Day: julho 29, 2020
G1: Aras diz que é hora de 'corrigir rumos' para que 'lavajatismo não perdure'
Procurador-geral deu declaração em debate virtual promovido por advogados. Segundo Aras, 'correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção'.
Por Márcio Falcão e Fernanda Vivas, TV Globo — Brasília
Aras diz que é hora de ‘corrigir rumos’ para que ‘lavajatismo não perdure’
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta terça-feira (28) que é hora de "corrigir rumos" para que o "lavajatismo" passe e seja substituído no Ministério Público por outro modelo de enfrentamento à criminalidade.
Aras deu a declaração ao participar de um debate virtual, promovido por um grupo de advogados. Segundo ele, a "correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção".
Ainda no debate, Augusto Aras afirmou que a gestão dele visa acabar com o "punitivismo" do Ministério Público e que não pode existir “caixa-preta” no MP.
"Agora é a hora de corrigir os rumos para que o lavajatismo não perdure. Mas a correção de rumos não significa redução do empenho no combate à corrupção. Contrariamente a isso, o que nós temos aqui na casa é o pensamento de buscar fortalecer a investigação científica e, acima de tudo, visando respeitar direitos e garantias fundamentais", afirmou Augusto Aras.
A força-tarefa da Lava Jato do Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) informou que "reitera a absoluta correção de sua atuação e que conduz seus trabalhos com base não apenas nas leis, mas também em portaria editada pelo próprio Procurador-Geral da República" - portaria PGR/MPF nº 23, de 20 de janeiro de 2020.
Integrante da força-tarefa de Curitiba, o procurador Roberson Pozzobon criticou em uma rede social a declaração de Aras: “A transparência faltou mesmo no processo de escolha do PGR pelo presidente Bolsonaro. O transparente processo de escolha a partir de lista tríplice, votada, precedida de apresentação de propostas e debates dos candidatos, que ficou de lado, fez e faz falta”.
Consultadas, as direções das forças-tarefa da Operação Lava Jato no Paraná e no Rio de Janeiro não se manifestaram.
O procurador-geral entrou em atrito com as forças-tarefa depois de a chefe da Lava Jato na PGR, Lindôra Araújo, se dirigir a Curitiba com o objetivo de obter acesso a dados de investigações.
A divergência envolveu o repasse de dados sigilosos da força-tarefa local à PGR, que recorreu ao Supremo Tribunal Federal para ter acesso às informações e obteve decisão a favor do compartilhamento de dados. A decisão foi dada pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli (relembre no vídeo abaixo).
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Presidente do STF determinou que as forças-tarefa da Lava Jato entreguem dados à PGR
Investigações 'nos limites' da Constituição
Ainda no encontro virtual desta terça, Aras afirmou que o enfrentamento à criminalidade, especialmente à corrupção, deve continuar a ser feito "do mesmo modo como vinha se fazendo, mas num universo nos limites da Constituição e das leis". Para ele, o "lavajatismo há de passar”.
Augusto Aras disse ainda que atos das forças-tarefas serão apurados. Ele afirmou que a Corregedoria vai investigar o fato de 50 mil processos estarem "invisíveis". O procurador-geral, no entanto, não deu detalhes sobre esses procedimentos.
"Não podemos aceitar processos escondidos da Corregedoria. Temos 50 mil documentos invisíveis. E a corregedoria vai apurar os responsáveis por isso. Na multidão, perderam-se processos, metodologia que atenta contra publicidade", disse.
Investigações sem critérios
O procurador-geral disse também que a força-tarefa do Paraná tem 300 terabytes em informações, além de 38 mil pessoas investigadas e sem critérios.
"Estamos falando da transparência. Todo o MPF, no seu sistema único, tem 40 terabytes. Curitiba tem 350 terabytes e 38 mil pessoas com seus dados depositados. Ninguém sabe como foram escolhidos, quais os critérios, e não se pode imaginar que uma unidade institucional se faça com segredos", declarou.
Aras disse ainda que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tem "caixa de segredos".
Segundo ele, a meta de sua gestão é “abrir essa instituição para que jamais se possa dizer que essa instituição tenha caixas-pretas. Lista tríplice fraudável nunca mais”.
Míriam Leitão: BB e a relação com o governo
Presidente do conselho do Banco do Brasil garante que desde que assumiu não houve interferência do governo em decisões do banco
O presidente do Conselho de Administração do Banco do Brasil, Hélio Magalhães, garante que desde que ele assumiu “não houve nenhum evento de influência do controlador do banco”. Muitas polêmicas têm cercado a administração do BB, principalmente na área de marketing, várias vezes criticada, inclusive aqui na coluna de ontem. A explicação que ele dá para a publicidade em sites de fake news, ou bolsonaristas, é que a escolha é feita aleatoriamente pela “ferrramenta” do Google. Hoje, está sob o controle de qualquer empresa escolher não anunciar em determinados sites.
A polêmica em torno da publicidade do Banco do Brasil surgiu por bons motivos. Teve o alerta de que os anúncios estavam em sites que divulgavam fake news e discurso de ódio. O primeiro movimento do banco foi de recuo, mas, depois de ser criticado por Carlos Bolsonaro, o BB manteve os anúncios:
— Infelizmente as notícias foram distorcidas. Não houve ingerência alguma, posso garantir como presidente do conselho. O que aconteceu foi que a notícia chegou, o analista da área de marketing tentou tirar do ar, mas aí se viu que nem tem como tirar do ar.
