Day: julho 28, 2020
Afonso Benites: Congresso antecipa debate por sucessão de Maia e Alcolumbre
Articulação pelas eleições das Casas, que só acontecem em fevereiro de 2021, está a todo vapor, sob desafio de manter independência do Governo. Apesar do apoio, deputados centristas estão divididos, à espera dos efeitos da pandemia sobre a popularidade do presidente no próximo ano
Mesmo com sessões à distância por causa da pandemia do novo coronavírus, congressistas brasileiros têm intensificado a discussão para a sucessão dos comandos da Câmara e do Senado Federal. A votação ocorrerá na primeira semana de fevereiro de 2021. A escolha dos presidentes das duas Casas legislativas marcará a segunda metade do Governo Jair Bolsonaro (sem partido), quando se saberá exatamente qual o impacto humano, social e econômico da pandemia do coronavírus que, até lá, terá ultrapassado a marca dos 100.000 óbitos. São as mesas diretoras de Câmara e Senado que definem a pauta de votação dos projetos de lei, das medidas provisórias e das propostas de emendas constitucionais. E é o representante dos deputados quem tem, inclusive, o poder de dar o pontapé inicial em processos de impeachment contra o chefe do Executivo.
Entre os opositores, há quem aposte que uma espécie de “bola de neve” deve ser formada e que acabará pressionando o Governo. Os argumentos dessa corrente é que a economia deve degringolar com uma queda acentuada do Produto Interno Bruto (PIB) de até 9%, e um aumento exponencial do desemprego o que, consequentemente, deve desgatar a popularidade do presidente – hoje oscila entre 25% e 33%, de acordo com o instituto de pesquisa. Com menor apoio popular, o que deve segurar um mandatário no poder deve ser o Legislativo, onde tramitam mais de 40 pedidos de destituição presidencial. Aqui consta apenas o cálculo político, não o jurídico-criminal, onde, no Tribunal Superior Eleitoral, Bolsonaro enfrenta ao menos mais seis processos que pedem a cassação da chapa que ele compôs com o general Hamilton Mourão (PRTB) na eleição de 2018.PUBLICIDADE
Ciente do risco que corre principalmente na Câmara, Bolsonaro já cedeu espaço em seu Governo ao Centrão, grupo fisiológico de cerca de 200 deputados de centro direita. Além disso, deu mais poder a esse grupo ao destituir sua fiel aliada Bia Kicis (PSL-DF) da vice-liderança do Governo na Câmara após ela votar contra o novo Fundeb e deixar a vaga reservada para um membro do Centrão. Mas o apoio desses parlamentares não é a garantia de terá uma viagem em céu de brigadeiro. A razão: o Centrão está dividido. Uma parte considerável ainda apoia Rodrigo Maia (DEM-RJ) e defende uma maior independência com relação ao Executivo. Maia é o mais longevo presidente da Câmara, tem três mandatos seguidos, sendo um tampão. Ele não pode mais disputar a reeleição, mas a sua bênção a um nome tem certo peso na Casa.
Entre os possíveis nomes na disputa pela Câmara estão ao menos cinco do Centrão, o que reforça essa divisão. Estão no páreo Arthur Lira (Progressistas-AL), Aguinaldo Ribeiro (Progressistas-PB), Marcos Pereira (Republicanos-SP), Marcelo Ramos (PL-AM) e Capitão Augusto (PL-SP). Os três primeiros estariam entre os favoritos do Centrão para a disputa. Os dois últimos buscam deixar seus nomes em evidência para possivelmente concorrerem a outras funções dentro da Mesa Diretora ou para presidente de comissões permanentes, por onde tramitam os projetos de lei antes de chegarem ao plenário. Algo que Ramos refuta. “Não é hora de antecipar a eleição porque a superação dos efeitos sanitários, econômicos e sociais depende de união da Câmara. Antecipar o processo gerará uma divisão que prejudicará o país”.
Um outro possível candidato é da oposição ao Governo Bolsonaro, Alessandro Molon (PSB-RJ). Outro nome cogitado é o de Fábio Ramalho (MDB-MG), que ora circula entre os independentes, ora entre os governistas. Por fora ainda aparece o nome de Baleia Rossi (MDB-SP). O que pesa com relação ao nome de Rossi é o fato de ele ser o presidente do partido e líder da legenda na Câmara, além de uma tentativa dos emedebistas de focar no comando de apenas uma das Casas do Legislativo, o Senado. “Quem muito quer, nada tem. O acordo é costuramos entendimentos com deputados e senadores para conseguirmos retomar o comando do Senado, não o da Câmara”, disse um parlamentar do MDB que participa das negociações.
Rodrigo Maia tem bom relacionamento com todos os concorrentes, mas ainda não deu sua palavra a nenhum porque ainda aguarda os movimentos do bolsonarismo. Uma coisa é certa. Ele não quer Lira por entender que o parlamentar é muito próximo a Bolsonaro – as indicações para cargos no Governo tiveram o seu aval – e porque seria uma versão 2.0 de Eduardo Cunha (MDB-RJ), o ex-presidente da Câmara que recriou o Centrão e acabou preso condenado por corrupção. “Lira é herdeiro do Cunha. É o político do baixo clero que faz de tudo para chegar ao poder”, afirmou um deputado governista. O que pesa a favor dele é que, atualmente, lidera um grupo de nove legendas que, juntas, somam 221 dos 513 parlamentares.
Interlocutores de Maia afirmaram que ele estaria propenso a apoiar Marcos Pereira, um membro da Igreja Universal e representante da bancada evangélica, ou Aguinaldo Ribeiro. A opção Pereira, que é vice-presidente da Câmara, só seria conveniente caso ele demonstrasse independência com relação a Bolsonaro e um descolamento de Lira. Já Ribeiro seria uma espécie de estepe, caso seja possível rachar o Centrão ao meio. Para onde Maia apontar deverá haver um apoio quase automático de um grupo de 106 parlamentares do MDB, DEM, PSDB, Cidadania e PV. As lideranças dessas siglas comprometeram-se a caminhar juntas na disputa pela Câmara.
Senado e o feudo do MDB
No Senado, o cenário deve ter menor influência do Governo, onde ele não tem base e o Centrão tem pouca interferência no plenário. Bolsonaro tenta costurar apoio ao seu atual líder no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO). Ele, no entanto, enfrentará resistências dentro do próprio MDB, que está empenhado em retomar o comando, mas minimamente descolado do Governo. Desde o fim da ditadura militar, há 35 anos, o Senado só não foi comandado por emedebistas em sete anos, durante duas gestões de Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), um mandato tampão de Tião Viana (PT-AC) e a atual, de Davi Alcolumbre (DEM-AP). Era quase um feudo do MDB.
