Day: junho 13, 2020

O Estado de S. Paulo: ‘São 3 anos de juros zero, ninguém terá renda financeira’, diz Luiz Carlos Mendonça de Barros

Para ex-presidente do BNDES, imprevisibilidade explica o pânico do mercado: ‘a única certeza é que a crise é grave’

Douglas Gavras, O Estado de S.Paulo

Para o ex-presidente do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, os últimos dias de turbulência e quedas nos mercados ao redor do mundo comprovam a falta de previsibilidade da crise econômica causada pela pandemia da covid-19. Ele ressalta que o investidor, agora, precisa ter sangue frio. A seguir, os principais trechos da entrevista ao Estadão.

A última quinta-feira foi um dia tenso nos mercados. Bolsas do mundo todo caíram, muito pelo temor de uma nova onda da pandemia da covid-19. Como navegar em um cenário tão incerto?

Essa é a grande questão. Estamos vivendo uma situação na economia mundial que é completamente desconhecida. Pela natureza atípica da crise atual, não se consegue produzir e nem consumir nada e, como o Produto Interno Bruto é a soma dessa atividade, ele terá forte retração este ano. Não é por acaso que a OCDE (organização apelidada de clube dos países ricos) disse que a depressão econômica deste ano vai ser a maior em um século.

Isso quer dizer os mercados devem reagir mal a cada expectativa de retorno da doença?

É preciso entender a cabeça do investidor, que tem de operar em um ambiente de muitas incertezas. Essa correlação entre normalizar a atividade econômica e o temor de voltar ao isolamento ainda não é uma coisa equilibrada. E o mercado acaba reagindo às notícias que chegam, é a história do apressado que acaba comendo cru.

Se o futuro ainda é incerto, há indicadores de mais longo prazo que devem ser observados?

Há um cenário de juros que está mais complicado ainda. O Fed (banco central americano) sinalizou esta semana que manterá os juros em zero por três anos. Isso é uma coisa que eu nunca tinha visto antes. Quer dizer que ninguém vai ter renda financeira em três anos. Esse conflito é parte do que vimos no pânico dos mercados na quinta-feira, depois da reunião do Fed.

O investidor vai acabar tendo de fazer escolhas mais difíceis nos próximos anos?

Quem investe tem de escolher entre ter um risco na carteira de ações ou não ter risco e ficar sem ganhos. O investidor tem uma escolha de Sofia: ou ele corre o risco de perder capital ou faz uma carteira de ações que devem sofrer menos. São três anos de juros zero, como é que faz?

O Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, teve a primeira semana de perdas após três semanas de ganhos. Parecia descolado das incertezas quanto ao agravamento da pandemia. Isso está mudando agora?

Hoje, eu trabalho com a perspectiva de que o Ibovespa fique entre 90 mil e 92 mil pontos. Agora, a cada mês que passa, você vai conseguindo ter uma visão mais clara do tamanho do problema. A gente nunca passou por nada parecido e o investidor precisa ter paciência e procurar orientação de analistas experientes.

Dá para ser otimista?

O sistema capitalista não vai acabar por causa do coronavírus, as economias vão se normalizar um dia. Hoje, as expectativas estão depositadas na descoberta da vacina. Na hora em que ela chegar, resolve o problema. A única certeza que temos agora é que a crise é grave, o resto é dúvida.


Bolívar Lamounier: Bolsonaro: seis por meia dúzia?

Vamos lá, capitão, mostre sua coragem! Visite um hospital, conheça o trabalho que o pessoal médico faz nas UTIs

Na eleição presidencial de 2018, dezenas de milhões de brasileiros optaram pelo voto útil mais inútil de nossa história. Queriam se livrar do PT, mas arranjaram Bolsonaro. Como escreveu o filósofo americano Andrew Peirce, todo problema é causado por soluções. Pelas vagas indicações programáticas feitas durante a campanha, é plausível que a emenda tivesse saído um pouco melhor que o soneto. Mas não saiu, por várias razões, entre as quais duas são óbvias. Primeiro, porque o coronavírus não estava a fim de cooperar. Ao contrário, está deitando e rolando. O brasileiro médio não se distingue por um sentimento acentuado de responsabilidade ou por uma disposição a colaborar. Adora aglomerações.

A segunda razão chama-se Jair Messias Bolsonaro. Ignorante, autoritário e irresponsável, ele parece passar o dia todo pensando “naquilo”: tumultuar o país, com uma indisfarçável intenção de arrastá-lo para um golpe militar. Ou seja, o Brasil, quando mais precisava de um líder sensato e apaziguador, tornou-se refém de um especialista em dividir e desorganizar. Se conhecesse um pouco mais de história, perceberia que o primeiro a ser defenestrado por um golpe será justamente ele, Jair Bolsonaro. Conseguirá ser nomeado para nossa embaixada (que no momento está fechada) em Vanuatu.

Dado vivermos sob o regime presidencialista de governo é difícil vislumbrar uma alternativa legítima e constitucional até 2022. Tivéssemos o parlamentarismo, a solução para a crise institucional permanente que temos tido e a recuperação da legitimidade estariam ao alcance da mão: bastava antecipar as eleições gerais previstas para 2022. Renovar o Congresso, sem qualquer trauma ou ruptura, e organizar um novo governo. Conferir ao sistema
a flexibilidade que ele não possui.

Esse, porém, é um oásis distante. Mesmo depois do desastre dos governos Lula e Dilma, e experimentando agora o desgoverno Bolsonaro, o brasileiro médio acredita piamente que nossa versão de presidencialismo populista é o único modelo que se adapta ao Brasil. O único capaz de assegurar a “governabilidade”. Oremos, pois, para que, nos dois anos e meio de mandato que lhe restam, Bolsonaro ao menos demonstre alguma empatia pelas cerca de 40 mil familiares enlutadas.

Que troque o escárnio por alguma compaixão. Que visite um hospital, conheça o trabalho que o pessoal médico faz nas UTIs, quem sabe até colabore em alguma tarefa que não requeira conhecimento especializado. Vamos lá, capitão, mostre sua coragem.


O Globo: Forças Armadas não aceitam tentativas de tomada de poder, diz Bolsonaro ao comentar decisão de Fux

Presidente assina nota conjunta ao lado de vice e ministro da Defesa

Bruno Góes / O Globo

BRASÍLIA — Em nota assinada em conjunto com o vice Hamilton Mourão e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, o presidente Jair Bolsonaro se manifesta sobre a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux sobre o papel da Forças Armadas. No documento, eles afirmam que os militares "não aceitam tentativas de tomada de poder".

Fux concedeu nesta sexta-feira uma liminar declarando que as Forças Armadas não exercem poder moderador em eventual conflito entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. A decisão foi tomada em uma ação em que o PDT pediu para a Corte esclarecer as atribuições dos militares, de acordo com a Constituição Federal.

A nota de Bolsonaro, Mourão e Azevedo é dividida em quatro tópicos. No primeiro, há a lembrança de que, segundo o artigo 142 da Constituição, "as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República".

