Day: julho 31, 2020

Jovens relatam qualidade de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina

Entrega e busca de livros são realizadas sem nenhum custo para leitores cadastrados em Brasília e região

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Durante o período da pandemia do coronavírus, a leitura passou a ser atividade ainda mais constante na vida dos estudantes Carlos Gustavo Araújo dos Santos, de 29 anos, Nayara Rayanne Vale, de 33, e Kelton Alexandre Pinto, de 28.  Moradores de regiões distintas ao redor de Brasília, eles mantêm acesa a paixão pelos livros, que lhes garante ótima terapia para lidar com o período de isolamento social.

Apesar de não se conhecerem, os três fazem parte do grupo de pessoas que usam o serviço de empréstimo delivery gratuito da Biblioteca Salomão Malina, mantida pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), no Conic, no Centro de Brasília. A iniciativa garante a entrega do livro na residência de cada pessoa interessada. A devolução é marcada no sistema da biblioteca, que disponibiliza profissional com transporte individual para também buscar a obra literária no mesmo endereço cadastrado e na data agendada.

‘Minha vida estava feita’

Nayara: "O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito". Foto: Divulgação

Nayara é uma das apaixonadas por livros e que também usa o serviço da Biblioteca Salomão Malina. Ela, que cursa História e trabalha como massoterapeuta e maquiadora, mora no Recanto das Emas, a 29 quilômetros de Brasília. Durante a quarentena, apegou-se ainda mais ao seu hábito de leitura, marcado pela versatilidade de gostos.

“Gosto de ler tudo. Amo ficção, sobrenatural e futuros distópicos, em que a imaginação corre solta e você fica preso do início ao fim. Gostos de livros de história, principalmente sobre mitologia grega, egípcia, hindu e cristã, das mais variadas formas”, conta. Ela conheceu a biblioteca e seus serviços por meio das redes sociais durante o período da pandemia.

A estudante foi a primeira usuária a se cadastrar de forma remota e a solicitar o serviço de empréstimo delivery, desde que foi lançado. Nesse contexto de isolamento social, a leitora ficou muito feliz com a iniciativa, a qual, segundo ela, vem ajudando-lhe a enfrentar a quarentena.

“Em plena época de pandemia, foi lançado o empréstimo delivery”, comemora Nayara. “Minha vida estava feita”, afirma. Segundo ela, os primeiros livros que solicitou foram Os Pensadores, de Descartes, e Horror Metafísico, de Leszek Kolakowski. “Maravilhosos. O serviço de entrega foi excepcional. Os livros chegaram bem embalados e higienizados. Perfeito. Eu indico pra todo mundo”, alegra-se.

Agradecimento registrado

Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Foto: Divulgação

Carlos Gustavo, por sua vez, mora em Taguatinga Norte, a cerca de 20 quilômetros da sede da biblioteca. Ele, que também é técnico em enfermagem, acabou de se formar em Filosofia. Seu primeiro contato com a biblioteca ocorreu ao passar pelo Conic. De lá para cá, vinha fortalecendo cada vez mais suas visitas na unidade, que teve de ser fechada para o público por causa do isolamento social.

De acordo com o estudante, a biblioteca lhe garantiu suporte para desenvolver seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), com o tema “A problemática da maldade na moralidade contemporânea”. Sua pesquisa foi embasada em livros como Materialismo histórico e Materialismo dialético, de Louis Althusser; Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx; e O espírito das leis, de Charles L. S. Montesquieu; além de obras de Zygmunt Bauman, como Ética pós-moderna, Cegueira Moral e Modernidade Líquida.

Devido à sua satisfação com a assistência à sua pesquisa recebida na biblioteca, Carlos colocou na dedicatória do seu trabalho um agradecimento à unidade pelo suporte recebido em sua pesquisa. Ele também já se beneficiou dos livros que ficam disponíveis para doação no quiosque cultural da biblioteca.

Leitura como entretenimento

Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, Kelton tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa. Foto: Divulgação

Morador do Guará, a 15 quilômetros da biblioteca, Kelton também está no grupo de leitores que têm fortalecido a paixão pelos livros durante a pandemia, com apoio do serviço gratuito de empréstimo delivery. Ele, que é músico e voltou a estudar para se preparar para o vestibular e ingressar em uma faculdade, frequenta a biblioteca desde 2013, quando a conheceu por indicação de amigos.

Fã dos clássicos da literatura inglesa, ele vê na leitura um entretenimento. Já pegou emprestado livros como O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë;  O Retrato de Dorian Gray,  de Oscar Wilde; e  O Coração das Trevas, de Celso Paciornik. Desde o fechamento da biblioteca para o público durante a pandemia, o estudante tem usado com frequência o serviço de empréstimo de livros em casa.

Detalhes do empréstimo delivery

As pessoas interessadas podem entrar em contato pelo whatsapp oficial da Biblioteca Salomão Malina (61 984015561) para solicitarem o catálogo online com mais de 3,1 mil livros disponíveis para empréstimo. O serviço é oferecido a todos os leitores cadastrados na unidade. Para se cadastrar, é necessário enviar foto do documento oficial e comprovante de residência pelo whatsapp, além de fornecer demais dados pessoais necessários e de contato.

