Day: junho 25, 2020

Maria Hermínia Tavares: A mentira pode pouco

Notícias estão longe de ter a influência sobre os eleitores a elas atribuída

Há quem tenha acreditado que, por volta de 2018, um dos filhos de Lula foi flagrado circulando por Dubai numa Ferrari banhada a ouro. Há também os que estavam convencidos de que, no tempo da Lava Jato, o juiz Sergio Moro era financiado pela CIA.

Algumas dessas notícias patentemente falsas circularam velozmente pelas redes sociais entre o impeachment de Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro.

Ainda hoje, não são poucos os que creem que a enxurrada de rumores absurdos, que atulharam as caixas de mensagens dos usuários da internet durante a campanha eleitoral, expliquem a vitória do “mito” da extrema direita. Da mesma forma como, no exterior, teriam sido responsáveis pelo êxito de Donald Trump, em 2016, ou dos que queriam a Inglaterra fora da União Europeia, no plebiscito também naquele ano.

No país, a convicção da importância maléfica da desinformação intencional baseia-se em parte no acesso muito amplo dos brasileiros à internet —em especial ao WhatsApp, YouTube e Facebook— e na sua feroz utilização pelos bolsonaristas radicais.

Pela importância do assunto, convém olhar para os estudos que deram ao tema atenção rigorosa. Pesquisas feitas principalmente nos EUA indicam que a crença em notícias falsas é bem maior entre pessoas com simpatias por partidos e que a sua aceitação cresce quando as fake news confirmam convicções políticas anteriores. Eleitores apartidários são menos suscetíveis a rumores políticos fabricados.

Resultados semelhantes foram encontrados numa pesquisa feita em Minas Gerais, perto das últimas eleições, pelos cientistas políticos Frederico Batista Pereira, Natalia Bueno, Felipe Nunes e Nara Pavão, apresentados no excelente artigo, submetido para publicação, “Motivated reasoning without partisanship? Fake News in the 2018 Brazilian elections” (Raciocínio motivado sem partidarismo? Notícias falsas nas eleições brasileiras de 2018).

Eles constataram que simpatizantes do PT tendem a acreditar em notícias falsas favoráveis ao partido, enquanto antipetistas aceitam aquelas que reforçam suas crenças anteriores. Os dois grupos não mudam muito de posição mesmo ao serem informados de que era tudo mentira. Eleitores apartidários, a maioria no Brasil, são bem mais céticos diante de informações falsas.

Patranhas políticas, digitadas por humanos ou impulsionadas por robôs, poluem o ambiente social e provavelmente contribuem para aumentar a polarização do eleitorado, reforçando posições extremas.

Nesse sentido, fazem mal à democracia. Mas estão longe de ter a influência sobre os eleitores a elas atribuída. Ainda bem.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap


Luiz Carlos Azedo: Saudades do Mandetta

“A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Trump, que também defendeu o uso de cloroquina e se opôs ao isolamento social”

O Tribunal de Contas da União (TCU) aprovou, ontem, um relatório do ministro Vital do Rêgo que resume o que todo mundo estava vendo: falta de diretrizes e coordenação entre entes federados e órgãos oficiais no combate à covid-19, por culpa do governo federal. Esse era o ponto forte da gestão de Luiz Henrique Mandetta, defenestrado do cargo porque o presidente da República ficou enciumado da popularidade adquirida pelo então ministro da Saúde e discordava da estratégia de isolamento social que havia adotado. Bolsonaro queria distribuir cloroquina a todos os infectados e implementar a atual estratégia de “imunização de rebanho”.