Logo em seguida, afirmam que "as mesmas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".

Então, há um juízo sobre o papel dos militares:

"As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos".

Em seguida, os três dizem que "o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade".

A polêmica sobre o papel das Forças Armadas ganhou notoriedade quando foi divulgado vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que o presidente Jair Bolsonaro afirmou que existe um dispositivo que permite aos Poderes pedir intervenção militar para restabelecer a ordem.

“Nós queremos fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. Todo mundo quer fazer cumprir o artigo 142 da Constituição. E, havendo necessidade, qualquer dos Poderes pode, né? Pedir às Forças Armadas que intervenham para restabelecer a ordem no Brasil”, disse o presidente.

Leia a íntegra da nota:

Lembro à Nação Brasileira que as Forças Armadas estão sob a autoridade suprema do Presidente da República, de acordo com o Art. 142/CF.

As mesmas destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

As FFAA do Brasil não cumprem ordens absurdas, como p. ex. a tomada de Poder. Também não aceitam tentativas de tomada de Poder por outro Poder da República, ao arrepio das Leis, ou por conta de julgamentos políticos.

Na liminar de hoje, o Sr. Min. Luiz Fux, do STF, bem reconhece o papel e a história das FFAA sempre ao lado da Democracia e da Liberdade.

Presidente Jair Bolsonaro.

Gen. Hamilton Mourão, Vice PR.

Gen. Fernando Azevedo, MD.


Veja: “É ultrajante dizer que o Exército vai dar golpe”, diz Luiz Eduardo Ramos

O chefe da Secretaria de Governo defende a tese de que não há motivos para pensar em um impeachment de Bolsonaro e anuncia sua passagem para a reserva

Por Thiago Bronzatto, Revista Veja

Ninguém percebeu, mas havia um ministro da equipe de Jair Bolsonaro infiltrado na manifestação contra o governo no último domingo em Brasília. E não era qualquer ministro. Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, é quem controla as indicações para os cargos mais importantes, o responsável pela articulação política, o fiador da aliança com o notório Centrão e, por ser general da ativa, também desperta algumas teorias conspiratórias que serviram de mote para os protestos do fim de semana. De gorro, máscara e óculos escuros, Ramos ouviu bem de perto os gritos contra o presidente, assistiu às performances de combate ao racismo e diz ter se assustado com as faixas que traziam acusações de fascismo contra o governo. No mês passado, o general acompanhou Bolsonaro em um ato em frente ao Palácio do Planalto, onde apoiadores atacaram o Congresso e o Supremo Tribunal Federal. A participação dele foi alvo de críticas e causou um tremendo mal-estar entre militares de alta patente. O ministro, por causa disso, anunciou que vai se aposentar das Forças Armadas. Em entrevista a VEJA, Ramos classifica as manifestações como legítimas, critica os ataques que são feitos ao presidente e confessa que a coisa que mais o deixa irritado é quando lhe perguntam sobre a possibilidade de golpe militar no Brasil.

Qual a possibilidade de um golpe militar no Brasil?

Fui instrutor da academia por vários anos e vi várias turmas se formar lá, que me conhecem e eu os conheço até hoje. Esses ex-cadetes atualmente estão comandando unidades no Exército. Ou seja, eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda.

O senhor se refere a exatamente o quê?

O Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos. Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos.

O que seria um julgamento casuístico?

Um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que não seja justo. Dizem que havia muitas provas na chapa de Dilma e Temer. Mesmo assim, os ministros consideraram que a chapa era legítima. Não estou questionando a decisão do TSE. Mas, querendo ou não, ela tem viés político.

E se essa impugnação vier a acontecer?

Sinceramente, não vou considerar essa hipótese. Acho que não vai acontecer, porque não é pertinente para o momento que estamos vivendo. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara) já disse que não tem nenhuma ideia de pôr para votar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível.

“É ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe”

As manifestações contra o governo Bolsonaro preocupam o Palácio do Planalto?

Não. A rua não tem dono. Também há manifestações em favor do Bolsonaro. Só há uma coisa que me incomoda e me desperta atenção. Um movimento democrático usando roupa preta. Isso me lembra muito autoritarismo e black blocs. Quando falo em democracia, a primeira coisa que me vem à mente é usar as cores da minha bandeira, verde e amarelo. No domingo, fiquei disfarçado no gramado em frente ao Congresso observando o pessoal. Eles não usavam vermelho para não pegar mal. Mas me pareceu que eram petistas.

O senhor também participou, ao lado do presidente, de uma manifestação que atacava as instituições.

Eu estava quietinho lá atrás, também apenas obser¬vando. Aí o presidente perguntou: “Cadê o Ramos?”. Fui muito criticado no dia seguinte, inclusive pelos meus companheiros de farda. Não me sinto bem. Não tenho direito de estar aqui como ministro e haver qualquer leitura equivocada de que estou aqui como Exército ou como general. Por isso, já conversei com o ministro da Defesa e com o comandante do Exército. Devo pedir para ir para a reserva. Estou tomando essa decisão porque acredito que o governo deu certo e vai dar certo. O meu coração e o sentimento querem que eu esteja aqui com o presidente.

Como o senhor avalia o conflito entre o governo e o Supremo Tribunal Federal?

Quando me perguntam o que achei da decisão do ministro Celso de Mello, que me mandou depor debaixo de vara, digo que a respeito, porque decisão judicial não se discute, se cumpre. Mas me incomodou, porque acho que foi desnecessário. Não precisava. Da mesma forma ocorreu com o pedido de apreensão do aparelho celular do presidente da República. Isso gerou um calor desnecessário entre as instituições. Além disso, vazou a mensagem de WhatsApp em que o ministro do Supremo comparou o presidente Bolsonaro ao Hitler e os seus seguidores a nazistas. Isso contribui para o clima de diálogo e para buscar uma harmonia entre os poderes? Acredito que não. Aí, o presidente sobe no cavalo e todo mundo critica. São sinais trocados. É preciso superar esse ambiente de histeria.

Há alguns meses, a relação entre o governo e o Congresso também estava estremecida. Esse conflito já foi superado?

Quando assumi a articulação política, há quase um ano, eu disse que queria construir uma ponte. Hoje posso dizer que estamos em um processo para inaugurar a ponte. Até abril, eu nunca tinha conseguido reunir todos os líderes de partidos no Palácio do Planalto. Eles se encontravam na casa do Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Agora mudou.

O senhor se refere às negociações de cargos para o Centrão antes tão criticadas pelo então candidato Bolsonaro?

A divisão dos espaços democráticos é justa, republicana e transparente. Todo cargo do governo federal serve para implantar políticas públicas. Por isso, precisamos preenchê-los com pessoas que estejam alinhadas com o governo, que tenham projetos convergentes. Havia muitas distorções que foram corrigidas. Descobrimos, por exemplo, que um cargo importante no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) estava nas mãos de um indicado do PT. Ele direcionava todos os recursos para os municípios petistas. Está errado? Não. Quando detectamos isso, fizemos a substituição. Há mais de 11 000 cargos que têm uma indicação política em sua origem.