Desde 2019, o Senado está sob a batuta de Alcolumbre, que travará uma batalha judicial para disputar a reeleição. A Constituição impede que um presidente de uma das casas do Legislativo dispute a reeleição dentro de uma mesma legislatura. O entendimento até aqui era de que a legislatura se encerrava a cada quatro anos e o mandato de presidentes da Casa é de dois anos. Mas Alcolumbre tentará que o Supremo Tribunal Federal declare que a metade de um mandato de um senador é aos quatro anos, já que o mandato de senadores é de oito anos. E, portanto, poderia disputar a reeleição. A tese encontra resistência dentro do próprio Senado, entre quem o ajudou a acabar com a hegemonia emedebista e derrotar Renan Calheiros (MDB-AL) em 2019.
Internamente, no MDB, a bancada se decidirá por Eduardo Braga (MDB-AM) ou Simone Tebet (MDB-MS). Ela tem maior simpatia do grupo independente Muda Senado, formado por 21 dos 81 parlamentares, que estuda também a viabilidade de lançar Álvaro Dias (Podemos-PR). O sentimento entre de três dos 13 senadores emedebistas é que Simone une, enquanto qualquer um dos Eduardos, divide.
Por fora, também circula o nome de Antonio Anastasia (PSD-MG), que deixou o PSDB para ter mais apoio no Legislativo. Vice-presidente do Senado e visto como um técnico, Anastasia ainda estuda o terreno para lançar seu nome. Não gostaria, por exemplo, de disputar com Simone, de quem é amigo, ou de não ter o apoio do grupo Muda Senado. Limitada a cerca de 15 senadores, a oposição ao Governo pode lançar um nome apenas para marcar presença na disputa. Em caso de segundo turno, deve apoiar quem menos se identificar com Bolsonaro.
El País: Registro de novas armas no Brasil explode em 2020 em meio à alta de homicídios
Alta na emissão de documentos pela PF para posse de novos armamentos foi de 205% no primeiro semestre, reflexo das novas regras sob Bolsonaro. No DF, aumento foi de mais de 1.400%
Gil Alessi, El País
O número de registros de novas armas de fogo concedidos pela Polícia Federal explodiu em todo o país. A chamada posse de arma é um documento emitido pelas autoridades e permite que, caso cumpram alguns requisitos legais, as pessoas possam ter em suas casas pistolas e revólveres. Quando comparado o primeiro semestre de 2020 com o mesmo período do ano passado, houve um aumento de 205% no total de novos registros emitidos pela PF: foram 24.236 em 2019 ante 73.996 agora. Este crescimento se deve, de acordo com pesquisadores, às portarias e decretos assinados pelo presidente Jair Bolsonaro, que tinha como uma de suas principais promessas de campanha flexibilizar o acesso às armas de fogo. Na prática o mandatário desfigurou o Estatuto do Desarmamento, conjunto de leis voltadas ao controle de armas e responsável por salvar mais de 160.000 vidas, segundo estudos.
Junto com o aumento no número de registros, também ocorreu um aumento na violência letal. Os números preocupam: de acordo com levantamento do Monitor da Violência, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e com o portal G1, houve um aumento de 7% nos homicídios no país nos cinco primeiros meses do ano, puxada principalmente pelos Estados do Nordeste. A pesquisa sobre os homicídios, que utiliza dados oficiais das Secretarias de Segurança Estaduais e do DF, é a mais recente com abrangência nacional. As mortes violentas passaram de 18.120 para 19.382 no período de janeiro a maio. Chama a atenção o fato de que este aumento das mortes em 2020 ocorreu após queda histórica dos homicídios em 2019 (o menor número registrado desde 2007, quando o fórum começou a coletar os dados), que chegou a ser comemorada pelo então ministro da Justiça Sérgio Moro.
- Bolsonaro insistiu em reduzir controle de armas quatro vezes na pandemia para “armar população”
- Consulta pública do Exército de apenas seis dias pode flexibilizar controle de armas sem apoio social
- Como era o Brasil quando as armas eram vendidas em shoppings e munição nas lojas de ferragem
A relação entre aumento de armas e aumento da violência não é estranha para quem estuda segurança pública. “De um ponto de vista amplo, pesquisas apontam que a cada 1% a mais de armas na população temos um aumento de 2% dos homicídios, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada”, afirma Isabel Seixas de Figueiredo, consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Mas não é possível cravar nesse caso que existe uma relação entre o aumento no número de armas registradas e homicídios, porque é um fenômeno ainda recente, e o homicídio é um fenômeno multicausal”, diz. Ela alerta ainda para o fato de que estas armas compradas e registradas legalmente podem acabar indo para as mãos do crime organizado: “Entre 30% e 40% das armas apreendidas pela polícia com criminosos foram compradas originalmente por pessoas sem ligação com o crime, e que depois venderam este armamento ou foram roubadas”.
Gabriel Sampaio, coordenador do Programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas, concorda com Figueiredo. “Pesquisadores e a sociedade civil organizada sempre falaram que com a flexibilização do Estatuto havia potencial para o aumento de mortes violentas. Isso era dito baseado em dados. Essa relação entre armas e violência já era conhecida há muitos anos, antes das políticas públicas do Governo Bolsonaro para o setor”, afirma . Ele destaca, no entanto, que os dados são novos e ainda precisam ser analisados com mais profundidade. Mas segundo Sampaio, existe um “indicativo” de que o aumento dos homicídios no primeiro semestre de 2020 pode estar ligado ao maior acesso às armas.
O aumento vertiginoso no número de novas armas de fogo registradas em tão pouco tempo também acende um alerta amarelo. “A celeridade administrativa na concessão da posse de armas deixa dúvidas se a avaliação do perfil de quem pede o registro está sendo feita com o devido critério. Esse crescimento mostra ou que estão alocando muitos recursos humanos para analisar estes pedidos, ou então a análise não está sendo feita de forma criteriosa”, diz Sampaio. Antes das mudanças feitas pelo Governo, quem solicitava a posse de arma precisava comprovar a “efetiva necessidade” para tanto, e a decisão final sobre concessão ou não do registro cabia ao delegado da PF. O presidente sempre criticou este ponto, uma vez que no seu entendimento deixava a questão à critério da “subjetividade” da polícia. Este ponto foi alterado via decretos e portarias para facilitar a comprovação da necessidade sem grandes percalços.
