Day: julho 22, 2020

Pesquisas apontam cansaço da opinião pública com Trump, diz José Vicente Pimentel

Em artigo publicado na revista Política Democrática Online de julho, embaixador analisa corrida eleitoral nos Estados Unidos

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Pesquisas eleitorais detectam certo cansaço da opinião pública com Donald Trump e dão ao democrata Joe Biden folgada vantagem na corrida presidencial. Pandemia e o assassínio de George Floyd por policiais em Minneapolis são os fatores principais. A análise é do embaixador José Vicente Pimentel, em artigo que produziu para a revista Política Democrática Online de julho.

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A publicação é produzida e editada pela FAP, que disponibiliza todos os conteúdos em seu site, gratuitamente. Pimentel lembra que Trump elegeu-se presidente dos Estados Unidos sem nenhuma experiência em administração pública, algumas convicções e ego enorme.

“Entende que o papel do governo é providenciar estímulos fiscais e financeiros às empresas, com um mínimo de regulamentação ambiental, científica, educacional e social”, afirma o embaixador, no artigo. “Por isso, impôs-se a missão de destruir o legado de Barack Obama. Desse ponto em diante, o mercado se encarregaria de recolocar a América em primeiro lugar”, continua ele.

O mote “America first”, segundo Pimentel, já foi usado por políticos democratas e republicanos. “Philip Roth, no livro-cult ‘Complô contra a América’, imagina como Charles Lindbergh teria conduzido o país ao fascismo, se tivesse vencido a eleição contra Franklin D. Roosevelt, em 1940. Na vida real, Lindbergh era, além de aviador, o porta-voz do America First Committee, grupo de pressão com caráter francamente protofascista”, lembra.

Sem muitas ideias, mas com a autoconferida aura de negociador emérito, Trump interferiu fundo no Departamento de Estado, conforme escreve o autor do artigo publicado na revista Política Democrática Online. “Reincorporou o personagem do programa ‘O Aprendiz’, que viveu na TV, e despediu funcionários até do terceiro escalão. Censurado por enfrentar negociações difíceis com a OTAN com reduzidíssima assessoria diplomática, deu de ombros: ‘o único que importa sou eu’”, analisa.

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Vera Magalhães: Cidadão, não! Militar!

Bolsonaro transforma militares em casta (ainda mais) privilegiada

“É proibido militar estar na política? Não!” Jair Bolsonaro tem incontáveis defeitos, mas a dissimulação não é um deles. Poucos políticos são tão transparentes em suas intenções, seus propósitos e suas cismas. Não vou falar aqui em ideias, porque é uma categoria mais difícil de discernir na “obra” do presidente.

Bolsonaro não faz questão de disfarçar que quer pisar no acelerador do processo de militarização do seu governo. Começou a mover o barco nessa direção já no ano passado, e enfunou as velas de vez em 2020.

Levantamento do Tribunal de Contas da União apontou o espantoso contingente de 6.157 militares, da ativa e da reserva, em cargos civis no governo, sendo 2.643 em cargos comissionados. Trata-se de um aumento de 108,22% de 2016 para cá.

Diante dessa evidência incontestável não adianta os militares engrossarem a voz e baterem o coturno no chão quando são chamados a assumir responsabilidades pelas políticas de Estado determinadas pelo “capitão”.

A militarização do governo é um movimento combinado com outros que o bolsonarismo vem empreendendo nos últimos meses, como o aumento da influência política sobre as polícias militares – a ponto de, hoje, haver em muitos Estados comando paralelo ao dos governadores.

Também está em linha com a ideia do presidente, gritada em alto e bom som na dantesca reunião ministerial de 22 de abril, de “escancarar” a questão do armamento para a população, afrouxando limites, regras e fiscalização sobre a posse e o porte de armas e o acesso à munição.

Tudo isso coaduna com a visão de governabilidade na qual Bolsonaro de fato acredita, que é diversa dessa que ele vem tentando implementar ao chamar o Centrão para a festa antes restrita aos fardados e aos ideológicos.

Uma governabilidade em que o presidente é louvado por adoradores fanatizados pelas redes sociais, promove a guerra cultural permanente como forma de manter vivo o fantasma do “comunismo” contra o qual seria o único remédio e que é amparada, na retaguarda, por esse estafe militar cada vez mais numeroso e incumbido de funções primordiais.

Com um general da ativa à frente da Saúde os militares não poderão se queixar se forem corresponsabilizados pelas atitudes inconsequentes do presidente durante a pandemia, do lobby da cloroquina – transformado por pressão dele em protocolo da pasta! – à incitação ao descumprimento do isolamento social.

Da mesma maneira, ao colocar o vice-presidente (e general) Hamilton Mourão como tutor do ministro Ricardo Salles e responsável pelo pepino da situação da Amazônia, Bolsonaro joga no colo das Forças Armadas a cobrança internacional, que se dá por meio de países, organismos multilaterais e, cada vez mais, empresas e importadores dos produtos brasileiros, pela absoluta falta de uma política ambiental que atenda aos princípios mínimos do que a economia global exige.

Atraídos para a ribalta política por alguém que, em condições normais, seria considerado um pária, dada a sua passagem pífia pelo Exército, os militares também vão sendo seduzidos por concessões no plano financeiro, que os transformam numa casta privilegiada entre os já privilegiados servidores públicos.