Como o senhor mapeou esses cargos?

Tive de examinar o Diário Oficial da União e fiz alguns testes. Às vezes, mandava exonerar um funcionário que ocupava um cargo de comissão apenas para descobrir quem o havia indicado. No máximo em 48 horas o parlamentar me ligava: “Ministro, aqui é o senador ou deputado fulano. O que houve? Põe de volta…”. Aí, eu sabia que o cargo era do fulano.

Na prática, como funciona o processo de indicação política?

Temos um quadro de quem vota e de quem não vota com o governo. É o que eu digo: quer fazer parte do governo? Tem de fazer parte do governo de fato. Hoje eu tenho esse controle. Sei exatamente o nível de fidelidade dos parlamentares. Ou você é governo ou não é. Antes, um parlamentar vinha aqui sozinho e pleiteava um cargo. Eu via que ele votava com a gente e o atendia. Mas quantos votos ganhava? Apenas um. Agora, a negociação é com os partidos. A fidelidade é uma responsabilidade dos partidos. O senador Ciro Nogueira, presidente do PP, tem sessenta votos. Por isso, ele tem espaço no governo com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ele assumiu o compromisso de ser governo. Exijo um nível de fidelidade de ao menos 80%.

No caso do FNDE, o ministro Abraham Weintraub discordou da indicação política do PP…

O ministro tem a palavra final. Pode aceitar ou não a indicação. Conversamos com o Weintraub, eu e o ministro Braga Netto (Casa Civil), e ele entendeu. Esse era um caso de elevado grau de importância política. É uma indicação de um presidente de um partido aliado. Em que pese o posicionamento do ministro, nesse caso, o item político pesou mais.

“Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível”

Mas isso não é o mesmo fisiologismo que serve de entrada para a corrupção que vocês sempre criticaram em governos passados?

Um detalhe importante: o parlamentar pode ter a presidência ou a diretoria de um determinado órgão, mas quem cuida dos recursos públicos é gente nossa. Na maioria desses órgãos, os cargos de diretor jurídico e diretor financeiro ficaram com o governo. Essa é a nova maneira de a gente trabalhar. O problema não é o político ocupar cargo público. O problema é o político ocupar cargo público para saquear como acontecia antes. Isso acabou.

Tem sido desafiador costurar ações conjuntas no combate à pandemia com governadores que não estão alinhados com o governo federal?

Esse trabalho também tem ido muito bem. Temos problemas basicamente em dois estados, São Paulo e Rio de Janeiro. O presidente nunca teve maiores embates com a Fátima Bezerra, do PT, ou com o Flávio Dino, do PCdoB. A leitura do presidente é que os governos de São Paulo e do Rio de Janeiro politizaram uma questão sanitária. O Doria disse que o Brasil enfrenta o “bolsonarovírus”. O presidente é ser humano. Ele contra-ataca.

Qual o cenário que o senhor traça para o país daqui a um mês?

Tenho esperança de que as coisas vão se acertar. A Covid-19 está passando. Isso é perceptível na Itália e na França. Isso vai acontecer com o Brasil. Essa OMS… É inegável que a OMS foi usada politicamente.

Há um risco de uma convulsão social?

Há uma preocupação com os efeitos do isolamento. O funcionário público está em casa e no dia 30 de cada mês o seu salário cai na conta. Mas e quem vendia pipoca na frente do colégio? Tenho um genro empresário que está desesperado porque investiu dinheiro em uma academia antes da crise. Com a pandemia, o governo mapeou 38 milhões de profissionais informais invisíveis. Foi um grande feito. Havia o risco de uma convulsão social com o desespero das pessoas de não ter o que comer. Mas o governo mitigou isso com a liberação do auxílio emergencial. Vamos passar por essa.

Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691


Marcus Pestana: 1960, sessenta anos depois!

Hoje chego aos 60. Nunca pensei que isso aconteceria. Não porque achasse que morreria antes. Mas, o sonho da eterna juventude acalenta a todos nós. E logo no meio de uma pandemia, longe dos familiares e amigos.

Dia de Santo Antônio, não só casamenteiro, mas padroeiro da minha cidade, Juiz de Fora, que já se chamou Santo Antonio do Paraibuna.

Envelhecer é inexorável, muito a contragosto é verdade. Como sou um otimista na ação, procuro seguir o conselho de Picasso: “Quando me dizem que sou muito velho para fazer uma coisa, procuro fazê-la imediatamente”. Embora os limites físicos reais sabotem este plano diariamente.

1960 foi o ano da inauguração de Brasília. Finalmente ocuparíamos o Brasil profundo, coroando o Plano de Metas do presidente JK, o presidente bossa nova de um país feliz. O Brasil cresceu 9,4% no ano, a inflação era um pouco superior a 25%. Éramos 70 milhões de brasileiros, 45% nas cidades, 55% no campo. O país era jovem, 53% tinham até 19 anos. As desigualdades eram presentes, 20% viviam com renda até um salário mínimo e tínhamos 27,5% de analfabetos. Curiosamente, os primeiros resultados do Censo de 1960 foram anunciados no intervalo do clássico Flamengo versus Vasco, no Maracanã.

1960 foi o ano da eleição do carismático e promissor Presidente dos EUA, Jonh Fitzgerald Kennedy. Foi também o ano da eleição de Jânio Quadros, que renunciaria meses depois, desencadeando a crise pré-64. Nasceu Airton Sena, que tantas alegrias nos daria no automobilismo. A FDA americana, a ANVISA de lá, aprovou a primeira pílula anticoncepcional, importante passo na luta pela libertação feminina. Houve o espetacular assalto ao trem pagador, que renderia até filme, e Éder Jofre se tornou campeão mundial de boxe.

Em 1960, Ziraldo lançou a primeira revista em quadrinhos brasileira, a Turma do Pererê. A Portela foi campeã em conturbada apuração. A TV Record promoveu o primeiro Festival da Música Popular Brasileira, ganho pela “Canção do Pescador” de Newton Mendonça. Nelson Rodrigues publicou seu clássico “O Beijo no Asfalto”. Nas rádios as mais tocadas eram “Banho de Lua” com Celly Campelo e “A Noite do meu Bem” de Dolores Duran. A Bossa Nova fazia sucesso nas classes médias urbanas. No Brasil de 1960, apenas 38,54% das casas dispunham de energia elétrica, 35,38% possuíam rádio e apenas 4,6% tinham TV.

No cinema, Mazzaropi divertia a população nas matinês dominicais com o lançamento de “As Aventuras de Pedro Malazartes” e “A Morte comanda o Cangaço” representou o Brasil no Oscar. Ainda não havia Glauber Rocha, Joaquim Pedro e o Cinema Novo. “Acossado” de Jean Luc Godard e “La Doce Vita” de Fellini foram lançados para o público Cult e marcaram época. A monumental produção “Ben-Hur”, com Charlton Heston, abiscoitou onze Oscars.

