Day: junho 12, 2020

Bernardo Mello Franco: Namoro na TV

Bolsonaro recriou o Ministério da Comunicações para abrigar o genro de Silvio Santos. Além de alegrar o homem do baú, a nomeação de Fábio Faria agrada Kassab e ao centrão

Jair Bolsonaro prometeu enxugar a máquina e governar com apenas 15 ministros. Inflou a conta para 22 e agora nomeou o 23º. O presidente acaba de recriar a pasta das Comunicações. Entregou seu comando a Fábio Faria, deputado do centrão.

O novo ministro é especialista em TV. Não exatamente pelo aspecto profissional. Com pinta de galã, ele colecionou namoros com celebridades. A lista inclui a modelo Sabrina Sato, a atriz Priscila Fantin e a apresentadora Adriane Galisteu.

O romance com a ex de Ayrton Senna deslizou das revistas de fofoca para o noticiário político. Em 2009, Galisteu estrelou o escândalo da farra das passagens. O deputado usou a cota parlamentar para levar a namorada e a mãe dela para Miami. Depois do flagra, teve que devolver o dinheiro aos cofres da Câmara.

Hoje Faria é casado com a apresentadora Patrícia Abravanel, filha do dono do SBT. Bolsonaro citou o enlace ao justificar sua promoção a ministro. “Ele não é profissional do setor, mas tem conhecimento, até pela vida que ele tem junto à família do Silvio Santos”, resumiu.

Em entrevista recente, Patrícia explicou a relação do pai com o poder. “Ele é muito pró-governo. Independentemente do governante, a gente acredita que tem que estar apoiando”, disse. Ela estava no programa do animador Raul Gil, onde tirou o chapéu para Bolsonaro.

O genro de Silvio também tem vocação para o governismo. Apoiou Lula, Dilma e Temer antes de bater continência para o capitão. Ontem ele tirou o feriado para apagar elogios aos petistas nas redes sociais. Como ensinou o poeta, o amor é eterno enquanto dura.

O homem do baú não é o único contemplado com a nomeação do deputado do PSD. Ao convidá-lo, Bolsonaro abre a porteira da Esplanada para o centrão. O grupo já havia abocanhado cargos bilionários no segundo escalão. Agora terá um ministério para chamar de seu.

A recriação da pasta também marca o retorno de Gilberto Kassab aos centro do poder. Presidente do partido de Faria, o ex-ministro já serviu a petistas e tucanos. Nesta terça, ele avisou que defenderá Bolsonaro de um eventual processo de impeachment. “No que pudermos ajudar, conte comigo”, prometeu.


Míriam Leitão: Biruta da bolsa e o vento da economia

Queda das bolsas americanas ontem mostra que os mercados devem viver momentos de volatilidade, apesar das últimas semanas de recuperação

Os mercados ontem derreteram. As bolsas americanas tiveram a maior queda diária em três meses, e os papéis das maiores empresas brasileiras fecharam em queda de 8,7% por lá. Durante semanas, o movimento foi o oposto, de forte recuperação. Na quarta-feira, as bolsas nos EUA haviam zerado as perdas com a crise. No Brasil, o Ibovespa subiu 48% desde o pior momento, mas ainda está 26% abaixo do pico registrado em janeiro. Hoje, o índice deve abrir em queda, após o feriado, para refletir o movimento no mundo do mercado.

Mesmo com a queda de ontem, o fato é que os mercados parecem meio descolados da realidade. Houve momentos nos últimos dias em que a bolsa subia no Brasil, o dólar caía, enquanto o país vivia a escalada das mortes e o aprofundamento da crise política. No mundo inteiro as projeções são de forte recessão em 2020. Então por que houve essa recuperação das bolsas? Os investidores explicam que muita coisa mudou desde o início da pandemia, atenuando os temores iniciais.

— De uma forma geral, a recessão está menos intensa do que se imaginava. Houve suporte grande dos governos e um aumento de liquidez nunca visto pelos bancos centrais. Além disso, hoje se tem mais informações sobre o vírus. Então, em uma ponta, houve diminuição do risco, e em outra, o “seguro pelo sinistro” ficou maior, pela atuação dos BCs — resume o economista-chefe da Mauá Capital, Alexandre de Ázara.

O economista Felipe de Faria Viana, estrategista-chefe da Valor Investimentos, entende que houve um exagero inicial dos mercados. Olhando para a bolsa brasileira, ele explica que o índice Ibovespa tem um peso muito grande de empresas exportadoras, como a Vale, que se beneficiam da desvalorização do real, e de outras companhias grandes que mantêm acesso ao crédito mesmo nos piores momentos, o que não acontece com a micro, pequenas e médias empresas.

— Parte do problema da crise foi absorvida pelas políticas fiscal e monetária. Nos EUA, as famílias de baixa renda receberam cheques mensais de US$ 1,2 mil do governo. Houve muito estímulo. Aqui no Brasil a composição do índice Ibovespa em alguns momentos faz com que ele se descole da economia real — explicou.

Os gráficos e dados mostram que as bolsas americanas tiveram uma recuperação em “V”, ou seja, com uma queda forte e uma volta rápida. O índice Nasdaq, com papéis de empresas de tecnologia, não só recuperou a queda como bateu novo recorde. A redução do desemprego nos EUA em maio animou os investidores, após a forte alta no mês de abril. A taxa, que havia disparado de 4,4% para 14,7%, foi para 13,3%. E havia projeções de que poderia passar dos 20%.

— Na China, onde a pandemia começou, as vendas do varejo, a produção industrial e as pesquisas de PMIs de serviço e manufaturas vieram melhores do que o esperado — acrescenta Ázara.

No Brasil, no pior momento, no final de março, a bolsa caiu a 63 mil pontos e voltou para a casa dos 97 mil esta semana, com uma pequena queda nos últimos dois pregões. O dólar, que quase rompeu a barreira de R$ 6,00, caiu para R$ 4,97. Os investidores estrangeiros voltaram a comprar ações de empresas brasileiras em junho, com saldo positivo de R$ 3,17 bilhões no mês até o dia 10. Tudo isso, no entanto, ainda é uma recuperação parcial. No acumulado do ano, há saída de R$ 73 bi de investidores estrangeiros da bolsa, em janeiro o Ibovespa chegou a 119 mil pontos e o dólar era cotado a R$ 4,03.