Após serem devolvidos, os livros são armazenados em local separado e apropriado antes de serem submetidos aos procedimentos de higienização indicados nas recomendações do SNBP (Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas). A Biblioteca Salomão Malina é privada. Em períodos normais, fica aberta ao público, de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h

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César Felício: Enxugando gelo

Classe política não consegue brecar guerras digitais

O linchamento virtual praticado nos últimos dias pelos militantes bolsonaristas contra a estrela da internet Felipe Neto - segundo maior ‘youtuber’ do Brasil, com 39 milhões de seguidores, quase a população da Argentina - mostra que a roda da guerra digital não parou de girar. Não está sendo detida pela pressão da classe política, que providenciou um pacote com projeto de lei sobre “fake news”, CPI sobre o tema e inquérito no Supremo Tribunal Federal, nem pela própria autorregulação das empresas.

Um fenômeno nas redes com suas frivolidades para adolescentes, Felipe Neto aventurou-se há algum tempo no ativismo político, contra o conservadorismo de modo geral. Um ponto culminante deu-se ontem, com o debate promovido pelo site “Jota” entre a celebridade e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso. A ofensiva de Neto começou em meados do mês, ao gravar, em inglês, um vídeo para o “The New York Times” em que diz que Bolsonaro não só é pior do que Trump como está abaixo de todos os outros governantes da terra.

O troco, como costuma acontecer, veio com uso desproporcional da força. Apenas na manhã do dia 27, segundo o comunicador, 416 vídeos foram subidos no Facebook e Instagram associando-o à pedofilia. Houve quem fosse mais sofisticado e postasse um tutorial sobre como desmonetizar os vídeos do youtuber. Houve quem fosse mais tosco e ensinasse rituais de magia negra para prejudicá-lo.

O fato é que a polêmica sobre Felipe Neto parece apenas um sinal na superfície com raízes muito mais profundas. “A atenção está voltada para redes mais fáceis de monitorar, como YouTube e Twitter, mas de longe o problema maior que existe no Brasil é o WhatsApp”, comentou Pablo Ortellado, professor de gestão pública na USP, campus da Zona Leste. “As ações tomadas até o momento não têm força para barrar esta máquina”.

O WhatsApp, segundo pesquisa encomendada pelo Senado em novembro de 2019, citada no livro “A máquina do ódio”, da jornalista Patrícia Campos Mello, é a fonte de informação mais importante para 79% dos pesquisados. De acordo com outro levantamento do ano passado também mencionado na obra, feito pela Idea Big Data em maio, 52% das pessoas confiam em mensagens noticiosas enviadas por familiares. Ortellado lembra que o aplicativo está baixado em 98% dos celulares no país.

Se no YouTube o problema é o incentivo à polarização que a monetização representa, já que o formato da rede favorece a opinião e o número de visualizações dispara com mensagens radicais, no WhatsApp a chaga é o sigilo criptografado de mensagens enviadas em massa.

“O problema para se conseguir uma ação efetiva no Brasil que limite guerras digitais não é apenas tecnológico, é político. A sociedade está polarizada e dividida sobre o tema”, comenta Ortellado. O professor da USP refere-se ao projeto de lei em tramitação na Câmara que permite o armazenamento de metadados de redes, o que viabiliza a rastreabilidade e a punição de criminosos digitais no WhatsApp. A proposta tende a travar na Câmara, e se passar, seu veto pelo presidente Jair Bolsonaro é quase certo.

O demônio é um ser de muitas faces nessa discussão, não só no Brasil, como no mundo. Na Turquia, Recep Erdogan articula a aprovação de uma lei que permite a remoção de conteúdo ofensivo nas redes. É algo potencialmente lesivo para a liberdade de expressão. Nos Estados Unidos, Trump pressiona empresas a diminuírem sua autorregulação. Abre caminho para um provável abuso da liberdade de expressão.

A luta pelo poder reciclou o jargão do general prussiano Clausewitz, aquele que vaticinou ser a guerra a continuação da política por outros meios. Dependendo da forma como as redes forem disciplinadas, os planos de continuidade de um grupo à frente de um Estado podem ficar irremediavelmente comprometidos.

Essa característica dificulta que princípios prevaleçam entre os tomadores de decisão sobre o tema. Há um retrocesso claro na democracia quando as regras do jogo para a competição política deixam de ser consensuais, o que é o caso brasileiro.

Em meio ao gelo sendo enxugado, o avanço mais notável para se colocar um mínimo de civilidade nas redes sociais partiu das próprias empresas. Ao limitar no começo do ano passado o reenvio de mensagens e monitorar as linhas de transmissão, o WhatsApp tornou um pouco mais complexo e caro seu uso como ferramenta política. “Antes você fazia um grande disparo com um só chip. Para atingir 300 mil pessoas era uma questão de horas. Agora são necessários dias. A democracia precisava disso”, comentou o marqueteiro eleitoral André Torreta.

O aperto do torniquete do WhatsApp gerou dois fenômenos. Um é a comunicação dentro das próprias bolhas, o chamado viés de confirmação. As listas de transmissão vão virando um instrumento para confirmar pontos de vistas já existentes. O outro é a migração para novas plataformas.

“Existe uma tendência crescente de uso do Instagram e do Tik Tok, para fins políticos, dentro e fora do Brasil. A produção de ‘fake news’ aumentou e se sofisticou, com o uso de ‘deep fakes’ (imagens e áudios manipulados)”, observa Mauricio Moura, diretor do Idea Big Data.

Para Moura, para combater “fake news” a estratégia do mundo política em vigiar e punir os comandantes dos exércitos digitais não é suficiente. “Infelizmente não é possível agir apenas sobre a oferta. É necessário agir sobre a demanda, o receptor. Convencê-lo a se informar com outras fontes. É uma questão da educação”, comenta, como quem menciona um problema impossível de se resolver.


