Day: agosto 3, 2020
FAP lança Guia Eleitoral para candidatos do Cidadania
Publicação também traz a plataforma eleitoral do partido que será apresentada aos eleitores brasileiros
Com o objetivo de orientar, mas também inspirar os candidatos do Cidadania que disputarão as eleições municipais 2020, a Fundação Astrojildo Pereira (FAP) lançou o Guia Eleitoral, que deixa clara não só as posições do partido sobre a pauta nacional, como apresenta a plataforma eleitoral que apresentará aos eleitores brasileiros este ano.
A pandemia do Coronavírus que levou ao adiamento das eleições municipais de outubro para novembro e deverá alterar completamente a forma de se fazer campanha, reforçou a percepção do Cidadania de que a nova realidade impõe, mais do que nunca, um novo modelo de gestão para os municípios, que pode ser definido a partir de 3 conceitos: Cidade Inteligente, Governo Digital e Gestão Compartilhada.
A nova realidade do Brasil e das cidades brasileiras levou escolas a implantarem diferentes modelos de ensino a distância e empresas ampliaram, o máximo possível, o home office para seus funcionários.
Clique na imagem para o download do guia ou clique aqui!
A partir de experiências bem-sucedidas, como a do prefeito de Vitória, Luciano Rezende, no Espírito Santo, o Cidadania decidiu incluir entre suas bandeiras eleitorais para este ano um novo modelo de governança para os municípios brasileiros, que usa a inovação e tecnologia para fazer mais, melhor e com menos recursos.
Também consideramos fundamental que nossos candidatos e candidatas estejam cientes e preparados para enfrentar os desafios impostos pela pandemia às cidades e à sociedade.
Cientistas políticos adiantam que a primeira pergunta que eleitor vai fazer ao escolher seu candidato nas eleições deste ano é a seguinte: O que você fez ou propõe para resolver os meus problemas ao longo desta pandemia Oferecer uma resposta concreta a essa pergunta pode ser um bom começo para o planejamento de sua campanha eleitoral.
Experiência só se ganha com o passar dos anos, mas é possível queimar etapas a partir de sugestões e ideias compartilhadas por gente que já esteve na linha de frente na construção de políticas públicas.
Foi o que fez o ex-governador, ex-ministro da Educação, ex-senador e professor Cristovam Buarque, oferecendo soluções criativas para se melhorar a gestão municipal. Muitas delas testadas e aprovadas pela população da capital federal durante o período em que governou o Distrito Federal, que continuam atuais, até porque muitos dos problemas dos municípios brasileiros seguem sendo os mesmos.
Segue então um Guia Eleitoral, ao qual você poderá recorrer a qualquer momento para se inspirar ou tirar dúvidas durante a campanha deste ano. Sua participação é decisiva para manter a democracia brasileira viva, ainda mais diante de uma sociedade polarizada e carente de verdadeiros líderes.
Auto da Compadecida é discutido em encontro virtual da Biblioteca Salomão Malina
Obra será debatida em sessão do Clube de Leitura Eneida de Moraes, que terá transmissão ao vivo
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A Biblioteca Salomão Malina vai discutir, no dia 3 de agosto, das 18h30 às 20h, o livro Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, durante encontro virtual do Clube de Leitura Eneida de Moraes. O evento online terá transmissão ao vivo na página da biblioteca no Facebook. A retransmissão em tempo real será realizada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em sua página na rede social e em seu site.
Empréstimo do livro pode ser solicitado à Biblioteca Salomão Malina, localizada em Brasília. Como está fechada ao público durante a pandemia, a unidade disponibiliza serviço de empréstimo delivery gratuito, para moradores da capital federal e região, por meio do seu Whatsapp oficial (61 984015561). Além disso, o arquivo do livro em PDF no catálogo virtual da biblioteca.
Assista ao vídeo!
A peça teatral Auto da Compadecida foi escrita por Ariano Suassuna, em 1955. É um auto por ser uma peça de apenas um ato e que traduz a tradição do teatro medieval português ao contexto social e histórico do nordeste brasileiro. A peça retoma elementos do teatro popular, contidos nos autos medievais, e da literatura de cordel para exaltar os humildes e satirizar os poderosos e os religiosos que se preocupam apenas com questões materiais.
O enredo da peça gira em torno das aventuras de João Grilo, que protagoniza os acontecimentos de forma absolutamente imaginosa, e seu companheiro Chicó. Ambos se envolvem no caso do cachorro da mulher do padeiro, comprometendo um número considerável de personagens que, em meio às confusões armadas pelas mentiras de João Grilo, vão se enredando numa trama que culmina com o julgamento de algumas delas diante de Jesus, da Virgem Maria e do Diabo.
Ao resgatar essa tradição teatral medieval, Ariano Suassuna realiza uma leitura da moral católica muito ajustada aos tipos que cometem gestos transgressores, conforme analisa a coordenadora da biblioteca, Thalyta Jubé. “Outra linha de força de Auto da Compadecida é a presença do anti-herói ou herói quixotesco, uma espécie de personagem folclórica que vive ao sabor do acaso e das aventuras”, afirma.
João Grilo é o típico anti-herói, que se envolve com as mais diversas personagens e se compromete com as próprias mentiras. No entanto, conforme observa Thalyta, é através dele que o autor propõe um exame dos valores sociais e da moral estabelecida. Em outras palavras, Suassuna pretende refletir sobre a fragilidade e a suscetibilidade de nossas convicções.