A péssima atuação de Bolsonaro no combate à pandemia e o agravamento da crise política enfraqueceram o governo. Aos olhos do investidor, isso significa que a agenda de ajuste fiscal perderá força. Na semana que vem, os mercados financeiros estarão atentos à decisão do Copom. Com a deflação registrada em maio, o índice de preços em 12 meses caiu para 1,88%, muito abaixo do centro da meta de 4%. São grandes as apostas para um novo corte na Selic, em 0,75 ponto, que colocaria a taxa básica de juros em 2,25%.

Os ativos permanecerão voláteis este ano, porque há muitos fatores de instabilidade, riscos de uma segunda onda, o rigor da maior crise econômica da história recente no mundo e o coronavírus ainda fora do controle. O Brasil tem também seu tormento político.


Rogério Furquim Werneck: Limites do senso de missão

Militares vêm sendo arrastados para constrangedor comprometimento com os descaminhos do governo

Engolfada pelo turbilhão da pandemia, da recessão e da crise política, a nação assiste, estarrecida, à escalada de desatinos que continua a marcar a forma com que o governo vem lidando com o devastador alastramento da Covid-19.

Basta acompanhar o que vem ocorrendo em outros países, inclusive vizinhos, para perceber quão desastrosos foram os equívocos por aqui cometidos nessa frente de batalha. E é preciso ter em conta que, ao amplificar as proporções da pandemia e alongar sua fase mais crítica, o governo vem condenando o país a enfrentar uma recessão cada vez mais profunda e um quadro fiscal que se torna a cada dia mais alarmante.

Tendo apostado no discurso irresponsável de desdém pela pandemia e na fantasia de poder empurrar o ônus político da recessão para governadores e prefeitos, o presidente parece ter-se dado conta, afinal, de quão impensada se revelou sua aposta. E já não esconde sua crescente apreensão com o desgaste político que o avanço da pandemia vem impondo ao governo.

Aflito com a torrente de más notícias, não ocorreu ao Planalto melhor ideia do que passar a maquiar os dados de disseminação da Covid-19, acompanhados a cada dia, com crescente interesse, pela opinião pública. E é espantoso que tenha encontrado no Ministério da Saúde quem se prestasse a levar tal desatino adiante.

Tendo já se defrontado com dois médicos que se recusaram a contemporizar com seus desmandos, o presidente preferiu manter como ministro interino da Saúde o oficial-general de intendência que vem tripulando altos cargos do ministério com dezenas de militares.

Será lamentável se, no combate à pandemia, militares continuarem a ser mobilizados para preservar as linhas de suprimento da longa marcha de insensatez que vem sendo promovida pelo governo Bolsonaro, e permitir que o país se embrenhe ainda mais no terreno da irracionalidade.

O desatino, já sustado pelo STF, enseja uma discussão mais ampla sobre a forma como, no Brasil, militares encaram o papel que lhes cabe quando nomeados para altos cargos públicos civis no governo federal. Há boas razões para crer que, em geral, percebem suas nomeações como missões a eles atribuídas pelo presidente da República, seu superior hierárquico máximo, como comandante em chefe das Forças Armadas.

O problema é que isso os deixa não só em posição desconfortável para se opor a encaminhamentos inadequados de certas questões, como resistentes a pedir demissão. E, portanto, mais vulneráveis a manipulações do presidente. Não é por outra razão que militares de todas as patentes, do Ministério da Saúde ao Palácio do Planalto, vêm sendo progressivamente arrastados para constrangedor comprometimento com os descaminhos do governo Bolsonaro.

Não faltará quem alegue que não há o que fazer a respeito. Que a percepção do cargo público civil como uma missão da qual não se pode desvencilhar é intrínseca aos militares. Não é uma alegação convincente. No próprio governo Bolsonaro, já houve vários militares cujas reações não se enquadraram nesse padrão. Resistiram ao que deles foi exigido e acabaram saindo do governo.

É bom também ter em conta o que vem ocorrendo nos EUA, num governo tão caro ao Planalto. Ao longo do mandato de Donald Trump, houve muitos casos de militares que se recusaram a compactuar com os desígnios do presidente. E que acabaram se demitindo ou sendo exonerados. Ou vindo a público para se retratar, como fez agora, com grande repercussão, o general Mark Milley, no mais alto comando militar dos EUA.

Pobre do país cujo presidente não teme que ministros e ocupantes de altos cargos públicos se demitam. No caso do governo Bolsonaro, é mais do que sabido que, na área econômica, as coisas só puderam ser mantidas sob relativo controle porque o presidente sempre temeu que um abuso maior de sua parte pudesse levar à demissão do ministro da Economia. Por fantasioso que seja, vale indagar: como teria sido este governo se, desde o início, Bolsonaro estivesse tomado do mesmo temor em relação aos demais ministros?

*Economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio


Merval Pereira: A caminho da reserva

Saúde passou a ser exemplar da ‘militarização’ do governo, tendo sido nomeados no último mês 30 assessores militares

A autocrítica do General Mark Milley, chefe do Estado Maior Conjunto, principal autoridade militar dos Estado Unidos, por ter participado de uma caminhada com o presidente Donald Trump de cunho político, vem a calhar diante da incorporação de militares, da ativa e da reserva, no governo do presidente Bolsonaro.

“Minha presença naquele momento, e naquele ambiente, criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna”, disse o general Milley. O mesmo desconforto sentiu o General de Exército da ativa Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria de Governo, ao participar de uma manifestação política em frente ao Palácio do Planalto no domingo dia 17.

Convocado pelo presidente Bolsonaro, assim como outros ministros, o General Ramos compareceu “disfarçado”, com um boné da Harley Davidson e óculos escuros, e ficou no alto da rampa, sem participar da manifestação. Mas naquele dia o presidente resolveu chamar todos os ministros para próximo dele, e apresentou um a um à multidão, levantando seus braços.

Sua presença na rampa do Planalto tinha um inescapável sentido político e foi muito criticada pelo fato de ser um General da ativa. Foi a última vez em que Ramos participou de uma manifestação, e começou a pensar em ir para a reserva.

Vem conversando com o presidente Bolsonaro desde então, e diz que sua decisão pessoal já foi tomada, mas está na “fase de possibilidade de ir para a reserva”, pois ainda não se acertou com o presidente. Ele prefere continuar ajudando no Governo, mas estar na reserva.

O General americano Mark Milley gravou um vídeo para ser exibido na abertura do ano letivo da Universidade Nacional de Defesa onde diz: “ Como oficial da ativa, foi um erro com o qual aprendi, e espero sinceramente que todos nós aprendamos com ele. Nós, que usamos as insígnias de nossa Nação, que viemos do povo, devemos sustentar o principio das Forças Armadas apolíticas, que tem raizes firmes na base da nossa República”.