Refestelados no poder, abrem mão até da discrição ao colocar parentes em cargos de confiança, se assemelhando cada vez mais aos políticos, como mostra o episódio do cargo dado à filha do ministro Braga Netto numa agência regulatória transformada em cabide para nepotismo.

Diante de tudo isso, os militares podem reclamar de Gilmar Mendes e de quem for, mas a constatação óbvia é que eles estão mergulhados até o último fio de cabelo no governo Bolsonaro. Serão cobrados pela História nessa condição, e não como “poder moderador” ou outro papel que queiram achar que têm.


Cristiano Romero: O retorno à década perdida

País demorou a debelar a inflação por não aceitar o fracasso do passado

A economia brasileira demorou para livrar-se da inflação alta porque se recusou a mudar o modelo de desenvolvimento que prevalecera nas décadas anteriores. A chamada “crise da dívida”, em 1982, deixou claro que o setor público não teria mais como continuar financiando investimentos, a exemplo do que vinha fazendo desde a década de 1970. A fonte externa de recursos esgotara e a capacidade de endividamento chegara ao limite.

No fim da década de 1970, o país passou a conviver com taxas de inflação muito altas. Inflação crônica, elevada, realidade que os brasileiros com menos de 30 anos desconhece, é uma espécie de nevoeiro forte, que impede empresários e consumidores de enxergar adiante. Isso provoca duas consequências negativas que, combinadas, solapam a atividade econômica ao longo do tempo: por causa da rápida corrosão do seu poder de compra, o consumidor modera as compras e o empresário, por perder a capacidade de planejar o futuro imediato, passa a investir cada vez menos.

Ao seguir convivendo com as fontes inflacionárias criadas pelo modelo de desenvolvimento superado pela crise de 1982, o país experimentou várias tentativas fracassadas de estabilizar os preços. Em 1986, o Plano Cruzado trouxe muita esperança aos brasileiros porque, na largada, derrubou os preços, desinflou as taxas de juros embutidas nos contratos firmados antes do lançamento do plano e deu ganho real de renda aos trabalhadores.

O Cruzado fracassara porque, como a economia era fechada, tornou-se impossível manter baixos os preços dos produtos vendidos no mercado interno. Preços e salários foram congelados justamente para aplicar um forte choque na carestia. A estratégia, usada antes por outras economias, inclusive, a americana (no fim da década de 1960), funcionou no início. Ocorre que o mercado fechado a importações logo enfrentou alguns problemas.

Com o ganho de renda real obtido pela queda abrupta da inflação, os brasileiros passaram a consumir mais imediatamente. Havia demanda reprimida provocada pelo período anterior, de inflação crescente. O problema é que isso começou a provocar desabastecimento em alguns setores, uma vez que não houve tempo nem confiança suficientes para as empresas investirem em aumento da capacidade de produção. Além disso, a existência de uma miríade de restrições a importações impedia a entrada de produtos estrangeiros mais baratos para suprir a demanda aquecida e forçar a queda dos preços dos similares nacionais.

Interessado em vencer as eleições de 1986, o então presidente José Sarney deu as costas para os problema do Cruzado, isto é, não permitiu que a equipe econômica do governo fizesse os devidos ajustes de rota necessários. Sua estratégia eleitoral deu certo - o PMDB, seu partido, elegeu todos os governadores, com exceção ao de Sergipe. Mas, concluído o processo eleitoral, decretou-se o fracasso do plano. O congelamento de preços e salários foi revogado e a inflação logo retomou sua trajetória rumo ao espaço.

Depois do Cruzado, mais três planos econômicos fracassaram na missão de debelar a inflação: Bresser (1987), Verão (1989) e Collor I (1990) e Collor II (1991). O Verão, como já mencionado por esta coluna nesta série sobre a economia brasileira desde 1964, começou a enfrentar algumas das fontes inflacionárias, como o desmonte do Estado paquidérmico, presente em praticamente todos os setores da vida nacional. Naquele período (1985-1990), é de se notar também que foram eliminados o orçamento monetário e a conta-movimento, duas jabuticabas inflacionistas. Além disso, foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional.

O Plano Collor, como se sabe, confiscou os ativos financeiros e, por essa via, tentou conter uma das fontes da inflação brasileira à época - o descontrole das contas públicas, uma vez que os títulos da dívida pública, transformados em quase-moeda (ativos que possuem características de ser medida de valor e reserva de valor, mas não são utilizados como intermediário de troca, como a moeda), ajudavam a inflacionar a economia. Também não deu certo, assim como seu sucedâneo, o Collor II, lançado em fevereiro de 1991.

O fracasso sucessivo dos planos econômicos tornou a inflação cada vez mais alta e resistente a choques. Os formuladores do Plano Real, lançado em 1994, foram praticamente os mesmos do Cruzado, com exceção de Gustavo Franco e Winston Fritsch, que não participaram do experimento de 1986. A turma do Real constatou que o Cruzado fracassara porque a economia fechada fora um constrangimento incontornável, inexistente em 1994. Outro fator relevante: a disponibilidade de divisas (reservas cambiais) para ajudar a manter a taxa de câmbio comportada.