A religiosidade, a fixação da cultura popular, a presença do anti-herói e a linguagem simples bem articulada nas falas das personagens são elementos que merecem um olhar atento, pois sua combinação constitui a arquitetura e a lógica do Auto da Compadecida.
Ariano Suassuna traz à tona reflexões de ordem moral por meio das quais problematiza as fraquezas humanas, relativizando valores e convicções. “Não se pode ignorar a linha marcante do humor que percorre toda a estrutura da peça, caricaturizando não apenas as personagens, mas também as circunstâncias em que elas se envolvem”, diz Thalyta.
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Alex Ribeiro: Encurtamento da dívida deixa país vulnerável
Súbita mudança de humor dos mercados é risco para estratégia de emitir títulos públicos de curto prazo
Dois ex-presidentes do Banco Central alertaram, nos últimos dias, para os riscos da tendência de encurtamento do prazo da dívida pública, num ambiente de muita incerteza sobre a manutenção do teto de gastos, a principal âncora fiscal do país. O Tesouro Nacional pode até ganhar algum tempo emitindo títulos públicos de curto prazo, mais baratos. Mas ficará cada vez mais vulnerável a uma súbita mudança de humor dos mercados.
Arminio Fraga, da Gávea Investimentos, citou um número que sintetiza o perigo: pelo andar da carruagem, o Tesouro terá que captar no mercado o equivalente a 46% do Produto Interno Bruto (PIB) em 12 meses, para rolar os títulos que vencem no período, para pagar os juros da dívida e para bancar o altíssimo déficit primário do governo.
O fantasma é um eventual repeteco do que aconteceu em 2002, quando o próprio Arminio chefiava o BC. Os investidores se tornaram mais relutantes em financiar o governo, diante das dúvidas sobre o compromisso do então candidato Luis Inácio Lula da Silva com a austeridade fiscal. “O governo não conseguia vender papéis que venciam em 2003”, disse, referindo-se ao ano em que começaria o novo governo. A bomba só foi desarmada quando Lula se comprometeu a manter o ajuste das contas públicas.
O economista Affonso Celso Pastore explicou a dinâmica que tem empurrado o Tesouro para o encurtamento da dívida. Hoje, a taxa que o Tesouro paga para se financiar no curto prazo está entre 2% e 3% ao ano, enquanto que nas captações de dez anos paga algo como 7% ao ano. A diferença entre a taxa de curto prazo e a de longo prazo, de cerca de 4,5 pontos percentuais, representa justamente o risco fiscal.
A perspectiva é que a dívida bruta supere 100% do PIB e, até agora, o governo Bolsonaro não mostrou claramente como pretende manter o teto de gastos. Do ponto de vista do Tesouro, argumentou Pastore, faz sentido e é totalmente sensato captar no curto prazo, pagando juros menores. Com isso, reduz o custo implícito da dívida pública. Os juros que o Tesouro paga na dívida são um componente importante nos cálculos da dinâmica da dívida. A desvantagem é que o Tesouro fica com um perfil de dívida desfavorável, com vencimento em um prazo mais curto.
“Se isso for temporário, não tem muita importância”, afirmou ele, “Se isso se estender ao longo do tempo e você tiver um aumento de riscos, o Tesouro vai ter que seguir resgatando os títulos longos e colocando títulos curtos.” Para ele, o acúmulo desse risco é um alerta importante “para que o governo tenha juízo e retorne ao teto de gastos”. Os dados divulgados pelo Tesouro nos últimos dias mostram como o encurtamento da dívida pública vem ocorrendo de forma acelerada.
De dezembro para junho, o prazo médio da dívida baixou de 3,83 meses para 3,68 meses. Há pouco tempo atrás, o prazo médio da dívida era de 4,5 anos. Mas essa estatística deixa de fora a atuação do Banco Central por meio das operações compromissadas, que são operações de curtíssimo prazo que impactam a dívida bruta. No primeiro semestre, o déficit primário do governo central ficou em R$ 417,241 bilhões, em grande medida devido aos gastos extras e perda de arrecadação com a pandemia. Com forte volatilidade nos mercados, não foi possível ao Tesouro levantar dinheiro para financiar esses gastos. Desse déficit primário, apenas R$ 3,374 bilhões foram bancados com a emissão de dívida. A maior parte foi financiada por meio de operações compromissadas. Uma outra parte foi pela emissão de moeda, já que a população passou a demandar mais dinheiro em espécie na pandemia. No caso das compromissadas, não foi um financiamento direto do BC ao Tesouro. O Tesouro sacou dinheiro da conta única para pagar despesas e, em seguida, a autoridade monetária enxugou o excesso de dinheiro em circulação.
Do ponto de vista da dívida bruta, porém, faz pouca diferença. O débito aumentou e ficou com prazo mais curto. Os operações compromissadas de curtíssimo prazo subiram de 13% do PIB para 19% do PIB, enquanto que a dívida mobiliária subiu de 50,7% do PIB para 52,8% do PIB.
Na prática, o que aconteceu durante o primeiro semestre, num período de grande estresse, foi parecido com as operações de expansão quantitativa feitas por países desenvolvidos. O Banco Central ajudou a encurtar o prazo da dívida pública, tirando um pouco de pressão da curva de juros futuros. A diferença é que, no caso atual, o dinheiro para resgatar títulos do Tesouro veio da conta única. O Tesouro tem um bom fôlego para fazer essas operações, se necessário, já que a conta única tinha um saldo de R$ 997 bilhões em junho. Além disso, o Tesouro vai receber do BC um reforço dos lucros com operações com as reservas internacionais. Mas, se o quadro se prolongar e não houver recursos na conta única, em tese o Banco Central poderá comprar diretamente títulos em mercado, com os poderes que foram conferidos por uma emenda constitucional.