Quando Mandetta saiu da Saúde, em 16 de abril, o Brasil contabilizava 1.924 mortes; hoje, já são quase 54 mil, uma tragédia anunciada. Na ocasião, as pesquisas mostravam que 76% dos entrevistados aprovavam o desempenho do ministro da Saúde, que antes era avaliado positivamente por 55%. A pandemia havia catapultado sua popularidade, graças ao excepcional desempenho na liderança do Sistema Unificado de Saúde (SUS). Ao contrário, a atuação de Bolsonaro, que havia entrado em guerra com os governadores de São Paulo, João Doria, e do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, e se descolado de Mandetta, havia oscilado para baixo, de 35% para 33%. Os ciúmes do clã Bolsonaro — verbalizado nas redes sociais e entrevistas do presidente da República — puseram tudo a perder. Para substituir Mandetta, Bolsonaro escolheu o médico oncologista Nelson Teich, que ficou apenas um mês na pasta e caiu fora, depois da fatídica reunião ministerial de 22 de abril, cujas imagens revelam seu espanto com o que aconteceu na ocasião. A essa altura da pandemia, já eram mais de 14 mil mortos.

Os ministros militares do Palácio do Planalto — os generais Augusto Heleno (GSI), Rego Barros (Casa Civil), Fernando Azevedo (Defesa) e Luiz Ramos (Secretaria de Governo) — bem que tentaram segurar Mandetta no cargo, mas foi um esforço em vão. A ala radical do governo, liderada por Carlos Bolsonaro — que não faz parte do governo, mas tem grande influência no governo — já havia selado o destino de Mandetta. No início de abril, Bolsonaro disse à rádio Jovem Pan que o subordinado deveria “ter mais humildade” e “ouvir um pouco mais o presidente”. Ao saber da crítica, Mandetta falou com o chefe por telefone e ouviu dele que deveria “pedir demissão”. Respondeu: “O senhor que me demita”. Era o fim da linha.

Efeito Orloff
No relatório apresentado ao Tribunal de Contas, Vital do Rêgo critica a ausência de integrantes técnicos da área de saúde no comitê de gestão da pandemia pelo governo: “Os cargos-chave do Ministério da Saúde, de livre nomeação e exoneração, não vêm sendo ocupados por profissionais com essa formação específica”. Segundo ele, isso pode levar a decisões não baseadas em questões médicas e científicas, o que resulta em “baixa efetividade das medidas adotadas de prevenção e combate à pandemia, desperdícios de recursos públicos e aumento de infecções e mortes”. O TCU recomendou a inclusão, como membros permanentes do Comitê de Crise da Covid-19, dos presidentes do Conselho Federal de Medicina, da Associação Médica Brasileira e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, com direito a voz e a voto. Entretanto, o governo não é obrigado a cumpri-la.

O relatório também destaca a ausência de ampla divulgação das ações de enfrentamento à crise de saúde pública e recomenda a inclusão de um representante da Secretaria de Comunicação Social no Centro de Coordenação de Operações do Comitê de Crise para Supervisão e Monitoramento dos Impactos da Covid-19 (CCOP). O TCU determinou, porém, que a Casa Civil passe a divulgar no prazo de 15 dias na internet as atas das reuniões do Comitê de Crise e do CCOP.

A Fortuna de Bolsonaro pode ser comparada à do presidente Donald Trump, dos Estados Unidos, que também defendeu o uso de cloroquina e inicialmente se opôs ao isolamento social, embora agora tente se reposicionar, depois de ver sua reeleição caminhar em direção ao brejo. Hoje, Trump amarga 14 pontos atrás do seu concorrente democrata, Joe Biden. Agora, o principal aliado de Bolsonaro na política externa, embora se declare seu amigo, cita o Brasil como mau exemplo a ser seguido no combate à pandemia.