Na verdade, o TCU mandou, em 27 de maio, que o BB suspendesse a publicidade em determinados sites, blogs, portais e redes sociais. O plenário do tribunal referendou uma medida cautelar proposta pelo ministro Bruno Dantas a pedido do procurador de contas Lucas Furtado, que apontava suspeita de interferência do secretário de comunicação do Planalto, Fábio Wajngarten. O secretário chegou a postar — depois da reclamação do filho do presidente — que iria atuar para que o banco voltasse atrás. E o banco de fato recuou.
Magalhães tem uma longa carreira no mercado bancário, tendo se aposentado no Citibank. Ele disse que, quando foi chamado pelo ministro Paulo Guedes para presidir o conselho de administração, recebeu três tarefas:
— A melhor governança possível, preparar o banco para “desinvestimentos”, e maior eficiência para aumentar o valor dos ativos do banco.
Ele acha que o que aconteceu, a entrada do TCU, as notícias, as idas e vindas do banco não tiveram a conotação que todo mundo entendeu:
— Hoje, com o mundo digital, o banco tem que estar presente nas redes. Como funciona? Escolhe o público alvo e a sua agência, faz um contrato com o Google. A ferramenta do Google é que analisa as páginas e os sites — disse Hélio Magalhães.
Toda a atuação de páginas como Sleeping Giants, por exemplo, tem sido a de indicar às empresas onde os anúncios delas estão. E inúmeras empresas brasileiras já atuaram para decidir onde não anunciar, exatamente para proteger sua imagem. Portanto, essa escolha não é aleatória e fora de controle da empresa. Ninguém quer hoje estar vinculado a páginas que têm discursos de ódio. Essa virou uma campanha mundial. O Stop Hate for Profit.
Ontem surgiu outro problema. O subprocurador-geral de contas, Lucas Furtado, fez uma representação para o TCU apurar a venda de uma carteira de crédito do Banco do Brasil para o BTG. O valor nominal era de R$ 2,9 bilhões, e o BB a vendeu por R$ 371 milhões, ou seja, 13% do valor. Furtado apontou falta de transparência sobre os critérios.
Magalhães explicou que, como toda instituição financeira, o Banco do Brasil tem que lançar a prejuízo dívidas não pagas depois de um certo tempo. Essa carteira era, segundo ele, de dívidas de mais de cinco anos:
— Essa cobrança é mais dura. Há empresas especializadas nisso. E foi mandado para três delas. A proposta é que ela paga na frente um valor e depois divide com o banco o sucesso da cobrança. Quando se consegue vender por 5% já é bom. Foi um excelente negócio para o banco, talvez tenha faltado explicar direito.
As empresas que participaram da disputa foram a Enforce, do BTG, que venceu, a Jive, a Canvas e a Ativos. Essa última uma subsidiária integral do BB. No mercado, os analistas não acharam o valor pequeno, levando-se em conta que já era dívida antiga, mas faltou de fato transparência.
Magalhães repetiu várias vezes que o modelo de governança não permite interferência do acionista controlador. O ideal seria então que houvesse menos sinais explícitos de ingerência por parte do presidente da República, seu filho e seu secretário de imprensa na publicidade do Banco do Brasil.
Monica De Bolle: O alcance do pensamento
Momento atual requer abertura para o questionamento de princípios que deixaram de valer
“A noite cai apenas para aqueles que por ela se deixam encobrir.”
Cornelius Castoriadis, The End of Philosophy?
Quis o tempo que eu escrevesse esse artigo para ser publicado na data em que se completam dez anos da morte de Dionisio Dias Carneiro, meu mentor, professor e uma cabeça privilegiada. Dionisio nunca aceitou dogmas de qualquer natureza: ao contrário, sempre questionou princípios da economia. Era um professor sensacional, um grande intelectual público e alguém que tinha a capacidade de incomodar no bom sentido, forçando seus pares a pensar. A noite na epígrafe acima não é, assim, uma metáfora para a morte – ao menos não nesse artigo –, mas uma metáfora para a preguiça de pensar. Deixa-se encobrir pela noite quem perde a curiosidade. Já a curiosidade nos desacomoda da poltrona em que podemos permanecer a contemplar o passado. O espírito dionisíaco, que desacomoda e convida ao prazer de pensar, continua vivo em muitos que conviveram com Dionisio. Não em todos.
Algumas pessoas acomodaram-se no passado. O momento atual requer que o passado passe e dê abertura para o questionamento de princípios que deixaram de valer. A economia não é como as ciências naturais, em que mecanismos metabólicos, ainda que complexos, são governados por estruturas e leis inabaláveis. A glicólise é a glicólise, as diversas vias de sinalização celular dependem da ação inibidora ou ativadora das enzimas. Se algo para de funcionar como deveria, o corpo adoece. A economia é uma construção social, como a política. Suas estruturas têm traços de longa duração, mas também se moldam ao momento.
Uma das consequências desse caráter ao mesmo tempo resistente e plástico é a necessidade de economistas buscarem um ajuste mais fino entre conhecimento e sensibilidade, pois é fácil ceder à falsa impressão de que há leis imutáveis na economia e não perceber as mudanças. Elas são raras, porém, acontecem, como na crise de 2008 e, mais ainda, nessa proveniente da pandemia. Nesses momentos o chão se move sob os nossos pés, abalando bases em que se assentavam antigas regras econômicas.