Registro de armas cresce em todos os Estados
Todos os Estados brasileiros e o Distrito Federal registraram alta no número de registros de novas armas. No DF o crescimento foi o maior registrado: variação de 1.429% no número de documentos concedidos pelas autoridades. De 235 no primeiro semestre de 2019 para 3.595 no mesmo período deste ano. Apesar do grande aumento de armas, os homicídios tiveram queda no distrito que abriga Brasília. O Rio de Janeiro ficou em segundo lugar no crescimento da concessão de posse de armas, com um aumento de 860%, de 653 para 6.275. O Estado também registrou redução dos homicídios no período. A Bahia vem logo atrás, com variação de 620% nos registros: de 835 para 6.015, e alta dos homicídios. O único Estado com crescimento de apenas um dígito foi a Paraíba: 9%. De 976 para 1.064.
O número de novos registros de armas de fogo, no entanto, pode ser ainda maior tendo em vista que existe uma categoria de posse específica para colecionadores, atiradores esportivos e caçadores (denominada CACs). A autorização para eles é concedida pelo Exército, e não entra nos dados da PF. “Isso é relevante, porque os CACs foram uma das categorias mais beneficiadas pelo Governo Bolsonaro com ampliação no número de armas permitidas por pessoa, bem como a ampliação dos calibres permitidos”, diz Felippe Angeli, gerente do Instituto Sou Paz. Sobre o aumento dos homicídios, ele faz coro com Sampaio e Figueiredo: “É um fenômeno multifatorial. Mas quando se fala de segurança pública, o que se vive hoje é o que você vê no retrovisor, e o que visualizamos é o começo do Governo Bolsonaro, com a desregulamentação do controle de armas”.
Além de afrouxar as regras para facilitar o acesso às armas, o Governo Bolsonaro também tem enfraquecido a regulamentação para rastrear a circulação de armas e munições. Em abril, Bolsonaro anunciou, via Twitter, a revogação de três portarias do Exército com regras para marcação, controle e rastreamento de armas e munições, outro passo amplamente criticado por especialistas. A oposição questionou o Supremo Tribunal Federal a respeito, e ainda espera um pronunciamento do tribunal. Em outro movimento que acendeu alarme, na semana passada, o ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, revogou trechos de uma portaria de sua pasta que obrigava que determinados armamentos de porte dos agentes da Força Nacional tivessem elementos de identificação sigilosa, um passo a mais para o rastreio, caso os dados mais básicos fossem violados.
A reportagem entrou em contato com o Planalto pedindo um comentário sobre o aumento no número dos homicídios e no número de novas armas registradas pela PF, mas não obteve resposta até o momento. A PF informou que “embora tenha havido um aumento na demanda de registros nos anos de 2019 e 2020, o efetivo da Polícia Federal tem conseguido atuar a contento nos processos relacionados ao controle de armas de fogo”. Quanto à declaração de “efetiva necessidade” por parte do solicitante, o órgão informou que cumpre o determinado na lei (alterada por Bolsonaro) onde consta que “presume-se a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas na declaração de efetiva necessidade”.
MDB e DEM afastam-se do Centrão e enfraquecem candidatura de Lira
Atuação de líder do PP na votação sobre o Fundeb antecipou decisão
Por Marcelo Ribeiro e Raphael Di Cunto, Valor Econômico
BRASÍLIA - Adeptos de uma postura independente em relação ao Palácio do Planalto, as bancadas do MDB e do DEM na Câmara decidiram ontem desembarcar do bloco comandado pelo líder do PP na Casa, deputado Arthur Lira (AL), que vem atuando como representante informal do governo.
Além da proximidade de Lira e de outros partidos do Centrão com o presidente Jair Bolsonaro, a corrida pela presidência da Câmara, que terá eleição em fevereiro de 2021, também contribuiu para que as legendas batessem o martelo sobre o desembarque. A expectativa é que DEM e MDB costurem uma aliança com partidos da oposição para a disputa pela principal cadeira da Câmara. Nos bastidores, o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) tem sinalizado que não apoiará um nome que desagrade as siglas da esquerda.
Cada vez mais próximo do Planalto, Lira, que pretende concorrer ao comando da Câmara, já é visto com resistência por parlamentares da oposição. Com o esvaziamento do bloco, o líder do PP pode ter novos obstáculos para fortalecer sua candidatura.
O líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), afirmou que pretende formalizar a saída hoje. De acordo com ele, o partido seguirá votando a favor de pautas que sejam necessárias para a retomada da atividade econômica, mas seguirá com a postura independente e não irá “a reboque de ninguém”.
Com o desembarque do MDB e do DEM, o grupo liderado por Lira diminuirá de 221 para 158 deputados. Ao deixarem o grupo, as siglas terão autonomia para apresentar requerimentos de urgência, de retirada de pauta e para que emendas em projetos de lei sejam apreciadas.
Antes desse movimento, PSL, PSDB e Republicanos já deixaram a composição. PTB, Pros e Solidariedade também avaliam sair do bloco e formar um novo grupo, para ter mais competitividade na disputa por relatorias de propostas relevantes. De acordo com parlamentares dessas siglas, o líder do PP tem sido protagonista nas negociações mais importantes e os partidos menores acabam não tendo voz.
O bloco comandado por Lira foi formalizado no ano passado para fortalecer as legendas na disputa por cargos importantes em comissões, entre elas a Comissão Mista de Orçamento (CMO). A composição determinou que o Centrão fosse responsável por 18 indicações no colegiado. O DEM compunha esse grupo por um acordo que garantiria o deputado Elmar Nascimento (DEM-BA) na presidência da CMO.
Segundo fontes, a postura de Lira durante a votação da proposta de emenda constitucional (PEC) que aumenta o aporte do governo federal no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e torna a política permanente foi determinante para que MDB e DEM decidissem formalizar a saída do bloco.
Atuando como líder informal do governo, Lira ensaiou obstruir a análise do texto para que propostas da equipe econômica fossem consideradas no projeto. O movimento desagradou partidos aliados, que queriam que o texto avançasse. A iniciativa não surtiu efeito e o líder do PP se viu obrigado a desistir da ofensiva e apoiar a votação da proposta.