Neste momento, o país não sofre mais do mal da inflação, mas sua economia sofre, a exemplo do que ocorreu nos anos 80 do século passado, os males da década perdida (ver gráfico acima). A saga continua.


Fernando Exman: Um passaporte para a reeleição de Bolsonaro

Cenário para aprovação de nova CPMF é desafiador

Está se consolidando um cenário desafiador para o governo discutir com o Congresso a criação de um novo imposto sobre pagamentos. A equipe econômica e os articuladores políticos do Palácio do Planalto terão dificuldades para convencer os parlamentares de que a ideia de reforçar o caixa do governo com uma espécie de nova CPMF, somada a investidas contra o teto de gastos, não tem relação alguma com o projeto do presidente Jair Bolsonaro de se reeleger em 2022.

Hoje o diálogo entre os chefes dos Poderes é muito mais fluente do que se via poucas semanas atrás. Há exceções, claro, como a recente desavença entre as Forças Armadas e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, em razão da declaração do magistrado sobre a gestão do Ministério da Saúde por militares durante a pandemia. A tentativa da Polícia Federal de entrar no Congresso para vasculhar o gabinete do senador José Serra (PSDB-SP), impedida pelo presidente Davi Alcolumbre (DEM-AP) com o apoio do STF, tampouco contribui para desanuviar ainda mais as relações entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas é evidente que o ambiente institucional serenou.

No Congresso, agora o Palácio do Planalto tem uma base de pelo menos 200 integrantes e pode ampliar esse número dependendo do projeto que estiver em discussão. A atual legislatura tem um perfil mais reformista. A falta de credibilidade, contudo, pode ser um obstáculo crescente para o governo conseguir emplacar sua agenda.

As relações institucionais são feitas por pessoas e, como em toda interação humana, a desconfiança dificulta a convivência e a realização de um trabalho conjunto. Parte considerável do Congresso não acredita mais totalmente no que é dito por autoridades do Planalto nem por seus representantes no Legislativo. Acordos são descumpridos. Sinais são trocados entre o discurso e a prática.

A percepção é que o Executivo está cada vez mais dedicado a viabilizar a reeleição de Bolsonaro - uma obsessão do presidente desde os primeiros meses de seu mandato - do que a estabelecer uma agenda comum com o Parlamento. É compreensível, portanto, que os congressistas que não estejam alinhados ao Palácio do Planalto ajam com cada vez mais cautela, antes de encampar as propostas originadas no Executivo. Nessa nova conformação das relações, a intenção de se criar uma nova tributação sobre pagamentos ou transações digitais, uma reedição da antiga Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), pode ser uma das principais vítimas.

Bolsonaro, historicamente contrário à CPMF, chegou a demitir um secretário da Receita Federal para evitar que o impopular assunto danificasse sua imagem. Agora tenta reposicionar-se no debate.

A argumentação da equipe econômica também está pronta e afiada: a contribuição se faz necessária para reforçar o novo programa de assistência social, o Renda Brasil, e bancar desonerações. Estaria no bojo de uma reforma mais ampla do sistema tributário nacional.

No Palácio do Planalto, o que se diz é que a carga tributária não aumentará e que, pelo menos de um ponto de vista, a CPMF seria um imposto relativamente justo: o valor não chegaria a ser um absurdo e paga mais quem faz um maior número de transações financeiras. Em outras palavras, se estão pedindo um sacrifício da população no pós-pandemia, a abnegação maior precisa vir daqueles que possuem mais dinheiro. O governo conta com o respaldo do Centrão e da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a qual protagonizou no passado a campanha que ajudou a inviabilizar a prorrogação da CPMF pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Mas o governo sabe que no Congresso o embate não será fácil. A CPMF ficou estigmatizada.

A primeira experiência com esse tipo de contribuição foi feita em 1994. Dois anos depois, o governo da época retomou a discussão sobre a possibilidade de se direcionar essa arrecadação para a área da saúde. O provisório foi se tornando permanente, até que no fim de 2007 a Câmara dos Deputados aprovou a prorrogação do tributo até 2011, mas o Senado barrou a iniciativa.

O governo Lula ponderava que o fim da CPMF acarretaria numa perda de arrecadação de aproximadamente R$ 40 bilhões em 2008, mas o argumento não sensibilizou o Senado. Apesar de ter sido criada sob a alegação de que seria usada para financiar a saúde, seus recursos sempre foram destinados para outras áreas.

A derrota virou uma questão de honra para Lula. O ex-presidente fez de tudo para derrotar nas eleições seguintes os algozes da proposta de prorrogação da CPMF, os quais, por sua vez, passaram a dizer que a votação da manutenção do imposto seria um teste do governo para depois tentar emplacar uma PEC para permitir um terceiro mandato do petista.

Mesmo que essa correlação não tivesse base na realidade, é inegável que a aprovação da prorrogação da CPMF daria um grande fôlego para o governo imprimir sua marca no restante do mandato de Lula às vésperas das eleições seguintes. Beneficiaria tanto Lula quanto seus aliados.

Conjectura semelhante pode ser feita agora, com uma grande diferença: o governo atual teria que burlar ou alterar as regras que regem o teto de gastos, a grande âncora fiscal, para poder aumentar despesas ou investimentos. O problema de Bolsonaro é que sinais nesse sentido já estão sendo captados tanto por parlamentares quanto por economistas.

