Day: agosto 20, 2020

Luiz Carlos Azedo: A modernização autoritária

“Cingapura virou uma referência em desenvolvimento em todos os quadrantes, da Europa à América Latina, da África à Ásia. Muitos sonham com a longevidade do poder de Lee Yew”

Ao contrário do que muitos imaginam, o paradigma do projeto comunista da China não é o velho livro vermelho com as ideias de Mao Zedong, é o pensamento modernizador de Xi Jinping e o modelo de Cingapura, estudado na nova escola de quadros do Partido Comunista chinês. Fundada há 86 anos numa caverna da província de Jiangxi, o complexo da academia hoje ocupa centenas de hectares junto ao Palácio de Verão de Pequim e abriga 1,5 mil alunos. Em 2018, a escola se fundiu com a Academia Chinesa de Governo para incorporar um novo objetivo: “investigar e disseminar o pensamento de Xi sobre o socialismo com caraterísticas chinesas para uma nova era”.

A grande preocupação dos dirigentes chineses continua sendo vencer a desigualdade social na China de hoje, uma contradição com as teses históricas do PCCh. Centenas de milhões de chineses saíram da pobreza nas últimas décadas, mas as grandes fortunas acumuladas na economia de mercado coexistem com salários baixíssimos e condições de vida precárias, em muitas regiões do país. O medo dos comunistas é que o avanço tecnológico e as vertiginosas mudanças possam afastar os jovens do regime. O massacre de Tiananmen, de 1989, e a Revolução Cultural (1966-1976) são temas proibidos nos currículos da escola de quadros, vértice de um sistema com 2,5 mil centros distribuídos por todo o país. Onde Cingapura entra nessa história?

Com seus arranha-céus, jatinhos particulares e carros de luxo, a cidade-estado, apesar de ter apenas 5,6 milhões de habitantes — contra 1,393 bilhão da China —, é o quarto país mais rico do mundo em poder de compra de seus habitantes, superado por Catar, Luxemburgo e Macau. Tornou-se um dos principais centros financeiros do Oriente, com número crescente de milionários e o custo de vida mais alto do mundo. Há 50 anos, porém, era apenas uma ilha pobre e sem recursos naturais, uma ex-colônia britânica que se separou da Malásia em 1965, sob a liderança de Lee Kuan Yew, cofundador do Partido da Ação Popular (PAP, na sigla em inglês), que governa o país desde 1959. Lee foi primeiro-ministro de Cingapura por 31 anos, vencendo sete eleições, até deixar o poder em 1985. Vem daí o paradigma político que interessa aos chineses: o regime de partido dominante, hoje comandado por Lee Hsien Loong, seu filho mais velho.

O sistema legal de Cingapura é baseada em leis herdadas do colonialismo britânico na Índia, sem seus valores liberais. Não existe tribunal de júri, por exemplo. Há castigos físicos e até a pena de morte para homicídios e tráfico de drogas, o que leva à maior taxa de execuções do mundo por habitante. Entretanto, é considerado um dos países menos corruptos do mundo, embora seja um notório paraíso fiscal para lavagem de dinheiro. Não existe ampla liberdade de expressão nem de reunião. Qualquer manifestação com mais de cinco pessoas precisa de autorização policial. Entretanto, o modelo econômico que viabilizou a modernização de Cingapura é estudado em todo mundo, principalmente nos países emergentes.

Corrida mundial

Advogado formado na Universidade de Cambridge, Lee foi uma espécie de déspota esclarecido moderno. Comandou o país durante sua fusão e a subsequente separação da Malásia, com a ambição de construir uma nação meritocrática e multirracial. Elaborou um extenso programa de reformas para tirar Cingapura do “buraco negro da miséria e da degradação” e transformá-la em um país industrializado e moderno, sob um modelo capitalista com controle estatal rígido. Beneficiou-se do fabuloso porto que abrigava a esquadra britânica da Ásia e sua localização estratégica, na rota comercial da China, da Índia e do Sudeste Asiático, além da proteção dos Estados Unidos.