Lira minimizou o desembarque do MDB e do DEM do bloco e afirmou ver o desmembramento com naturalidade, já que a composição ocorreu para garantir espaços na CMO. “O bloco de partidos que é chamado de Centrão tem como objetivo manter o diálogo e a votação das pautas importantes para o país. O chamado bloco do Centrão foi criado para formar a comissão de Orçamento.
Não existe o bloco do Arthur Lira. O bloco foi formado para votar o Orçamento e é natural que se desfaça. Ele deveria ter sido desfeito em março, o que não aconteceu por conta da pandemia”, escreveu nas redes sociais.
O governo considera a votação do projeto de lei que estabelece o combate às fake news o próximo teste de fogo da base comandada por Lira. Como o Planalto é contra, o líder do PP terá que articular com ex-aliados para evitar um revés para Bolsonaro no plenário.
Alessandro Vieira: Depois que o auxílio emergencial acabar
Pandemia exige soluções estruturais
A pandemia de Covid-19 jogou luz e agravou antigos, mas persistentes, problemas brasileiros: a pobreza e a desigualdade. Tardiamente, boa parte do país — incluindo aí autoridades da República — descobriu que há milhões de cidadãos invisíveis às estatísticas oficiais, como mostraram os inconsistentes cadastros sociais para o pagamento do auxílio emergencial. Esses esquecidos são, agora, as maiores vítimas da doença e os mais vulneráveis a suas dramáticas consequências, como o desemprego e a crise econômica.
O drama tem cor e endereço. A imensa maioria das 14 milhões de pessoas que estão hoje na linha da extrema pobreza é preta ou parda, e quase metade delas vive no Nordeste, onde mais de 80% dos mortos pela Covid-19 correspondem ao mesmo perfil.
O desastre econômico provocado pela pandemia já deixou mais de 12 milhões de pessoas desempregadas no país, segundo dados de junho. Há 17,8 milhões que sequer procuram trabalho. Os sinais de reação da economia são extremamente tímidos e não podem servir para criar falsas esperanças de uma retomada surpreendente. A recuperação será, sim, muito longa. O auxílio emergencial — uma ideia do Congresso acolhida pelo Executivo — aliviou a situação em 38,7% dos domicílios brasileiros, com valor médio de R$ 847. Não apenas desempregados fizeram filas para receber o pagamento, mas também diaristas, feirantes, motoristas de aplicativo, entregadores de encomendas. Trabalhadores informais de baixa renda, ou até mesmo com carteira assinada, mas cujo salário é insuficiente para uma vida digna para si ou seus familiares.
Mas o auxílio é emergencial e tem prazo: termina em setembro. Abre-se um cenário desafiador, que exige soluções não mais emergenciais, mas estruturais. Os programas sociais do país formam hoje uma colcha de retalhos insuficiente para suprir as necessidades dos mais pobres, que vivem majoritariamente da economia informal e têm renda de alta volatilidade. O principal deles, o Bolsa Família, atende a cerca de 40 milhões de brasileiros. Entretanto, seus benefícios não foram reajustados e sequer existe previsão de indexação à inflação. Apesar de todos os méritos e bons resultados comprovados, após mais de 15 anos de sua criação, está defasado.
O socorro aos mais vulneráveis na pandemia mostrou, de forma inequívoca, que as necessidades do país ultrapassam, em muito, a capacidade do Bolsa Família. Por isso, temos uma decisão a tomar: aceitar ver mais de 60 milhões de brasileiras e brasileiros amargarem a pobreza nos próximos meses e anos, que serão duríssimos, ou trabalhar com rapidez para oferecer uma resposta do Estado a esses cidadãos.
A primeira tarefa é evitar o falso dilema entre responsabilidade fiscal e o gasto na criação de um programa de renda básica que promova dignidade para milhões de mulheres, homens e crianças. Precisamos enfrentar a questão, colocar de lado possíveis diferenças e formar um movimento efetivo e urgente que garanta aos brasileiros condições reais de cidadania.
Com esse espírito, e diante dessa imensa tarefa, lançamos no último dia 21 de julho a Frente Parlamentar Mista em Defesa da Renda Básica. Somos parlamentares de todos os estados e de 23 dos 24 partidos presentes no Congresso Nacional. Contamos com o apoio de especialistas e representantes da sociedade civil. Pautada num diálogo amplo e acima de interesses partidários ou vertentes ideológicas, a Frente tem a missão de avaliar o melhor desenho para um programa de rendabásica e debater todas as alternativas responsáveis para seu financiamento.
Sabemos que será um grande desafio, sobretudo para garantir sua sustentabilidade ao longo dos anos. Trata-se, no entanto, de uma tarefa inescapável de nossa geração: nenhum brasileiro pode viver abaixo da linha da dignidade. A coragem e a sensibilidade social precisam guiar nossas ações. A tão desejada renovação política precisa, também, se traduzir em novas soluções para esses problemas tão antigos. A desigualdade social é um flagelo que marca a História do Brasil. Mudar esse enredo é decisão nossa.
*Alessandro Vieira é senador (Cidadania-SE)
Míriam Leitão: Do liberalismo ao antiliberalismo
Não há méritos na gestão Rubem Novaes no Banco do Brasil, mas sua saída revela que há planos no governo de aumentar a influência estatal sobre a instituição
O problema da equipe econômica do governo Bolsonaro não é se está ou não havendo debandada ou que a pauta liberal está sendo arquivada. É pior. Agora segue-se uma pauta antiliberal. A Caixa Econômica virou um braço do bolsonarismo e parte da propaganda oficial. O Banco do Brasil já fez concessões que deveriam corar qualquer liberal, porque a instituição de economia mista passou a ter ingerência direta do governo até nas decisões de marketing. E tem ainda os ensaios de pedaladas. O governo consultou o Tribunal de Contas da União (TCU) se pode fazer investimento em infraestrutura contornando o teto de gastos, e na semana passada o Congresso evitou que o teto fosse burlado.
A saída de Rubem Novaes tem que ser vista de duas formas. Ele permitiu a interferência do governo na instituição, mas quando ele sai revela-se que há mais tentativa de intervenção. Não há mérito em sua gestão, mas a saída mostra que há planos de entrar mais fundo nesse modelo que impõe ao banco a presença governamental.
A Caixa foi beneficiada com o monopólio da distribuição do auxílio emergencial, fez um trabalho cheio de falhas e aproveita cada espaço para afirmações de exaltação bolsonarista como “nunca na história da humanidade”. É a figurinha mais repetida do álbum das lives presidenciais. Uma coisa é o presidente Bolsonaro fazer o seu marketing, outra é usar os bancos públicos como parte dessa estratégia ou como tentáculos do governo. É uma estratégia claramente antiliberal.