Os opositores de uma nova CPMF insistem que essa contribuição sobre pagamentos é regressiva e punirá os mais pobres. Inevitavelmente, a esquerda tentará retomar a discussão da tributação de grandes fortunas, sob o argumento de que esta sim seria a forma mais justa de reforçar os cofres públicos. No pano de fundo das discussões, no entanto, permanecerão as suspeitas sobre os reais objetivos do governo. A confiança é um produto em escassez na Praça dos Três Poderes.


Vinicius Torres Freire: Quem paga a conta da reforma tributária?

Falta um projeto básico crível e estimativas de quem perde, ganha e da carga tributária

Quem vai pagar a conta da reforma tributária? Não temos nem estimativa, pois não há um projeto coerente e crível, se por mais não fosse porque o governo federal diz que vai enviar suas propostas de modo “fatiado”, ao que parece até o final do ano. Se a reforma andar, será uma mistura de projetos de mudança “ampla” que circulam um na Câmara, outro no Senado, que podem incorporar ou não ideias do Ministério da Economia.

Um objetivo maior de Paulo Guedes é reduzir o quanto puder dos impostos sobre a folha de pagamentos, como se sabe, perda de receita que seria financiada por um imposto qualquer sobre transações ou “pagamentos digitais”, não se sabe bem do que se trata.

Essa CPMF fantasiada, ideia fixa de Guedes, seria a última fatia do salame tributário do governo a ir ao Congresso, até para não atrapalhar a discussão do restante das mudanças, pois esse imposto pega mal.

Hum.

Não é possível fazer uma conta do tamanho da carga tributária, de como os tributos vão pesar sobre cada tipo de empresa ou sobre pessoas físicas e das distorções econômicas decorrentes, sem saber dessa CPMF, com a qual o governo quer arrecadar pelo menos o equivalente a 1% do PIB.

Claro que a conta de uma reforma “ampla” depende de saber do destino de vários outros impostos. O problema específico dessa CPMF ou similar é que a ideia embaralha ainda mais o jogo político e econômico complicadíssimo de qualquer reforma tributária e, logo de cara, prorroga tal confusão até o final do ano ou quando for que o governo mande seu plano.

Logo, ao menos por enquanto, há a possibilidade de que as ideias de Guedes sejam ignoradas ou que causem tumulto no Congresso. Por exemplo, o setor de serviços teme pagar mais impostos com a reforma tributária (vai pagar, se houver qualquer reforma razoável). A fim de evitar essa conta, propõe uma CPMF ou similar de peso muito maior que o sugerido informalmente pelo governo. A indústria é contra.

Há possíveis rolos ainda maiores, como mexer no ICMS e no ISS, de estados e municípios, respectivamente, uma simplificação tributária que, politicamente, demanda que a União pague uma compensação a governos subnacionais. Guedes não quer bulir com isso. No entanto, o ICMS é o imposto mais pernicioso do país.

A julgar pela sua atuação política, Guedes parece mais preocupado em fazer uma reforma trabalhista terminal, uma desregulamentação “ampla” das leis do trabalho e a desoneração geral, se possível (não é), dos impostos sobre a folha. Em cada discussão importante, Guedes embute o tema da desoneração da folha e da reforma trabalhista. Para dar outro exemplo, o plano desse Renda Brasil é acoplado a uma mudança na lei do trabalho.

Pouca gente discorda do plano de simplificar a cobrança e o pagamento de impostos no país. Há muito mais divergência sobre a uniformização do peso dos tributos sobre cada setor empresarial, o que diminuiria distorções no funcionamento do mercado, mas deve aumentar a conta de algumas empresas e diminuir a de outras.

Dá-se de barato que a reforma tributária não vai elevar ou reduzir a carga tributária. Disso não sabemos agora e pelo jeito não vamos saber tão cedo, dada a balbúrdia na definição de um projeto básico. Sem estimativas claras de perdas ou ganhos e sem uma projeção de como fica a carga, será difícil avaliar seus benefícios e será mais fácil para lobbies setoriais defenderem sua posição, seus privilégios, que é um dos motivos da baderna tributária brasileira.


FAP fortalece sua função social com série de eventos e cursos online durante pandemia

Confira as ações realizadas pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP) durante o primeiro semestre de 2020

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

No primeiro semestre de 2020, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) realizou eventos presenciais e, em março, passou a promover e a divulgar uma série de lives e webinars por causa do isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19. Apesar da crise sanitária global, a entidade manteve a sua função social e seguiu com sua visão de ser referência para a cultura e a política democrática no Brasil.

Com os eventos online, a FAP fortalece a sua diretriz de realizar ações no mundo digital, como passou a fazer com os cursos de formação política Jornada da Cidadania e Jornada, realizado de fevereiro a junho deste ano, e Jornada da Vitória, iniciado no mês passado e que deve seguir até o mês de setembro.

Assim, a fundação continua promovendo o estudo e a reflexão crítica da sociedade, de maneira a construir referências teóricas e culturais relevantes para a defesa e a consolidação do Estado Democrático de Direito.Todas as ações da FAP são sustentadas por valores baseados na democracia, transparência, sustentabilidade, solidariedade, reformismo, ética, equidade e cosmopolitismo.