Eliane Cantanhêde: Duas caixas de segredos

Se a Lava Jato é uma ‘caixa de segredos’, como diz Aras, guerra contra ela também é

A guerra contra a Lava Jato não é só da Procuradoria Geral da República nem é só contra a força-tarefa de Curitiba. O procurador-geral Augusto Aras é o líder ostensivo e porta-voz, mas o ataque à maior operação de combate à corrupção do mundo vai muito além dele, incluindo Congresso e parte de Supremo, OAB, Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e da própria mídia. É um movimento combinado e visa Curitiba, São Paulo e Rio.

Ninguém questiona a fala de Aras sobre “correção de rumos” e “garantias individuais”, mas é preciso ficar claro se, por trás, não está em curso o desmanche da Lava Jato, punir e demonizar seus expoentes, impactar processos em andamento e até anular condenações já em execução. Ou seja, se a intenção é acabar com “excessos”, “hipertrofia”, investigações indevidas, dribles em leis e regras – que podem efetivamente ter ocorrido –, ou desfazer tudo e demolir, por exemplo, o ex-juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Enquanto Aras ataca a Lava Jato por atacado, seus aliados agem no varejo contra Moro e Dallagnol. No Supremo, Dias Toffoli propõe que magistrados só disputem eleições após quarentena de oito anos. Na Câmara, Rodrigo Maia acata a ideia – e já para 2022. É para cortar uma candidatura Moro pela raiz? Do PT ao Centrão, passando por MDB e PSDB, levante o dedo quem apoia Moro e Lava Jato no Congresso!

Simultaneamente, entra em ação o CNMP. O conselheiro Marcelo Weitzel determinou intervenção na distribuição de processos no MP Federal de São Paulo, visando os que têm o carimbo da Lava Jato. Outro, Luiz Fernando Bandeira, pretende retirar Dallagnol da força-tarefa de Curitiba, por ter sugerido um fundo lavajatista com bilhões de reais recuperados do petrolão. Além disso, Dallagnol também foi pivô das mensagens hackeadas entre procuradores e Moro.

Esses movimentos contra a Lava Jato vêm num crescendo. O marco foi a ida da subprocuradora-geral Lindora Araujo a Curitiba para requisitar todo o arquivo e rastrear os equipamentos da força-tarefa. Em seguida, o vice-procurador Humberto Jacques criticou o modelo da operação como “desagregador”, “disruptivo” e “incompatível com o MPF”.

Foi aí que Toffoli autorizou a PGR a centralizar em Brasília todos os arquivos de Curitiba, Rio e São Paulo. Segundo Aras, o MPF inteiro tem 50 terabites de dados e Curitiba, sozinha, 350. É com base nessa documentação fenomenal que ele e sua equipe – que até aqui só jogam no ar suspeitas vagas – pretendem comprovar que o chamado “lavajatismo” grampeava pessoas e investigava alvos com foro privilegiado ilegalmente, usava conduções coercitivas como tortura psicológica, aceitava e compensava excessivamente qualquer delação premiada, dispensando provas daqui e dali.

Ao condenar o suposto “vale tudo” da Lava Jato, porém, a PGR e seus aliados podem estar justamente recorrendo a um “vale tudo” para desmontar as estruturas e demonizar os líderes da Lava Jato, numa repetição do que ocorreu contra a Operação Mãos Limpas, que passou de grande sucesso a triste derrota na Itália. Além disso, há o risco natural da centralização de dados na capital: o uso político. Hoje, o procurador é Aras. E amanhã?

Onde fica o presidente Bolsonaro nisso tudo? Depois de meter a mão no Coaf, mexer os pauzinhos na Receita, romper com Moro e ser investigado por suspeita de intervenção na PF, ele escolheu Aras fora da lista tríplice e reforça a percepção de uma união de Judiciário, Legislativo e Executivo contra a Lava Jato – que, entre erros e acertos, foi importantíssima para o País. E, se a Lava Jato é uma “caixa de segredos”, como diz Aras, a articulação contra ela também é. E seus segredos podem ser bem mais cabeludos.


Reinaldo Azevedo: A democracia pede o fim da Lava Jato e a criação da Unac

Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal

Nada é mais importante no país do que resgatar o devido processo legal, soterrado pelo imoralismo lavajatista, que destruiu princípios, valores e procedimentos sob o pretexto de combater o malfeito. Assim, a criação da Unac (Unidade Nacional de Combate à Corrupção e ao Crime Organizado) é uma prioridade.

Depois será preciso mudar as leis 12.846 (de leniência) e 12.850 (das delações) para que o país deixe de ser governado por agentes do Estado convertidos em achacadores de chantageados convertidos em delatores. O terceiro passo é desmilitarizar a política. Há uma "trilha clara para o meu país, apesar da dor" (Caetano).

A Unac tem de ser criada pelo MPF não para que se erija um ente estatal opaco, constituído por superprocuradores que se imponham ao arrepio da lei, munidos de espírito punitivo-salvacionista, empenhados em driblar a Constituição e os códigos e, por consequência, esbulhando direitos, impondo penas extrajudiciais, substituindo o escrito por arbitrariedades ditadas por solipsismos de justiceiros ensandecidos.

Eis a Lava Jato, cujo ilegalismo devorador de instituições remonta já a 2014, ano de sua criação, como comecei a apontar, então, neste espaço. Minha crítica não é ideológica nem nova. Insisto nela por obcecação? Talvez sim, mas não por obsessão. Sou obcecado pela ideia de que o direito sem a forma é mero valor que degenera em arbítrio.

Vejo com assombro vicejar até no STF certo consequencialismo inconsequente, disposto a fraudar a forma em favor da suposta eficácia da lei —que, nessa perspectiva, só se dá com o desrespeito à própria lei. Obsessivos são os partidários do demônio da desordem.