O TCU, que Novaes definiu como “usina de terror”, na verdade fez seu trabalho de órgão de controle que é. O relatório do ministro Bruno Dantas, referendado pelo Tribunal no dia 27 de maio, vai diretamente ao ponto. A gestão de Novaes na área da comunicação do banco foi considerada gravíssima pelo tribunal, que disse estar havendo por parte do acionista controlador, no caso o governo, ingerência sobre uma instituição financeira com ações em bolsa. O BB vinha anunciando em sites que divulgavam fake news. Suspendeu, depois do alerta, mas voltou atrás por pressão do vereador Carlos Bolsonaro. O TCU ressaltou a fragilidade da governança do banco e lembrou as orientações da OCDE, “no sentido de que as empresas estatais tenham liberdade para atuar e não se submetam a ingerências indevidas do governo ou mesmo de familiares do chefe do poder executivo, à mingua de orientação técnica que justifique essa interferência”. Esse episódio, ressaltado pelo tribunal, se soma ao veto do presidente a uma propaganda onde havia jovens negros e descolados e que já estava no ar. Novaes não apenas a tirou do ar, como defendeu a posição de Bolsonaro.
O TCU lembrou também que no primeiro ano de Novaes no Banco do Brasil, apesar da prometida austeridade, ele gastou R$ 119 milhões com publicidade na internet e com uma escolha muito controversa de sites, como se viu. Houve outras polêmicas na sua gestão. Ele nunca defendeu os ideais liberais, na prática aceitou a intervenção, mas dizia que seu sonho era privatizar o banco. Poderia ter começado evitando que a instituição fosse usada pelo governo de plantão.
Bolsonaro jamais defendeu uma única proposta liberal, mas Paulo Guedes e todos os outros economistas que trabalharam no comitê de campanha, como Rubem Novaes, transplantaram para dentro do programa vazio do então candidato do PSL um rio de promessas. Não as entregou. Isso não surpreende quem não cedeu ao autoengano. Mas agora o risco é fazer o exato oposto do prometido e seguir uma agenda antiliberal com o objetivo eleitoreiro. Naquela famosa reunião ministerial, o ministro Paulo Guedes falou claro: “vamos fazer todo o discurso da desigualdade, vamos gastar mais, precisamos eleger o presidente.”
Está sendo formatado o novo programa — que eles chamam de Renda Brasil — para preencher o vazio de política social na gestão de Bolsonaro. Pelo visto, é o passo final da politização da economia. A pandemia empobreceu os pobres, será necessário ampliar o Bolsa Família e fortalecer as políticas sociais, mas tem que ser com um debate contábil transparente, com limites fiscais definidos e sem o uso dos recursos públicos para um projeto político que, além de tudo, nunca escondeu sua convicção autoritária.
Bernardo Mello Franco: Saída à francesa
Rubem Novaes abriu a torneira do Banco do Brasil para financiar blogs bolsonaristas. A três semanas de deixar o cargo, vendeu uma carteira bilionária ao BTG
Rubem Novaes falou muito durante o ano e meio em que ocupou a presidência do Banco do Brasil. Na sexta-feira, escreveu apenas dez linhas para anunciar sua renúncia ao cargo.
Em nota, o BB informou que ele vai sair por entender que “a companhia precisa de renovação para enfrentar os momentos futuros de muitas inovações no sistema bancário”. Para dizer isso, era melhor não dizer nada. O banco economizaria duas linhas e deixaria de ofender a inteligência alheia.
Novaes é amigo de Paulo Guedes, com quem estudou em Chicago. A exemplo do ministro, tem a cabeça ultraliberal e a língua maior do que a boca. Na famosa reunião de 22 de abril, os dois fizeram um dueto de grosserias para defender a privatização do banco.
“Tem que vender essa porra logo”, pontificou Guedes. Em seguida, Novaes definiu os controles do Tribunal de Contas da União como uma “usina de terror”. “Se a gente faz alguma coisa, tá arriscado a ir pra cadeia”, disse. Faltou detalhar as coisas que ele pretendia fazer.
O economista também deu um palpite infeliz sobre a pandemia. “Minha sensação é de que esse pico já passou”, opinou. Naquele dia, o país contava 2.906 mortes pelo coronavírus. Ontem a conta fechou em 87.737.
Bolsonarista de carteirinha, Novaes permitiu que o banco usasse dinheiro dos correntistas para financiar sites acusados de difundir fake news. Em junho, o TCU mandou fechar a torneira. Ele recorreu da decisão, alegando prejuízos financeiros. Prejuízos ao banco, não aos blogueiros governistas.
Há três semanas, o BB vendeu, sem leilão, uma carteira de crédito de R$ 2,9 bilhões pela bagatela de R$ 371 milhões. O comprador foi o BTG, que teve Guedes entre os fundadores. O ex-ministro Ciro Gomes definiu a transação como “um negócio escandaloso”. A oposição quer obrigar Novaes a explicar o que fez.
No sábado, o economista disse à CNN Brasil que não se adaptou à “cultura de privilégios, compadrio e corrupção de Brasília”. A declaração é típica de quem tem histórias a contar. Mais um motivo para que ele seja convocado pelo Congresso antes de sair à francesa.
Pablo Ortellado: Receio de regular mídias sociais favorece o status quo
Celeridade da lei das fake news não permite pactuar as regras, mas regulação da moderação de conteúdo segue necessária
As regras que orientam o funcionamento das mídias sociais estão outra vez no coração do debate político. A regulamentação do seu funcionamento é um dos maiores desafios das políticas públicas e é efetivamente cheia de riscos —mas a inação, com a manutenção do status quo, é pior.
Há duas questões que são o cerne do problema. A primeira é que a liberdade de expressão, basilar para o funcionamento de uma democracia, às vezes entra em choque com outros direitos, como o direito das minorias, o direito à honra ou o direito à saúde. E esses direitos precisam ser equilibrados.
A segunda questão é que, na ausência de uma regulação pública, prevalece o autorregramento do setor privado, o que o jurista americano Lawrence Lessig imortalizou no slogan "code is law", ou seja, quem escreve o código do serviço regula o seu funcionamento.