Considerem a segunda metade dos anos 1990. Naquela época, o Brasil tinha acabado de estabilizar a inflação – diga-se – às custas de juros muitos elevados, crítica que Dionisio sempre encabeçou. Países emergentes viviam de crise em crise, enquanto as economias maduras se escoravam em políticas monetárias de sintonia fina. Foi uma era de juros internacionais mais elevados, por certo muito mais elevados do que os vistos no mundo pós-2008. A crise de 2008 acabou com a sintonia fina das taxas de juros como modo de calibragem da política monetária nos países maduros. As políticas “não convencionais”, hoje mais do que convencionais, deslocaram aquele mecanismo sem que muitos macroeconomistas tivessem sido capazes de antever suas consequências. Uma teoria enrijecida e mecânica perdeu para a prática, que responde rapidamente aos desafios do mundo. E a história se repete hoje, com a nova crise que enfrentamos.
No novo ambiente que surgiu 20 anos após a crise asiática de 1997/98, a compreensão sobre os países emergentes também mudou. Ao contrário do passado, esses países já não viviam mais de crise em crise – à exceção da Argentina, é claro, por razões muito particulares ao país. No contexto internacional de juros muito baixos, a capacidade de endividamento dos emergentes se alterou, bem como se alteraram as suas estruturas, que antes desancoravam rapidamente os preços, levando aos processos inflacionários de outrora. Isso não é dizer que emergentes como o Brasil tenham a mesma capacidade de endividamento dos países maduros, uma incompreensão frequente de fiscalistas que insistem nessa comparação. Países como o Brasil ainda precisam ser bastante cautelosos, mas a natureza da cautela mudou.
Em ambiente de juros próximos de zero nos países emissores das principais moedas de reserva, o tempo para corrigir dívidas muito elevadas foi dilatado. As relações entre câmbio e inflação se alteraram. Já não se sabe ao certo quais são os principais determinantes da inflação. Vejam o Brasil: há tempos a dívida é alta, o gasto é elevado, e a volatilidade cambial perdura. Mas a inflação? Mesmo antes da pandemia, a inflação já não reagia a essas variáveis como há 30 anos. Por que? Não tenho a resposta, assim como não tenho resposta para a dilatação do tempo da dívida. As respostas que têm circulado só me lembram de reaprender com Dionisio a cultivar as perguntas, que costumam ser mais importantes. São elas que determinam o alcance do pensamento.
*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University
Fernando Exman: Meio ambiente na árida pauta legislativa
Governo busca fato positivo, mas desmate ilegal cresce
Primeiro os deputados conquistaram o protagonismo com o Orçamento impositivo e uma agenda de reformas econômicas. Deram, na sequência, impulso a medidas emergenciais de combate aos efeitos da pandemia, por exemplo com a adoção do Orçamento de guerra, e aprimoraram diversos dispositivos enviados pelo presidente Jair Bolsonaro para tentar irrigar a economia com crédito. Logo avançaram nas discussões sobre questões sociais e asseguraram a prorrogação do Fundeb, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a despeito das resistências da equipe econômica. Agora, o risco do governo é ficar a reboque da agenda ambiental da Câmara.
A administração Jair Bolsonaro tenta sair da defensiva, desde que passou a ser alvo de duras cobranças de países aliados, parceiros comerciais, empresários e investidores.
A má notícia, para o Palácio do Planalto e o Ministério do Meio Ambiente, é que a reversão das péssimas expectativas em relação aos resultados de suas ações para conter o desmatamento ilegal só se dará com a apresentação de dados positivos e confiáveis. No entanto, as estimativas de autoridades que acompanham de perto o assunto não são animadoras.
Espera-se que os dados de desmatamento de 2020 superem os observados no ano passado, quando satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) captaram sinais de derrubadas na Amazônia em áreas que ultrapassaram 9 mil quilômetros quadrados. Um aumento de aproximadamente 85% em relação a 2018.
Segundo essas fontes, deve haver uma desaceleração neste ano e os números não serão tão ruins quanto os projetados num primeiro momento, mas certamente apontarão crescimento do desmate ilegal. Tudo indica que as autoridades do governo não conseguirão apresentar o balanço de dezembro com sorriso no rosto.
Existe, por outro lado, uma mudança conjuntural tanto na visão de setores do governo quanto no Congresso. A bancada ruralista, que muitas vezes interditou a tramitação de propostas advogadas pelos ambientalistas, percebeu que o tema é vital para os negócios de seus representados.
Parlamentares com boas conexões no meio empresarial e no mercado financeiro decidiram se mobilizar. Todos se deram conta de que investidores - nacionais e estrangeiros - exigem uma safra de boas notícias para poderem recolocar o país como destino preferencial em seus portfólios.
O governo tem o que apresentar, mas, para seu desassossego, parece não ter mais audiência. O ministério lançou um programa de pagamento por serviços ambientais e quer estimular o mercado de crédito de carbono.
A Operação Verde Brasil 2 ocorre desde maio e seu mais recente balanço contabiliza a apreensão de 28 mil metros cúbicos de madeira, 93 tratores, 85 máquinas de mineração, 259 embarcações e 174 veículos. Os equipamentos, segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, presidente do Conselho da Amazônia, serão destinados para as prefeituras da região. Foram aplicados cerca de R$ 407 milhões em multas.