O governo Bolsonaro tem cerca de 3 mil militares, da ativa e da reserva, em seus quadros, oito militares como ministros efetivos e um interino, o General Eduardo Pazuello, há quase um mês à frente do ministério da Saúde. General da ativa, Pazuello só não foi efetivado porque os ministros militares que têm gabinete no Palácio do Planalto aconselharam o presidente a não fazer isso, pois os problemas da pandemia de Covid-19 cairiam no colo dos militares.

Bolsonaro encontrou uma maneira indireta de fazer o que quer, transformando essa interinidade em atividade permanente. Os militares sempre defenderam a tese de que não existem ministros militares, mas ministros que têm origem militar, assim como outros são engenheiros, advogados, ou mesmo políticos.

Mas o fato é que, assim como o PT aparelhou o governo nos seus 15 anos com sindicalistas e políticos fisiológicos do centrão, Bolsonaro está aparelhando o seu com o mesmo tipo de políticos e militares. O ministério da Saúde passou a ser exemplar dessa “militarização” do governo, tendo sido nomeados nesse último mês cerca de 30 assessores militares, alguns em postos chaves do ministério, que perdeu muitos técnicos de qualidade nesse período.

O General Luiz Eduardo Ramos é o encarregado dos contatos políticos do Governo e tem um bom relacionamento com eles desde que, como Comandante Militar do Leste, com sede em São Paulo, mantinha encontros periódicos com parlamentares da região. Hoje, atua diretamente em negociações politicas, inclusive com governadores.

A última “missão” de peso de que participou foi organizar a reunião de Bolsonaro com os governadores que marcou um breve interregno no conflito entre Brasília e os Estados.

Na ocasião, ele comemorou o sucesso do encontro classificando-o de “histórico”. O General Ramos concorda em tese com o General americano Mark Milley, por isso está trabalhando junto ao presidente Bolsonaro para ir para a reserva sem deixar suas funções na Secretaria de Governo. Ele é amigo de Bolsonaro há décadas, diz que considera importante estar no governo neste momento, mas acredita que, indo para reserva, preserva o “meu Exército, que tanto amo e servi”.


O Globo: ‘Máquinas de mentira não podem ter mais uma eleição’, diz Alessandro Vieira

Amanda Almeida, O Globo

Autor do projeto que trata do combate às fake news e da regulação das empresas de redes sociais, o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) defende que o texto precisa ser votado com urgência, apesar das divergências sobre o tema. Ele argumenta com o calendário, lembrando que o processo eleitoral se aproxima e que o país não pode voltar às urnas sem um controle mais rígido da internet. As críticas mais comuns têm sido de que a falta de um critério claro para definir fake news pode limitar a liberdade de expressão das pessoas, e que a obrigação de cessão de dados às empresas donas das redes pode expor os usuários. Sem consenso, a votação da proposta esta semana foi adiada. O senador quer vê-la na pauta do plenário da próxima semana.

Seu projeto conseguiu unir petistas e bolsonaristas. Ambos os lados dizem, por exemplo, que o texto fere a liberdade de expressão. O senhor aceitou parte das críticas?

A gente continua achando as críticas desarrazoadas. Não há no texto qualquer risco à liberdade de expressão. Mas a gente tomou uma providência. A gente retirou dele as referências em relação à situação de (o que é) desinformação, checagem de fatos, enfim, aquela questão toda. No projeto, a gente tentava regulamentar isso, o que já é feito pelas empresas, pela plataforma. E a gente deixou esse tema para um debate posterior. Não há risco à liberdade de expressão, privacidade ou confidencialidade.

Críticos apontam que, ao tentar reforçar o controle das redes, o projeto acaba por fornecer em demasia dados dos usuários às plataformas. Dizem que vamos virar uma sociedade patrulhada e que esses dados podem ser usados equivocadamente.

Não vejo nenhum sentido. As empresas de tecnologia já têm um volume imenso de dados sobre cada cidadão. O que a gente está focado em garantir não é mais dado para empresa, mas o direito a uma eventual vítima de identificar o autor daquela ofensa, daquele crime. Para que isso aconteça, você precisa ter o suficiente para a identificação do usuário. Não vejo esse risco. Esse dado só seria acessível via ordem judicial. Não tem de colocar “Amanda” e seu CPF em seu perfil. Apenas ter o dado disponível para se a Justiça necessitar.

Outra crítica é de atropelo no debate, já que o projeto corre em meio à pandemia, sem passar pelas comissões.

Durante uma pandemia, a mentira e a desinformação matam. Isso é um ponto muito claro. E, segundo, a gente está se aproximando de um novo momento eleitoral. E a gente não pode chegar a mais uma eleição com máquinas de mentiras, de desinformação, de ataques, disponíveis nas redes sociais. A gente sabe o impacto que isso tem. É plenamente justificada a necessidade de votação imediata. E já passou de uma centena de reuniões com todas as plataformas, com entidades de direitos nas redes, com especialistas. Todo mundo foi ouvido, alguns mais de uma vez, tiveram oportunidade de deixar sua sugestão, várias incorporadas. Então, não vejo falta de debate.

Do projeto original, o senhor vê alguma mudança fundamental?

A gente teve mudanças, como a que suscitava esse debate da subjetividade. As empresas já verificam conteúdo, já tarjam conteúdo. A gente queria que isso fosse de forma bastante transparente. Mas, para evitar qualquer tipo de incompreensão, optamos por tirar esse pedaço. Nosso eixo está claro. O projeto objetiva garantir a identificação dos usuários, acabar com contas falsas e redes artificiais não declaradas, a rede de robôs. Hoje, estão levantando uma hashtag sobre o Fábio Porchat. Você vê aquele volume imenso de mensagens iguais. Isso custa de dinheiro. Alguém paga. Só que o usuário final, na ponta, não sabe que está interagindo com uma máquina, pensa que é gente mesmo. Isso tem impacto violento na sociedade. Tanto para fins eleitorais como para moldar comportamentos. Você pode continuar manifestando sua opinião, inclusive ofensiva. É um direito e vai ser responsabilizado, caso alguém se sinta agredido. A situação atual impede a responsabilização e isso é muito ruim.

O relator fala sobre a necessidade de recadastrar linhas pré-pagas. Quer controle mais rígido. Diz que é a raiz das fake news por dificultar a identificação dos titulares. O senhor concorda?

Está fora do escopo inicial do projeto. O relator está apontando um problema que é real. Você realmente tem dificuldade grande para encontrar usuários de aparelhos pré-pagos. Mas não sei como ele vai resolver isso tecnicamente. Estou aguardando o relatório para analisar.

O controle das ferramentas é o suficiente para o combate às notícias falsas?

