ao capitalismo periférico (dependente) –, nos legando a instabilidade política crônica cujos ecos ainda se ouvem.

Depois de três mandatos presidenciais cassados, um deles moralmente (Temer), e outra cassação por vir, talvez tenha chegado a hora de encararmos as coisas livre das ilusões partidário-personalistas de outrora, indo ao seu nó górdio, que parece estar nas escolhas feitas na última das tantas redemocratizações que tivemos, quando o problema da não correspondência, acima aludida, foi negligenciado e encarado pelo viés escapista, mais funcional aos atores que almejavam o poder, do privilegiamento da forma do sistema político ao invés de sua substância, vala dizer, a base sócio-econômica onde se assenta o edifício estatal, como assinalara Victor Nunes Leal[ii].

Leal, aliás, ao definir o que chamava de coronelismo, acabou por descrever a essência de nossa democracia, baseada, à época, no privatismo rural como cimento de nossa modernidade: "(…) concebemos o coronelismo como resultado da superposição de formas desenvolvidas do regime representativo a uma estrutura econômica e social inadequada. (…) Uma forma peculiar de manifestação do poder privado, (…) em virtude da qual os resíduos do nosso antigo e exorbitante poder privado têm conseguido coexistir com um regime político de extensa base representativa”, gerando "o mandonismo, o filhotismo, o falseamento do voto, a desorganização dos serviços públicos locais” – isto sim, “coisas nossas".

Tratava-se, pensava o autor em 1947, de uma política de transição entre o "poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais, notadamente dos senhores de terras”. Mas, à medida de seu transcurso, a transição evoluiu para um modelo, onde os chefes partidários, controlando o poder público, direta ou indiretamente, se apropriavam de parcela dos recursos para atender a todo tipo de interesse privado: quer dos eleitores, quer dos empresários, transformados em repassadores de verbas desviadas dos serviços e obras públicas estas últimas consistindo no investimento bruto de capital fixo, tão vital para o progresso do país.

Tal modelo deu nova vida a um conservadorismo destinado ao desaparecimento, mas que, ao invés disso, ajustou-se às demandas da transformação capitalista (expansão do mercado) sacrificando a economicidade, a impessoalidade e a idoneidade das agências públicas, embora não sua funcionalidade ao capital em seu processo de acumulação – mesmo que ao preço da baixa produtividade/inovação. Isto o tornou palatável ao liberalismo econômico e também ao positivismo militar, à pretexto do controle sobre a "subversão".

O processo transformista que ele encerrava, com seu instrumental adaptado às novas condições emergentes (urbanização), seria institucionalmente moldado por meio de reformas políticas pontuais e casuísticas que procuraram sempre potencializar o apoio popular comprado, em detrimento do conquistado, sem maiores preocupações com princípios liberais ou a tão propalada racionalidade do sistema (accountability). Foi isto que permitiu ao neocoronelismo sobreviver à ditadura militar e, pelos motivos contrários (ampliação da frente antiditatorial), engatar nova metamorfose no interior do MDB sob o beneplácito do PCB. Assim, a tradição maldita (o descompasso histórico), o nó górdio de nossa crise estrutural, conseguiria sua enésima vida, agora como a base de massa para surfar a onda reversa do efeito plebiscitário pró-ditadura de 1966-1972, acaixotando, no percurso, os incautos, mais tarde forçados a abandonar o emedebismo.

A transmutação propiciou ao neocoronelismo não só galgar novos espaços no sistema partidário, como abduzir o próprio MDB, reduzido ao quercismo/temerismo, e assim esterilizar o potencial reformista da luta democrática dos anos 1970-1980, de quebra, levando de roldão até mesmo as alternativas criadas para combatê-lo (PSDB e PT) – fenômeno ainda não suficientemente discutido e compreendido pelos que dele participaram.

A forma inelutável, e de certa maneira imperceptível, como tudo se deu, só pode ser entendida se levarmos em conta os elementos da estrutura, que passaram a atuar como freio ao processo de autonomização dos sujeitos a partir dos anos 1980, enfraquecendo a Nova República ainda no ventre.