Um economista com longa experiência no Tesouro diz que uma dívida pública curta é sempre um problema, principalmente em um cenário de deterioração fiscal, dívida crescente e juros historicamente baixos. “Em 2002, o Tesouro teve que vender títulos pós-fixados de três meses com prêmios crescentes”, lembra. O Brasil tem alguns atenuantes importantes, como uma baixa participação de estrangeiros no financiamento da dívida e falta de opções de investimentos para investidores institucionais. Na época da hiperinflação, o governo conseguia rolar a dívida no overnight, mas pagava juros de 3% ao dia.
Agora, com os juros em 2,25% ao ano, o Tesouro já não tem a mesma facilidade de vender títulos pós-fixados.
O argumento de Arminio e Pastore é que o encurtamento do prazo da dívida pública pode ser uma estratégia para ganhar tempo enquanto são tomadas as medidas de ajuste fiscal. Mas esse tempo não pode ser desperdiçado. As medidas que podem sustentar o teto de gastos, como a PEC Emergencial e a reforma administrativa, parecem totalmente fora das prioridades do governo e do Congresso. Ao contrário, são muitas as forças para flexibilizar o teto de gastos.
Luiz Eduardo Soares: 'Recriar o SNI da ditadura deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar um pesadelo da sociedade'
Antropólogo alvo de dossiê feito pelo Ministério da Justiça diz que monitoramento "é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo"
Afonso Benites, El País
Um dos 579 alvos de um dossiê elaborado pelo Ministério da Justiça a partir do monitoramento secreto de um grupo descrito como “militantes antifascistas”, o renomado antropólogo brasileiro Luiz Eduardo Soares afirma que, com ações do tipo, o presidente Jair Bolsonaro “recria” um dos braços da polícia política brasileira durante a ditadura militar, o Serviço Nacional de Informações (SNI). “A recriação do velho SNI deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar o pesadelo da sociedade brasileira”, declarou ao EL PAÍS. O dossiê, revelado pelo portal UOL, foi elaborado pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi) da pasta e acendeu os alarmes dos que temem o uso de aparato do Estado para a vigilância ou investigação de opositores políticos do Planalto.
“A investigação clandestina contra cidadãos contrários ao fascismo é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo”, diz Soares, para quem as ameaças à democracia têm sido cometidas pelo Governo Bolsonaro rotineiramente. “A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.”
O antropólogo, que foi secretário nacional de Segurança Pública durante o início do Governo Lula da Silva (PT) e é um dos fundadores do partido Rede Sustentabilidade —do qual se desfiliou, diz que já adotou os trâmites judiciais para questionar o Planalto sobre a investigação informal, conduzida pela Seopi, uma das cinco secretarias subordinadas ao ministro da Justiça, André Mendonça. As atividades não têm acompanhamento judicial.
Além de Soares, também foram monitorados os professores universitários Paulo Sérgio Pinheiro (relator da ONU e ex-secretário Nacional de Direitos Humanos), Ricardo Balestreri (secretário de Segurança Pública no Pará) e Alex Agra Ramos, que leciona na Bahia. Entre os policiais monitorados, estão os que participam do movimento autodenominado Policiais Antifascismo. Por causa das revelações, partidos de oposição ao Governo Bolsonaro também recorreram ao Judiciário para questionar as atividades. Também apresentaram requerimentos de convocação do ministro da Justiça para que ele explicasse o caso no Congresso Nacional. O Ministério Público Federal também solicitou protestaram.
Em notas emitidas desde que o caso veio à tona, no dia 24 de julho, o ministério não negou a existência do dossiê. Disse que a atividade da Seopi integra o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin) e que as “ações especializadas” desenvolvidas pelo órgão tem o objetivo de “subsidiar decisões que visem ações de prevenção, neutralização e repressão de atos criminosos de qualquer natureza que atentem contra a ordem pública, a incolumidade das pessoas e o patrimônio”. Não detalhou, contudo, quais são os supostos atos criminosos cometidos por esse grupo. Neste domingo, em entrevista ao canal Globonews, o ministro André Mendonça foi questionado sobre o tema e disse que não poderia confirmar nem negar a existência do dossiê. “A lei prevê que relatórios, dados e informações de inteligência sejam divulgados de forma distinta. Não posso confirmar, nem negar, a existência de um relatório de inteligência”, disse o ministro, que afirmou ainda ter ordenado uma sindicância para apurar “eventuais faltas ou fatos na produção de qualquer relatório”.
Leia a seguir, a entrevista por Luiz Eduardo Soares, por email. O antropólogo é autor de dezenas de livros, entre eles Elite da Tropa, que deu origem ao filme Tropa de Elite, e Desmilitarizar - direitos humanos e segurança pública, lançado em 2019.
P. Como recebeu a notícia de que o senhor e outras centenas de pessoas estavam sendo monitoradas por uma secretaria do Ministério da Justiça?
R. Recebi com perplexidade e revolta, embora nada mais devesse nos surpreender, vindo do atual Governo. A recriação do velho SNI deixou de ser o sonho de Bolsonaro para se tornar o pesadelo da sociedade brasileira.
P. O senhor suspeitava que vinha sendo monitorado? Se sim, em que momento desconfiou que isso passou a acontecer? Por que acha que é um dos alvos?