No projeto, há a obrigação de o Estado promover o processo educacional, do ponto de vista da segurança e da independência, de liberdade de pensamento. Assim que se resolve definitivamente, qualificando o cidadão que consome informação. O crime sempre vai existir. Mas, hoje, é muito difícil de ser punido e altamente compensador.

Sob argumento de combater fake news, o STF abriu um inquérito próprio, alvo de críticas. O senhor concorda?

Eu entendo e manifesto desde o início que esse inquérito é inconstitucional. Você não pode ser, ao mesmo tempo, a vítima, o acusador e o juiz. Dito isso, entendo que é inconstitucional, mas que os fatos apurados são graves e precisam ser investigados.


Maria Cristina Fernandes: Democracia remota blinda Congresso

Sob deliberação remota há quatro meses, parlamentares terceirizaram ao STF o enfrentamento com o Executivo e agora se preparam para enfrentar pressão redobrada pelo impeachment

A aprovação do projeto que transfere terras da União para os Estados de Roraima e Amapá, antigos territórios federais, arrancou vivas tanto do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), integrante da turma que morde o bolsonarismo, quanto do seu principal artífice, o presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), capitão da banda que assopra.

O dueto de antagonistas conterrâneos foi interrompido pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN). Votara a favor da iniciativa, mas denunciava a manobra que havia levado todos a retirar projetos prioritários de pauta em função do acordo para apenas colocar em votação remota o que estivesse relacionado à doença: “Ou a gente muda a regra ou cumpre a regra. Isso não tem absolutamente nada a ver com a covid”.

Não era a única queixa do senador. Prates reclamou ainda que os colegas que pediam para falar “pela ordem” deviam ser colocados para o fim da fila de quem se inscreveu para falar os três minutos regulamentados pela norma da votação remota.

O procedimento, comum nos apartes parlamentares, virou uma guerra no plenário virtual. O presidente do Senado, cuja contemporização com o bolsonarismo rendeu, além da transferência de terras, benesses como um hospital de campanha federal no Amapá, prometeu resolver o rolo dos apartes, mas não disse palavra sobre os jabutis da pauta.

Quatro meses depois, os procedimentos adotados pelas mesas da Câmara e do Senado para manter os trabalhos em funcionamento durante a pandemia se transformaram num poço de controvérsias. Se todos concordam que as sessões remotas foram a saída possível para manter as deliberações do Congresso, sobram divergências em relação ao poder redobrado dos presidentes, do colégio de líderes e até dos burocratas das mesas diretoras.

Os presidentes das Casas e os colégios de líderes definem a pauta, abrem a sessão e depois de manifestações parlamentares de três minutos, os projetos são votados. Se houver acordo com os líderes, o projeto entra em regime de urgência, o que não permite qualquer obstrução. Nos chats, foi aos funcionários que os parlamentares passaram a dirigir pedidos desesperados de que querem se fazer ouvir.

Apesar de ter como objetivo o bloqueio dos mais de 40 pedidos de impeachment que lá se acumulam, as negociações do governo com os parlamentares do Centrão também tiveram como pano de fundo o poder redobrado dos líderes partidários na nova dinâmica.

Paralelamente, a oposição, além de perder poder de manobra, também não tem como se articular para reagir ao governo.

Os grupinhos que tradicionalmente se formam para articular, dentro e fora do plenário, as votações e encaminhamentos, estão inviabilizados. Se os parlamentares decidirem fazer uma chamada coletiva para discutir um projeto, paralelamente à sessão, correm o risco de perder a votação.

A discussão dos projetos também perdeu qualidade técnica porque nem sempre é fácil para o parlamentar manter conversas paralelas com os consultores legislativos durante a sessão. No plenário físico é mais fácil saber a quem se deve ou não prestar atenção. No virtual, o parlamentar que se descuidar pode acabar perdendo o encaminhamento de um projeto.

“As discussões muitas vezes se dão depois da votação”, queixa-se a senadora e presidente da CCJ do Senado, Simone Tebet (MDB-MS).

Foi o que aconteceu na votação do projeto de ajuda aos Estados, quando o senador José Serra (PSDB-SP) acabou só tendo oportunidade de falar três horas depois que a votação já havia se encerrado. “Não dá para achar que, ao colocar sua posição em rede social o parlamentar esgota a discussão. A defesa de posições, a contestação e o debate se dá em plenário”, diz a presidente da CCJ.

É difícil encontrar, no Congresso Nacional, quem negue a mitigação da democracia remota. Foi essa a razão de o mecanismo ter enfrentado resistências no mundo inteiro. No Reino Unido foi aprovado em abril, mas se limitou a regulamentar sessões para discussão de temas relativos à pandemia, não votações. Sem reuniões deliberativas desde então, o Parlamento britânico tenta retomar as sessões 100% presenciais, mas enfrenta a resistência dos integrantes mais velhos em comparecer.

Nos Estados Unidos, onde a Câmara também adotou sessões remotas, as deliberações foram permitidas contra o voto de 189 deputados (e 217 a favor). As regras, no entanto, exigem que o voto seja dado em plenário por um representante do parlamentar devidamente autorizado a fazê-lo. A resistência dos republicanos ao sistema se deve à percepção de que se trata de um instrumento de força nas mãos da presidente da Casa, a deputada democrata Nancy Pelosi, que estaria a suprimir o debate e os espaços de contestação.

Desde o início do funcionamento do Sistema de Deliberação Remota no Brasil, os entraves à negociação confirmam, em grande parte, os temores mundo afora em relação ao sistema. Na votação do projeto de lei de ajuda aos Estados e municípios, um parlamentar quis tirar o destaque a uma emenda, já contemplado por um colega, e foi impedido pelo presidente da Casa. “Ligue para ele, deputado”, disse Rodrigo Maia, sugerindo que o colega colocasse a sessão no “mute” para negociar com o colega por telefone.

Maia não abriu mão da presença na Câmara. Enquanto comanda os trabalhos, o presidente da Casa, conhecido por não largar o celular, também troca mensagens com os deputados, registradas nas notas taquigráficas, mandando-os tirar o microfone da função mudo ou se valer do ícone com um aceno para pedir uma questão de ordem.

No Senado, o chat das sessões virtuais é conduzido pela secretária-geral-adjunta da mesa diretora, identificada nas notas taquigráficas apenas como SGM Adjunta, que passa quase todo o tempo domando os incautos. “Senadora Soraya [Thronicke], para se inscrever basta ‘levantar a mão no sistema’”, recomendou a funcionária numa sessão do dia 16 de abril. Oito minutos depois, a senadora bolsonarista do Mato Grosso do Sul, que continua no PSL, ainda não havia descoberto onde ficava a mãozinha virtual.