Na incipiente TV brasileira, Chacrinha, com sua “Discoteca do Chacrinha”, começava a disputar a audiência com Flávio Cavalcante e seu “Um Instante Maestro”. Na telinha estreava a telenovela “Gabriela, Cravo e Canela” de Jorge Amado e o humor ganhava o “Chico Anysio Show”.

Sessenta anos se passaram. O Brasil mudou de cara. Minha geração lutou muito. Mas o desafio continua o mesmo: defender a democracia, lutar pelo desenvolvimento e enfrentar a triste marca da desigualdade social.


The Economist: Jair Bolsonaro ameaça a democracia?

Desde que assumiu o governo, em janeiro do ano passado, muitos brasileiros temem o risco que ele representa

Em muitos fins de semana desde que a covid-19 chegou ao Brasil, os apoiadores do presidente Jair Bolsonaro realizam manifestações em Brasília e São Paulo, para demandar a reabertura da economia, parcialmente submetida a um lockdown, o fechamento do Supremo Tribunal Federal e do Congresso e o retorno do regime militar dos anos 1964/1985. Alguns estão armados. Em Brasília, Bolsonaro com frequência se junta a eles, distribuindo abraços e apertos de mão e desafiando as regras de saúde estabelecidas. Nem ele e nem as pessoas usam máscaras no rosto.

Desde que Bolsonaro, antigo capitão do Exército com ideias de direita, assumiu o governo, em janeiro de 2019, muitos brasileiros temem a ameaça que ele representa para a democracia. Alguns argumentam que as instituições do País são fortes o bastante para freá-lo. Na verdade, o presidente lotou o seu governo com oficiais militares. Mas eles são vistos como tendo uma influência moderadora e as manifestações são pequenas.

As tensões aumentaram nas últimas semanas. Bolsonaro se tornou mais ameaçador, ao se dirigir ao Congresso afirmando que “o tempo da vilania acabou, agora é o povo no poder”, e ao Poder Judiciário dizendo “acabou, porra!”. Alguns ministros militares, a começar pelo vice-presidente Hamilton Mourão, general aposentado, também fizeram ameaças veladas contra o STF, o Congresso e a mídia.

Em uma mensagem pelo WhatsApp vazada no mês passado, o ministro do STF Celso de Mello escreveu: “temos de resistir contra a destruição da ordem democrática para evitar o que ocorreu na República de Weimar “que foi derrubada por Hitler”. “A democracia brasileira está sob uma grave ameaça”, diz Oscar Vilhena Vieira, diretor da faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “O presidente não vem tentando apenas criar um conflito institucional, mas também estimulando grupos violentos”.

Deputado durante 28 anos, Bolsonaro nunca mostrou muito respeito pela democracia. E se tornou mais controvertido por duas razões. Em primeiro lugar, o STF iniciou investigações que o envolvem. Uma delas tem a ver com a destituição do diretor da Polícia Federal para proteger um dos seus filhos contra um processo, afirmam seus críticos.

E a outra se refere a apoiadores (incluindo dois filhos dele) suspeitos de orquestrarem acusações falsas e ameaças contra ministros do STF. A segunda razão é que Bolsonaro mostra pouca capacidade para governar. A pandemia amplificou isto. Sua recusa em apoiar os lockdowns e o distanciamento social contribuíram para agravar a propagação da covid-19, com o País registrando hoje quase 40 mil mortes, o terceiro número mais alto do mundo.

Ele vem perdendo apoio popular embora mantenha uma base de 30% de eleitores. Um sinal da sua fragilidade é que ele cada vez mais depende do Exército. Dez dos seus 22 ministros são militares e outros três mil ocupam cargos no governo. “Na verdade, temos um regime miliar”, disse um oficial aposentado. E isto representa um risco para as forças armadas e para a democracia. Bolsonaro tem exacerbado a divisão interna e a politização do Exército, cuja disciplina e hierarquia vêm se desgastando. Muitos oficiais de escalão inferior apoiam Bolsonaro nas redes sociais. Quatro generais com cargos no governo, dois no serviço ativo, têm mais poder do que o comandante das forças armadas, seu superior.

O Exército também coloca em sério risco a sua reputação. Está hoje à frente do ministério da Saúde (onde por um breve período tentou suspender as publicações de dados completos sobre a covid-19), da coordenação política e proteção do Amazonas. “Eles realmente acreditam que sabem como fazer as coisas”, diz um ex-oficial. Eles poderão aprender da maneira difícil, como durante a ditadura, que não sabem. Bolsonaro não parece forte o bastante para desencadear um golpe. Ele enfrenta oposição de muitos governadores.

Embora o vírus tenha temporariamente incapacitado o Congresso, Oscar Vilhena Vieira observa que o STF tem atuado de uma maneira inusitadamente unida. Entretanto, “a democracia pode desaparecer se você não tiver um homem forte”, alerta Matias Spektor, do Centro de Relações Internacionais da FGV. Se Bolsonaro acabar sofrendo um impeachment, Mourão o sucederá, trazendo o Exército para ainda mais perto do poder.

Uma outra ameaça, observa Spektor, é o esvaziamento das instituições democráticas por Bolsonaro, como também a instigação do conflito. Nomeou um procurador geral mais simpático a ele e tem influência sobre as forças de polícia estaduais, como também sobre a Polícia Federal. Uma batida policial silenciou o governador do Rio de Janeiro, que recentemente começou a criticá-lo. Os democratas brasileiros, seus adversários, começam a reunir uma oposição ao presidente. E estão certos em ficar alarmados. / Tradução de Terezinha Martino


Eros Roberto Grau: O Itamarati, para sempre!

O restaurante que encantou minha juventude me emociona sem parar

Começo a escrever estas linhas relembrando a canção que afirma ser “sempre bom lembrar coisas passadas”. A superposição do passado e do presente leva-me de repente ao Itamarati, que lá estava, na Rua José Bonifácio 270, desde os anos 40! O restaurante que encantou minha juventude e me emociona sem parar estará inserido no meu futuro. O tempo não existe, em razão do que estivemos, estamos, estaremos todos eternamente juntos.

Ponho-me a escrevê-las, de um lado, porque desejo libertar-me da aflição que suporto por conta da superposição entre afirmações de políticos membros da “corona” e a epidemia do coronavírus. Os primeiros, a gritar que a saúde não vale nada – em latim, sanitas tua potius nulla erit. A pandemia de covid-19 seria, para eles, mera ficção! De outro lado, escrevo-as, estas linhas, transtornado pelo que leio num texto do José Rogério Cruz e Tucci – Sinal dos tempos: o apagar das luzes do velho Itamarati – dando notícia do fechamento do nosso Itamarati.

Vencendo o tempo volto a lá estar com amigos que ainda por aqui estão e alguns que já se foram para o Céu. Michel Temer, Sergio e Renato Mange, Edmur Andrade Nunes Pereira Neto, Erasmo Valadão Novaes França, Luiz Antônio Sampaio Gouveia, Luiz Eduardo Lopes da Silva, Erasmo de Boer, Luiz Antônio Ferreira de Castilho, José Rogério et caterva.