O governo promoveu grandes programas de geração de emprego e a construção de moradias sociais, ao lado de uma política que acompanhava o controle da vida privada e a supressão de liberdades individuais, incluindo a prisão de opositores sem levá-los a julgamento e a aplicação de castigos corporais. Impressiona pelos altos níveis de educação, saúde e competitividade econômica, saltando de uma economia baseada na manufatura tradicional para um centro financeiro e tecnológico, com grandes investimentos estrangeiros, com uma população que fala quatro línguas: malaio, inglês, mandarim e tamil. Suas forças armadas são modernas, seguem o modelo israelense, e consomem 4,5% do orçamento, com bases aéreas na Austrália, Estados Unidos e França.

Cingapura virou uma referência para a modernização autoritária em todos os quadrantes, da Europa à América Latina, da África à Ásia. Muitos governantes sonham com a longevidade do poder de Lee Kuan Yew, como Vladimir Putin, na Rússia, e Tayyip Erdogan, na Turquia, sem falar nos ditadores de antigas repúblicas soviéticas e da África, além dos xeiques árabes. Tornou-se um ponto de referência na corrida mundial para reinventar o Estado, na qual o Ocidente enfrenta os problemas da economia de mercado aliados às disputas próprias dos regimes democráticos. Por isso, é melhor é ficar de olho no que acontece na política brasileira. Historicamente, sempre estivemos numa encruzilhada entre o Oriente e o Ocidente.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-a-modernizacao-autoritaria/

Afonso Benites: Oposição fracassa na criação de frente de esquerda contra Bolsonaro na eleição de 2020

Hegemonia do PT e cláusula de barreira são alguns dos empecilhos para unificar partidos na disputa pelas principais prefeituras

“Não há unidade entre a esquerda. Cada um está cuidando da sua própria vida.” O diagnóstico feito pelo presidente do Partido Socialista Brasileiro (PSB), Carlos Siqueira, é uma síntese da frustrada tentativa de seis legendas de se integrarem e unificarem os discursos anti-Jair Bolsonaro nas eleições municipais deste ano. Há cerca de três meses, esse grupo que tem feito um trabalho quase uníssono no Congresso Nacional como oposição ao presidente intensificou as conversas para dividirem os palanques nas 92 maiores cidades brasileiras, que é onde há a possibilidade de haver segundo turno. Nacionalmente, as negociações foram encerradas há duas semanas. “Temos convergências de pensamentos, mas na hora da disputa eleitoral, encontramos dificuldade nessa unidade”, avalia a presidenta do PCdoB, Luciana Santos.

Entre as razões estão a falta de interesse do Partido dos Trabalhadores em abrir mão de sua hegemonia na oposição, disputas políticas internas em cada município e a preocupação dos partidos menores em ter uma base de sustentação para 2022, quando a cláusula de barreira, mecanismo que traça uma quantidade mínima de votos para continuar existindo como legenda, será elevada. As conversas estavam sendo feitas por dirigentes de PT, PSB, PDT, PCdoB, PSOL e REDE.

Estimulado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o principal antagonista de Jair Bolsonaro, o PT decidiu que precisa ter o máximo de candidaturas possíveis para poder se defender. “O PT precisa ter voz. Falar de seu legado, das experiências que já teve nas gestões municipais, se defender dos ataques”, diz a presidente da legenda, a deputada federal Gleisi Hoffmann. Nesta eleição, deverá lançar candidatos em 1.531 dos 5.570 municípios brasileiros. Juntas, essas cidades representam 60% da população nacional. Em 2016, último pleito municipal, foram 993 cabeças de chapa. “O grande problema do PT é a cultura hegemônica dele. O PT só pensa em seus candidatos”, reclamou o presidente do PDT, Carlos Lupi.

