Day: junho 2, 2020
Míriam Leitão: Bolsonaro usa recursos e símbolos
Bolsonaro usa recursos públicos, símbolos das Forças Armadas e o cargo para estimular protesto antidemocrático e fazer campanha fora de hora
O presidente Jair Bolsonaro tem usado recursos públicos e símbolos militares para fazer campanha política. A eleição é só em 2022, mas ele jamais saiu do palanque. A ida a manifestações não é um ato da administração do país, é de um candidato. A armadilha em que o Brasil está é que ele, como presidente, pode requisitar helicópteros para fazer seus deslocamentos, mas teria que ser para o exercício do cargo. Evidentemente ele quer usar isso como símbolo de força e poder para estimular seus apoiadores, tanto que nesse domingo usou não um dos veículos da Presidência, mas da Aeronáutica.
Ele usa esses símbolos deliberadamente. Não é necessário helicóptero entre o Alvorada e o Planalto, pouco mais de quatro quilômetros distantes um do outro, cerca de cinco minutos de carro. Mas ele quis fazer sobrevoos exibicionistas. A bordo, levou o ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo, presença absolutamente inconveniente neste momento em que o país está diante de velhos fantasmas de rupturas institucionais que este governo reavivou. O general Azevedo tem dado sinais muito ruins.
A propósito da coluna de domingo, em que o historiador José Murilo de Carvalho disse que “os erros (do governo Bolsonaro) terão a cor verde-oliva”, um oficial general me disse o seguinte: “A imagem das Forças Armadas (do verde-oliva, mas não exclusivamente) foi afetada? Sim. Indelevelmente? Não.” Ele acha que a geração que chegou aos comandos agora aprendeu a conviver com a suposta “dubiedade” do artigo 142 da Constituição. “E saiu-se bem quando confrontada com os antagonismos naturais ocorridos no amadurecimento da democracia brasileira.” É verdade. Saiu-se bem. Até agora.
Os militares que estão no governo costumam minimizar as ameaças que o presidente tem feito às instituições falando em “arroubos” e “figuras de retórica”, ou então que “ele é assim mesmo”. Tomado ao pé da letra, significa que não se deve levar a sério o presidente da República. Para o vice-presidente Hamilton Mourão, na entrevista ao “Valor”, as ameaças que fez na semana passada — de não respeitar ordens judiciais — foram “um desabafo”. A nota do general Heleno, uma “retórica inflamada dos dois lados”.
Cada ato do presidente é filmado e divulgado para a sua rede social. Quem filma? Um servidor público. O helicóptero usado gasta combustível. Onde será debitado? No cartão corporativo secreto da Presidência. Toda a segurança tem que ser reforçada em torno dele no seu contato com os manifestantes. Quem paga todo esse aparato? O contribuinte. Domingo, ele montou cavalo da Polícia Militar. Queria passar a informação de que também as PMs estão ao seu lado.
As manifestações das quais o presidente participa fazem defesa de crimes. Pedem fechamento do Congresso e do Supremo e intervenção militar. A presença dele significa apoio. Os atos estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República. Em resumo, Bolsonaro usa dinheiro público, símbolos das Forças Armadas e da Polícia Militar, o poder da Presidência para estimular manifestações contra a democracia, manter sua militância estimulada e fazer campanha eleitoral fora do seu tempo.
Os contra o presidente foram para a rua também no domingo. Não é aconselhável aglomeração, mas o presidente tem ido há sete semanas em atos que o reforçam. A resposta viria. Era previsível que haveria confronto. O temor que está no ar é o de que a Polícia Militar, diante de grupos em conflito, não tenha neutralidade. O deputado federal, ex-PM do Rio, Daniel Silveira (PSL-RJ), vice-líder do governo, postou uma mensagem com ameaça explícita. Depois de xingar os manifestantes contra o governo, ele disse que “tem muito policial armado, e um de vocês vai achar o de vocês. Na hora que vocês vierem, e tomar um no meio da testa ou no meio do peito e cair o primeiro…”
Na entrevista ao “Valor”, o vice-presidente Hamilton Mourão disse: “deixa o cara governar”. Bolsonaro não tem governado porque não quer. Ninguém o impede, a não ser ele mesmo. Poderia ter somado as forças políticas na luta contra o inimigo comum, o coronavírus. Mas politizou e escalou. Criou conflitos com governadores, ministros do Supremo, o presidente da Câmara e com seus ministros. Já tirou três nesta pandemia. Ele não quer governar, ele quer o conflito, a agitação e a propaganda. E o faz com dinheiro público.
Merval Pereira: A sociedade se movimenta
São importantes as manifestações desses diversos grupos pedindo um basta à tentativa de romper com a democracia
Surgiram neste final de semana os primeiros sinais de que a sociedade civil, mesmo que ainda desorganizada devido à pandemia, se movimenta para tentar barrar as investidas autoritárias do presidente Bolsonaro e seus seguidores.
Provavelmente, a persistência dos bolsonaristas nos ataques às instituições que são a base da democracia, Legislativo, Judiciário e imprensa profissional, levou a esse levante quase simultâneo que produziu manifestos de juristas, intelectuais, personalidades de diversos setores, juízes, promotores, procuradores, todos preocupados em defender a democracia.