R. Não suspeitava, mas a suspeita não mudaria meu comportamento. Como os alvos são políticos, qualquer adversário do Governo corre o risco de ser tratado como inimigo do Estado. Talvez haja interesse especial em me atingir porque dialogo com policiais e escrevo sobre segurança pública, terreno prioritário para o bolsonarismo, como sabemos. Ajudei a elaborar a PEC-51, principal bandeira dos policiais antifascismo, e publiquei, ano passado, o livro Desmilitarizar; direitos humanos e segurança pública, em que defendo a legalização das drogas e analiso criticamente as milícias, a violência policial e a política armamentista do presidente.
P. O presidente disse em algumas ocasiões que antifascistas são terroristas. Primeiro, o senhor é antifascista? Considera esse grupo terrorista?Alguém conhece algum país do mundo em que a maioria seja terrorista?
R. Segundo recente pesquisa Datafolha, a maioria da população brasileira defende a democracia. Como quem defende a democracia, por definição, não pode ser a favor do fascismo, podemos afirmar que a maioria é contra o fascismo. Alguém conhece algum país do mundo em que a maioria seja terrorista? Isso faz algum sentido?
P. Em sua avaliação, esse monitoramento de cidadãos comuns é um crime? Qual é a gravidade do caso? Acha que ele seria mais grave do que qualquer outra investigação que corre contra o Governo ou seus militantes, como o inquérito das fake news e dos atos antidemocráticos ou a apuração sobre a interferência do presidente na Polícia Federal?
R. A abertura de um inquérito é procedimento previsto, legalmente, supervisionado pelo Ministério Público, o qual, considerando-o suficientemente instruído, tem a prerrogativa de converter a acusação em denúncia, instaurando um processo judicial. Nada disso aconteceu. Não há inquérito policial aberto, não há acusação formal, não há crime, o Ministério Público não teve qualquer participação, menos ainda o Judiciário. Trata-se de operação clandestina, absolutamente extemporânea, conduzida à margem da Lei e do Estado de Direito.
P. O senhor pretende adotar alguma medida judicial?
R. Já está em curso.
P. Há analistas que entendem que o Governo reduziu o poder das instituições de controle, como PF e Ministério Público. Como avalia a atuação da gestão Bolsonaro nesta área? Por que o presidente está enfraquecendo essas organizações?A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.
R. O Governo Bolsonaro é um desastre, não só na segurança pública. Pelo que fez, pelo que deixou de fazer e pelas sinalizações, às quais se pode atribuir, por exemplo, o aumento da brutalidade policial letal, no Rio, em São Paulo, no país afora. A flexibilização do acesso às armas bastaria para demonstrar a magnitude do retrocesso. Quanto a reduzir o poder das instituições de controle, não creio que se possa afirmá-lo, uma vez que a Polícia Federal e o Ministério Público são instituições independentes, a despeito das pressões. Claro que as pressões provocam efeitos negativos, sobretudo em se considerando que os conflitos internos são permanentes. A infiltração do fascismo se dá por toda parte, corroendo os pilares da democracia.
P. Levantamento recente do TCU mostra que há ao menos 6.000 militares em cargos de confiança na gestão federal. Qual é o impacto dessa militarização do Executivo?
R. Esse tipo de aparelhamento faz tão mal à sociedade quanto às próprias Forças Armadas, que recuperaram imagem positiva ao longo de todo o período democrático, mantendo-se distante das disputas políticas e respeitando a Constituição. O risco de que a imagem das Forças Armadas se confunda com o Governo é gigantesco, porque a história julgará com severidade os crimes contra a humanidade acumulados pela gestão federal.
P. Acredita que a democracia está em risco? Por que?
R. Não se trata de acreditar ou não. As ameaças têm sido feitas à luz do dia, em praça pública, nas redes sociais, em atos e omissões governamentais. A investigação clandestina contra cidadãos contrários ao fascismo é apenas mais um elo na corrente que nos arrasta para o abismo.
Bruno Carazza: Sobre homens e bichos
O simbolismo do valor do dinheiro nas cédulas e na música brasileira
“A renda da tua saia vale cinco mil réis”, dizia o primeiro verso musical gravado no Brasil. Composto por Xisto Bahia e cantado por Manuel Pedro dos Santos (Bahiano), o lundu “Isto é Bom” foi lançado pela Casa Edison em 1902. A presença de uma referência monetária no registro fonográfico mais antigo do país seria o prenúncio de uma longa e conflituosa relação do brasileiro com a inflação, cantada em verso e prosa na MPB.
Se na virada dos 1800 para os 1900 cinco mil réis compravam o tecido para uma saia, quase 40 anos depois um vestido custava vinte vezes mais, conforme reclamam Noel Rosa e Vadico num samba de 1934: “Você me pediu cem mil réis / pra comprar um soirée”. Nascida no ano seguinte, uma canção de Candeia dá a exata medida da desvalorização da moeda brasileira naquelas primeiras décadas do século XX ao utilizá-la como referência de seu desprezo pela amada que o traiu: “Não vales mil réis”.
Tanto foi assim que Getúlio Vargas, em 1942, sepultou o padrão monetário que o Brasil herdou de Portugal e instituiu o cruzeiro. Numa época em que ainda não vigia o princípio da impessoalidade, Getúlio colocou o seu próprio retrato na nota de dez (!). Foi em vão. O desenvolvimentismo a qualquer custo, levado às últimas consequências com a Brasília de JK, aliado à insegurança institucional do período, corroeram o valor da moeda. Já no governo Castelo Branco, um ingresso para um brinquedo num parque de diversões custava centenas, como nos contam os mutantes Rita Lee e Arnaldo Baptista: “400 cruzeiros / velhos compram com medo / das mãos do bilheteiro / as entradas do trem fantasma”.