Esse imbroglio está no centro do debate, tanto sobre as ações de moderação e fechamento de contas pelas plataformas de mídia social como sobre o PL das fake news. Em ambos os casos, há o argumento, que vem ganhando adesão, de que não se deve olhar para os conteúdos, mas para os comportamentos, aplicando medidas punitivas mais duras apenas para quem usa contas falsas ou tenta manipular os algoritmos.
Essa saída é boa apenas para as empresas, que desviam assim o foco do enorme poder que exercem sobre a moderação do debate público. Afinal, há vários conteúdos impróprios que circulam nas plataformas e que não vêm acompanhados do chamado "comportamento inautêntico". Nem sempre quem veicula discurso de ódio, por exemplo, se faz passar por outrem.
Se decidirmos então que é preciso olhar para os conteúdos, vamos ter que pactuar as regras do debate democrático. Se é bem verdade que a celeridade que os presidentes das casas legislativas impuseram à tramitação do projeto de lei das fake news não permite fazer agora essa pactuação com o devido cuidado, isso não significa que ela não precisará ser feita no futuro.
O processo de moderação de conteúdos nas mídias sociais precisa ser regulado.
Não podemos deixar que empresas privadas, agindo segundo regras inteiramente próprias e sem nenhuma supervisão, excluam, rotulem ou diminuam o alcance de postagens ou suprimam contas. Talvez seja preciso ir além e mitigar ou eliminar os incentivos que as plataformas oferecem para discursos delirantes, inflamatórios e divisivos.
Intervir nisso é perigoso e delicado, mas depois de tudo o que vivemos —da ascensão da extrema direita ao negacionismo da Covid— manter o status quo não deveria mais ser uma opção.
*Pablo Ortellado, professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.
Hélio Schwartsman: O futuro das universidades
Será que chegou a vez da educação superior?
A primeira vítima foi a indústria fonográfica. Depois vieram setores como o hoteleiro, o de mídia, transporte de passageiros, entretenimento etc. A conjunção de novas tecnologias com um espírito mais faça-você-mesmo por parte dos consumidores causou um terremoto nessas áreas. Será que chegou a vez da educação superior?
A pandemia paralisou as atividades presenciais na maioria dos cursos e causa um empobrecimento geral da sociedade. Isso está levando muitos alunos, especialmente os das caras universidades de elite dos EUA, a repensar o valor de seu investimento. Muitas instituições se preparam para o pior, e algumas já até começaram a demitir professores.
É claro que a educação é importante. Você não forma um médico sem ensinar-lhe uma série de conteúdos específicos. Ainda assim, o que as universidades vendem são pacotes que não oferecem apenas o acesso a um corpo de conhecimentos. Fazem parte do conjunto a experiência universitária, que inclui a oportunidade de travar relacionamentos com os futuros líderes do país, e, mais importante, o prestígio (e a empregabilidade) que um diploma de Harvard, por exemplo, confere a seu portador.
O problema é que, por ora, a experiência universitária está suspensa e o acesso a conteúdos é de certa forma um bem fungível, podendo ser adquirido em livros ou escolas mais baratas. Aliás, no que constitui uma daquelas ironias do destino, muitas das mais conceituadas instituições já disponibilizavam na internet, gratuitamente e para todos, algumas de suas melhores aulas.
Resta, é claro, a questão do diploma. Suas bases, porém, não são das mais sólidas. Por que um canudo de Harvard vale mais do que o de um community college? Isso ocorre porque empregadores utilizam o diploma das universidades mais concorridas como uma espécie de teste de QI. O ponto é que existem formas muito mais baratas de aferir a inteligência de alguém.
Andrea Jubé: No meio do caminho, tinha um Bolsonaro
Ainda não surgiu quem representará o “antibolsonaro”
O recente cerco a dois próceres tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin - dois finalistas da corrida presidencial - leva o PSDB de novo às cordas, num momento em que o partido tenta se reerguer no plano nacional, mesmo com outro presidenciável, Aécio Neves, ainda no chão.
O novo disparo da Lava-Jato que atingiu o PSDB reforça o processo de esgarçamento do sistema partidário. Um movimento que eclodiu em 2013, com as incendiárias jornadas de junho, e teve o seu apogeu na eleição de Jair Bolsonaro, que embora sete vezes eleito deputado federal, convenceu o eleitor de que encarnava o “antipolítico”.
O advento da Lava-Jato em 2014, e o desdobramento das investigações nos anos seguintes, acentuaram a deterioração do sistema partidário. As eleições de 2016 foram marcadas pelo antipetismo: foi simbólica a derrota do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pelo candidato do PSDB, João Doria, ainda no primeiro turno.
Finalmente, em 2018, impulsionados pela descrença no sistema, pelo cansaço de “tudo isso que está aí”, 57 milhões de eleitores elegeram um candidato filiado a um partido inexpressivo, sem fundo partidário e tempo de propaganda no horário eleitoral.
Dois anos depois, vê-se que os partidos resfolegam. Os entregadores de aplicativos - prestadores de serviços que se revelaram essenciais nesta pandemia - ganharam projeção ao organizarem paralisações por condições de trabalho dignas e justas. Em seus atos, também rejeitam bandeiras de partidos. Os protestos em defesa da democracia, que ocuparam as ruas de muitas capitais em plena pandemia, foram convocados por torcidas organizadas, e não por políticos profissionais.
O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas, afirma que a reforma política iniciada em 2018 vai impor uma reconstrução do sistema partidário após as eleições municipais. “Haverá uma recomposição partidária na esquerda e na centro-direita, até porque a cláusula de barreira em 2022 vai ser muito séria para muitos partidos”, diz o professor, que também é colunista do Valor.
Em 2018, 14 legendas não alcançaram a cláusula de desempenho, inclusive o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão e o Rede Sustentabilidade de Marina Silva. Esse resultado deflagrou as primeiras mexidas para garantir acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral: o PCdoB incorporou o PPL, e o Patriota incorporou o PRP.
Em 2022, os partidos terão de obter 2% dos votos válidos, distribuídos em um terço das unidades da federação, ou eleger pelo menos 11 deputados. Em 2018, o percentual exigido foi de 1,5%. Em 2030, chegará a 3%.
No pleito deste ano, começa a vigorar outro obstáculo aos pequenos partidos: o fim das coligações proporcionais, ferramenta que ajudava a ampliar as bancadas.
Há conversas em andamento entre as principais lideranças sobre o futuro político. O governador de São Paulo, João Doria, tenta renovar o PSDB para pavimentar o caminho rumo ao Planalto e evitar uma revoada de quadros, como o senador Tasso Jereissati (CE).