Temos de debater em que condições se criará a Unac para que se possa submeter o MPF ao controle democrático. "Ah, Reinaldo, você não teme que esse ente possa ser o núcleo de um estado policial?"

Estado policial é o que se tem hoje. A Lava Jato, como resta claro nos seus embates com Augusto Aras, procurador-geral da República, atua com uma autonomia que não encontra respaldo na Constituição, na lei complementar 75 e em nenhum outro diploma legal. A força-tarefa corrompe o MPF assim como a milícia corrompe a polícia.

A Unac pressupõe o fim dessas operações excrescentes, ocupadas em fortalecer a si mesmas, com seus justiçamentos e fases de nomes pretensiosos. Trata-se do avesso da Justiça, que, por princípio, tem de cultivar a contenção e o comedimento.

Se queremos um bom modelo de controle de informações, a fim de que não se crie, como há hoje, um mercado paralelo de investigações extrajudiciais e vazamentos de dados sigilosos, a Receita Federal pode servir de modelo.

Exceto quando molestado pela Lava Jato, o órgão é eficiente em manter o sigilo fiscal dos brasileiros. É impossível a qualquer servidor acessar dados de contribuintes sem que a consulta deixe um rastro e uma marca. A eventual instrumentalização de apurações fica registrada.

Os dados sobre a Lava Jato revelados por Aras, em debate com representantes do grupo Prerrogativas, são assombrosos. E, à diferença do que faz supor a retórica jacobina da força-tarefa, não foram contestados, mas referendados.

Não poderia encerrar de outro modo: apoio uma quarentena de oito anos para membros do Judiciário e do Ministério Público que queiram concorrer a cargos eletivos. Vou mais longe: que pretendam exercer função pública de indicação política. Que a lei seja votada logo, com eficácia imediata.

Políticos não mandam juízes e procuradores para a cadeia. Mas procuradores e juízes mandam políticos para a cadeia. A titularidade da ação penal e a toga, sob os auspícios da vitaliciedade e da inamovibilidade, não podem servir de palanque sem que se viole a noção mais elementar de justiça.

Ou este país ainda assistiria a um juiz que condenaria um presidenciável à cadeia e depois iria servir de ministro da Justiça àquele que foi o beneficiário direto da condenação. E com pretensões a ser ele próprio o supremo mandatário. E ainda posando de herói. Seria coisa de republiqueta bananeira, povoada por pilantras e babacas, não é mesmo?


Merval Pereira: Cavalo de Tróia

Os que queriam acabar com a Lava-Jato conseguiram quebrar sua última trincheira, a própria Casa do Ministério Público. O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, está sendo visto internamente como uma espécie de Cavalo de Tróia, colocado pelo presidente Bolsonaro para controlar as investigações.

Com a aproximação do governo com os políticos do Centrão, e a iminente abertura da vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) com a aposentadoria compulsória do ministro Celso de Mello em novembro, a atuação de Aras, candidatíssimo à vaga, tem se intensificado.

Por isso a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), em uma das muitas notas que tem soltado nos últimos dias, afirma que Aras “coloca em indevida suspeição os esforços desenvolvidos por todos os membros que compõem as forças-tarefas, não contribuindo em nada para o aperfeiçoamento do debate travado sobre a evolução do modelo instituído”.

Diversas forças se encontraram nos últimos dias para atacar a Operação Lava-Jato, estimuladas pelas críticas recentes de Augusto Aras ao próprio Ministerio Público que deveria representar. Em uma live para advogados que na maioria defendem condenados ou investigados pela Operação Lava-Jato retransmitida pela TVPT, o Procurador-Geral da República deu um tiro no próprio pé.

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi ressuscitada na Câmara para investigar as trocas de mensagens divulgadas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sérgio Moro. Além de não terem provado nenhuma ilegalidade na condução dos trabalhos da força-tarefa de Curitiba, as mensagens não poderiam ser utilizadas como base para uma investigação pois são ilegais, fruto de invasão de hackers em celulares de autoridades públicas.

O presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, tem tido papel decisivo nesse trabalho de conter a Lava-Jato, suspendendo investigações e proibindo buscas e apreensões no Congresso, contra decisão do próprio STF que definiu que o foro privilegiado só vale para casos ocorridos no próprio mandato, e por causa dele. Os demais ministros que enfrentaram essa questão basearam-se na decisão do plenário.

O chefe dos procuradores de Curitiba, Deltan Dallagnol, também voltou a ser alvo de várias ações no Conselho Nacional do Ministério Público com o objetivo de puni-lo por declarações e atitudes no transcurso da Operação. Há uma tentativa de removê-lo “por interesse público”, uma decisão rara e grave, pois supera o direito a inamovibilidade dos procuradores.

As acusações vão desde as palestras pagas que fez, já consideradas legais, até a criação de um fundo bilionário para financiar o combate à corrupção ou a relação com investigadores dos Estados Unidos. Cada acusação destas já foi rebatida com decisões de órgãos competentes que garantiram a legalidade.

Coroando o cerco à Lava-Jato, o presidente do STF Dias Toffoli levantou a ideia de exigir uma quarentena de nada menos que 8 anos para membros do Judiciário que queiram entrar na política. Hoje em dia, a quarentena é de seis meses, o que de fato é muito pouco.

O sujeito oculto dessas manobras é o ex-juiz Sérgio Moro, potencial candidato à presidência da República em 2022. Interessa ao presidente Bolsonaro e a parte da classe política desmoralizar o combate à corrupção, e colocar obstáculos a uma eventual campanha presidencial de Moro.