Câmara e Senado também adotaram meios distintos para regulamentar o trabalho remoto. O presidente da Câmara aprovou, em plenário, uma resolução com as normas. O do Senado se limitou a baixar um ato da mesa diretora. No Congresso, valeu o modelo do Senado e passou a ser regulado por um ato da mesa. Ambas as Casas desenvolveram um aplicativo que o parlamentar pode baixar ou acessar o Zoom para ter acesso. Depois que foram identificadas falhas de segurança, as duas Casas passaram a adotar uma senha enviada apenas meia hora antes de seu início. Maia conduz as sessões da própria mesa da Câmara, enquanto Alcolumbre o faz de uma sala no Prodasen, a Secretaria de Tecnologia da Informação do Senado. Para validar o voto, o parlamentar deve se colocar frente à câmera do computador.

O Sistema de Deliberação Remota tem se restringido ao plenário. “É nas comissões onde, de fato, se dá o processo legislativo. Como são poucas as sessões, as matérias chegam cruas ao plenário”, diz o consultor legislativo do Senado, Luiz Alberto dos Santos. “Foi a saída possível para o Congresso, mas acaba atrofiando seu papel. É nas comissões, por exemplo, onde são realizadas as audiências públicas, onde se dá a interlocução com a sociedade”, confirma o deputado Silvio Costa Filho (PE), primeiro vice-líder do Republicanos.

Há um acordo tácito para que as deliberações remotas não sejam alvo de judicialização. Nem todos os pressupostos desse acordo, no entanto, são cumpridos. A ausência de sessões deliberativas nas comissões ampliou as brechas para a inclusão de temas não relacionados à proposição original das medidas provisórias, os chamados “contrabandos”. O Supremo havia imposto um limite para isso determinando que as MPs só seriam levadas ao plenário depois de apreciação pela comissão mista. Com a pandemia, a restrição caiu por terra.

No Senado, durante a votação sobre as novas atribuições do Banco Central na operação de títulos no mercado, a mesa diretora acabou chancelando o acolhimento de uma emenda de mérito sob a roupagem de “emenda de redação”. O quiproquó acabou no Supremo.

Outro acordo rompido foi o de que, durante o trabalho remoto, nenhuma emenda constitucional seria votada. Abriu-se exceção para a votação do “Orçamento de Guerra”, que deu plenos poderes para o Executivo nos gastos relativos à pandemia.

Nem o ato da mesa do Senado nem o projeto aprovado pela Câmara estabeleceram prazo para o funcionamento remoto, mas tanto Maia quanto Alcolumbre já se comprometeram com o retorno do trabalho presencial em julho.

A extensão do trabalho remoto tem preservado os presidentes das duas Casas tanto das pressões pelo andamento das representações contra os filhos do presidente, o deputado Eduardo (sem partido-SP) e o senador Flávio (sem partido-RJ), no Conselho de Ética, quanto do acolhimento de um dos mais de 40 pedidos de impeachment já protocolados.

É mais confortável para os comandantes do Congresso terceirizar o embate com o Executivo para o Judiciário, até porque o presidente da República tem sido agressivo na atração de parlamentares para sua base de apoio. A pressão para que o Congresso entre na briga, no entanto, só cresce. O senador Renan Calheiros (MDB-AL) se valeu do Twitter para deixar pública sua pressão: “É imperioso retomar as sessões presenciais. Com distanciamento, votação em gabinetes, poucos assessores, mas com a tribuna aberta. Precisamos engrossar o respaldo ao Judiciário”. Preservado da covid-19 pelas sessões remotas, o Congresso está com os dias contados para ser contaminado pela disputa em torno da abreviação do bolsonarismo.


César Felício: O centrão italiano

Operação política de Bolsonaro agora lembra a de Mussolini

O soberbo livro “M- O filho do século”, uma biografia romanceada de Benito Mussolini que levou Antonio Scurati a ganhar, no ano passado, o Prêmio Strega, o principal da literatura italiana, tem sido muito usado para traçar analogias entre a ascensão do fascismo na Itália e o que pode estar acontecendo no próprio país de origem do livro, em outras nações e no Brasil, sem que estejamos percebendo claramente. A carapuça serve a várias cabeças.

A leitura impressiona quando se pensa no Brasil, sem que seja preciso forçar a barra em considerar o bolsonarismo como a versão cabocla e contemporânea do fascismo. Banalizar o que foi Mussolini é uma afronta às vítimas do horror da ditadura que arrasou a Itália entre 1922 e 1943.

Por mais que seja inegável o caráter populista e autoritário do bolsonarismo, ainda há um oceano a separá-lo de Mussolini em termos de brutalidade política. Aqui não se sodomiza deputados esquerdistas com cassetete e nem se executa sindicalistas a pauladas no meio da rua, em expedições punitivas pela madrugada. Detalhe: essas duas barbaridades, relatadas no livro, aconteceram antes da ascensão de Mussolini ao poder, em tempos em que o fascismo apenas ganhava forças.

Ressaltar as diferenças não significa outorgar ao bolsonarismo um ISO 9000 de aceitação da democracia. A extrema-direita não é uma força comprometida com a democracia nem no Brasil, nem em nenhum lugar do mundo, frise-se. Como a extrema-esquerda também não é. A ação de um bolsonarista ao retirar as cruzes que simbolizam as mortes por covid em um protesto nas areias de Copacabana são sugestivas neste sentido.

O que perturba é a semelhança entre a operação política dos dois. O ditador italiano e o presidente brasileiro chegaram ao poder dentro de uma vaga de descrédito das instâncias partidárias e das instituições, capitaneando movimentos populares tão apaixonados quanto inorgânicos. Bolsonaro, assim como Mussolini, não representa um sonho coletivo, mas o sonho de muitos, para usar uma expressão de Ricardo Sidicaro, um especialista na variante argentina de populismo autoritário, derivada de Peron.

Ao chegar ao poder, em poucos meses Mussolini se viu em uma vertente de isolamento político. O escândalo decorrente do seu próprio envolvimento no assassinato de um adversário político levou o fascismo a passar por um derretimento em 1924. Primeiro Mussolini perde o apoio dos grandes motores da mídia, os jornais “Corriere della Sera” e “La Stampa”.