Para colocar ordem na economia, Roberto Campos e Octávio Bulhões levaram a cabo a mais completa reforma econômica já implementada no Brasil. Criaram o Banco Central, reformularam o sistema financeiro e instituíram uma revolucionária reforma tributária (com IVA e tudo há mais de 50 anos). Entre inúmeros outros avanços eles ainda cortaram três zeros do cruzeiro e lançaram o “cruzeiro novo” em 1967 - que, por determinação do novo ditador de plantão, Médici, voltou a se chamar só “cruzeiro” em 1970.
Uma nova família de cédulas foi lançada em 1972, e já na ressaca do “milagre brasileiro” e com nossa economia totalmente arruinada após os choques do petróleo, no final de 1978 saiu uma nota que até hoje ainda é referência no linguajar popular. Trazendo novamente o retrato de José Maria da Silva Paranhos, o barão do Rio Branco, a cédula de Cr$ 1.000 marcou época e foi motivo de uma engraçadíssima canção lançada por Nelson Gonçalves em 1982: “O Barão”.
Composta pelo veterano sambista Klecius Caldas e seu filho Fernando Pennafort, a música fazia troça de figuras que estamparam nosso papel-moeda nos tempos de Vargas (“Seu Cabral, Tiradentes, Santos Dumont / Já valeram dinheiro no tempo bom”) e, com a economia do período militar já fazendo água, caçoava: “Seu barão, o que que há com o senhor, que era o tal nos tempos do imperador? / A carestia tão cruel liquidou o seu papel / Alta do dólar, alta da libra / Vai o cruzeiro pro beleléu”.
Veio a redemocratização, e as expectativas de que o “dragão da inflação” seria domado logo se evaporaram em meio a uma montanha-russa de planos econômicos heterodoxos e trocas de moedas.
“Perplexo” é como o brasileiro se sentia naquela época, conforme cantaram em 1989 os Paralamas do Sucesso: “Mandaram avisar / agora tudo mudou / eu quis acreditar / outra mudança chegou”.
“Fim da censura, do dinheiro, muda nome, corta zero / Entra na fila de outra fila pra pagar”. Entre 1985 e 1994 nós convivemos com cinco moedas (cruzeiro, cruzado, cruzado novo, cruzeiro novamente e ainda o cruzeiro real) e até chegarmos finalmente ao real os valores do dinheiro brasileiro foram divididos por 2,75 trilhões para facilitar as contas em meio à espiral inflacionária.
De Sarney a Itamar, dezenas de personagens valorosos de nossa história se sucediam em cédulas que logo não tinham mais valor algum. Pela ordem foram JK, Rui Barbosa, Oswaldo Cruz, Villa-Lobos, Machado de Assis, Portinari, Carlos Chagas, Drummond, Cecília Meireles, Augusto Ruschi, Rondon, Carlos Gomes, Vital Brazil, Câmara Cascudo e Anísio Teixeira. Ao final já faltavam personalidades, e teve que se recorrer à efígie da República e a tipos populares como o gaúcho e a baiana.
Em 1993, no auge do descontrole inflacionário, ministros da Fazenda não chegavam a durar um mês no cargo, e é desse período a cédula de maior valor nominal da história brasileira: Cr$ 500.000 (meio milhão!). Trazendo na face o escritor Mário de Andrade, nada traduz melhor como foi o processo hiperinflacionário brasileiro: o verso “e então minha alma servirá de abrigo”, impresso logo acima do valor de 500 mil, foi extraído do mesmo poema que começa com “eu sou trezentos, sou trezentos e cinquenta”. Mais Macunaíma, impossível!
O filósofo Renato Janine Ribeiro, que já ocupou este espaço, certa vez escreveu sobre o simbolismo da escolha do nome e das estampas da nova moeda. O “real” seria uma promessa e uma profissão de fé de que daquela vez o controle da inflação seria para valer, enquanto os animais da nossa fauna representavam um dos poucos ativos dos quais os brasileiros tinham orgulho e que ainda possuía valor no exterior: a natureza.
Quem esteve nos bastidores da criação do real dá uma explicação menos poética para a escolha: não havia tempo para se imprimir uma família inteira de novas notas em tão pouco tempo, e os técnicos da Casa da Moeda propuseram utilizar desenhos para os quais já havia modelos para serem utilizados. Faz sentido: o beija-flor da nota de um real era quase igual a outro que já havia aparecido no anteverso dos 500 cruzados novos com o naturalista Augusto Ruschi.
De uma forma ou de outra, lá se vão 26 anos em que a bicharada ocupa nossas carteiras, uma grande conquista para uma história monetária tão turbulenta. Mas a inflação de 423,9% desde janeiro de 1995 já levou à extinção do beija-flor e agora faz surgir, na nota de R$ 200, o lobo-guará - que sirva de alerta para os incertos tempos pós-pandêmicos que nos aguardam.
*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”
Leandro Colon: O jogo seletivo de Aras
PGR fala em "caixa de segredos" da Lava Jato, mas se cala diante da usurpação da AGU
A reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal na sexta-feira (31) é o símbolo deprimente da crise entre o chefe da PGR, Augusto Aras, e um grupo de procuradores que lhe faz oposição.
Temos visto, rotineiramente, ataques mútuos, egos inflados e desvios da liturgia exigida para a função de procurador da República.
Anti-lavajatistas, dentro e fora do Ministério Público, celebram a disposição de Aras em enfrentar a força-tarefa de Curitiba, liderada há alguns anos por Deltan Dallagnol.