Pela centro-esquerda, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), Marina Silva e o apresentador Luciano Huck rascunham cenários.
Há quem fale em uma fusão entre Rede e Cidadania após a eleição municipal, mas o que efetivamente foi à mesa foi a eventual fusão entre Rede e PV, ainda longe de se concretizar. Dino aventa a formação de federações partidárias, modelo que ainda precisa ser amadurecido no Congresso.
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concorda que seja necessária a reorganização partidária. “A ideia de partido político distanciou-se do povo”, admite.
Mas Randolfe lembra que o Rede já integra uma coalizão de partidos que se uniram em torno de um mesmo discurso de oposição ao bolsonarismo e da tentativa de formarem o máximo de alianças no pleito deste ano, e quem sabe, na eleição de 2022. O Rede caminha ao lado do PDT, PSB, PV e Cidadania.
Abrucio também identifica uma crise de lideranças, e alerta que conjugada com a crise partidária, isso pode ser uma “combinação explosiva”.
Ele aposta numa renovação das lideranças nacionais, porque as atuais já cumpriram um papel: articularam a redemocratização e viabilizaram um período de muita estabilidade democrática, econômica e de inclusão social, que ele define como os anos entre os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff.
Mas Abrucio ressalta que o cerco às lideranças políticas atinge os partidos. “Porque não se pode pensar em partidos sem as lideranças. O que seria do partido conservador inglês após a Segunda Guerra sem Winston Churchill?”
Abrucio vê sinais desse ocaso das lideranças na pesquisa do Instituto Paraná, divulgada na última sexta-feira. Em um dos cenários, Ciro Gomes (PDT) tem recall baixo, porque aparece empatado com Luciano Huck, que nunca disputou eleições. Também achou tímido o desempenho de Doria, que ganhou projeção nacional no combate à pandemia nos últimos meses. Mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o nome mais competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022, revela um desempenho aquém do que normalmente apresentaria. “Na trajetória do Lula, é pouco ainda. Das lideranças do antigo ciclo, mesmo depois de 500 dias preso, ele ainda é o mais forte”, diz o professor da FGV.
Para Abrucio, encerrou-se o ciclo pós-redemocratização da política brasileira, mas ainda não começou o seguinte. “Bolsonaro não é o novo, ele é o interregno, ele é a transição desses ciclos”.
Se a tônica da eleição de 2018 foi o antipetismo e a antipolítica, a de 2022 será o antibolsonarismo, aposta Abrucio. “O antibolsonarismo é maior que o bolsonarismo, isso é matemático. Mas o eleitor ainda não identificou quem será o polo antibolsonarista. Isso está em construção”.
Em suma, como diria Drummond: no meio do caminho da renovação, tinha Jair Bolsonaro.
Ricardo Noblat: O mistério que cerca a fuga de Weintraub para os Estados Unidos
Trama com as impressões digitais do Itamaraty
O que fez Abraham Weintraub sair do Brasil às carreiras quando sua demissão do cargo de ministro da Educação sequer tinha sido consumada? Foi o medo de ser preso de uma hora para outra por decisão do Supremo Tribunal Federal?
No dia 22 de abril último, durante a reunião ministerial que selaria o seu destino, Weintraub chamou os ministros do Supremo de “bando de vagabundos” que mereciam estar presos. Começou então a ser processado e até depôs à Polícia Federal.
No dia 18 de maio, em vídeo gravado ao lado do presidente Jair Bolsonaro, anunciou que acabara de pedir demissão, mas que participaria “nos próximos dias” do ato de transmissão do cargo para o novo ministro que ainda não fora escolhido.
Aqui começa a trama da qual participou o Itamaraty, que não chama de trama o que trama foi. O Itamaraty informa que naquele mesmo dia Weintraub ligou para o embaixador Ernesto Araújo dizendo que gostaria de viajar “rapidamente” a Washington.
No telefonema, contou a Araújo que assumiria o cargo de diretor do Banco Mundial destinado ao Brasil. De imediato, Araújo pediu à embaixada americana um visto de entrada para que Weintraub realizasse o seu desejo. Não se sabe se o visto foi concedido.
Sabe-se, agora, que o Itamaraty não registrou a devolução do passaporte diplomático a que Weintraub tinha direito como ministro. À época, devido ao agravamento da epidemia, os Estados Unidos fecharam seus aeroportos a brasileiros. Seguem fechados.
No dia 19, à noite, Weintraub voou para o Chile e, de lá para Miami, onde desembarcou sem embaraço na manhã do dia 20. Uma vez que estava seguro em território americano, no mesmo dia uma edição extra do Diário Oficial publicou sua demissão.
Weintraub não participou do ato de transmissão do cargo como havia dito que faria. E não assumiu ainda o cargo de diretor do Banco Mundial porque seu nome depende da aprovação por nove países. Por que a pressa em deixar o Brasil? O mistério continua.
O complô para destruir a imagem do youtuber Felipe Neto
Gabinete do ódio em ação
Engana-se quem acha que o gabinete do ódio vai acabar. Não acaba porque, na prática, é um “modus operandi”, não são pessoas. Um “modus operandi” criado para assassinar reputações nas redes sociais. E apesar das investigações patrocinadas pelo Supremo Tribunal Federal, o mecanismo de proliferação de mentiras e de teorias absurdas segue operando normalmente.
O alvo da vez é o youtuber @felipeneto. Desde que deixou claro que faz oposição ao governo, os ataques à sua imagem aumentam a cada dia. Nas últimas duas semanas, após vídeo divulgado pelo site do jornal The New York Times, e o anúncio de uma live junto com o ministro Luís Roberto Barroso marcada para a próxima quinta-feira, a situação do youtuber só se agravou.
Nas últimas 24 horas, diversos perfis bolsonaristas/conservadores tentaram publicar mais de 600 vídeos contra Felipe Neto no Facebook e no Instagram. Acusam-no, sem provas, de estimular a pedofilia. Além dos vídeos, postagens fakes atribuem a ele frases que nunca disse. Uma delas: “Criança é que nem doce, eu como escondido”. Não há limites para essa gente!
Com um público de quase 39 milhões de assinantes em seu canal, Felipe Neto virou uma pedra no sapato dos bolsonaristas acostumados a nadar de braçada no ambiente nas redes sociais. É por isso que, apoiados por robôs e falsos perfis, os deputados federais Carlos Jordy, Carla Zambelli e Daniel Silveira, do PSL, e Eduardo Bolsonaro batem em Felipe Neto da cintura para baixo.