Retorno inopinadamente ao tempo em que, ainda estudante, trabalhei no escritório dos inesquecíveis José Bueno de Aguiar e Duarte Vaz Pacheco do Canto e Castro. Cabia-me diariamente ir ao Fórum da Praça João Mendes, retornando ao escritório – na esquina do Viaduto do Chá e da Líbero Badaró – cruzando a Praça da Sé e a Rua José Bonifácio. Diariamente passando pela porta do Itamarati!

Uma vez ou outra eu entrava por um pequeno trecho da Rua São Bento para encontrar um amigo de meu pai, Alencar Burti, mais moço do que ele, porém mais velho do que eu. Fomos e somos, os três, inseparáveis. Meu pai já se foi para o Céu, onde um dia certamente estaremos todos juntos, reunidos. A primeira vez que almocei no Itamarati fui levado por eles, início dos anos 50. Inúmeras vezes depois, certamente mais de mil.

Nos anos 60 o estudante que estivesse no quarto ano da Faculdade de Direito podia advogar como solicitador acadêmico. Instalei-me então numa pequena sala que aluguei na Rua José Bonifácio 250, bem ao lado do Itamarati. Mundo pequeno! Um dos meus vizinhos no prédio, recém-formado em Direito pela PUC de Campinas, alguns meses depois foi eleito vereador lá na cidade dele e deixou sua sala. Permanecemos, contudo, amigos, Orestes Quércia e eu. Depois, já advogado, instalei meu escritório no pequeno prédio ao lado, entre o 250 e o Itamarati. Todos os dias da semana almoçando no Itamarati!

Momentos inesquecíveis! Minha mesa próxima àquelas onde uma vez ou outra almoçaram dois presidentes, Jânio Quadros e Fernando Henrique. O presidente Michel, meu amigo desde muitos anos, numa que era nossa. E outro momento mais que inesquecível, quando ao entrar lá dois seres humanos maravilhosos, Roger de Carvalho Mange e Sebastião Giraldes, me chamaram para sentar, almoçar ao seu lado.

Na frente de nós as Velhas Arcadas do Largo de São Francisco, onde fui professor durante mais de 40 anos. A única glória da minha vida, de verdade. O centro de tudo, em torno do qual eu adorava caminhar, sobretudo vindo da livraria do Gazeau, na Praça da Sé, onde encontrei Aureliano Leite a primeira vez. Peguei um livro na estante, ele viu qual – Retratos a Pena – e me pediu. Neguei, ele disse que eu nada saberia do autor, respondi que sim e hoje cá o tenho comigo, com sua afetuosa dedicatória. Até hoje o encontro nas reuniões da minha Academia Paulista de Letras (APL), ele naquele quadro na parede assim como a piscar os olhos para mim. Antes e após almoçar no Itamarati eu escapava para livrarias, desde a Acadêmica – ali mesmo, no Largo do Ouvidor –, a Ornabi, na Benjamin Constant, até a estupenda Lael, plena de livros jurídicos formidáveis. Tão de verdade esses livros que as três fecharam as portas, mas o pequeno prédio no qual se encontrava a Lael foi integrado às Arcadas nas quais moram a Amizade e a Alegria.

É mesmo assim, realmente. O tempo existe concomitantemente consigo mesmo! Pasmem! Um bom amigo que me veio das Velhas Arcadas hoje é meu confrade na APL e dirige a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Mais, pasmem mais e mais: descobri de repente que o imóvel onde está o nosso Itamarati é uma propriedade da Santa Casa! A esta altura, portanto, espero, mais do que tudo, que ele nos possa salvar. Antonio Penteado de Mendonça, tão meu amigo que o chamo de Nico, há de nos dar as mãos para seguirmos o caminho da salvação, fazendo dele, o Itamarati, nosso restaurante para sempre!

Sorrio para mim mesmo ao divisar, de repente, uma luz no fim do túnel. Duas, duas luzes. Uma afirmando que o “corona” e o coronavírus partirão; a outra, que o Itamarati ficará mesmo lá onde está e para sempre estaremos!

*Advogado, professor titular aposentado da Faculdade de Direito da USP, foi ministro do STF


Demétrio Magnoli: Pela esquerda ou pela direita, país não dá a mínima para a educação pública

Área foi catalogada oficialmente como a mais supérflua das 'atividades não essenciais'

O plano de Doria saiu há 18 dias, com cinco colunas descrevendo as fases de reabertura de São Paulo e 15 linhas elencando previsões de reativação de cada atividade.

Lá no fim, na linha educação, um retângulo vazio indica a ausência de previsão de retomada de aulas presenciais. Escolas, só depois de indústrias, escritórios, shoppings, igrejas, parques, restaurantes, bares, passeatas e futebol. A história se repete, Brasil afora. A educação foi catalogada oficialmente como a mais supérflua das "atividades não essenciais". Weintraub é a cara da elite governante nacional.

Ciência? Um artigo publicado na Lancet (https://bit.ly/30sNBeN), revisando diversos estudos internacionais, conclui pela falta de evidências de que o fechamento de escolas seja efetivo contra a Covid-19, cujo comportamento epidêmico é o oposto daquele da gripe: o coronavírus tem alta transmissibilidade mas incidência muito menor em crianças. Experiência? Na Europa, 22 países reabriram as escolas no ponto de partida da flexibilização, seis a oito semanas atrás, seguindo restrições sanitárias, sem gerar focos significativos de contágio.

A esquerda enxerga a escola pelos óculos do sindicalismo (remunerar professores), enquanto a direita a vê pelos olhos do mercado (fornecer mão de obra).

Se os professores continuam recebendo e os empregadores só precisam de um contingente limitado de profissionais qualificados, quem se importa com o fechamento das escolas?

Boatos sugerem que São Paulo reativará a rede pública em agosto, mas na forma de piada macabra, com um dia de aula semanal por turma. Inexiste escândalo. Na imprensa, formadores de opinião ignoram o assunto --e quando, raramente, circulam ao seu redor, é para fingir que acreditam na lenda do ensino a distância nas escolas públicas.

A prioridade europeia de reinício das aulas não se deve à merenda e apenas parcialmente ao fardo imposto às famílias trabalhadoras de cuidar o dia todo de crianças sem aulas. Por lá, a urgência derivou do reconhecimento dos direitos dos alunos, conceito desconhecido entre nós.

Os educadores sabem que a falta prolongada de escola prejudica, para sempre, o desenvolvimento de habilidades cognitivas essenciais.

As crianças e adolescentes sem aulas ao longo de um semestre inteiro estão sofrendo uma amputação intelectual oculta, que as acompanhará pelo resto da vida. Claro, isso com exceção dos filhos da elite, que dispõem de livros em casa, ensino a distância razoável e aulas particulares de reforço. Ah, sim: os filhos dos governantes pertencem ao grupo da exceção.

A cegueira de classe manifesta-se como epidemiologia militante. "Deus! Você arriscaria uma única vida só por causa de artigos científicos e das experiências de 22 países?"