É verdade que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já disse que a decisão, se for tomada, não pode retroagir. Mas uma eventual candidatura de Moro seria nesse caso certamente judicializada, um debate político-jurídico enorme, interpretações jurídicas diferentes, um juiz vai dar uma liminar, outro a derrubará.

Para Sérgio Moro esse ataque sincronizado pode até ser bom em termos políticos, pois voltou ao centro do debate como um candidato viável e temido pelos seus concorrentes. Mas é um retrocesso para a democracia brasileira.


Bernardo Mello Franco: Em campanha no sertão

Jair Bolsonaro vestiu chapéu de vaqueiro, subiu no lombo de uma égua e acenou em festa para a multidão. A mais de dois anos das eleições de 2022, o presidente produziu ontem uma típica cena de campanha. Só a máscara no queixo lembrava a pandemia em curso.

Com mais de 90 mil brasileiros mortos pela Covid, o capitão desembarcou no sertão para cumprir agenda de candidato. Ele voltou a ignorar as recomendações sanitárias: provocou aglomeração e pegou nas mãos de eleitores. No mesmo dia, o Planalto informou que a primeira-dama está infectada pelo coronavírus.

Montado na máquina federal, Bolsonaro tenta avançar sobre a última cidadela do lulismo. O Nordeste foi a única região em que ele teve menos votos do que Fernando Haddad em 2018. Agora recebe um de cada três reais do auxílio emergencial.

O programa já produziu dividendos eleitorais. O presidente ganhou popularidade entre os mais pobres, que passaram a representar 52% de seus apoiadores. Isso compensou sua queda entre os ricos, desiludidos com o abandono do discurso anticorrupção.

Ontem o capitão foi recebido com um coro inusitado contra a Lava-Jato, que ajudou a elegê-lo. Ele desfilou ao lado do senador Ciro Nogueira, o poderoso chefão do PP. Ex-lulista, o parlamentar é réu no Supremo por organização criminosa. Há cinco meses, voltou a ser denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

O presidente visitou dois estados governados pelo PT: Piauí e Bahia. Ele inaugurou uma adutora em Campo Alegre de Lourdes (BA), onde perdeu para Haddad por 89% a 11%. Em cinco minutos no palanque, citou Deus sete vezes e repetiu seu slogan eleitoral outras três.

“Quando nós vemos e sentimos a felicidade de um povo quando chega a água, isso amolece nossos corações”, discursou. A obra já estava quase pronta quando ele tomou posse, mas isso não foi lembrado na cerimônia.

Bolsonaro esnobou os nordestinos no início do governo. Agora aposta neles para pavimentar o caminho da reeleição. Não será uma tarefa fácil. Em junho, o Datafolha mostrou que ele registra 52% de ruim e péssimo na região. Ainda é seu pior desempenho no país.


Míriam Leitão: CPMF: ‘Me chame pelo meu nome’

A CPMF tem má fama. Por isso o governo tenta outros nomes. O ministro Paulo Guedes ora fala em “imposto digital” ora diz que será sobre “transações eletrônicas”. Na verdade, o governo está tentando desde o começo trazer de volta o tributo que provocou muitas distorções. Ele incidiria sobre todos os pagamentos da economia, pesaria sobre todas as compras e transações financeiras, e dos dois lados, o que na prática vai duplicar a alíquota. O governo adoça o nome e oferece os prêmios, como a dizer: tudo isso será seu se aceitares o meu novo imposto.

A primeira coisa a fazer é apresentar a proposta e chamar tudo pelo nome certo. A palavra “digital” soa moderna e parece embutir uma porta de saída: se eu for analógico, poderei fugir do imposto? Se fosse isso, seria um incentivo ao retrocesso e uma punição a qualquer transação eletrônica. Ou seja, o governo estaria estimulando a que todos fossem fisicamente aos bancos, mesmo podendo fazer pagamentos online, e se dirigissem pessoalmente às lojas, mesmo preferindo compras online. Não é disso que se trata, mas se fosse já seria absurdo.

O ministro Paulo Guedes sempre quis introduzir na economia a proposta do ex-secretário da Receita Federal Marcos Cintra, desse imposto sobre pagamentos nos moldes da CPMF. Quando Cintra foi claro sobre a natureza do seu projeto tributário, ele foi demitido por decisão do presidente Jair Bolsonaro. Na época, Guedes lamentou: “Morreu em combate nosso valente Marcos Cintra.” Depois, Cintra disse numa entrevista que o governo continuava querendo exatamente aquele imposto. Verdade. A ideia ainda é a primeira.

A má fama da CPMF vem da experiência de quem a pagou por dez anos apesar de o “P” ser de “provisório”. Um imposto que engana. Parece uma pequena alíquota. Alguém pode achar pouco pagar 0,2%. Mas é sobre todas as compras, contratações, serviços prestados, vendas, aplicações, resgates, a infinidade de transações que ocorre dentro da economia. Até chegar na sua mão quantas etapas de pagamentos um produto já cumpriu? O imposto é cumulativo. É regressivo. Rico e pobre pagam o mesmo. Vai no caminho oposto do que se quer modernamente que é saber quanto de tributo há em cada mercadoria ou serviço.

Há outros efeitos colaterais. A CPMF incide sobre impostos já pagos, ou seja, promove bitributação. Também leva à perda de competitividade na economia ao estimular a verticalização. Empresas passam a incorporar todas as etapas do processo produtivo internamente, para fugir do imposto pago pelo serviço de terceiros. A informalidade cresce, e o spread bancário pode ficar maior, provocando aumento das taxas de juros.