Essas medidas, embora no caminho correto, foram adotadas tardiamente. E setores do governo permanecem apostando no enfrentamento.
O próprio presidente da República responsabiliza a Câmara por parte do fracasso da sua agenda para o setor. Sempre que pode, lembra: os deputados não votaram a medida provisória que tratava da regularização fundiária, uma proposta considerada fundamental pelo governo para reduzir as ilegalidades na Amazônia e responsabilizar empresas e proprietários por queimadas e derrubadas ilegais. A Câmara tentará votar um projeto de lei com teor semelhante.
No Palácio do Planalto, existe a visão de que está em curso um complô internacional contra a autoridade do Brasil sobre a Amazônia, uma ação orquestrada visando consolidar a imagem de que a região está abandonada e o governo não consegue cuidar da floresta.
Acredita-se que isso se deve, em parte, às sinalizações de que os recursos federais e as verbas obtidas no exterior devem ser destinados prioritariamente às ações de repressão e controle - e não para projetos conduzidos por organizações não governamentais (ONGs).
Com o Congresso entrando para valer no debate, certamente visões antagônicas ganharão mais peso. Os governadores e as bancadas amazônidas serão mais ativos. Isso faz parte do embate democrático e a base aliada terá que mostrar força.
Entre as duas Casas do Legislativo, a Câmara dos Deputados novamente largou na frente. Já está construindo uma ponte com o setor privado e, além de um projeto sobre regularização fundiária, tentará aprovar um marco regulatório para o licenciamento ambiental. Pode entrar também no radar uma proposta com diretrizes para a proteção do bioma marinho.
No Senado, o presidente Davi Alcolumbre (DEM), do Amapá, tem interesse direto nas discussões por ser de um Estado da região e também defende a priorização da regularização fundiária.
Diante do fato de que a agenda ambiental passou a fazer parte das áridas relações entre o Executivo e o Legislativo, um bom começo seria os dois Poderes evitarem a armadilha de transformar essa pauta em um novo fator gerador de fricções institucionais. Espera-se, por exemplo, que o Congresso aprove rapidamente o projeto de lei de abertura de crédito suplementar em favor da Operação Verde Brasil 2, por meio do qual o governo pretende destinar R$ 410 milhões ao Ministério da Defesa.
Nesse mesmo sentido, embora seja uma iniciativa legítima do Parlamento, a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o trabalho das agências e das autoridades federais ambientais certamente fomentaria novos atritos. Essa possibilidade não é vista hoje como algo exequível, mas não é descartada por parlamentares influentes no caso de o governo não atacar de maneira satisfatória o problema do desmatamento ilegal.
Ruy Castro: Por que só Bolsonaro?
O Tribunal de Haia deveria reservar um lugar também para os executores de sua política
O Tribunal Penal Internacional de Haia, na Holanda, recebeu as acusações contra Jair Bolsonaro de crimes contra a humanidade no contexto da pandemia. Foram levadas por entidades brasileiras que representam mais de um milhão de profissionais da saúde, responsabilizando-o pela morte de milhares no país por sua ação ou omissão. Matar não se limita a um tiro à queima-roupa.
Pode-se escolher entre as práticas de Bolsonaro desde a chegada da Covid: piadas com o vírus, minimização de seu perigo, desinformação deliberada sobre ações de prevenção, desprezo por medidas nacionais que amenizassem a quebra da economia, recusa em aceitar as orientações dos órgãos internacionais, instigação à desobediência dessas orientações, desmoralização dos encarregados por ele próprio de dirigir a saúde e sua substituição por estranhos à matéria, fazer propaganda falsa de remédio, debochar das vítimas da doença, indiferença quanto ao destino da população que jurou proteger. Com tudo isso ao alcance de seu poder, quem precisa de arminha?
Mas não nos iludamos. Os trâmites do tribunal são lentos e talvez só cheguem a uma conclusão quando um dos dois já tiver acabado, o mandato de Bolsonaro ou o Brasil --o que vier primeiro. Mas seria um consolo ver no banco dos réus, nem que fosse por uma sentada, os responsáveis pela maior calamidade pública na história deste país.
O que, como aconteceu em outros tribunais internacionais, deveria reservar lugar também a executores de sua política. Isso incluiria o general Eduardo Pazuello, que pôs a farda a serviço da farsa, estimulando o uso de medicamento impróprio e arriscado, sonegando informações sobre a evolução da crise, recusando-se a prestar contas diárias à sociedade e cercando-se de colegas de quartel, talvez para dividir sua responsabilidade.
Mas, você sabe, Haia é uma cidade pacata, com seu ritmo próprio.
*Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.
Hélio Schwartsman: Estamos, afinal, numa República
Determinação de Alexandre de Moares impõe um veto prévio a mensagens independentemente do conteúdo
A pedidos, escrevo sobre o bloqueio de contas de bolsonaristas em redes sociais determinado pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF. Evitei o assunto até aqui por considerá-lo desimportante. Sei que é uma idiossincrasia minha, mas, na condição de alguém que não participa de nenhuma rede social, o banimento do WhatsApp não me emociona.
Moraes exagerou. Não dá para afirmar que ele tenha silenciado os bolsonaristas, já que estes seguem livres para dizer o que quiserem por qualquer outro meio que não as plataformas citadas no despacho. Mas a determinação do magistrado é ampla demais, pois impõe um veto prévio a mensagens independentemente de seu conteúdo.