Bolsonaro cometeu um erro fatal ao demitir Mandetta, com quem dividiria o prestígio. Como diria o Conselheiro Acácio, personagem de Eça de Queiroz em O Primo Basílio, as consequências sempre vêm depois. A flexibilização precoce do isolamento social por governadores e prefeitos, pressionados por Bolsonaro, está provocando o aumento do número de casos da covid-19, inclusive, onde a pandemia estava sendo controlada. Além disso, o governo perdeu o rumo na economia em meio à recessão.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-saudades-do-mandetta/

William Waack: Guerra perdida

Sem conseguir controlar as várias crises, o governo não controla mais a imagem externa

O “custo” da perda de imagem do Brasil no exterior é difícil de ser colocado em números, mas uma carta enviada ao governo brasileiro e assinada por dezenas de instituições financeiras que operam no mundo inteiro oferece uma base de cálculo. Juntas, elas gerenciam cerca de US$ 3.7 trilhões (mais ou menos o dobro do PIB brasileiro).

Ameaçam retirar parte disso do País, caso continue subindo o ritmo de desmatamento da Amazônia. Alegam que há uma “incerteza generalizada sobre as condições para investir ou proporcionar serviços financeiros no Brasil”, devido ao fato de que não só emissões de dívida do governo brasileiro mas também o valor de companhias expostas à questões ambientais acabam sendo atingidos pelas queimadas.

Pelo jeito, o governo brasileiro, que anda sem ministros para coisas tão básicas como educação e saúde, se esqueceu de que a questão ambiental é considerada básica lá fora. E que exatamente essa ameaça de desinvestimento estava EXPLÍCITA na última cúpula de Davos – a do mundo pré-pandemia. Formulada pelo setor financeiro global, o tal que manipula o oxigênio da economia.

O setor financeiro brasileiro entrou na mesma linha e, num enorme evento da Febraban que deveria discutir tecnologias bancárias para o século 21, os presidentes das maiores instituições nacionais preferiram falar de desmatamento. Eles sabem que a ameaça de desinvestimento é grave e real, atingiria a cadeia inteira de suprimentos no setor agrícola e de pecuária, e não dão tanta bola para a frase “o mundo precisa comer, o Brasil produz comida, logo vão comprar da gente não importa o que aconteça” – muito repetida no setor retrógrado do agro (ele existe, e funciona como bola de ferro para o restante do setor).

Agora que o general Hamilton Mourão assumiu os esforços de colocar um pouco de ordem no caos legal da Amazônia, o governo brasileiro se empenha com ainda mais ênfase em dizer que críticas desse tipo, praticada por instituições financeiras, são “desinformadas”. E aqui está o nó da questão: já não importa se as informações que o governo brasileiro fornece são exatas, confiáveis, precisas, bem apuradas ou não.

A realidade para a qual Brasília abriu os olhos parcialmente e muito tarde é a de que perdemos a guerra da comunicação lá fora, nossa imagem é hoje incomparavelmente pior do que foi no último período em que tal deterioração se constatava (a do regime militar). A crise do coronavírus tornou mais graves e evidentes alguns aspectos que já existiam, como pobreza, desigualdade e incompetência geral do governo, e entre eles está o da imagem externa.

Na questão ambiental, tão básica lá fora, consolidamos a proeza de passar da turma dos países que tem problemas mas pareciam caminhar para resolvê-los para a turma de países vilões que se esforçam em piorar os problemas. Sim, é uma simplificação brutal da questão, mas é em torno de simplificações brutais desse tipo que se dá o amplo debate da formação de opiniões e condutas também em escala mundial – atingindo mídia, consumidores, corporações e governos.

Nesse sentido, a mais recente “proeza” do nosso País é ser rotineiramente citado como mau exemplo no combate ao coronavírus – inclusive pelo “amigo” Trump, que não é exatamente uma boa referência quando se trata de enfrentar uma epidemia. No acumulado de mortes já estamos em segundo lugar no mundo e aproximando-nos dos EUA.

A maneira como esses fatos da realidade são vistos lá fora é devastadora para nossa imagem: é a de um País desigual, pobre, destruidor do meio ambiente e agora, ainda por cima, infectado e infectando. Nas mãos de um governo visto como incapaz de controlar qualquer crise, seja de ambiente seja de saúde pública.