Nos bastidores, cresce a certeza de que Aras deve desmantelar ou ao menos fatiar as atribuições do grupo que comanda a Lava Jato.
Seria demonstração de força do chefe da PGR que pode enfraquecer Deltan e a equipe que conduziram as investigações da maior operação anti-corrupção que o país já viu.
Decerto que razões existem (e sobram) para contestar, apurar e repudiar os atropelos legais e o método policialesco que a Lava Jato adotou em muitos casos até aqui.
Assim como é inegável o serviço prestado por ela ao desmantelar um esquema de corrupção nefasto na Petrobras, colocando na cadeia políticos e figurões empresários que assaltaram os cofres públicos.
A questão aí é qual o jogo real de Aras, devoto da cartilha do presidente da República que o escolheu fora da tradicional lista tríplice da classe.
Aras se indigna com o que chama de "caixa de segredos" da Lava Jato, mas se cala diante da usurpação das atribuições da AGU e do Ministério da Justiça no governo Bolsonaro.
Isolado no MPF, ensaia uma dobradinha com o STF. Aliou-se a Dias Toffoli para ter acesso ao material sigiloso da Lava Jato —isso depois de tentar obtê-lo na marra.
Em recente declaração, Aras disse que, durante seu mandato, não vai permitir que "haja um aparelhamento" do Ministério Público.
Espera-se a mesma disposição do chefe da PGR em investigar no inquérito que ele abriu para apurar o aparelhamento do comando Polícia Federal por parte de Jair Bolsonaro.
Celso Rocha de Barros: Mendonça e Aras são cabo e soldado de Bolsonaro em novo ataque à democracia
Ministro da Justiça produziu dossiê contra 'antifascistas' e procurador-geral da República faz guerra contra Lava Jato
O ministro da Justiça, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, são o cabo e o soldado de pés chatos que Bolsonaro usa em seu novo ataque à democracia brasileira.
Mendonça, que virou ministro da Justiça quando Moro deixou o cargo, vem se destacando na perseguição contra adversários do governo.
Produziu um dossiê contra “antifascistas” que incluía dois acadêmicos respeitados, Paulo Sérgio Pinheiro e Luiz Eduardo Soares, bem como policiais de esquerda, que poderiam vir a ser um obstáculo ao aparelhamento das polícias.
Aras, por sua vez, faz guerra contra a força-tarefa da Lava Jato e tenta centralizar os instrumentos de investigação para usá-los no interesse do golpismo. Enquanto Mendonça briga para prender antifascistas honestos, Aras briga para manter fascistas corruptos em liberdade.
A guerra bolsonarista contra a Lava Jato vem produzindo cenas curiosas. Na semana passada, por exemplo, o bolsonarista Alexandre Garcia usou as revelações da Vaza Jato para criticar a turma de Curitiba.
Quando o Intercept Brasil publicou as denúncias, Garcia estava entre os que atacaram os jornalistas. Pesquise o artigo “Estranhas Coincidências”, publicado em 30 de julho de 2019, em que Garcia repete a mesma lista de mentiras que os bolsonaristas lançavam na época contra Glenn Greenwald e sua família.
Na esquerda, que perdeu uma, e talvez duas Presidências da República no auge do lavajatismo, há gente comemorando a guerra de Aras contra Curitiba. Pode ser compreensível, mas é um erro.
Ninguém ficaria surpreso se, enquanto tenta desmontar a Lava Jato, Aras requentasse uma delação contra Lula para acalmar os bolsonaristas que ainda mentem que se preocupam com corrupção.
Na direita tradicional também tem gente querendo ver no desmonte da Lava Jato uma espécie de acomodação de Bolsonaro com o centrão, o que, por um raciocínio meio tortuoso, poderia ser visto como aceitação da política institucional.
A política brasileira vem sendo isso, um esforço para que um sujeito que causou cem mil mortes aceite ser menos golpista se a gente ajudá-lo com uns problemas que ele tem com a polícia.
E mesmo isso me parece otimismo demais. Não acho que o acordão vai parar o golpismo.
Bolsonaro ficou com raiva da polícia e do Judiciário porque eles pegaram Queiroz e atrapalharam seu autogolpe. Quando Judiciário e polícia tiverem sido aparelhados, Bolsonaro voltará à carga.
Talvez por isso MDB e DEM tenham saído do bloco parlamentar do centrão semana passada. A manobra parece ter sido pensada para enfraquecer Bolsonaro na eleição para a presidência da Câmara. Se for isso, MDB e DEM estão certíssimos.
Não se pode entregar o controle da presidência da Câmara, que com Rodrigo Maia foi um dos pontos de resistência ao autoritarismo, a quem se tenha vendido a Bolsonaro.
Da mesma forma, o leilão da vaga no STF para quem fizer a maior oferta de golpismo tem que acabar. É preciso ficar claro que o Senado não aprovará o vencedor da disputa.
De qualquer forma, cabo Mendonça e soldado Aras são bem mais fáceis de combater do que os cabos e soldados com quem Bolsonaro ameaçava o Brasil um mês atrás. Mas são um sinal importante para quem acreditava que Bolsonaro havia se tornado mais moderado nesse mês que ficou em casa apanhando de ema.
*Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
Cacá Diegues: A política de guerra
Vou tratar de virar fã de Felipe Neto
Se a esquerda faz política demais, a direita por sua vez não sabe fazer política, não faz política nenhuma. Mas se ilude quem pensa que nosso presidente de direita, Jair Bolsonaro, se elegeu sem um programa claro, por puro prazer da aventura política contra a política, a antipolítica que ele tanto anunciou. Ele e sua turma nunca se interessaram pela política como modo de levar a sociedade em direção a uma agenda que corrigisse o passado e organizasse o futuro, não se prepararam para isso. Eles se prepararam para uma guerra e só pensam nela.
Uma guerra que só ainda não foi escancarada, fazendo mais vítimas e provocando mais tiroteios aleatórios e insanos, por causa da pandemia, por causa de um pequeno animalzinho, um quase nada, o vírus assassino que não permitiu que o bando de Bolsonaro assumisse o papel central de seu tempo. A guerra que programaram e pretendiam praticar é humanamente menor do que a calamidade pública provocada pela Covid-19.
Quem não se lembra das ameaças guerreiras feitas pouco antes de se tornar trágica a presença do vírus por aqui? Um dia, na televisão, Bolsonaro nos garantiu que tinha vencido a eleição de 2018 no primeiro turno e que, portanto, tinha sido roubado. O presidente afirmou que tinha provas disso e que ia mostrá-las à nação. Faz mais de oito meses que esse show passou na televisão… e cadê as provas? Quantas vezes ouvimos dele, de seus filhos e dos ministros mais queridos e alinhados, que haveria muito em breve uma ruptura inevitável, que não dava mais para suportar as perseguições dos outros Poderes ao Executivo? Quantas vezes ouvimos, desde há bastante tempo, expressões como “agora chega” ou “acabou” ou “não dá mais” ou coisa que o valha? Faz tempo que essas expressões de radicalidade começaram a ser usadas e, até agora, a guerra não passou de fuxico.
O Brasil tem hoje perto de cem mil vítimas fatais do coronavírus e mais de dois milhões e meio de infectados lutando contra a morte, fora os que não morreram mas se tornaram de alguma forma deficientes. Vemos todo dia, nos jornais, na televisão e nas redes sociais, as famílias feridas dessas vítimas, capazes de comover o mais endurecido dos corações. Menos os da turma dos Bolsonaros. Para eles, é tudo um exagero da “extrema imprensa”, o possível quase milhão de familiares enlutados tinham mais é que se conformar, pois todo mundo um dia morre. E daí?
Enquanto as vítimas e seus familiares têm a generosidade de pedir à população que não saia de casa, para que não morram mais brasileiros inutilmente, o presidente do Brasil, o principal responsável em última instância pelos cidadãos do país, manda invadir os hospitais para fotografar leitos vazios, a fim de provar que é tudo um exagero contra não sei quem. Aí o consórcio de imprensa, montado a partir das informações das secretarias de Saúde de cada estado, com a finalidade de neutralizar as mentiras que estavam sendo supostamente armadas pelo Ministério da Saúde para subestimar os números da crise e aliviar a responsabilidade do governo, impacta a nação com os verdadeiros números da tragédia.
Enquanto as famílias e os solidários a elas choram as vítimas da Covid-19, o presidente da República sorri feliz e sem máscara, abraçado a uma aglomeração no interior da Bahia, em cima de uma mula manca, fantasiado de caubói sertanejo, com um chapéu de falso couro de jagunço, inaugurando um bebedouro ornamental e vagabundo, mandado construir por outra responsável pela miséria do Brasil, Dilma Rousseff, numa região em que o povo morre, de verdade, de fome e de sede.
No meio da representação de sua farsa, Bolsonaro se explica, como um demônio sem compaixão, dizendo que está mesmo interessado é em salvar a economia do país, que está se dedicando a isso, certamente mais importante que os mortos inevitáveis. Pois bem, segundo o próprio IBGE, já foram fechadas, vítimas da pandemia, 522 mil empresas no Brasil. O que é que o governo fez por cada uma delas?
Bolsonaro não tem tempo de cuidar da economia dessas empresas porque seu pessoal está ocupado com a guerra. A meta bélica agora é acabar, a qualquer preço, com Felipe Neto, um jovem youtuber que, talvez sem se dar conta, também se preparou para ela e aprendeu a usar as redes sociais, alcançando mais de 60 milhões de seguidores. Para o bem do governo, Felipe Neto tem que ser destruído e está sendo perseguido com clássicas fake news imorais e incômodos pessoais, como o cerco no condomínio onde mora.
As mentiras hediondas, munição de uma guerra estúpida, estão fazendo de Felipe Neto um herói da resistência aos males que já foram e ainda serão feitos ao Brasil. Nunca tive a oportunidade de ver o influencer na internet, mas vou vê-lo logo e tratar de ser seu fã.
Fernando Gabeira: Fake news, injúria e conspiração
Decretaram minha morte e reclamam por eu não ter levado a sentença a sério
Notícias falsas, injúrias, teorias da conspiração, quase todas as semanas, sobem ao topo da pauta política no Brasil.
Nas redes, muito se falou do ataque a Felipe Neto, depois de sua aparição no “New York Times” criticando o governo Bolsonaro. A velha acusação aos comunistas, comem criancinhas, ganhou uma versão atualizada contra Felipe.
No campo editorial, tive a oportunidade de ler “A máquina do ódio”, um livro de Patrícia Campos Mello sobre fake news e violência digital no mundo. Ela conta, entre outros casos, a carga injuriosa que sofreu quando denunciou manipulação digital nas eleições de 2018.
Nem sempre foi assim no Brasil. Nesses tristes momentos de tecnopopulismo, costumo dar uma olhada na bela coletânea intitulada “Duelos no serpentário”, coligida por Alexei Bueno e George Ermakoff.