Pior do que isso é a própria existência do chamado inquérito das fake news, em que o STF atua ao mesmo tempo como vítima, autoridade policial e juiz. É a definição mesma de teratogenia judiciária. Mas, como na democracia quem tem sempre a última palavra em questões legais é o STF, não nos resta senão aceitar suas decisões mesmo que delas discordemos.
Quanto ao mérito, sempre advoguei por uma versão forte da liberdade de expressão. Filosoficamente, considero a abordagem dos norte-americanos, que aceitam até manifestações nazistas, racistas, homofóbicas, mais consistente do que a noção de democracia militante dos alemães, que se dispõem a criminalizar tudo o que soe como um ataque às instituições. Não vejo como distinguir ataques verbais de críticas contundentes, das quais as democracias precisam para aprimorar-se.
Daí não decorre, é claro, que o STF ou qualquer outra parte deva aceitar passivamente as agressões promovidas pelo gabinete do ódio. Até por serem burros e descuidados, bolsonaristas frequentemente incidem em crimes como os de ameaça e calúnia. É a esses tipos, na forma em que podem ser acionados por qualquer cidadão, que os ministros deveriam recorrer. Estamos, afinal, numa República.
Vera Magalhães: Antes de 22 vem 21
Sucessão no Congresso é lance vital para a eleição presidencial
Não adianta nada nomes como Luiz Henrique Mandetta queimarem a largada especulando sobre candidatura presidencial a essa altura do campeonato. Não bastasse haver um vírus à solta que terá matado 100 mil brasileiros até o início de agosto, ceifado milhões de empregos, virado o programa econômico de Paulo Guedes de cabeça para baixo e transformado as eleições municipais em nota de rodapé, isso para ficar só nos efeitos domésticos, outros acontecimentos em Brasília são pressupostos fundamentais para posicionar os corredores na linha de largada.
Eles começam agora, nesse segundo semestre que inicia oficialmente em agosto. Não à toa Rodrigo Maia saiu do silêncio que vinha mantendo para comandar uma dissidência no “blocão” de partidos da Câmara que deu suporte à sua presidência nesses quatro anos. Maia sabe que é vital não apenas para sua sobrevivência como líder político relevante, mas para a construção de qualquer projeto de centro dissociado do bolsonarismo e minimamente competitivo, manter o comando da Câmara no último biênio do governo.
Não que o Congresso tenha sido o protagonista nos atos de contenção a Bolsonaro nesse 2020 em que o presidente resolveu rasgar a fantasia. Esse papel, como se sabe, tem sido exercido pelo Supremo Tribunal Federal.
Mas é ali, na Câmara, que pode nascer um dos temores maiores da existência do presidente, maior que acabar a cloroquina no meio da noite: a abertura de um processo de impeachment, algo que Maia evitou alimentar nesses dois anos de convivência tensa, mas que é um trunfo à mão de qualquer presidente da Casa, a depender do impulso das ruas, de um motivo jurídico e de combustível dos setores econômicos.
Por ora nenhum desses fundamentos está dado. A pandemia tira a possibilidade de grandes manifestações de rua, Bolsonaro se segura ali no limiar dos 30% de aprovação, com um público que está trocando de pele da elite agora horrorizada com seus descalabros para as classes D e E conquistadas à base de auxílio emergencial. E o ainda bagunçado apoio do que restou do Centrão ao presidente pode lhe dar os votos necessários para evitar ter o mesmo destino de Dilma Rousseff.
Mas não é esse o único poder que emana dos comandantes da Câmara e do Senado. Bolsonaro não teve êxito até aqui em avançar com sua pauta reacionária no Legislativo. O que conseguiu para “escancarar a questão das armas”, por exemplo, fez via decreto. Alguns foram, inclusive, derrubados pelos parlamentares. A tentativa de aprovar pautas obscurantistas como a tal Escola sem Partido nunca foi adiante, e os vetos do presidente a projetos aprovados ou alterados pelos deputados e senadores podem ser derrubados a qualquer momento.
Sem o controle da pauta dificilmente o presidente terá mais sorte nos dois últimos anos de seu mandato. Isso além dos obstáculos institucionais que enfrentará em outras searas, como o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral.
Por tudo isso, para chegar competitivo a 2022 Bolsonaro tem de sobreviver não só ao 2020 do vírus e do desastre econômico como a dois últimos anos com atores no comando que ainda não estão em cena. Dois deles são escolhas de deputados e senadores, mas outros dependem da caneta do próprio Bolsonaro, que vai indicar, entre outros postos, um ministro do STF, Corte hoje hostil a ele e unida como poucas vezes, em novembro.
Ignorar essas variáveis e como a economia vai se comportar só fará com que eventuais postulantes à Presidência se exponham ao sol sem protetor. Mandetta não é o único a se arriscar a uma queimadura. Deveriam ficar mais embaixo do guarda-sol organizando os exércitos, como Maia está fazendo, e procurar algum grau mínimo de coesão.