Vidas relevantes, vidas descartáveis. Os fundamentalistas da saúde simulam não saber que, nas periferias urbanas, os mais jovens jamais praticaram o caro esporte da quarentena. Eles não aventam a hipótese de que, nas escolas, os alunos venham a receber orientações sanitárias superiores às vigentes nas ruas.

É verdade que três quartos das escolas municipais de São Paulo carecem de sabonete líquido nas pias (Folha, 28 de maio). Mas, com muito boa vontade, Covas poderia resolver isso, no hiato entre uma e outra intervenção viária piramidal."Lápis, nunca mais/Livros, nunca mais/Do verão/Até o outono/Talvez não voltemos jamais/A escola foi estilhaçada/Sem escolas no verão/Sem escolas para sempre".

Doria tinha 14 anos em 1972, quando o roqueiro Alice Cooper cantava "School's Out" enredado numa cobra de estimação. Acho que ele ouviu, gostou e dançou. Hoje, aos 62, deixando em branco o último retângulo do seu plano, realiza um sonho delinquente.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.


Julianna Sofia: Quanto mais erros, mais Weintraub amplia apoio de radicais

STF sinaliza que não aliviará para ministro sobre impropérios ditos na reunião de 22/4

Buscou-se um desfecho simbólico —não por isso menos vexatório ou inócuo— para a presepada em torno da medida provisória que dava poderes ao ministro Abraham Weintraub (Educação) para nomear, sem eleições, os reitores de universidades federais durante a pandemia. Equivocado no nascedouro por patente inconstitucionalidade (violação da autonomia universitária), o ato foi revogado pelo Palácio do Planalto.

Após sua edição, a MP fora criticada pela cúpula do Legislativo, por parlamentares e pela comunidade acadêmica. O episódio provocou reações de partidos políticos, que recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a medida, além de gerar ruído em votações importantes no Senado.

Nesta sexta (12), o Congresso devolveu o texto ao Executivo. Trata-se de algo raro e extremo na relação entre os Poderes. Desta feita, porém, num jogo ensaiado posto em prática por Davi Alcolumbre (Senado). Ele fez chegar sua decisão de devolução, previamente, a Jair Bolsonaro, depois de articulações com o Judiciário --que se preparava para suspender a MP de forma liminar. Das derrotas, julgou-se a menor. Devolução consumada, Bolsonaro revogou a medida já inválida.

A lambança é só mais um tijolinho no muro de múltiplas bizarrices na circunscrição de Weintraub. Na paisagem política, aumenta seu desgaste com o centrão, a cúpula do Legislativo, os militares e a área econômica. Também cresce a percepção de que seus atos passarão por escrutínio cada vez mais rigoroso —e necessário—, tornando inviável a continuidade de sua gestão.

O cerco se fecha ainda com os sinais do STF de que não aliviará para o ministro no caso dos impropérios ditos na fatídica reunião ministerial de 22 de abril ("Eu, por mim, botava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF").

A cada movimento para seu expurgo, entretanto, Weintraub ganha mais apoio entre radicais bolsonaristas —Jair incluso.


Ascânio Seleme: O golpe impossível

Em “Como as democracias morrem”, o autor Steven Levitsky, professor de Ciência Política da Universidade de Harvard, aponta quatro indicadores que definem líderes que resolvem adotar este caminho

Em “Como as democracias morrem”, o autor Steven Levitsky, professor de Ciência Política da Universidade de Harvard, aponta quatro indicadores que definem líderes que resolvem adotar este caminho. Primeiro, eles rejeitam as regras democráticas e constitucionais; em seguida, tentam restringir as liberdades civis de rivais políticos e da imprensa; depois, negam a legitimidade de opositores; e, finalmente, encorajam ou toleram a violência. Jair Bolsonaro se encaixa nos quatro, segundo o próprio Levitsky em entrevista ao “Correio Braziliense”. O problema é que ele não tem as ferramentas indispensáveis para tocar estes indicadores adiante. Faltam-lhe apoio popular e maioria no Congresso.

Pela via institucional, Bolsonaro não conseguiria subverter a ordem democrática. Não aprovaria um reforma do Judiciário, por exemplo, para construir um Supremo ao seu gosto. Não aprovaria uma reforma política para reestruturar os partidos de acordo com suas ideias. E sequer conseguiria discutir uma reforma administrativa por não ter o aval dos servidores, embora disponha de mais de 20 mil cargos de livre nomeação que já distribuiu entre aliados, sobretudo militares (das Forças Armadas, das PMs e dos Bombeiros) e seus familiares. Sem apoio popular ele também não prosperaria. Nem o cercadinho do Alvorada Bolsonaro conseguiu manter intacto. Outro dia ouviu-se dali uma mulher dizer que ele traiu a nação.

Os gestos mais obtusos do presidente são rechaçados publicamente e caem. Caso da MP que dava poder ao inacreditável Abraham Weintraub de nomear reitores nas universidades federais. Por isso, os caminhos apontados pelo professor de Harvard não conduziram a um golpe no Brasil. O desejo de Bolsonaro de desmantelar a ordem constitucional só se daria pela infâmia, e seria assim:

A infâmia improvável

O chefe dos funcionários da portaria Câmara dos Deputados jamais se esquecerá do barulho dos vidros estilhaçados pelo primeiro tanque na invasão da casa através da entrada da chapelaria. Com o cheiro do óleo diesel dos motores dos tanques subindo para o salão verde, os presidentes Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre foram presos pelo coronel de infantaria mecanizada destacado para a operação. Diversos parlamentares, de todos os partidos, também saíram algemados e foram levados para o 1º Regimento de Cavalaria de Guardas, ao lado do Parque Nacional de Brasília.

Ao Supremo Tribunal Federal foram enviados muito mais do que um jipe, um cabo e um soldado. O prédio foi cercado por pelo menos duas companhias de infantaria. Não houve depredação como no Congresso, mas também ali prisões foram feitas sem nenhum amparo legal. Todos os ministros, inclusive o presidente Dias Toffoli, foram encarcerados no Batalhão Pioneiro, o 1º BPM, no final da Asa Sul.

No Rio e em São Paulo, jornais e emissoras de TV e rádio foram ocupados por soldados armados de fuzis e metralhadoras. A ordem era quebrar quem opusesse qualquer resistência. E foi isso o que aconteceu. Vários veículos foram empastelados pelos ocupantes. Jornalistas foram agredidos e tiros foram disparados. O saldo da barbárie ainda não se conhece. No Rio, dezenas de repórteres e editores foram recolhidos ao Batalhão de Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Em SP, levados para o Comando da 2ª Região, na Avenida Sargento Mário Kozel Filho.

As universidades também foram tomadas por tanques. Reitores e diretores de departamentos foram imediatamente presos. Há professores e alunos entre os presos e desaparecidos. Sabe-se que uma ala da Escola Militar da Praia Vermelha foi esvaziada para recolher os detidos nas universidades. No Rio e em Brasília, foram ocupadas ainda as sedes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Associação Brasileira de Imprensa. Sindicatos em todo o país estão sendo fechados.