Clique aqui ou na imagem abaixo para conferir a lista de ações da entidade realizadas de janeiro a julho de 2020.


Míriam Leitão: Minirreforma pode aumentar a carga

Depois de um ano e meio, o governo manda uma reforma que só une dois impostos. Projeto simplifica, mas pode elevar a carga tributária

O governo chegou atrasado com a sua proposta, e ela inclui apenas uma parcela dos impostos sobre consumo. Aliás, só dois tributos. Não incluiu sequer o IPI para não ter que encarar os vespeiros da Zona Franca de Manaus e de outros subsídios. A despeito disso, o passo foi na direção certa. A Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) moderniza e simplifica os velhos PIS e Cofins e começa a formatar um IVA. A proposta da Câmara dos Deputados incide sobre impostos que recolhem 12% do PIB, a do governo federal, em 4% do PIB.

A grande dúvida em relação à minirreforma que o governo apresentou ontem foi por que fazer uma proposta tão pouco abrangente se agora já há interesse do Congresso e dos estados de fazer algo mais amplo? Por que ela é intencionalmente restrita? Os secretários de Fazenda dos estados já se manifestaram em conjunto a favor de que a reforma, como tem sido estudada na Câmara e no Senado, incluísse o ICMS. Há divergência em relação ao ISS das grandes cidades, mas nada que não possa ser negociado.

A explicação do ministro Paulo Guedes de que queria respeitar a autonomia dos estados e municípios não faz muito sentido, porque uma reforma tributária tem que ser coordenada pela União. O fato é que há um ano e meio a Câmara discute na PEC 45 a proposta de união de cinco a seis impostos — se incluir a Cide — o Senado fala em unir sete impostos, e o governo ontem, depois de um ano de promessas, apresentou a unificação de dois apenas.

O economista Bernard Appy, que inspirou a PEC 45, teme o aumento da alíquota. Aliás, outros tributaristas ouvidos também estão com a mesma convicção de que os 12% aumentam a carga.

— A proposta certamente melhora bem a legislação do PIS-Cofins, aproximando-o de um bom IVA, mas mantém muitas exceções que acabam resultando numa alíquota mais alta do CBS — diz Appy.

E ele lista algumas dessas isenções: na venda de imóveis residenciais, o tratamento dado à Zona Franca, manutenção do crédito presumido para produtos agropecuários, nenhuma restrição no caso de aquisição de bens e serviços de uso pessoal dos sócios das empresas.

— Mesmo com as exceções previstas, a alíquota ainda está muito elevada, havendo um risco relevante de aumento da carga — diz Appy.

O secretário da Receita, José Tostes, disse que a cobrança é “por fora”, ou seja, incide no produto sem imposto, o que no cálculo dele seria o equivalente ao que é pago pelas empresas de lucro real, 9,25%. Além disso, incide sobre a receita bruta e não sobre a receita total.

Na entrevista de ontem, tanto o secretário da Receita quanto a assessora especial Vanessa Canado fizeram elogios ao IVA, o modelo de imposto de valor adicionado. Na semana passada, Guedes em entrevista disse que é um imposto dos anos 50. Segundo Vanessa, hoje é adotado em mais de 160 países.

A proposta avança sobre as plataformas digitais de vendas, que serão obrigadas a recolher o tributo quando os vendedores deixarem de emitir nota fiscal. Isso pode criar custos adicionais para as plataformas, mas essa é uma discussão que tem sido travada em todo o mundo e ficou ainda mais intensa com o aumento do comércio eletrônico durante a pandemia, explicou o Ministério da Economia. Vanessa Canado disse que as pessoas jurídicas já são obrigadas e emitir nota e no caso das pessoas físicas há regimes diferenciados que facilitam a formalização do negócio.

— Hoje temos muitos regimes simplificados que as pessoas físicas podem aderir. Tem o MEI, o Simples, o lucro presumido. Acho que não haverá qualquer complexidade nem para o consumidor nem para as plataformas — disse Vanessa.

Tostes explicou que o governo enviará mais três etapas da reforma. A próxima será o IPI. Não existe explicação razoável para depois de um ano e meio falando do assunto não tenha já isso pronto. Na Câmara e no Senado há mais ousadia nos projetos que o governo sempre desdenhou.

Contudo, o CBS vem por projeto de lei, é mais fácil de aprovar e começa a valer em seis meses. O governo promete ainda mudar tributos sobre empresas, pessoas físicas, taxar dividendos e propor uma desoneração da folha. A reforma será em capítulos. Mas ontem mesmo o senador Davi Alcolumbre falou em reativar a Comissão Mista que tentará unificar as propostas. Na Câmara, o assunto já tinha sido reativado pelo deputado Rodrigo Maia.


Bruno Boghossian: Reforma tímida em impostos reflete desgaste político de Bolsonaro

Guedes conhece limitações de um governo que só está preocupado em blindar o chefe

O governo ainda se sentia poderoso, em meados do ano passado, quando Paulo Guedes decidiu trombar com o Congresso. Irritado com as mudanças feitas em sua proposta de reforma da Previdência, o ministro criticou os deputados e disse que eles não tinham “compromisso com as futuras gerações”.

O czar da economia chegou a Brasília com a impressão de que ganharia suas batalhas no grito. Acreditava que a vitória de Jair Bolsonaro pavimentaria a implantação de uma agenda liberal, ignorando o fato de que nem o presidente havia comprado aquelas ideias com convicção.