Depois perde as ruas: as manifestações a seu favor tornam-se cada vez menores e cada vez mais radicalizadas. “O Partido Nacional Fascista está fechado em si mesmo como uma fortaleza sitiada”, escreve Scurati. Mussolini recorre ao refúgio do patriotismo, fazendo com que o fascismo se aproprie dos símbolos nacionais, como a bandeira tricolor e a lembrança dos mortos na Primeira Guerra Mundial, mas aí “o Parlamento, até então cúmplice, também começa a repudiar o fascismo”. Segundo Scurati, nos corredores da Câmara “fala-se de acordos entre os principais líderes liberais para minar a autoridade de Mussolini”.

Derrotas no Congresso começam a acontecer. “A cada novo voto, o governo perde apoio”. Antigos aliados principiam a pedir a renúncia do Duce. “A maioria desmorona, o poder de Mussolini mostra sinais de instabilidade”.

O fascismo parecia em queda livre, quando em 30 de novembro “todas as forças antifascistas se reúnem em Milão”, em uma manifestação que há muito tempo não se via.

Em editorial, o jornal “La Stampa” comentou: “ o governo tem uma única preocupação: não acabar. Um único medo: as sanções da Justiça. Uma sensação de incerteza e inquietude se difunde pelo país sem possibilidade de ser interrompida e nem remediada”.

É nesse instante que entra em cena a variante do “Centrão” na política italiana dos anos 20. Na época, se chamava “Pântano” o bloco de deputados que nem estavam na terra firme, nem na profundeza das águas.

Eram os 44 deputados da chamada direita moderada, “os que estão sempre no meio entre duas conflitantes formações de alucinados”.

Tudo o que o bloco queria, conforme descreveu Scurati, era encontrar uma forma de minar a autoridade do governo, de modo a forçar Mussolini a romper com seus radicais e adotá-los como base política.
Começam as negociações e Mussolini propõe uma reforma eleitoral, trocando o voto em lista pelo majoritário, algo que, em tese, poderia beneficiar os caciques do bloco.

“ A direita liberal, até ontem pronta a alijá-lo, se reaproxima atraída pela perspectiva de reeleição. Ameaçados pelo risco de não se reelegerem, os fascistas moderados, até ontem seduzidos pela corrente de oposição, correm para se realinhar. O pântano, assim, se fecha sobre o próprio lodo. A única coisa que importa para os políticos de carreira é a reeleição. Mesmo que o mundo desabasse, eles não levantariam um dedo para ajudar ninguém”, lamenta Scurati.

Sentindo-se fortalecido, em 3 de janeiro de 1925 Mussolini vai ao parlamento e paga pra ver. Ele pergunta: “o artigo 47 do Estatuto diz que a Câmara tem o direito de acusar os ministro do rei e de conduzi-los à Alta Corte. Pergunto se alguém nesta Câmara ou fora dela há quem queira se valer do artigo 47?”.

O silêncio é a resposta. Mussolini planta as mãos no quadril, estica o pescoço pra cima, projeta o queixo quadrado a seus interlocutores e se torna novamente o dono do jogo. Com a cooptação do Pântano, Mussolini estava blindado.

Aqui no Brasil, Bolsonaro vai exorcizando o fantasma do impeachment com a recriação do Ministério das Comunicações, a ser entregue para o deputado Fábio Faria, a possível ressurreição do Ministério da Segurança, que pode ir para o mesmo bloco, e o embarque no projeto de poder do líder do PP, Arthur Lira, mais forte nome para suceder Rodrigo Maia na presidência da Câmara.

A pandemia e a crise econômica desgastam Bolsonaro, que mesmo antes das desgraças de 2020 já não contava com mais do que um terço, na melhor das hipóteses para ele, de apoio no eleitorado. É a hora do Centrão fazer seu preço, como o Pântano fez na Itália. Na hora mais escura, não são os malucos da internet de hoje ou das camisas negras do passado que salvam o líder.

*César Felício é editor de Política


Reinaldo Azevedo: Bolsonaro percebeu que a imprensa é corrupto-dependente

Os métodos mais uma vez não permitem distinguir o certo do errado, o culpado do inocente

É fácil levar a imprensa —no seu conjunto e sem exceções— a servir de instrumento da fascistização bolsonarista: ofereça a ela alguns acusados de corrupção! Como, com efeito, a política brasileira não é um convento (ou é, mas daqueles do Eça de Queiroz pré-conversão), basta que a Polícia Federal —a pedido do Ministério Público e com a autorização de um juiz— realize algumas operações espetaculosas e pronto! A coisa está feita.

Na coluna passada, escrevi neste espaço: “Eis a PGR a servir de pátio de manobra da sanha de Bolsonaro contra os governadores. A Lava Jato destruidora de instituições —que morreu como projeto de poder de Sergio Moro e dos ‘white blocs’ do MPF— renasce em espírito com Augusto Aras, agora sob os auspícios do bolsonarismo”.

As operações de caça a governadores em razão de irregularidades reais ou supostas envolvendo a compra de respiradores estavam escritas nas estrelas e também nos tuítes, entrevistas e telefonemas ameaçadores da deputada Carla Zambelli (PSL-SP).

É impressionante que essa senhora não seja convocada a prestar esclarecimentos a seus pares. Comporta-se como uma vivandeira da Polícia Federal. Num telefonema que veio a público, de maneira arreganhada, ameaça uma assessora da ex-aliada e hoje desafeta Joice Hasselmann.

O fato de que ambas se mereçam não elimina a evidência de que Carla apela a um órgão de Estado, a PF, no que tem cheiro de chantagem. Em troca de seu convite à interlocutora para a quebra de lealdade, há a oferta de um emprego. No Twitter, anuncia, sem pudor, que o governador de São Paulo pode esperar pela chegada da Polícia Federal. Ela teve a premonição, vocês devem se lembrar, de que Wilson Witzel seria garfado.

Não é sem desconforto e desalento que essa senhora vem parar na minha coluna. A versão literária que eu tinha, até então, de pessoas como Carla apelava até a certo lirismo…

Eis aí. Jair Bolsonaro e Eduardo Pazuello, seu Boneco de Mamulengo Fardado da Saúde —com sua voz de barítono que não sabe o que cantar— não entregaram nem os respiradores nem os kits de UTI prometidos aos estados. Segundo projeções de modelos matemáticos com os quais opera a Casa Branca, tudo o mais constante, o Brasil ultrapassa os EUA em números de mortos no dia 29 de julho. E daí?

Ainda que a Polícia Federal quisesse investigar compras emergenciais feitas pelo Ministério da Saúde, não haveria muito o que apurar, à parte algumas estrepolias com cloroquina. A rigor, a pasta não existe, a não ser pelo esforço de esconder os mortos. Esses valentes são incapazes de entregar respiradores, mas sabem como caçar aqueles que os compram.