A vantagem para o cobrador de impostos é que ela arrecada muito. Fica tentador. Da outra vez, o provisório foi ficando permanentemente na economia até ser derrubado dez anos depois pelo Congresso, em 2007. Se a ideia é repetir a história, que a proposta — como disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia — seja apresentada integralmente. Assim, acabarão as suposições, as meias verdades, os nomes de fantasia, a impressão de que a taxa recairá sobre outro contribuinte. Não, recairá sobre todos.

O governo montou um pacote de bondades e frequentemente saca de lá algum bom bocado para seduzir o contribuinte. Fala em desonerar a folha para estimular o emprego, ou no mínimo a retirada parcial de encargos. Promete elevar a faixa de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física. Fala em fazer um novo Bolsa Família, maior e mais amplo. Acena com um IPI menor. Paulo Guedes chegou a fazer até uma pilha. “Você pode até reduzir cinco, sete, oito ou dez impostos”.

Que as contas sejam mostradas, que os nomes próprios apareçam. Esse jogo de balão de ensaio cansou. Todo governo gosta de CPMF. Em janeiro de 2016, meses antes de deixar o cargo, a então presidente Dilma Rousseff disse que “diante da excepcionalidade do momento” a CPMF era “a melhor opção disponível”. Agora, Guilherme Afif, assessor de Guedes, diz: “A resposta a quem critica é: me dê uma alternativa melhor do que essa. Ainda não vi.” Afif ficou conhecido reclamando dos impostos excessivos e agora manda o contribuinte arranjar uma ideia melhor. Ora, deve dizer claramente qual é a conta que pretende enviar para o pagador de impostos.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, o comunista

Governo quer tributar 1% mais rico e Bolsa Família gordo; presidente faz comício no Nordeste

Jair Bolsonaro fez caravana pelo Nordeste. Fez um minicomício em São Raimundo Nonato, sul do Piauí, cidade que está no quinto daquelas de menor desenvolvimento humano do país, segundo o ranking da Firjan, mas que muito progrediu nos anos lulistas. Inaugurou uma obra de abastecimento de água em Campo Alegre de Lourdes, na Bahia, ainda mais pobrinha que sua vizinha piauiense.

De dezembro de 2019 a junho de 2020, o Nordeste foi a única região em que Bolsonaro ganhou algum prestígio, segundo o Datafolha. Quando se trata de renda, apenas entre as famílias que ganham menos de dois salários mínimos o presidente ganhou pontos.

Os economistas de Bolsonaro querem tributar o 1% mais rico do país, embora também desejem uma CPMF, que não pega só a elite, pega 1%, pega geral, imposto especialmente detestado por banqueiros.

Paulo Guedes propôs um tributo que deve aumentar o custo de serviços consumidos pelos mais ricos (escola e saúde privadas, advogados etc.), a Contribuição Social sobre Bens e Serviços. Seus economistas dizem pelos jornais que querem diminuir as deduções de saúde e educação no Imposto de Renda (em geral, coisa de ricos).

Querem tributar lucros e dividendos, o que vai mexer com profissionais que são empresas de si mesmo no Simples, entre outros, além de pegar parte do dinheiro que rendem aquelas ações da Bolsa. Querem uma alíquota de IR maior do que 27,5% para “pegar” quem ganha mais de R$ 36 mil (que está no 1%), como disse a esta Folha Guilherme Afif Domingos, assessor de Guedes, como se fora um líder do Occupy Faria Lima.

Guedes quer criar um Bolsa Família ampliado. É verdade que o dinheiro extra do seu Renda Brasil é por ora apenas um catadão de recursos de outros programas sociais. Mas já poderia discutir o assunto com sociólogos de esquerda.

Como todos os governos da esquerda que domina o Brasil faz 30 anos (de acordo com Guedes), Bolsonaro se alia ao PP e suas variantes de ontem, hoje e sempre. Pelo menos desde abril, corre o boato de que alguns de seus generais querem mais obras públicas, intervenção do Estado. O presidente aceitou a contragosto a reforma da Previdência, coitado.

O presidente agora ataca não apenas Sergio Moro, ex-cruzado e trânsfuga do bolsonarismo, mas também a Lava Jato e o lava-jatismo, tal como petistas. Por isso ganhou um “Fora, Bolsonaro” do Vem pra Rua, parte marchadeira da frente que depôs Dilma Rousseff.

Com essa ficha, um Jair qualquer passaria por “comunista” ou “esquerda lixo” nas redes insociáveis da extrema direita. Não é bem o caso, né, mas os planos de gastos e impostos do governo têm interesse político.

A CPMF não vai passar, repete Rodrigo Maia, mas Bolsonaro (e o próprio Maia) vão levar adiante a tributação dos mais ricos? A fim de abrir espaço para um programa de renda básica mais gordo e não mexer no teto, vão confiscar parte dos salários dos servidores federais (além de juízes e procuradores. Militares inclusive?)?

O protesto do 1% (ou dos 10%) vai derrubar parte relevante da reforma tributária? Ou vai ter “reforma na marra” e o Congresso vai pagar o preço de aumentar os impostos da “classe média” (como quase todos os ricos se chamam)?

Como não se trata de um governo normal ou racional, é difícil discutir direito tais assuntos. Mas as realidades da penúria e da sobrevivência político-eleitoral vão fazer Bolsonaro trombar com essas questões. Como dizia a propaganda do Exército, chega um momento em que o jovem tem de escolher a sua carreira.


Hélio Schwartsman: Bolsonaro tem chance de se reeleger?

Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre deles, terá produzido efeito positivo

Um dos problemas com a democracia é que ela favorece demais candidatos que já ocupam o cargo. A taxa de reeleição numa base de quase 3.000 pleitos realizados em diversas partes do mundo ao longo dos últimos dois séculos e meio é da ordem de 80%. Isso significa que nunca se deve desprezar um postulante à reeleição, por mais fraco que ele possa parecer.

Pesquisa recente do Instituto Paraná, que coloca o presidente como favorito à sua própria sucessão, animou as hostes bolsonaristas. Não tenho nenhuma razão para contestar os números do levantamento. Acredito mesmo que, se a eleição fosse hoje, Bolsonaro concorreria com grandes chances. Mas a eleição não é hoje. Será em 2022.

Dois anos em tempos de pandemia são uma eternidade. Nos cinco meses em que o Sars-CoV-2 circula entre nós, já vimos Bolsonaro renegar a bandeira anticorrupção e aliar-se ao centrão. Se há, porém, um fator razoavelmente consistente no que diz respeito a efeitos eleitorais, é a economia, que não vai ajudar o presidente.

Ninguém ainda sabe qual o tamanho do desastre que a pandemia vai provocar, mas é certo que estará entre os piores da história —e não será passageiro. Só por milagre assistiremos a uma recuperação tão intensa que possa servir de cabo eleitoral para o presidente em 2022.

De olho nas urnas, Bolsonaro dá sinais de que vai criar a sua versão do Bolsa Família, que ele tão duramente criticava quando o beneficiário eleitoral do programa era o PT. Em condições normais, poderia funcionar. Mas o Brasil tem hoje pouco espaço nas contas públicas. Se o presidente fizer alguma loucura, a inflação, que é eleitoralmente corrosiva, reaparece.

Alguém já afirmou que mesmo de catástrofes podem emergir coisas boas. Se a pandemia, ao escancarar as debilidades de governantes, servir para que o mundo se livre de líderes como Trump e Bolsonaro, terá produzido ao menos um efeito positivo.


Ruy Castro: Bolsonaro pode estar certo

Sua frase de que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada todo dia se confirma

Jair Bolsonaro disse que o brasileiro se joga no esgoto e não acontece nada. Bolsonaro deve saber —porque, no caso dele, é verdade. Basta ver seus amigos: políticos rastaqueras, policiais desonestos, milicianos condenados, assessores corruptos e industriais da violência. Até seus ex-vizinhos na Barra têm contas com a lei. Um presidente da República com acusados de assassínio na casa ao lado? Para Bolsonaro, é normal. Imagino seus churrascos com eles no condomínio, discutindo duplas sertanejas, o último programa do Ratinho ou um novo modelo de fuzil.

Daí não surpreende que seu governo inclua as piores pessoas do país. Ele não conhece outras. Dizia-se que dois ou três de seus ministros eram pessoas bem intencionadas. Mas pessoas bem intencionadas não se sentam a uma mesa com Ricardo Salles, Damares Alves, Ernesto Araújo, André Mendonça e Marcelo Álvaro Antônio —como a reunião ministerial de 22 de abril, ainda abrilhantada por Abraham Weintraub, tão bem demonstrou.

Quando Bolsonaro tentou obrigar seu então ministro da Saúde, Henrique Mandetta, a t omar medidas que contrariavam o juramento médico, falou-se que, se se submetesse, Mandetta estaria rasgando seu diploma. Não se submeteu, foi despedido e saiu com o diploma intacto. Seu sucessor, Nelson Teich, também médico e submetido à mesma indignidade, saiu antes de manchar o diploma. O general Eduardo Pazuello, que o substituiu, não tem diploma médico para proteger. Apenas uma farda, que mandará para a lavanderia.

A intimidade com Bolsonaro não compromete só diplomas e fardas. Torna as togas também sujeitas a respingos. Não que alguns de seus ocupantes, como o procurador-geral Augusto Aras, e o presidente do STJ, João Otavio de Noronha, estejam preocupados. A vaga no STF lhes exigirá, de qualquer maneira, uma toga nova.

Pensando bem, todo dia se confirma a frase de Bolsonaro.


Ricardo Noblat: No governo Bolsonaro, servidor público antifascista inspira cuidados

Por que será?
A Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça admitiu que monitora 579 funcionários públicos federais que se declararam antifascistas nas redes sociais. A intenção da medida, segundo a Secretaria, é “prevenir práticas ilegais” e garantir a segurança. Não especificou que “práticas ilegais” os antifascistas costumam cometer. E por que elas ameaçam a segurança.

Por sinal, segurança de quem? Das autoridades constituídas em geral? Do presidente da República em particular? Do Estado como um todo? Quem sabe do planeta, uma vez que as redes sociais aproximam as pessoas e é possível que existam antifascistas em toda parte? Por que ser antifascista é algo perigoso? Aos olhos de quem? Está escrito em que lei, norma ou portaria?

Providência similar não foi tomada pela mesma Secretaria contra funcionários públicos que se declararam fascistas nas redes sociais. É de supor-se, portanto, que esses não representam uma ameaça, quando nada ao governo do presidente Jair Bolsonaro. Ou vai ver que o serviço público está livre de fascistas. Ou que fascistas sejam mais prudentes e prefiram não se assumir como tal.

Resta outra hipótese: por razões ainda não suficientemente estudadas, os fascistas do serviço público e o governo Bolsonaro descobriram surpresos que compartilham os mesmos propósitos. Assim não haveria por que o Ministério da Justiça despender tempo e dinheiro vigiando-os. Para quê? Falam a mesma língua. Entendem-se bem. Os antifascistas é que devem se cuidar.