O ministro finalmente conheceu as limitações do governo. Ao apresentar a primeira fatia de sua reforma tributária, ele reconheceu que as propostas do Executivo devem “ser trabalhadas” pelos parlamentares e acrescentou que “é a política que dita o ritmo” dessas mudanças.

A atitude de Guedes reflete o desgaste de um governo que sempre investiu no conflito para exercer o poder. A reforma oferecida pelo ministro indica que Bolsonaro não tem capital suficiente para atropelar o Congresso e impor propostas amargas.

Além de se esquivar de choques com os parlamentares, Guedes mandou para a geladeira os pontos mais impopulares do projeto. A criação de uma nova CPMF ficou para depois, e a ideia de tributar os produtos da cesta básica foi deixada de lado.

Na reforma da Previdência, o governo apostou mais alto. Tentou aprovar um modelo de capitalização para as aposentadorias e propôs a redução de benefícios para idosos muito pobres. Perdeu as duas brigas.

A mudança de comportamento não se deu por modéstia, mas porque os últimos 18 meses enfraqueceram Bolsonaro e obrigaram o presidente a estabelecer outras prioridades.

Atualmente, o governo opera para proteger um chefe investigado —e não para aprovar projetos de seu interesse. Nos últimos meses, o Planalto distribuiu cargos e emendas para blindar Bolsonaro e sua família. Discussões sobre a economia devem ser atendidas em outro guichê.


Bernardo Mello Franco: Carteirada no Senado

O pronto-socorro do doutor Dias Toffoli voltou a fazer milagres no recesso. Ontem o presidente do Supremo impediu uma operação que mirava o senador José Serra. A Polícia Federal tentou recolher documentos no gabinete do tucano, mas foi barrada na portaria.

Toffoli atendeu a uma reclamação do presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Eleito com a promessa de renovar a Casa, ele se empenhou na blindagem do colega. Antes de recorrer ao Supremo, ligou para um delegado da PF e pediu que o mandado de busca e apreensão não fosse cumprido. A carteirada funcionou.

Alcolumbre não falou francês, mas seu telefonema lembra a atitude do desembargador que se recusava a usar máscara em Santos. Irritado com a multa, o magistrado ofendeu os guardas que faziam seu trabalho. O presidente do Senado não precisou humilhar ninguém. Apenas usou o poder para evitar o cumprimento de uma ordem da Justiça Eleitoral.

Pouco depois, Toffoli suspendeu de vez a operação. O ministro afirmou que o mandado de busca padeceria de “extrema amplitude”. Por isso, haveria “risco potencial” de a PF apreender documentos ligados à atividade parlamentar do senador.

Na linguagem do futebol, o juiz Toffoli apitou “perigo de gol”. Sua decisão sugere que os agentes poderiam encontrar provas de crimes cometidos por Serra no exercício do mandato. Nesta hipótese, o senador estaria protegido pelo foro privilegiado.

É uma linha de raciocínio curiosa. No ano passado, o Supremo enviou o caso do tucano para a primeira instância. Argumentou-se que as suspeitas de caixa dois não tinham relação com o mandato de senador. Agora o presidente da Corte diz que o juiz eleitoral não poderia ordenar a busca no gabinete. O foro privilegiado não valia, mas voltou a valer.

Como o tribunal está em recesso, o Ministério Público não tem a quem recorrer. Responsável pelo plantão judiciário, Toffoli decidirá tudo sozinho até o início de agosto. Quando a folga suprema acabar, a operação de busca terá deixado de fazer sentido. Se havia algo a ser encontrado no gabinete de Serra, não haverá mais.


Ricardo Noblat: Alcolumbre agrada Bolsonaro com o Congresso mantido à distância

O pesadelo da CPMI das fake news

Se dependesse só de Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara dos Deputados, começaria em breve a contagem regressiva para a volta do Congresso à normalidade com a retomada das sessões de corpo presente. Mas se depender de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, isso tão cedo acontecerá.

Alcolumbre argumenta que a média de idade dos senadores é muito mais alta do que a média de idade dos deputados, e que por isso muitos deles enfrentam problemas de saúde. A pandemia ainda está aí e autoridades médicas advertem para a hipótese de ela recuperar força em regiões onde, hoje, está mais fraca.

O que Alcolumbre esconde é que há outro motivo para retardar a volta dos senadores e deputados a Brasília: quanto mais tempo ficarem em seus Estados, melhor para o governo. O retorno significaria também o prosseguimento dos trabalhos da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das fake news.

A CPMI é um pesadelo para Jair Bolsonaro, seus filhos, e parte do rebanho que os apoia. Da mesma forma que o inquérito conduzido no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes que investiga a distribuição de notícias falsas nas redes sociais e o financiamento de manifestações antidemocráticas.

É mais do que certo que a CPMI e o inquérito apontarão os três filhos Zero de Bolsonaro, e assessores do presidente com gabinetes no Palácio do Planalto, como envolvidos diretamente com a produção e disseminação de notícias falsas que já atingiram a honra de ministros do Supremo e de adversários do governo.