Há tempos Bolsonaro havia dado a senha: essa preocupação com a Covid-19 serviria apenas, segundo o pensador, à articulação de esquemas de corrupção. E, obviamente, não descarto que muita safadeza tenha sido feita nesse tempo. O busílis é outro. Os métodos que mais uma vez estão em curso não permitem distinguir o certo do errado, o culpado do inocente ou o malfeito da acusação infundada.

E não permitem porque, uma vez mais, mandaram-se às favas o devido processo legal e os procedimentos mais comezinhos de uma investigação. As operações são desfechadas, e a nós, da imprensa, é fornecida a lista de suspeitas e supostas evidências que não fazem investigados, mas culpados.

A absolutização de quaisquer valores —nem que sejam o bem, o belo e o justo— serve a projetos autoritários se deixamos de lado as regras que organizam o devido processo legal e os direitos garantidos pela Constituição. E, mais uma vez e como sempre, eles estão indo para o lixo. O Brasil é, em parte, governado por vazadores de investigações conduzidas em sigilo.

Sei o que me custou —e custou muito caro!— apontar os arreganhos autoritários da Lava Jato já em 2014, três meses depois de deflagrada a operação. Deu no que deu! Uma nova caçada está em curso. “O fascismo começa caçando tarados”, afirmou Bertolucci em entrevista. E o disse não por apreço aos tarados. Mas por horror ao fascismo.

Não aprendemos nada nem esquecemos nada


Hélio Schwartsman: Racismo, passado e futuro

Não dá para interpretar o passado com os olhos de hoje.

O racismo é moralmente condenável porque atribui a um indivíduo particular características tidas como representativas da categoria a que ele pertence. O racista tira conclusões sobre pessoas sem conhecê-las, o que é profundamente injusto e frequentemente fatal, como se constata nas abordagens policiais de negros nos EUA ou no Brasil.

Nesse contexto, vejo com simpatia os protestos mundiais deflagrados pelo assassinato de George Floyd. Não sou tão panglossiano a ponto de acreditar que acabarão com o racismo, mas dão visibilidade ao problema e, numa nota mais prática, já estão provocando mudanças nos protocolos policiais que poderão reduzir a violência das forças de segurança.

Meu apoio a esses movimentos, porém, é crítico. Não creio que faça muito sentido se revoltar contra personagens históricos como Cristóvão Colombo e Winston Churchill e quebrar-lhes estátuas. Não dá para interpretar o passado com os olhos de hoje.

Vamos encontrar pérolas racistas não apenas em Churchill mas também em figuras muito mais identificadas com o chamado progressismo, como Abraham Lincoln, Che Guevara e Gandhi. E não precisamos parar aí. Shakespeare tem passagens nitidamente antissemitas, Eurípedes era um rematado misógino, e Aristóteles, um escravocrata de mão cheia. Vamos banir todos eles das bibliotecas em nome da luta contra o racismo e o preconceito? De minha parte, não gostaria de viver num mundo sem os clássicos.

A verdade é que, gostemos ou não, somos prisioneiros de nossas épocas. Em qualquer período que vivamos, há sempre um horizonte de possibilidades morais além das quais é muito difícil enxergar. Aposto que, em cem anos, o tratamento que dispensamos a animais e prisioneiros fará parte do rol de crimes do passado. Deixar de ver isso e exigir de todos aqueles que nos antecederam as atitudes morais que cobramos dos contemporâneos também é uma tremenda injustiça.


Bruno Boghossian: Bolsonaro compra proteção no Congresso, mas relação continua instável

Acordo para defender presidente do impeachment dependerá da popularidade do governo

Antes de ganhar um ministério, o PSD ajudou Jair Bolsonaro a aprovar a reforma da Previdência. A pauta era considerada amarga, e a proposta foi desidratada pelos parlamentares, mas a sigla colaborou com o governo: deu 34 votos a favor da medida e apenas 2 contrários.

Nas últimas semanas, líderes partidários brincavam que, ao distribuir cargos para o centrão, o presidente pagaria por um apoio que já recebe. Era um exagero. Apesar do avanço da pauta econômica, Bolsonaro nunca teve vida fácil na Câmara e no Senado. O gracejo, porém, mostra que a relação entre o Planalto e sua nova base aliada deve continuar instável.

Nas conversas em que ofereceu espaço aos partidos, o presidente não pediu apoio a uma agenda de governo. Segundo dirigentes, Bolsonaro só cobrou a aprovação do projeto que prorroga a validade das carteiras de motorista. Não citou nenhuma ideia para a economia ou para a saúde na esteira da pandemia.

O principal compromisso dessa sociedade é a defesa do presidente e de sua família. Alguns dos caciques estão dispostos a blindar o clã Bolsonaro em eventuais votações em CPIs, denúncias por crimes comuns, pedidos de impeachment e nos conselhos de ética do Congresso.

A negociata não inclui, por exemplo, os retrocessos da agenda ideológica do presidente. Propostas econômicas podem ser vistas com boa vontade, mas o centrão é mais simpático ao aumento de gastos do que à tesoura de Paulo Guedes.

Ao amarrar siglas que somam cerca de 200 deputados, o governo pode até sofrer menos trancos no plenário, mas ainda está longe de obter maioria para tratorar a oposição e parlamentares críticos a Bolsonaro.

O presidente comprou a própria proteção, mas a fidelidade dessa base dependerá dos benefícios políticos do contrato. Além dos cargos em órgãos com orçamentos bilionários, a popularidade de Bolsonaro também vai ditar os termos da relação. Todas essas siglas estiveram ao lado de Dilma Rousseff, até que os números da petista derreteram.


Celso Ming: Medo da segunda onda da pandemia

Aumentaram as evidências de um rebote global do novo coronavírus, justamente quando a atividade econômica começava a ser retomada

Os mercados globais desabaram nesta quinta-feira (veja o gráfico) porque aumentaram as evidências de que uma segunda onda do coronavírus já está atuando globalmente, justamente quando a atividade econômica começava a ser retomada – e não só nos países avançados, mas também no País.

Pelo feriado de Corpus Christi, no Brasil, o impacto sobre os mercados internos só ficará claro nesta sexta-feira. O número de mortos por aqui já ultrapassa os 40 mil e o de infectados, mais de 790 mil.

As grandes aglomerações que aconteceram na Europa e nos Estados Unidos, nos protestos contra a escalada no racismo, realizadas sem a observância mínima de cuidados, são a hipótese com maior probabilidade de se confirmar como o fator disparador mais importante desse novo agravamento. Mas não é a única. A abertura gradual e possivelmente prematura do comércio, das atividades escolares e da convivência social em alguns países também levanta suspeição.