Desde de o início dos ataques, ele já moveu sete processos contra seus detratores, quatro deles parlamentares. O deputado federal carioca Carlos Jordy foi o primeiro a ser condenado e agora recorre da sentença que o obrigou a pagar R$ 35 mil reais de indenização. Nada que uma cota entre amigos não resolva.
José Casado: Um lobby de alto risco
Bolsonaro interferiu em disputa da Universal em Angola
Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.
Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.
A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.
Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.
Aportou em Angola há 28 anos, na expansão africana iniciada por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, coordenador do partido Republicanos e visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, líder nos negócios da igreja. Candidato à reeleição, trouxe ao partido da Universal um par de filhos de Bolsonaro. O pai, sem partido, hesita na adesão por incerteza sobre a reação de outras alas evangélicas como a Assembleia de Deus.
Bolsonaro usou o cargo e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Justificou a Lourenço sua “preocupação” — legítima —com 65 brasileiros. Mas foi além. Tomou parte na briga da sociedade privada angolana. Classificou a disputa nos templos como “invasões” e qualificou dissidentes como “ex-membros” da igreja.
Inflou um lobby em Brasília, que já prepara uma comitiva do Senado a Luanda em defesa dos interesses da Universal. Desta vez, ao usar organismos de Estado para defender negócios de aliados, Bolsonaro pôs em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.
Carlos Andreazza: No gogó da ema
Hidroxicloroquina é a salvação para bolsonaristas
Temos um remédio santificado entre nós. Não importarão quantos estudos lhe indicarem a ineficiência, temos — teremos, ecoando no zap profundo — um medicamento santificado, glorificado, comungado no altar do Alvorada. A cloroquina salva. A cloroquina salva. A cloroquina salva. O próprio retrato de um Brasil — mui influente — que é teórico da conspiração e negacionista.
Não interessa a ciência — essa senhora formal — que testa, pondera e contraindica. A ciência que prudentemente informa, com base na experiência, assim: são muitos os indicativos de que não sirva — podendo até fazer mal se aplicado — para combater a Covid-19. Não importam os estudos. A fotografia do estado espiritual de nossa sociedade vai toda nesta inabalável afirmação de fé: a hidroxicloroquina é a salvação negada pelos que torcem pela doença e contra Bolsonaro.
Então, de repente, tínhamos — temos — um remédio patriota que seria agente político da direita na luta contra o vírus chinês, o agente político inimigo conspirador comunista. A hidroxicloroquina como a própria infantaria conservadora no campo de batalha da guerra cultural, de cuja fantasia depende a existência do bolsonarismo.
Esse esquema propagandístico prosperou e prospera ainda. A cloroquina salva. A cloroquina salva. A cloroquina salva. Jair salva. E que não subestimemos a percepção popular a partir da campanha de desinformação bolsonarista: um medicamento — a solução contra a peste — que se queria ministrar para a população, que se poderia ministrar para a população, mas que foi desqualificado por uma concertação do establishment, disposto mesmo a matar brasileiros em troca de não deixar que o remédio de Bolsonaro mostrasse seu efeito curador. Tudo para que ele, Jair, não triunfasse.
O culto à desconfiança venceu.
“Deixem o homem trabalhar. Deixem a cloroquina funcionar”. Não adianta evidenciar que não trabalha; que não funciona. A mensagem — plantação do nós contra eles total — enraíza-se: “Não escutem os especialistas. Não deem ouvidos à imprensa. Estão politizando a questão”. Sim. Numa inversão tão bárbara quanto eficaz, a politização do vírus e de seu enfrentamento é atribuída aos que mostram como o projeto de poder bolsonarista avança para desacreditar os fatos de modo a que somente haja versões.
O culto à desconfiança venceu.
Bolsonaro faz aquilo que se espera de líderes populistas de sua extração: criação e difusão de mitos. Propagação do que seria, ante a pandemia, o elemento salvador; e elemento salvador — o medicamento — com caráter: acessível ao povo diretamente. Como ele, Bolsonaro: acessível ao povo diretamente. Bolsonaro, segundo a crença bolsonarista: também um remédio. Não é?
Jair salva.
Atenção ao processo discursivo personalista por meio do qual, de súbito, na eucaristia bolsonarista, o presidente e a hidroxicloroquina seriam um só, o mesmo corpo curandeiro sacrificado — aquela panaceia que prescindiria de intermediários para cuidar das pessoas.
Dirão as massas só existentes na narrativa, lá onde Bolsonaro pegaria no batente: “Deixem o homem trabalhar. Deixem a cloroquina funcionar”. Dirá o pastor: “Nós temos a cloroquina. A salvação que nos é interditada. Nós produzimos a cloroquina. A independência salvadora que nos é proibida. Nós podemos — queremos — tomar a cloroquina. Tomemos. Ela está no meio de nós”.
Jair salva. Mas não salvará aqueles que, com responsabilidade pública, legitimaram, ainda que pela omissão, o uso de um remédio como crendice para armar reacionários em cruzada. Muitos médicos. Muitas associações médicas. Muitos hospitais. Muita gente que viu vantagem. Muita gente que fez negócio. Que especulou e faturou.
E há também, triste e gravíssimo, o papel do Exército brasileiro nessa farsa. Uma instituição de Estado, de natureza impessoal, que aceitou se associar — em casamento já indissolúvel — a governo de turno; que aceitou ofertar um seu general da ativa à função de cavalo de Bolsonaro no milagre da multiplicação por meio do qual o presidente se converteu igualmente em ministro da Saúde, púlpito desde onde celebrou, com batina verde-oliva, a missa de canonização da cloroquina.
O Exército chancelou a irresponsabilidade anticientífica e anti-intelectual daquele que ora propagandeia o remédio, a comunhão, para emas.
Não houve Mandetta, um político, nem sequer Teich — aquele que viera para inexistir — que aceitassem tamanha submissão; que aceitassem que seus gogós fossem o da ema. Mas um general — da ativa — topou. O Exército topou. E não foi só. Porque o Brasil, por meio do laboratório do Exército, fabricou, gastando milhões, para satisfazer fetiche de milagreiro, milhões de comprimidos de hidroxicloroquina — resultando em que o país esteja abastecido para a eternidade. Para quê? Para a eternidade de quem? Para investigação conduzida por quem na Terra? Ou caberá somente ao Senhor?
Jair — aqui, entre os mortais — talvez se salve. Salvará o Exército?