Alcolumbre é sensível a tudo que incomoda Bolsonaro. Ele se elegeu presidente do Senado com o apoio do governo à época em que Onyx Lorenzoni era ministro da Casa Civil. No cargo, comporta-se como aliado de Bolsonaro, ora o aconselhando, e na maioria das vezes se rendendo docemente às suas vontades.

E tem mais uma coisa: Alcolumbre aspira a um novo mandato de presidente do Senado. O regimento interno da Casa não permite, mas ele alimenta a esperança de driblá-lo. Para Bolsonaro estaria de bom tamanho. A festa será mais ruidosa se ele emplacar na presidência da Câmara um nome do Centrão.

A obra ficará completa com a indicação por Bolsonaro de alguém “terrivelmente evangélico” para a vaga que se abrirá no Supremo com a aposentadoria do ministro Celso de Mello. Então ele poderá comemorar um ano quase perfeito. O “quase” é por conta dos milhares de mortos e dos milhões de infectados pelo Covid-19.

Nada, porém, que uma versão mais generosa do Bolsa Família não possa dar um jeito. Pela primeira vez, ontem, o presidente Donald Trump recomendou aos americanos que usem máscara. Trump corre o risco de não se reeleger em novembro. Bolsonaro ainda tem mais de dois anos pela frente.

Governo se prepara para jogar dinheiro fora

Mais fácil fazer o dever de casa
Sem que ainda tenha tido tempo para mostrar serviço, o ministro Fábio Faria (PSD-RN), das Comunicações, genro do apresentador de televisão Silvio Santos, teve pelo menos uma ideia.

Para melhorar a imagem do Brasil no exterior, pretende investir em anúncios de televisão a serem veiculados em canais internacionais de notícias, de preferência em países da Europa.

Os tais anúncios defenderiam a tese de que o agronegócio brasileiro nada tem a ver com o avanço do desmatamento na Amazônia. E que a Amazônia não está tão desmatada assim.

Não daria mais certo se o governo adotasse medidas convincentes de proteção da Amazônia? Nada custaria, por exemplo, demitir o ministro do Meio Ambiente.

Que governo estrangeiro ou que grande investidor passaria a olhar com mais boa vontade para o Brasil só por conta de um comercial de televisão? Dinheiro jogado fora.


Merval Pereira: Crônica de uma traição

‘PT traiu Ciro Gomes e, assim, permitiu a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República’, diz Delfim Netto

A traição política do ex-presidente Lula a Ciro Gomes na campanha presidencial de 2018, que o pedetista sempre denunciou, foi confirmada pelo ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, que revelou com naturalidade em entrevista ao programa "Conversa com Bial", na noite de segunda-feira, que chegou a haver uma chapa organizada com Fernando Haddad do PT como candidato a vice de Ciro Gomes, que era o candidato do PDT à presidência da República em 2018.

Revelada a negociação, na ocasião pelo jornalista Mario Sérgio Conti, foi negada por Haddad, e passou a ser entendida pelo meio político apenas como mais um boato eleitoral. Mas foi muito mais do que isso, segundo o depoimento a Bial de Delfim, para quem “o PT traiu Ciro Gomes e, assim, permitiu a eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República”.

Com Lula na cadeia pretendendo ser o candidato do PT, mesmo sabendo que não poderia participar da eleição por ser considerado ficha suja pela legislação eleitoral, pois fora condenado em segunda instância, as negociações de bastidores corriam soltas. Para se ter uma ideia de como as negociações avançaram, Ciro Gomes jantou com Haddad, a convite deste, na casa de Gabriel Chalita em Higienópolis, que havia sido secretário de educação na gestão de Fernando Haddad na Prefeitura de São Paulo.

Nesse encontro, Ciro conta que partiu de Haddad a proposta para que fizessem uma chapa comum. Esclarecendo que não estava falando em nome do Lula, mas de modo próprio, Haddad perguntou a Ciro o que achava de uma chapa em que o PT indicasse o vice. Ciro Gomes conta que disse achar que o Brasil precisava construir uma alternativa, “porque a força que vai ser derrotada nessa eleição é o petismo, por conta de tudo o que aconteceu. Produzimos crise econômica sem precedentes, a centralidade da corrupção não dá para esconder, mas não sou eu que vou vetar, e vamos ver”.

Dias depois, partiu do economista Bresser Pereira, professor emérito do centro desenvolvimentista da FGV, que ajudou a formatar seu programa, a proposta para que Ciro se encontrasse com o Delfim Netto, “uma pessoa que o Lula ouvia muito”. Aceitei, diz Ciro, pois me dou muito bem com o Delfim Netto, com quem já tivera vários encontros durante o governo Lula, e encontrei muitos pontos em comum.

No escritório do Delfim, para minha surpresa, diz Ciro, em vez de entrarmos no programa de governo, a conversa foi direto para a política. Delfim perguntou se eu estava disponível, lembraram que o Fernando Henrique havia escrito um livro (“Crise e reinvenção da política no Brasil”) defendendo uma frente progressista ampla de centro-esquerda, que nós estávamos falando a mesma coisa.

Ciro Gomes lembra que disse que discordava de Fernando Henrique em muitos pontos, "mas sempre nos tratamos com muita cordialidade”. No relato de Ciro, o ex-ministro Delfim Netto lançou na mesa “o nome do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa para ser o vice, e eu disse que o Haddad estava pronto para ser o meu vice”. Haddad confirmou, disse que queria ajudar, e que poderia formar a chapa comigo.