Rosângela Bittar: O errado perfeito
A grande aliança que solucionaria os problemas de Bolsonaro voou pelos ares
O DEM e o MDB eram a alma dupla do Centrão. Davam consistência, história, peso político, acesso ao empresariado e à sociedade, ao paquiderme dominante do espaço parlamentar, agora imbuído de uma nova missão, a de salvar Jair Bolsonaro. No entanto, estavam em baixa. Ao declararem independência do governo e se retirarem do bloco, na última segunda-feira, os dois partidos viraram o jogo e passaram a liderar novamente o processo.
Golpearam, ao mesmo tempo, o projeto do presidente Jair Bolsonaro de usar o grupo como principal braço da sua articulação política no Congresso. E derrubaram o arranjo do escolhido para representar o governo nas negociações, o líder Arthur Lira, que esperava ser premiado com a sucessão à presidência da Câmara, sem esforço.
Sucessão esta que também ficou incerta porque volta a colocar na disputa, com presença notável, o candidato que o presidente da Câmara vier a escolher para suceder-lhe. Não se sabe quem, nem quando será. Por experiência da sua própria eleição, Rodrigo Maia não tem pressa. Quando recebeu o apoio do DEM, seu próprio partido, já era véspera da disputa, e, quando o aliado PSDB se manifestou, já era a manhã do dia D.
Ao se enfraquecer com a saída dos dois principais partidos, o Centrão enfraquece o governo, que nunca acertou na articulação política. O presidente demorou a se decidir pela aliança e, quando o fez, depositou suas esperanças de sustentação em um homem só. A busca de atalhos, na negociação política, nem sempre dá certo.
Sua estratégia ficou clara: queria ganhar, sim, mas não bastava. Maia precisava perder. Uma rusga que atravessou o ano e ancorou na pandemia.
Errou também o presidente por desconhecimento das regras da articulação, dos princípios e dos ritos na relação entre os Poderes e entre estes e as unidades da Federação.
Numa conferência recente sobre a intrincada conjuntura política do País o ex-ministro e ex-presidente da Câmara Aldo Rebelo fez uma paródia do jargão para cunhar outra expressão que define este tipo de confluência de desastres em uma mesma situação: “o errado perfeito”. Do manual do erro, Bolsonaro não deixou nada de fora, cumpriu todos. Tanto que, com um piparote, a grande aliança que solucionaria seus problemas voou pelos ares.
A primeira lição que o presidente deveria aprender com o revés é que a articulação política exige ciência, por mais que a palavra atinja seus brios. Não se coordena a relação do Poder Executivo com o Poder Legislativo apenas com um general afável, competente relações públicas, e alguns líderes neófitos e inexperientes membros do baixo clero parlamentar.
Os exemplos de fracassos e sucessos de governos anteriores ensinam também a quem quer aprender. Não é necessário ao governo ter um Luiz Carlos Santos que, segundo a lenda, dava nó em fumaça. Muitos depois dele, e sem a sua experiência e habilidade, saíram-se bem.
Uma segunda lição é que para se ter uma boa articulação política é preciso ter, primeiro, uma política. Representada em um projeto de governo a que se possa aderir, em torno do qual estabelecer negociação e dividir tarefas de execução. Sem isto não dá para fazer nada, a não ser acertos aleatórios e pontuais, geralmente descumpridos de parte a parte.
O articulador precisa contar com a total confiança do presidente e inspirar confiança e respeito dos seus interlocutores. Voz de comando não funciona: articulação política não é uma guerra nem uma campanha eleitoral. Ah, importante: tem de reconhecer a importância e respeitar a oposição.
Em um governo forte, com base no Congresso, plano de trabalho, unidade dos ministros, a articulação flui. Mas se é um governo desorientado, como o de Jair Bolsonaro, com um presidente que não tem autoridade além da conferida pelo cargo, assiste-se a uma derrota atrás da outra.
Ricardo Noblat: O congestionamento de candidatos do centro poderá marcar a eleição
A esquerda agradece. Bolsonaro se preocupa
No primeiro momento, a saída do DEM e do MDB do conglomerado de partidos conhecido pela alcunha de Centrão tem a ver com a eleição do próximo presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro do próximo ano.
Indica que DEM e MDB pretendem formar um bloco junto com o PSDB e partidos de oposição ao governo para eleger o sucessor de Rodrigo Maia. Ou reeleger Maia, caso se aprove uma emenda à Constituição para tornar possível o que hoje não é.
O Centrão aliou-se ao governo atraído pela oferta de cargos, liberação de dinheiros e outras sinecuras que o presidente Jair Bolsonaro dizia antes abominar. Conversa para enganar eleitor. Bolsonaro já foi filiado a quase todos os partidos do Centrão.
Está interessado, agora, em valer-se dos votos do Centrão para barrar a abertura de um processo de impeachment contra ele, aprovar projetos do governo e pôr no lugar de Maia um presidente da Câmara mais confiável. Foi aí que o bicho pegou.
Num segundo momento, o racha do Centrão tem a ver com a sucessão do próprio Bolsonaro. É remota a possibilidade do DEM e do MDB apoiarem a reeleição do presidente. É mais do que provável que se unam ao PSDB para bancar outro nome.
O governador João Doria (PSDB), de São Paulo, quer ser esse nome. O combate à pandemia do coronavírus ofereceu-lhe a oportunidade de se apresentar como um candidato de centro-direita capaz de enfrentar Bolsonaro daqui a dois anos.
A eleição presidencial de 2022 poderá assistir a um congestionamento de candidatos do centro – Doria, Sergio Moro, Ciro Gomes que parece caminhar nessa direção, e quem mais aparecer. O PT agradece desde já. Bolsonaro se preocupa.