Trata-se de uma antologia de polêmicas intelectuais no Brasil, de 1850 a 1950. Havia alguma ironia, insultos aqui e ali, mas eles passavam dias, noites, escrevendo suas teses, sob a luz de lamparinas. O problema era convencer com ideias.
A polêmica gramatical entre Rui Barbosa e Carneiro Ribeiro sobre o texto do Código Civil, se impressa no conjunto, daria um livro de mil páginas, capaz de entediar gerações inteiras de estudantes. Houve polêmicas para definir se o cinema falado era melhor que o cinema mudo. Vinicius de Moraes participou dela.
Em relação a esse período da história, talvez tenhamos regredido às medievais canções de maldizer e escárnio. Ou, mais que isso, entramos num campo que só o estudo da injúria pode abarcar.
Jorge Luis Borges escreveu a bela “História universal da infâmia”. Nas suas obras completas é possível encontrar também algumas notas sobre a injúria, uma categoria específica de agressão.
É um texto curto, intitulado “Arte da injúria”. Segundo Borges, o agressor deverá saber, conforme advertem os policiais da Scotland Yard, que qualquer palavra que diga pode ser voltada contra ele.
O sonho dele, portanto, é ser invulnerável. Isso foi escrito na década dos 30, muito antes da internet, que trouxe o conforto do anonimato.
O roteiro da injúria em Borges passa pelas ruas de Buenos Aires. O agressor sempre adivinha a profissão da mãe dos outros e quer que mudem para um certo lugar que pode ter diferentes nomes. Em português, é possível conciliar os dois tipos de injúria enviando a pessoa para um lugar que, em linguagem amenizada, é a ponte que partiu.
Ao longo de sua análise, Borges descobre que, nas “Mil e uma noites”, célebre texto árabe, há um xingamento que se tornou popular: cão.
E chega aos que parecem mais sofisticados e certeiros como este: “Sua esposa, cavalheiro, sob o pretexto de trabalhar num prostíbulo, vende artigos de contrabando”.
Borges destaca também a injúria mais esplêndida feita por alguém que não tinha contato com a literatura. Ele descreve um homem chamado Santos Chocano, dessa maneira: “Os deuses não consentiram que Santos Chocano desonrasse o patíbulo, nele morrendo. Aí está vivo, depois de ter fatigado a infâmia”. O personagem me lembra um pouco velhos políticos que ganham uma espécie de pele de elefante depois de tantas pancadas pela vida afora. Cansam até o xingamento.
Mas os insultos contra as pessoas que têm outra atividade costumam ser devastadores para suas relações familiares, de amizade e a própria autoestima. Sou solidário com elas e desejaria ver algo na lei que acabasse com a invulnerabilidade do agressor.
Pessoalmente, não guardo ressentimentos, sobretudo agora nessa idade. Não me ameaçam de morte, simplesmente afirmam que já morri e não me dei conta. Decretaram minha morte em algum momento do passado e reclamam por não ter levado a sentença a sério.
A idade também protege um pouco contra a repetição do mantra “viado e maconheiro". A maconha restou com alguma vitalidade. Sempre que escrevo algo que lhes desagrada ou parece estapafúrdio, dizem que fumei maconha estragada.
Ainda bem que sou de paz. Poderia acusá-los de apologia às drogas. Se as ideias estapafúrdias e equivocadas são fruto de maconha estragada, isso significa que a de boa qualidade traz limpidez e justiça ao pensamento.
Não se discute mais como antigamente. E eles estão com um enorme estoque de cloroquina para se preocupar com outra droga.
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‘Diante do futuro sombrio, cultura deve oferecer respostas’, diz Martin Cezar Feijó
Em artigo publicado na revista Política Democrática Online, historiador diz que pandemia se amplia nas consequências econômicas, sociais, políticas e culturais
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em meio à situação caótica e ao império do medo durante a pandemia do coronavírus, “o futuro se demonstra sombrio, mas a cultura pode, e deve, oferecer respostas”. A análise é do historiador Martin Cezar Feijó, em artigo que publicou na revista Política Democrática Online de julho, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, para acesso gratuito, em seu site.
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Feijó ressalta, no texto, que entende a cultura como a “expressão sensível”, por meio das artes, aos impasses da humanidade, pois, segundo ele, é claro que respostas sempre foram encontradas em quadros até mais sombrios do que o atual. “Não será diferente agora, apesar de todos os percalços que já existiam no plano oficial para o desmantelamento do antigo Ministério da Cultura, mas também do Ministério da Educação. Que período insano”, afirma.
Em sua análise, o historiador diz que seu texto não se resume ao quadro sanitário, do qual, conforme ressalta, cientistas competentes estão cuidando em várias partes do mundo sob a supervisão da OMS (Organização Mundial de Saúde). “A questão se amplia nas consequências econômicas, sociais, políticas e culturais, objetivo desta reflexão”, esclarece.
O mundo da cultura foi totalmente abalado pelos efeitos da pandemia: cinemas, teatros e museus foram fechados; artistas, músicos e bailarinos estão desempregados. “Com as quarentenas, cidades ficaram vazias (Living in a ghost town, Rolling Stones), tudo parecendo formar cenário das maiores e mais tenebrosas distopias”, observa.
“Enquanto equipes médicas travavam batalhas contra um vírus invisível em unidades de terapias intensivas, sendo contaminados e, muitos deles, mortos; jornalistas buscavam informar enfrentando não só os vírus que se espalhavam, mas também a grande quantidade de fake news que tumultuava o ambiente de guerra”, lamenta o autor.
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