Nada de usarem as redes sociais para dizerem que são contra o fascismo, uma “ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia”. Nada de assinarem manifestos condenando outras ideologias que guardem alguma semelhança com o fascismo.

Os celulares já não inspiram confiança e a escuta se faz, hoje, a longas distâncias. Seu melhor amigo pode delatá-lo amanhã. Evitem estranhos. Evitem jogar conversa fora. Conversas cifradas podem facilmente ser decifradas. Vejam se não estão sendo seguidos. Aproveitem esses tempos de pandemia e usem máscara até que tudo isso passe. Com fé em Deus e no voto, vai passar.

Vozes

Pandemia em discussão

  • “Há consenso entre os especialistas de que poderíamos ter tido outro manejo da crise, de que pudéssemos ter reduzido significativamente os danos causados pela pandemia”. (Gilmar Mendes, ministro do STF, sobre a proximidade da marca dos 100 mil mortos pelo Covid-19 no Brasil)
  • “O Sistema Único de Saúde, SUS, foi silenciado com uma ocupação militar [no ministério]. Deixamos de ter uma gestão em saúde para ter uma ocupação por quem quer promoção na carreira militar”. (Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde)
  • “Se fala muito sobre a vacina da covid-19. Entramos no consórcio de Oxford, e tudo indica que ela vai dar certo e 100 milhões de unidades chegarão para nós. Não é daquele outro país, não. Tá ok, pessoal?” (Jair Bolsonaro, em critica indireta à vacina chinesa contra o vírus)
  • “A discussão não é se é CPMF ou micro-imposto digital. Daqui a pouco vão inventar um nome em inglês para ficar mais bonito, para que a sociedade aceite mais impostos”. (Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados)
  • “É incompreensível discutir essas coisas quando temnos próxima uma crise apocalíptica, envolvendo emprego, problemas fiscais, quebradeira de empresas. O mundo está lidando com o assunto e, nós, nos divertindo com projetos de reforma tributária”. (Everaldo Maciel, ex-Secretário da Receita Federal)

Roberto Freire: projeto Luciano Huck continua a todo vapor e pode dar protagonismo ao Cidadania em 2022

Para o presidente do partido, viabilidade eleitoral do apresentador incomoda lulistas e bolsonaristas e candidatura pode vingar com apoio de MDB, DEM e PSDB

Em reunião da Executiva Nacional do Cidadania, nesta quinta-feira (30), o presidente Roberto Freire afirmou que o projeto Luciano Huck continua a todo vapor, apesar de a discussão sobre a candidatura ter arrefecido em razão da pandemia, com o apresentador se dedicando mais a articulações em solidariedade aos mais afetados e vulneráveis à doença. Isso, embora, segundo ele, o próprio presidente Jair Bolsonaro já tenha colocado a sucessão na agenda política nacional e nas redes sociais.

“Houve um ataque nas redes sociais em volume muito grande contra Huck, porque ele aparece nas pesquisas como perspectiva e isso gera receio de ambos os lados da polarização. Estamos vendo sua capacidade de articulação. Temos que ter afirmação nacional de que a nossa candidatura não é uma candidatura que admita o lulismo no seu retorno ou a ideia de bolsonarismo na sua continuidade. Isso tem de ser afirmado inclusive nesta campanha”, avaliou.

Freire viu nos duros ataques contra Huck, partindo de bolsonaristas e lulistas no Twitter, uma afirmação de força do apresentador, dando perspectivas cada vez melhores a uma eventual candidatura. Ele considerou um movimento importante, nesse contexto, a saída de MDB e DEM do centrão e apontou uma “oportunidade histórica” de que o Cidadania protagonize o processo eleitoral de 2022, buscando apoio, ainda, de outros setores e partidos da centro-esquerda e da esquerda democrática.

“Junto com o PSDB, forma-se um bloco importante para discutir uma candidatura do polo democrático. Nós podemos ser protagonistas nesse cenário. É importante ter nessa campanha essa persectiva. [Luciano Huck] Pode vir a ser nossa alternativa, o que é um processo em construção, no campo correto, como candidato de centro-esquerda. Não vamos ganhar com candidatos da direita. Moro, Mandetta e Bolsonaro, se candidatos, ocuparão o campo da direita”, argumentou.

Autonomia nas alianças regionais
Na reunião, chamada para apresentar um balanço das perspectivas eleitorais para novembro, Freire ponderou que, apesar de cada estado trabalhar questões políticas com foco na realidade local, o partido tem uma posição nacional e deve reafirmá-la.

“Não somos um partido regional ou de um local. Estamos com boa capilaridade nacional e cada um dos estados tem suas especificidades, particularmente nas questões políticas. Suas tradições, alianças, questões que mais atraem a preocupação da população, com diversidade em cada um dos municípios, e isso dá, nessas eleições, a realidade local como fundamental para o debate político. Mas é importante saber que o partido existe por uma posição nacional”, destacou.

Ainda segundo Freire, mesmo que aspectos da conjuntura política nacional sejam tratados de forma diferente nos estados, o partido mantém a continuidade do seu projeto.

“Não há um hiato de dizer que o partido tem uma posição nacional e que para neste momento para depois ser retomada. Hoje, o prioritário são as eleições municipais e cada um tem que saber como conduzir suas campanhas, especialmente do ponto de vista político. São autônomos em fazer suas alianças, o partido não tem veto. Mas o partido não vai parar de ter suas posições e sua intervenção no processo político nacional”, sustentou.