Entre as 26 capitais onde as prefeituras estarão em disputa, já há pré-candidaturas petistas encaminhadas em 23 delas. Há dúvidas sobre o pleito em São Luís, capital do Estado comandado por Flavio Dino (PCdoB). E em apenas duas capitais o partido concordou em se aliar a outros grupos: Belém com Edmilson Rodrigues (PSOL) e Porto Alegre com Manuela D'Ávila (PCdoB), que foi vice na chapa presidencial do partido em 2018.

Três casos locais servem para exemplificar as tentativas frustradas de união. Em Recife, os diretórios estadual e municipal da legenda decidiram se aliar com o PSB, que lançou a pré-candidatura de João Campos. Mas a direção nacional interveio e determinou que o nome deveria ser o de Marília Arraes, prima em segundo grau de Campos e que disputa com ele o legado familiar deixado pelos ex-governadores Miguel Arraes e Eduardo Campos. No Rio de Janeiro, os petistas estavam inclinados a se juntar à candidatura de Marcelo Freixo (PSOL). Quando este desistiu de disputar por não se sentir seguro com a almejada unidade da esquerda, três outras legendas seguiram unidas (REDE, PSB e PDT), mas o PT lançou Benedita da Silva, ainda sem apoio externo. E em São Paulo, os petistas lançaram Jilmar Tatto, apesar de parte da base defender o apoio a Guilherme Boulos (PSOL) ou a Orlando Silva (PCdoB). Em entrevista ao EL PAÍS nesta terça, Tatto avaliou como natural a escolha do partido e disse que o primeiro turno serve justamente para apresentar propostas, não impedindo união no teste das urnas final.

Nem mesmo em um dos casos “bem-sucedidos” de união citado por Gleisi, ela se concretizou com toda a esquerda. Em Porto Alegre, o PSOL anunciou a pré-candidatura de Fernanda Melchiona e o PDT, a de Juliana Brizola. A REDE ainda avalia qual dessas duas últimas apoiará. “Desde 2013 as forças de direita tentam fazer a desconstrução do PT, de preferência a anulação do partido. Numa frente, é mais difícil fazer a defesa individualizada”, diz Gleisi ao explicar o motivo pelo qual não deu sequência às conversas para a formação de uma frente de esquerda. Ela reclama diretamente do processo de impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, o chamando de golpe, e da prisão de Lula, que trata como uma detenção política.

“No fim, acaba sendo aquela velha máxima. Nos momentos decisivos para o país, o PT ficou sempre na contramão da história”, diz Siqueira, do PSB. Ele cita os posicionamentos contrários dos petistas à Constituinte de 1988, ao governo de integração promovido por Itamar Franco, em 1992, e à aprovação do Plano Real, em 1994. “Não cobramos nada do PT, gostaríamos que entendessem da gravidade do momento e unificasse a esquerda”, queixou-se Siqueira.

Sobre as críticas de que o PT prefere manter essa característica hegemônica a defender a bandeira de toda esquerda, Gleisi diz que as alianças encaminhadas nas duas capitais (Porto Alegre e Belém) demonstram que o partido estaria aberto ao diálogo. E cita ainda a necessidade de todas as legendas se reforçarem em 2020 para colher os frutos em 2022. “É a oportunidade de reafirmar a sua legenda, de proteger-se. Não é o nosso caso, mas têm partidos que podem sumir, caso não superem a cláusula de barreira”.

Na prática, esse mecanismo deverá reduzir a quantidade de partidos políticos porque: 1 - só terá acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV as siglas que receberem 2% dos votos válidos nacionalmente para deputado federal em um terço das unidades da federação, sendo um mínimo de 1% em cada uma delas; ou 2 - tiverem elegido ao menos 11 deputados federais distribuídos em nove unidades. “Com a proibição das coligações para vereadores e a elevada cláusula de barreira é natural que os partidos tenham suas candidaturas para afirmar seu lugar político, sua identidade e a defender a sua sobrevivência”, avaliou a comunista Luciana Santos.