Quanto aos partidos do Centrão de raiz, para esses tanto faz como tanto fez. O imediato é o que importa. De resto, são sensíveis à direção dos ventos. Sabem tirar vantagem de tudo. E, ao fim e ao cabo, sempre estarão com o governo, qualquer um.
A boiada de Ricardo Salles passou sobre a política ambiental
Bolsonaro deu ouvidos ao ministro
Resta comprovado que o presidente Jair Bolsonaro seguiu o conselho de Ricardo Salles, seu ministro do Meio Ambiente, e aproveitou os meses iniciais da pandemia do coronavírus para reforçar os maus tratos à natureza, marca do seu governo até aqui.
Um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo em parceria com o Instituto Talanoa mostra que, entre março e maio deste ano, o governo publicou 195 atos no Diário Oficial, todos ligados ao tema ambiental. Nos mesmos meses de 2019, foram apenas 16.
Na reunião ministerial de 22 de abril último, Salles sugeriu a Bolsonaro que aproveitasse o momento em que a imprensa estava ocupada com a pandemia para “passar a boiada”, mudando “todo o regramento e simplificando normas” na área do meio ambiente.
E foi isso o que Bolsonaro autorizou que se fizesse como aponta a análise inicial das principais portarias, instruções normativas, decretos e outras normas baixadas ou alteradas. O processo de desmonte das políticas ambientais ganhou celeridade.
A instrução normativa 4/2020 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, que trata da priorização de indenização para populações tradicionais em reservas ambientais, criou uma brecha para facilitar a expulsão de índios e quilombolas dessas áreas.
A portaria 432/2020 permitiu ao ICMBio centralizar a gestão de duas unidades de conservação em Roraima, cancelando a criação de mais duas bases avançadas. Ali, há registros recentes de invasão de garimpeiros e de aumento da derrubada de árvores.
Os defensores do meio ambiente estão furiosos com o que aconteceu. E com razão.
Vinicius Torres Freire: Começa a eleição da governança do país
Disputa pelo comando da Câmara move partidos e deve redefinir 'parlamentarismo branco'
O que existe de governança do Brasil é uma resultante do desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.
Esse esquema de governança improvisada, por informe, gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado. Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que quer mesmo algo assim, tão normal).
Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos 513 deputados.
Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.
É o grupo que poderia levar adiante uma versão do “parlamentarismo branco” que colocou alguma ordem na política politiqueira de Brasília, negociou, relatou e aprovou projetos relevantes e rejeitou desmandos piores do Planalto. Foi o que restou de governança sensata do país, goste-se ou não de seus projetos e programas.
O que sobrou do blocão antes integrado por DEM e MDB é mais ou menos o que se chama de centrão, 158 parlamentares. Esse bloco ainda pode rachar, tendo em vista a eleição da Câmara (fevereiro de 2021), e deve contar com agregados do PSL (parte bolsonarista, parte não, parte talvez) e seus 41 deputados, e do Republicanos, 33 deputados, que vem a ser o partido da Igreja Universal. Esses partidos têm uns três candidatos a princípio viáveis.
Decerto essas continhas são demasiadamente certinhas no mundo ainda mais gelatinoso de uma Câmara em que inexiste uma coalizão de governo e no qual mais de 70% dos deputados se dividem ideologicamente entre conservadorismo, extremo conservadorismo e extrema direita. São continhas ainda mais precárias em um Congresso de fragmentação partidária recorde e de legendas que começam a pensar em fusões e aquisições tendo em vista a ameaça da cláusula de barreira, em 2022.
Mas é dessas danças do acasalamento infiel é que deve sair a cara do comando improvisado do país. Na disputa da Câmara vai ficar mais claro o tamanho do bloco da boquinha bolsonarista, instável, mas relevante para saber das possibilidades ora remotas de impeachment e dos riscos de serem aprovados projetos “passa a boiada” pelo país. A disputa está muito no começo. O governo mal passou a jogar o jogo da coalizão, do qual tenta participar desde abril. Na verdade, nem se sabe se vai ser esse o jogo, o de uma normalização política, business as usual. Mas as cartas estão indo para a mesa.
Merval Pereira: Caminho do meio
Faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em nova alternativa
Se não houvesse outras indicações, a saída de DEM e MDB do bloco do Centrão que apóia o governo seria, por si só, uma importante inflexão parlamentar em busca de “independência regimental”. Isso quer dizer que os dois partidos não querem estar formalmente ligados às decisões da liderança do governo no Congresso.
Na prática, já estavam distanciados, o que a votação do Fundeb demonstrou, impondo uma derrota acachapante ao Governo e a seu líder oficioso Arthur Lira. Os movimentos de aproximação do novo PSDB sob o comando do governador de São Paulo João Doria, e o DEM se tornaram evidentes desde a escolha do relator da reforma da Previdência, com os tucanos ganhando um posto chave na questão mais central da política daquele momento, uma decisão que coube ao presidente da Câmara Rodrigo Maia, do DEM.
As conversas entre PSDB e DEM têm a participação também do PSD de Kassab, para se fundirem um único partido, ou trabalharem em conjunto na direção da centro-direita e se opor aos radicalismos de esquerda e de direita. Maia, embora se dê muito bem com a esquerda parlamentar, não quer uma coligação “de centro- esquerda”. Muito menos o governador Dória, que levou o PSDB para a centro-direita.