O desenvolvimento econômico que, ao longo dos anos 1960-1970, nas palavras de Carlos Nelson Coutinho[iii], pôs abaixo a "torre de marfim" objetiva que separava os intelectuais "dos problemas explosivos da sociedade", relegando-os ao "intimismo à sombra do poder” (Thomas Mann), foi fragilizado pela recessão dos anos 1980 e a semiestagnação que se seguiu, e que perdura arrefecendo a pressão progressista da transformação humano-material sobre o regressismo histórico do escravismo (precarização), que a superestrutura, desde sempre, tratou de explorar metodicamente.

O agravamento das dualidades institucionais históricas que se seguiu, só podem ser entendidas à luz deste compromisso perverso entre as forças democráticas e o neocoronelismo e a reação que se seguiu. Se, por um lado, a esfera política foi esvaziada pela despolitização do MDB e, na sequência, de seus herdeiros (PSDB e PT) refratários a tal perspectiva, de outro, os avanços institucionais de 1988, que impulsionaram a autonomia da burocracia pública diante do poder político e econômico, e, de quebra, no vazio político, possibilitaram a transferência de certas funções tribunícias dos partidos para o STF e o Ministério Público. Transferência esta, é preciso lembrar aos desmemoriados, que, não obstante os efeitos colaterais, se mostraram tão necessárias para resguardar "o espírito das leis” (Constituição), quanto, nos anos 1920, o tenentismo, igualmente com efeitos colaterais, foi para restaurar a República em meio ao “café com leite” dos Governadores.

Foi deste modo que Executivo e, principalmente, o Legislativo, viram seu papel de elo de ligação entre a sociedade e o Estado minguar, com o fortalecimento do Judiciário e suas instituições auxiliares (MP e PF), tendo o combate à corrupção sistêmica como sua bandeira mais vistosa (vide A Justiça por um voto), embora não exclusiva. Como se não bastasse tudo isto, muita gente importante foi para a cadeia e os escritórios de advocacia que orbitam os tribunais superiores entraram na mira das investigações criminais das forças-tarefa – para não falar dos principais bancos do país –, disparando o alarme de pânico no poder e desencadeando a maré montante do moralismo de algibeira dos condenados/investigados que ameaça a Justiça, o MP, a PF e a própria Constituição.

Para nossa desgraça, diante disso, observa-se um reformismo democrático fragmentado e impotente, incapaz tanto de resistir ao estupro da Constituição como até mesmo de liderar a luta pela óbvia reforma política, implícita nas manifestações de junho de 2013. E o que é pior, em alguns casos repetindo o erro dos incautos de outrora.

Abandonadas à própria sorte, as massas arremessaram, nas eleições de 2018, a única arma de que dispunham para tentar se livrar de sua já longeva servidão, a auto-reforma eleitoral dos "não me representam!”, que tirou de cena expoentes da velha classe política no vagalhão surfado pelo bolsonarismo e seus sequazes. O grotesco espetáculo que se seguiu, do reencontro do bolsonarismo com o grand monder da velha política (vide Clientelismo, Cargos e Voto), agora não mais como o “cão de guarda”, mas em paridade de armas com a elite dominante, mostra o preço a se pagar pela confusão/omissão dos setores progressistas, paroquializados em seus cálculos eleitorais e incapacitados de entender as dificuldades histórico-estruturais presentes por falta de instrumental teórico.

O tempo – "um dos deuses mais lindos”, "compositor de destinos”, como poetizou Caetano –, não parece jogar aqui qualquer papel positivo. Ao contrário, a intelligentsia insiste em considerar os problemas do passado, da nossa formação nacional, como problemas passados, reduzindo questões fulcrais da nossa modernidade política a meras "incompreensões conjunturais" ou "injunções da maturação institucional”, supostamente passíveis de solução “sem refundações”, que julgam "catastróficas".