As gigantescas manifestações de rua que se seguiram ao golpe foram reprimidas brutalmente por militares e milicianos infiltrados. Pessoas relataram ter ouvido tiros e visto corpos estendidos no asfalto. Também há relatos de agressões física e tortura de presos em alguns quartéis. É o método que os militares adotaram para tentar descobrir o paradeiro de pessoas que consideram inimigos foragidos, embora sejam apenas estudantes, professores, jornalistas, advogados. O país está chocado com tamanha infâmia.

A verdade incontestável

Alguém acredita que tamanha barbaridade poderia ser cometida pelos atuais comandantes militares? Talvez um ou outro. Alguém imagina que as Forças Armadas tomariam parte de uma brutalidade desse tamanho em nome de Jair Bolsonaro e de seus três zeros? Poucos. Alguém duvida de que este é o sonho do presidente? Ninguém.

O dinheiro não é Problema
É verdade que não havia outro caminho que não fosse o que previsse ajuda do governo federal aos mais pobres durante a epidemia que, além de vidas, ceifa empregos e fontes alternativas de renda em todo o país.

Nenhum mérito, portanto, na liberação de verbas para este fim. Era uma estratégia indispensável para a sobrevivência de milhões de brasileiros, contra a fome e o desespero.

Agora, criar uma marca, a Renda Brasil, ampliar seu alcance e estender por mais tempo seus efeitos têm outro nome.

Trata-se de uma tática de sobrevivência política do presidente. Jair Bolsonaro quer estreitar vínculos com os mais vulneráveis para acenar com apoio popular se seu mandato vier a ser ameaçado pelo impeachment.

Até que enfim
Demorou, mas finalmente alguém foi ao cercadinho dos bajuladores do Palácio da Alvorada para dizer umas boas ao presidente. Foi engraçado ver a cara de tacho de Bolsonaro mandando a mulher que o chamou de traidor ir se queixar ao seu governador.

Aquele cercadinho só abriga aliados incondicionais de sua excelência, por isso foi inusitado ver sair dali um breve contraditório.

A coisa no lugar é tão descarada, que no início da semana, quando o presidente Jair Bolsonaro ouvia de seguidores da Região Norte propostas para aprovar a ocupação de terras indígenas, disse que não podia ser claro sobre a questão e acrescentou: “A imprensa está ouvindo, aí eu não posso ficar muito à vontade”.

Embaraço geral 1
O general Eduardo Pazuello, ministro interino da Saúde que embaraça o Exército brasileiro, recebeu, na semana passada, recado de superiores fardados de que o melhor a fazer é voltar para a caserna ou ir para a reserva.

Embaraço geral 2
Duvida-se no QG do Exército em Brasília que Eduardo Pazuello e Luiz Eduardo Ramos, ministros de Bolsonaro e ambos generais da ativa, sigam o exemplo do chefe do Estado Maior Conjunto dos Estados Unidos, Mark Milley, e peçam desculpas por terem apoiado os atos antidemocráticos realizados na Praça dos Três Poderes.

Historicamente, militares brasileiros não admitem que erram.

Mais fácil para os dois é a reserva. O ministro Luiz Eduardo Ramos já deu sinais nesse sentido.

‘Eu te amo, meu Brasil’
Silvio Santos nem tenta esconder sua permanente sabujice. Desde os governos militares, seu programa dominical sempre foi reverencial ao presidente do momento.

Trata-se de um puxa-saquismo com objetivo de ganhar alguma coisa em troca.

Agora, com Jair Bolsonaro, foi ao Palácio algumas vezes e, anteontem, viu o genro virar ministro. Seu maior gol foi o seu canal de TV. Em um dos seus programas em 2006, Silvio Santos explicou como conquistou o seu canal.

Ele apresentava Ravel, da dupla que compôs “Eu te amo, meu Brasil”, e disse que o cantor foi um dos “propulsores” da sua emissora. “Ele trabalhou junto comigo para que conquistássemos o SBT. Eu e ele, durante muito tempo, andávamos juntos à procura de oficiais do Exército e de autoridades brasileiras para que eles nos fornecessem o canal”.

O apresentador ganhou o sinal no governo do general João Figueiredo, por isso foi à cata de oficiais do Exército para buscar apoio.

Reino da ignorância
A excelente série sueca “Califado” em cartaz na Netflix, mostra como é fácil conquistar corações e mentes com mentiras e meias verdades.

Mais simples ainda se os alvos das fakes forem jovens de comunidades mais pobres e se os argumentos de convencimento envolverem poder e religião.

Em “Califado”, três meninas são aliciadas para se juntarem ao Estado Islâmico com promessas falsas e imagens de hotéis luxuosos onde se hospedariam ao chegarem na cidade de Raqqa, na Síria.

Bons documentários sobre o tema já foram produzidos, inclusive pela GloboNews.

Na série, três jovens de 13 a 15 anos abandonam suas famílias e são levadas para a Síria acreditando estarem indo para um paraíso. Se na Suécia, fake news funcionam assim, imaginem no Brasil.

Pai de peixe
Helder Barbalho ainda terá chance de se explicar sobre a ação que apura desvios de R$ 50 milhões na compra de respiradores para capacitar hospitais do Pará no combate à pandemia de coronavírus.

Enquanto não se justificar, os R$ 25 milhões que tinha em conta estarão bloqueados pela Justiça.

Ouviu-se poucas vozes de políticos paraenses em apoio a Helder. Seu pai, o senador Jader Barbalho, ex-governador e ex-ministro, envolvido em escândalos na Sudam, no DNER, na Petrobras e na Usina de Belo Monte, preferiu se calar.


Míriam Leitão: O louco que nos governa

O país já está anestesiado pelas atrocidades diárias do presidente da República. Ainda assim tomou um susto com a criminosa atitude de estimular pessoas à invasão de hospitais. Isso é crime contra a saúde pública, é perturbação da ordem e incitação à prática de ilícitos. Coloca em risco pacientes, médicos e a população. Os seguidores do presidente podem seguir a proposta e executar tal desatino. Ele avisou que encaminhará os vídeos que receber à Polícia Federal. Se o fizer, será denunciação caluniosa. O negacionismo de Bolsonaro levou-o à loucura. Um louco nos governa.

Vamos olhar as leis. O código penal estabelece o crime de pôr em perigo a saúde de outrem (artigo 132), violação de domicílio (150) , infração de medida sanitária (268), incitação ao crime (286). Atentar contra a segurança ou o funcionamento de serviço de utilidade pública (265). Na lei de abuso de autoridade, o artigo 22 estabelece que é crime “invadir ou entrar astuciosamente ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio”, no artigo 25, obter provas, em procedimento de investigação ou fiscalização, de forma ilícita. Essa lei prevê o ato de cometer crime por meio de terceiros. Na lei das contravenções penais, artigo 42: “perturbar alguém, o trabalho, ou o sossego alheios, com gritaria ou algazarra”.