Repetição de 2018

Sem essa integração, há quem entenda que o PT insistirá na polarização contra bolsonaristas como uma antessala de 2022. E o resultado pode ser que, em duas ou três eleições seguidas, o cidadão acabe tendo de escolher mais por exclusão do que por adesão a determinada ideia ou plataforma política. “A polarização para o PT é muito boa. Bolsonaro e PT são um melhor amigo do outro do ponto de vista de manter o status quo”, diz o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. “Tanto o PT quanto Bolsonaro enxergam um no outro o inimigo capaz de aglutinar suas hostes”, acrescenta o cientista político Valdir Pucci, doutor pela Universidade de Brasília.

O porta-voz nacional da Rede, Pedro Ivo Batista, diz que o ideal era haver uma união entre os partidos progressista já em um primeiro turno. Mas, como as características de eleições municipais são distintas das nacionais, quando os temas macros ficam em evidência, dificilmente isso ocorrerá na grande maioria das cidades. “O Brasil nunca teve um governo neofascista como esse. O ideal era unir mais para poder evitar esse perigo de forças totalitárias. Corremos o risco de perdermos a eleição agora como perdemos em 2018”, disse Batista.

Presidente do PSOL, Juliano Medeiros, discorda da tese de que neste ano haverá uma prévia de 2022. Entende que servirá como um termômetro, indicará tendências. “O fortalecimento da oposição e um enfraquecimento eleitoral do bolsonarismo, por exemplo, não garantem a derrota da extrema direita em 2022, mas aponta um cenário mais favorável para as forças populares”, analisa. Dos seis dirigentes partidários consultados pela reportagem, apenas ele contemporizou a divisão na esquerda. Disse, por exemplo, que é papel do PT tentar manter sua hegemonia e das demais siglas progressistas de buscarem seus espaços, desde que se mantenha o diálogo respeitoso. Disse ainda que a ideia de frente ampla tem crescido aos poucos, já que não pode ser imposta de cima para baixo.

A expectativa entre os representantes desse campo político é que a frustrada unificação no primeiro turno seja possível ocorrer na segunda etapa da eleição. Resta saber o que ainda estará em disputa.


‘Congresso tem se omitido na definição do papel das Forças Armadas’, diz Raul Jungmann

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de agosto, editada pela FAP, ex-ministro alerta para o risco de ‘ilusão suicida’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Congresso Nacional deve assumir suas responsabilidades e definir os rumos da defesa nacional e das Forças Armadas, sob pena de amanhã ser qualificado como agente omisso do nosso destino, defesa e democracia, avalia o ex-ministro Raul Jungmann, em artigo que publicou na edição de agosto da revista Política Democrática Online.  A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília. A instituição disponibiliza, gratuitamente, o acesso a todas as edições em seu site.

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Jungmann é ex-deputado federal. Foi ministro do Desenvolvimento Agrário e ministro Extraordinário de Política Fundiária do governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), ministro da Defesa e ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer. “Num mundo com riscos de conflito em alta, em que armas baseadas em tecnologias disruptivas são desenvolvidas, em que o sistema de contenção da corrida nuclear vem sendo desmontado e no qual países incrementam seus orçamentos de defesa, nos imaginarmos uma ilha de paz perpétua é ilusão suicida", alerta.

Em sua análise, Jungmann faz duras críticas ao parlamento brasileiro. "Até aqui, o Congresso tem se omitido na definição do papel das Forças Armadas nesse abrangente contexto”, afirma, para continuar: “Exemplo disso, a política e a estratégia anteriores, de 2016 a 2020, foram aprovadas pelo Senado e Câmara em votação simbólica sem debates e sem participação da sociedade".

O autor lembra, em seu texto, que a política de defesa e a estratégia de defesa de 2016, enviadas em 18 de novembro daquele ano, só lograram aprovação em 17 de dezembro de 2018, dois anos após. “Não sancionadas pelo presidente Temer, de saída, também não o foram pelo presidente atual, ficando o Brasil com oito anos de defasagem nessa área, contando apenas como os textos de 2012”.

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