Em meio a tantas névoas, incompreensões e um certo cansaço, a vida – de fato, a morte – virou a mesa e forçou o atual (des)governo a se voltar para o "novo real": uma crise recessiva que pode sepultar de vez seu projeto de reeleição, o que, paradoxalmente, lhe propiciou a janela de oportunidade para a revalorização do papel do Estado na vida econômica, não apenas como provedor de renda-mínima, mas como agente de desenvolvimento capaz de alimentar o progresso humano-material para o bem-estar geral.

Pena que, de novo, a chance venha pelas mãos da direita, depois de mais uma tergiversação populista da esquerda – a primeira foi no Plano Trienal (1963), da melhor tradição celso-furtadiana – que, além da ética radical, também abandonou a luta pela produção do progresso, se contentando com a menos trabalhosa distribuição, como se isto fosse possível – depois de Marx!

Resta torcer e lutar por um impeachment com reforma eleitoral-partidária para que a possível saída pela economia (desenvolvimentismo), capaz de abrir novos horizontes para milhões de cidadãos que querem continuar vivendo numa democracia representativa, não se transforme em combustível para o demagogo de plantão.

*Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[i])


[i] Bases do Autoritarismo Brasileiro, ed. Campus/RJ, 1982, p.17.

[ii] Coronelismo Enxada e Voto o município e o regime representativo no Brasil; ed. Alfa-Ômega/SP, 1978, p.20.

[iii] Cultura e Sociedade no Brasil ensaio sobre idéias e formas; ed. Oficina de Livros/BH, 1990, pp.20-21.


Covid-19 destrói vidas e impõe ameaças à cultura indígena, mostra reportagem

Revista Política Democrática de agosto revela Estados com mais mortes de indígenas vítimas da doença e o caminho do coronavírus até as aldeias

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP 

"Quando morre um cacique, a comunidade perde um líder. Quando morre um mestre e um ancião, é um livro cheio de informações que se fecha para sempre".  No início do mês, a frase do neto do cacique Raoni Metuktire, Patxon Metuktire, repercutiu na internet em honra à vida e história do líder do Alto Xingu, Aritana Yawalapitit (71 anos), que morreu por complicações da covid-19. Entre os povos indígenas, os efeitos da doença são ainda muito maiores, já que a falta de atenção à saúde e proteção deles os deixam ainda mais vulneráveis à destruição de vidas, mitos, línguas e tradições milenares.  

O trecho acima é parte da reportagem especial da revista Política Democrática Online de agosto, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. A instituição disponibiliza, gratuitamente, o acesso a todas as edições da publicação em seu site.

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Levantamento publicado pela reportagem detalha os Estados com mais mortes de indígenas vítimas da covid-19 no Brasil.  No total, quase 24 mil foram infectados pelo coronavírus, em 148 comunidades dos povos tradicionais. O texto também revela o caminho da contaminação, destacando que a doença chega às aldeias principalmente por meio das rodovias e profissionais de saúde que não vivem nas comunidades.

“Não há monitoramento de acesso aos territórios tradicionais para fazer testagem das pessoas, como caminhoneiros, que trafegam nas estradas do país, além de garimpeiros e madeireiros ilegais que invadem os territórios para devastarem a floresta”, diz um trecho da matéria.

Ao todo, 900 mil indígenas vivem em todo o país. Nos territórios, cada morte provoca um apagão sobre a cultura milenar, já que anciãos servem como autoridades morais, conselheiros espirituais e detentores de conhecimento e memória para os povos indígenas.

Cacique desde os 19 anos e um dos líderes mais antigos e respeitados do Alto Xingu, Aritana Yawalapitit era um dos últimos falantes da língua yawalapiti, do tronco linguístico aruak, e conhecido por lutar pela defesa dos povos indígenas, principalmente pela preservação das terras conquistadas. Ficou internado por duas semanas após ser contaminado pelo coronavírus. Morreu, em Goiás, em 5 de agosto, no mês em que é celebrado o Dia Internacional dos Povos Indígenas. O líder havia sido transferido de Mato Grosso.

A reportagem da revista Política Democrática Online de agosto também mostra que tem aumentado a tensão entre o governo brasileiro e as lideranças indígenas. Além disso, mostra avaliação do antropólogo Mércio Pereira Gomes, ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), dizendo que “os índios não vão se acabar”.

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