O ex-prefeito de São Paulo negou enfaticamente no dia seguinte, e manteve-se como vice de uma hipotética chapa com Lula para presidente. Durante a campanha presidencial, num debate do primeiro turno, Haddad chegou a dizer que fora Ciro quem o convidara para ser seu vice, no que chamou de chapa “dream team”, como teria classificado na época.

Para confirmar sua versão, Ciro conta que houve um momento em que a ex-presidente Dilma Rousseff levou a Mangabeira Unger e a Cid, seu irmão, uma proposta de Lula “para que eu ficasse no lugar do Haddad como vice dele. Não tiveram coragem de oferecer diretamente a mim, porque sabiam que não aceitaria. Seria um presidente anão, que não teria autoridade para fazer nada”.


Monica De Bolle: A frente é ampla

Que venha a renda básica e que todos saibam quem participou e quem escolheu se abster

Ontem, foi lançada a Frente Ampla pela Renda Básica do Congresso Nacional, presidida pelo deputado João Campos. Seu presidente emérito é o ex-senador Eduardo Suplicy, que luta há décadas pela adoção da renda básica no Brasil e foi o autor da lei que estabeleceu a renda básica cidadã, promulgada em 2004. Constam da Frente todos os partidos com representação parlamentar, exceto um: o Partido Novo. Antes de prosseguir, esclareço: adesão ampla não é sinônimo de adesão total.

Aqueles que escolheram ficar de fora exercem sua prerrogativa. Seus eleitores que os questionem, ou não. O que não lhes é permitido? Interpelar aqueles que apontam a sua ausência em um esforço cujos frutos podem vir a ser o grande legado positivo de um período de resto marcado pela enorme tragédia em que se transformou o Brasil de Bolsonaro.

Não foram poucos os artigos que escrevi nesse espaço sobre a importância da renda básica desde que a pandemia chegou ao Brasil. Mesmo antes dela, já havia escrito sobre programas de renda mínima, como funcionam em tese e como foram implantados em algumas partes do planeta – inclusive em algumas partes do Brasil. Entendo a renda básica como algo fundamental para reduzir os alarmantes níveis de pobreza e de desigualdade, que foi agravada pela crise humanitária decorrente da pandemia.

Entendo-a, também, como uma política de Estado que visa a inclusão de todos os cidadãos, de modo transversal, em uma experiência de cidadania mais conforme às promessas da Constituição Federal. Em outras palavras, penso a renda básica como uma política pública que trará benefícios a todos, independentemente de gênero, raça, orientação sexual, entre outros status de discriminação. Em artigos anteriores publicados aqui apresentei os argumentos econômicos em favor da medida, como é possível desenhar um programa que atenda a determinados princípios sem sobrepesar no orçamento. Mostrei, em suma, como formular propostas que caibam no orçamento e que não onerem em demasia as contas públicas, nem apresentem riscos inflacionários, como alguns economistas temem.

Com a criação da Frente Ampla terei a possibilidade de discutir tais propostas com colegas membros do conselho consultivo que fui convidada a integrar. Nesse conselho há economistas, representantes da sociedade civil, ex-servidores públicos. Somos dez pessoas. Dez pessoas com a tarefa de auxiliar os integrantes da Frente Ampla a encontrar o melhor caminho para fortalecer a proteção social com segurança fiscal e responsabilidade com toda a sociedade brasileira. Sinto-me privilegiada por fazer parte desse grupo, que me dá a oportunidade de contribuir de outra forma com meus concidadãos.

A percepção desse privilégio torna intrigante para mim o comportamento de determinados atores políticos no Brasil em um momento em que muitos se mostram empenhados em construir uma rede de solidariedade para amortecer os efeitos da crise sobre aqueles que são mais afetados por ela. Os informais. Os mais pobres. Os três-quartos de crianças brasileiras que vivem nos 50% dos domicílios mais destituídos do País. Os autônomos, que vivem na gangorra da entrada e saída do mercado formal de trabalho. A massa de desalentados que a crise humanitária e o governo Bolsonaro criaram. Tiago Mitraud, deputado pelo único partido que não integra a Frente Ampla, afirmou que ele e correligionários seus só participarão dela se suas discordâncias forem levadas em consideração. Mais especificamente, afirmou em uma mídia social que a Frente precisa “abarcar outras ideologias”. Como disse, esse posicionamento é prerrogativa da agremiação política que optou por ficar de fora da frente. Mas cabe perguntar: quais as discordâncias? Quais as ideologias não-abarcadas?

Quando comentei que o Partido Novo era o único a não tomar parte na iniciativa – a constatação de um fato –, o deputado me interpelou publicamente afirmando: “você deve estar acostumada com políticos que não leem o que assinam e só querem sair na foto”. Esse é o retrato da forma como alguns atores agem politicamente no Brasil. Incomodam-se com a constatação de fatos e manifestam seu incômodo ofendendo diretamente não apenas a pessoa que os constata, como também seus pares no Parlamento que integram a Frente.

A Frente é ampla. Que venha a renda básica. Que todos saibam quem participou e quem escolheu jogar Resta Um.

*Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics e professora da Sais/Johns Hopkins University