Kassab foi secretário do governador Doria, e agora ganhou espaço maior no governo Bolsonaro, que um dia o chamou de “desgraça”, com a indicação de Fabio Faria para o ministério das Comunicações, que tem ligação forte com o presidente da Câmara. A aproximação de Bolsonaro com o Centrão, que parecia lhe dar suporte político no Congresso, foi fragilizada com a saída de DEM e MDB, ao mesmo tempo em que se fortaleceu uma antiga ideia de formação de um bloco de centro-direita que possa se opor aos extremos políticos, PT e bolsonarismo.
A disputa pela presidência da Câmara faz parte dessa estratégia de longo prazo, que se consolidará caso se confirme a possibilidade legal de reeleição de Maia e Alcolumbre no Senado. Nessa questão Rodrigo Maia está agindo com mais cautela do que Alcolumbre, que assumiu a frente da luta pela reeleição na mesma legislatura, que hoje é proibida pelo regimento interno.
Já houve exceções na história do Congresso, com Antonio Carlos Magalhães se reelegendo na própria legislatura com base em uma interpretação da advocacia da Casa aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. Também Rodrigo Maia recebeu permissão do Supremo Tribunal Federal para ser reeleito, pois o ministro Celso de Mello decidiu não contar o mandato-tampão que exerceu substituindo Eduardo Cunha.
Uma tendência é o STF decidir que esta é uma questão interna da Câmara e do Senado, permitindo reinterpretações ou mudanças dos regimentos internos. Caso isso aconteça, o mais provável é que Rodrigo Maia, docemente constrangido, aceite mais um mandato à frente da Câmara, o mesmo acontecendo com David Alcolumbre no Senado, sem nenhum constrangimento.
O Centrão ganhou força no Palácio do Planalto, mas não politicamente, pois a Câmara está tendo mais influência na gestão dos assuntos mais importantes, como as reformas, começando pela da Previdência, o Fundeb e o marco regulatório do saneamento básico sem precisar do Palácio do Planalto.
A popularidade do presidente Bolsonaro está estável em bom patamar, depois de ter dado sinais de queda, devido ao auxílio emergencial, e se o governo conseguir arranjar dinheiro para ampliar o Bolsa Família, transformando-o em Renda Brasil, é possível que consiga manter a vantagem que hoje as pesquisas lhe dão para 2022.
Mas o panorama econômico de curto prazo não é favorável, e ainda há muitas questões políticas para Bolsonaro ultrapassar no caminho para a reeleição. Por isso, faz sentido o PSDB, PSD e DEM, partidos hoje ideologicamente muito próximos, tentarem se unir em uma nova alternativa de centro-direita. Depois que as lideranças tucanas mais identificadas com a centro-esquerda perderam a influência, inclusive diante das investigações da Lava Jato eleitoral, esse caminho está aberto.
Brasileiros estão mais vulneráveis à depressão e ansiedade na pandemia
Reportagem especial da revista Política Democrática Online de julho conta casos de pessoas que buscaram ajuda para lidar com o período de isolamento social
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A servidora pública Eliana Ramagem (50 anos) estava prestes a parar de tomar remédio para ansiedade, mas teve de continuar por causa da pandemia do coronavírus. De repente, o empresário Alexander Loureiro (47) viu sua renda zerar. “Tomo ansiolítico, senão a cabeça dá uma pirada, estava muito acelerada. Não dormia, ficava preocupado. Chegava às 5 ou 6 horas da manhã, eu ainda estava acordado”, conta ele, em reportagem especial da revista Política Democrática Online de julho.
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As histórias de Eliana e Loureiro são contadas na reportagem especial, que também mostra que a OMS (Organização Mundial da Saúde) estima aumento de até três vezes dos casos de depressão e ansiedade em países mais atingidos pela pandemia. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza todas as edições, gratuitamente, em seu site, além de fazer ampla divulgação nas redes sociais.
Já uma pesquisa da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), divulgada em maio, mostra que o número de casos de ansiedade mais que dobrou durante a pandemia no país, ao passo que os de depressão tiveram aumento de 90%.
A reportagem da revista Política Democrática Online conta que os impactos da pandemia sobre a saúde mental são ainda maiores e mais catastróficos entre as pessoas de baixa renda. Sem atendimento de saúde adequado, muitas ficaram desempregadas e não têm o básico para comer em casa. Para outra parte, a saída que resta é romper o isolamento social e se misturar a outras pessoas para ir trabalhar em ônibus lotados.
O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou, no final do mês de junho, que a pandemia destruiu 7,8 milhões de postos de trabalho no Brasil até maio. Menos da metade das pessoas em idade para trabalhar está empregada, o que nunca havia sido registrado desde 2012.
Outro alerta feito pela reportagem é de que o cuidado com a saúde da mente deve ser contínuo, não só durante a pandemia. O alerta é de um estudo sobre os efeitos da Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars), provocada pelo corona vírus em 2002 e 2003, na Ásia, realizado pela revista especializada East Asian Arch Psychiatry. A pesquisa mostrou que, depois de quatro anos, 42% das pessoas que sobreviveram à doença haviam desenvolvido algum transtorno mental. A maioria apresentou transtorno de estresse pós-traumático e, em segundo lugar, depressão.
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