Para entrar em um hospital, em qualquer momento, é preciso apresentar documentos, passar pela segurança, saber se a pessoa pode receber visita, lavar as mãos, passar álcool gel, respeitar as restrições. Numa pandemia, todos esses cuidados aumentam. Se é crime invadir um hospital em períodos normais, imagine no meio de uma pandemia. Os governadores do Nordeste em carta o chamaram de inconsequente.

A proposta é um desrespeito aos pacientes, invasão de privacidade desses doentes, ameaça aos médicos e enfermeiros e coloca em risco a própria pessoa que o fizer, porque ela pode contrair o vírus e ser um vetor de contágio. O presidente está levando pessoas à morte com uma fala como essa.

Confesso que num primeiro momento não acreditei. Dei ao presidente Bolsonaro o benefício da dúvida. Infelizmente era verdade. O crime é agravado por ele ser o presidente da República. Ele acha que assim serão desmascarados os governadores e prefeitos, que, no seu delírio persecutório, estariam mentindo sobre os números de mortes e infectados e a respeito da sobrecarga do SUS, para ter ganhos políticos.

Bolsonaro repetiu a afirmação de que ninguém no Brasil morreu por falta de leitos ou respiradores. Está convencido de que há uma conspiração entre imprensa, governadores, Organização Mundial da Saúde (OMS), os que ele acha que são seus inimigos. Todos estariam inventando mortos. Indício claro de transtorno psíquico.

Bolsonaro voltou a atacar o “penúltimo”, que é como ele chama o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta, dizendo que o número está alto agora porque Mandetta havia “dado uma inflada”. Vamos desenhar para o primeiro mandatário: quando ele foi demitido, em 16 de abril, os números oficiais eram de 1.933 mortos e de 30.449 contagiados, de acordo com o Ministério da Saúde. Ontem, estávamos com mais de 41 mil mortos e mais de 800 mil infectados. O aumento desde então foi de 20 vezes. Mesmo que todos os óbitos registrados no período do ex-ministro fossem apagados, ainda assim o país teria 39 mil mortes. Aliás, desde que o general Pazuello assumiu, as vítimas fatais pularam de 14.817 para 41.828.

Na frente desta guerra pela vida estão médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, todo o pessoal de apoio. Eles trabalham duro, diariamente, longe muitas vezes das suas famílias, com risco de contaminação, em cargas horárias pesadas, com equipamento de proteção desconfortável e insuficiente, vendo a falta de remédios, passando por momentos de estresse. Inúmeros integrantes das equipes médicas dos hospitais públicos já morreram de Covid-19. Como vítimas desta tragédia, estão os doentes, tentando se recuperar nos hospitais, ou sofrendo numa UTI entre a vida e a morte. Seus parentes estão aflitos à espera de notícias. A todos eles, médicos, pacientes, familiares, o presidente Jair Bolsonaro desrespeitou com essa imperdoável atitude de convocar seus seguidores para invadir hospitais. Que pessoa sã faria isso?


Merval Pereira: Mais iguais

Não há mais caminho na Constituição para a interpretação intervencionista. Mas, claro que sempre é possível um golpe militar

O papel das Forças Armadas na nossa democracia continua dando assunto para o debate político, e o Supremo Tribunal Federal (STF), o intérprete definitivo da Constituição, se pronunciou novamente ontem através do ministro Luis Fux, que assumirá a presidência da Corte em setembro.

Respondendo a uma consulta do PDT, Fux disse, entre outras coisas: “A chefia das Forças Armadas é poder limitado, excluindo-se qualquer interpretação que permita sua utilização para indevidas intromissões no independente funcionamento dos outros Poderes, relacionando-se a autoridade sobre as Forças Armadas às competências materiais atribuídas pela Constituição ao Presidente da República”.

Há, no entanto, quem tema que “esse famigerado artigo 142 ainda vai dar pano para manga”, como o historiador José Murilo de Carvalho, da Academia Brasileira de Letras. Ele escreveu um belo artigo recentemente no Globo fazendo um apanhado histórico do papel das Forças Armadas nas constituições brasileiras, onde ressaltou que desde 1891 existe a definição delas como “garantidoras dos poderes constitucionais”, aspecto que considera “ a justificativa preferida pelas FA para definir seu papel e justificar sua intervenção”.

José Murilo me mandou um acréscimo de suas pesquisas sobre as FA nas constituições da Argentina, Uruguai e Chile, as outras três ditaduras da América do Sul, onde ele vê um “abismo de distância”. Nossos vizinhos, de fato, não definem um papel para as Forças Armadas. A Constituição argentina de 1994 diz apenas, em seu artigo 99: “O Presidente da República é o comandante-chefe das forças armadas da Nação”. A do Chile, de 2010, diz que “As FA dependem do Ministério da Defesa e “existem para a defesa da pátria e são essenciais para a segurança nacional”. A do Uruguai, de 1997, define: “O presidente da República tem o mando supremo de todas as Forças Armadas”.

Entendo o temor de José Murilo de Carvalho e tantos outros, mas, diante das diversas manifestações institucionais do Supremo, do Congresso, e de órgãos como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acho que não há mais caminho dentro da Constituição para a interpretação intervencionista.

Mas, claro que sempre é possível um golpe militar. Quanto aos nossos vizinhos, sempre haverá quem diga que o presidente, sendo o comandante em chefe das FA, poderá decidir por uma intervenção militar. No Brasil, há ainda, pela primeira vez em 30 anos de democracia, essa indesejada mistura de militares com o governo.

O presidente Bolsonaro usa os militares como ameaça – “as Forças Armadas estão do meu lado”, - embora os militares que estão no governo sempre aleguem que não há ministro militar, há ministros que vêm da área militar, como outros são políticos, ou engenheiros, ou advogados.

Nesse caso, é indispensável que todos sejam da reserva e, sobretudo, que nunca mais vistam a farda, mesmo metaforicamente, muito menos para ameaçar as instituições. Não é o que acontece. O General Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, embora tenha anunciado a decisão de ir para a reserva, garante em entrevista à revista Veja que o Exército não dará um golpe, mas adverte: “o outro lado tem que entender também o seguinte: não estica a corda”.

Ele também se recusou a comentar o que considera “implausível”: o TSE cassar a chapa presidencial. Ontem, o relator dos processos, ministro Og Fernandes, aceitou que o STF envie as provas já coletadas no inquérito das fake news presidido pelo ministro Alexandre de Moraes para serem compartilhadas pelo TSE.

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), se considerou com o direito de advertir que se o celular do presidente Bolsonaro fosse apreendido pela Polícia Federal poderia haver “consequências imprevisíveis”. Quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello convocou os três ministros militares do Planalto para depor, o aviso veio com um procedimento formal, que todo cidadão recebe da mesma maneira: se não comparecerem na data marcada, vão “debaixo de vara”.

Um linguajar próprio da Justiça que em nada rebaixa os convocados. Mas os militares ficaram irritadíssimos, como se mentalmente continuassem se considerando diferentes dos outros cidadãos. Acham que são mais iguais que os outros, como no livro “A Revolução dos Bichos”, do George Orwell.