Antes das manifestações, os epidemiologistas dos Estados Unidos e da Europa temiam possível segunda onda apenas lá por setembro ou outubro. Mas à medida que os protestos tomaram corpo, eles passaram a disparar novos sinais amarelos. Nesta quinta-feira, novas projeções da Universidade de Washington apontam o novo pico de uma nova onda na segunda semana de setembro e um total de 170 mil mortes nos Estados Unidos até 1.º de outubro.

No Brasil, onde também houve manifestações contra e a favor do governo – e menos contra o racismo –, também poderá haver novo alastramento dos casos em consequência do afrouxamento do distanciamento social. Até o fim deste mês, poderão ser contabilizadas mais de 60 mil mortes. As autoridades operaram no escuro quando exigiram a quarentena e continuam a operar no escuro com o relativo afrouxamento. O que poderia mudar essa situação seria a aplicação maciça de testes, de maneira a apenas isolar os infectados. Mas, apesar das promessas, não há esses testes.

No Hemisfério Norte, aumentaram as pressões pela flexibilização do distanciamento social e pela reabertura gradual dos negócios como condição necessária para aproveitar o início da temporada de verão.

Se esse rebote do vírus for confirmado, já se podem prever mais prejuízos para o comércio, para o setor produtivo, para o consumo de petróleo e de energia, para o turismo e para as viagens internacionais, para as competições esportivas e, certamente, novo impacto sobre o PIB global. Nesta quinta-feira, os preços do petróleo tipo Brent para entrega em agosto mergulharam nada menos que 3,4%.

É a essa lógica que os mercados passaram a responder. Na semana passada, o presidente Trump havia manifestado euforia com a criação de 2,5 milhões de empregos em maio: “É mais do que uma recuperação em V”, disse ele. Infelizmente, essa é mais uma impressão ameaçada agora de desmanche. Os analistas voltaram a prever novo agravamento do desemprego no mercado americano.

O Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) já havia avisado na última quarta-feira que os juros se manteriam muito perto de zero por cento ao ano, de modo a atender às necessidades de liquidez da economia. A pandemia continua solapando a reeleição do presidente Trump para um segundo mandato nas eleições de novembro.

Ninguém tem noção sobre as proporções dessa agora mais provável segunda onda da pandemia. Em parte, vai depender da capacidade dos governos de conseguir a observância do distanciamento social. Mas podem surgir novos fatores-surpresa, uma vez que muitos desdobramentos da atuação do coronavírus são desconhecidos e uma vacina eficaz ainda parece muito distante.

No Brasil, a flexibilização da quarentena sofre um duro golpe. Governadores e prefeitos podem se sentir obrigados a um recuo estratégico e voltar a urgir o recolhimento social. A conferir.


Eliane Cantanhêde: Atraindo raios e trovoadas

Bolsonaro emenda crises: recuou na Saúde e já partiu para cima das universidades

Saúde e Educação são áreas sensíveis e estratégicas, com corporações mobilizadas e grande capacidade de fazer barulho. Pois a Saúde foi obrigada a recuar e parar de esconder os números da pandemia e, já no dia seguinte, a Educação entrou na roda com uma medida provisória do presidente Jair Bolsonaro que quebra a autonomia universitária e dá poderes a Abraham Weintraub – inimigo número um das universidades – para nomear reitores a bel prazer durante a pandemia.

É assim que o Brasil vai vivendo aos trancos e barrancos. Bolsonaro manda maquiar o número de mortes. Epidemiologistas, sanitaristas, infectologistas, cientistas e associações médicas gritam. O Congresso, a mídia e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta providenciam estatísticas independentes. E o Supremo determina a volta da metodologia internacionalmente aceita. Aí o governo recua.

Sem se dar tempo para respirar, Bolsonaro já providencia automaticamente a nova crise. Se aquela era na Saúde, que sofre um desmanche à luz do dia, esta é na Educação, onde o ministro Abraham Weintraub nunca explicou a que veio, brinca no twitter de “Cantando na chuva” (com guarda-chuva e tudo), provoca os chineses com um vídeo trocando os “R” pelos “L” e ataca professores, alunos e universidades, enquanto massacra a língua pátria.

A Saúde recuou da chocante troca de metodologia dos números da pandemia num dia e já no dia seguinte Bolsonaro anunciava uma medida provisória com a novidade: Weintraub, que despreza as universidades (onde só há “balbúrdia” e “plantações de maconha”), vai adquirir superpoderes, passar por cima do corpo docente, do corpo discente e dos funcionários e indicar quem ele bem entender para ocupar temporariamente as reitorias que vagarem durante a pandemia. Só de pensar no tipo de gente que ele nomeará, ou nomearia, dá um frio na barriga.

A reação no caso da Saúde se reproduziu no da Educação: Congresso, mídia, professores, alunos, entidades de educação e partidos estão botando a boca no trombone. Além do principal – Weintraub escolhendo reitores à sua imagem e semelhança?! –, há a questão jurídica, porque a MP do presidente atinge a autonomia das universidades, logo, é inconstitucional. Assim como recuou na sonegação de dados da covid-19, é muito provável que Bolsonaro recue também no caso das universidades.

Enquanto faz da Saúde e da Educação gato e sapato, Bolsonaro vai desdizendo o que disse na campanha de 2018 e o que acaba de declarar, em 30 de abril, à Rádio Guaíba: “Não existe nenhum ministério sendo oferecido para ninguém, como aconteceu no passado, nenhuma presidência de banco oficial e tampouco estatais”. E ainda ressaltou: “Esse é o nosso trabalho e vai continuar sendo feito dessa maneira. O resto é intriga.”

Então, intrigantes, o que aconteceu? Além de ter nomeado indicados do Centrão para fundos milionários (atenção!) da Educação e da Saúde, o presidente também deu a eles o Banco do Nordeste (o indicado caiu em 24 horas, em mais um recuo) e acaba de brindá-los com um ministério. Não um já existente, mas um recriado: o das Comunicações. O deputado Fábio Faria vem aí! Ele é do PSD do ex-prefeito Gilberto Kassab, que integra o Centrão, e genro do dono do SBT, Silvio Santos. Uma combinação perfeita, uma síntese da “nova política”.

Se a moda pega. O general Mark Milley, chefe do Estado Maior Conjunto e principal autoridade militar dos EUA, pediu desculpas por ter participado de uma presepada de Trump que nada tem a ver com Forças Armadas: “Minha presença (…) criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna”, lamentou. Bingo. Já imaginaram no Brasil? Ia ter fila.