Não são apenas notas de protesto, comuns em situações de confronto, mas exposições de pensamentos de setores fundamentais numa sociedade democratica. Até mesmo nas ruas, que deveriam estar desertas diante da tragédia da Covid-19, houve confrontos entre os que se autointitularam democratas contra os apoiadores de Bolsonaro, o que evidencia bem a postura de cada grupo.
Uma novidade dessa movimentação é que torcidas organizadas de times de futebol, como Corinthians, Palmeiras, Flamengo, e outros apareceram no Rio e São Paulo como forças políticas contrárias ao governo Bolsonaro, o que parece ser uma tendência, já cristalizada na Argentina, por exemplo, onde os “barra bravas” são uma forca de apoio ao peronismo de esquerda, alimentados sobretudo nos últimos anos do kirchnerismo.
Essa mistura de torcidas organizadas com política é preocupante, diante da violência que caracteriza esse tipo de manifestação, especialmente na cultura da América Latina. Outra consequência é que vai ficar mais difícil para o presidente Bolsonaro frequentar estádios de futebol, como gosta de fazer.
O manifesto do “Estamos Juntos”, que já tem mais de 200 mil assinaturas, é amplo, pretende unir “Esquerda, centro e direita” para defender “a lei, a ordem, a política, a ética, as famílias, o voto, a ciência, a verdade, o respeito e a valorização da diversidade, a liberdade de imprensa, a importância da arte, a preservação do meio ambiente e a responsabilidade na economia".
O movimento “Basta!”, de juristas e advogados, coloca-se contra os ataques de Bolsonaro às instituições democráticas e acusa o presidente de já ter cometido crimes de responsabilidade, o que pode levar a um pedido de impeachment na Câmara dos Deputados em Brasília. Uma característica desses manifestos é a fixação de que o governo Bolsonaro, embora eleito legitimamente, não representa hoje a maioria da população.
Mesmo que ainda representasse a maioria que o elegeu presidente da República, não tem o direito de não respeitar as minorias e negar-se ao diálogo, necessário na democracia. “#Somos 70 PorCento” é o nome de um desses movimentos, que define os que, na mais recente pesquisa DataFolha, consideram o governo Bolsonaro ruim, péssimo ou regular.
Os manifestos de juizes, promotores e procuradores focam na defesa do Estado de Direito, denunciando abusos e manifestações “autoritárias e antidemocráticas”. O próprio Procurador-Geral da República, Augusto Aras, foi levado a assinar um manifesto dos Procuradores-Gerais do Brasil afirmando que o Ministério Público “cumprirá com seus deveres constitucionais na salvaguarda da ordem jurídica que sustenta as instituições do País”.
Augusto Aras é peça chave nos dois processos contra o presidente Jair Bolsonaro que correm no STF. A pressão no Ministério Público, tanto externa como interna, pode ter resultado, sobretudo a pressão da opinião pública pode ter efeito sobre o PGR que, até agora, só tinha a do presidente. São importantes as manifestações desses diversos grupos pedindo um basta à tentativa de romper com a democracia. A sociedade, que tem a maioria na oposição ao governo, começou a se movimentar, e é uma tendência que vai crescer nos próximos meses.
Vladimir Safatle: Acabou, não. Apenas começou
As Forças Armadas são exímias em fazer ouvir a voz de uma minoria aguerrida e fascista, enquanto procuram de todas as formas calar a verdadeira maioria. Essa maioria agora quer voz
“Acabou, porra”. Foi assim, com sua polidez costumeira, que o sr. Jair Bolsonaro reagiu ao fato de seus aliados estarem em investigação por crimes contra a República. No mesmo dia, um de seus filhos (a formulação é sintomática, o referido é conhecido pela população por ser “filho de...”), falou abertamente sobre o golpe de 1964 como pretensa resposta ao “clamor popular” na chamada guerra entre poderes.
Mas se for para falar em “clamor popular”, melhor começar por responder porque a maioria das brasileiras e dos brasileiros está hoje sem voz. Segundo a última pesquisa Datafolha, 43% das brasileiras e dos brasileiros rejeitam claramente o Governo Federal, avaliando-o como ruim ou péssimo. Nunca na história recente deste país um presidente chegou a um ano e meio de seu mandato com tamanha rejeição. Isso em uma situação na qual todas as peças estavam a seu favor. Pois uma situação de pandemia equivale (ao menos do ponto de vista das identificações políticas) a uma situação de guerra e, nestas circunstâncias, a população tende a se unir em torno de seu Governo para lutar contra algo que a ameaça como um todo.
O sr. Bolsonaro poderia ter chamado todos a baixarem as armas, conclamado uma união nacional pela defesa da vida. Ele poderia ter dito que passaríamos todos por momentos muito difíceis na economia, mas que o Governo iria mobilizar seus recursos para fornecer salários para as pessoas ficarem em casa por três meses. Ele poderia fazer um grande acordo para impedir que as empresas demitissem e para obrigar as grandes fortunas e o sistema financeiro a repartir seus rendimentos estratosféricos em um momento de implosão social. Se ele fizesse isto, agora sua aprovação seria recorde. Mas, para isso, Bolsonaro não poderia ser Bolsonaro. Para isso, o Brasil não poderia ser o Brasil. E, para isso, sua elite suicida e escravocrata não poderia ser sua elite suicida e escravocrata.
Ao contrário, e a conta dessa responsabilidade vai para todos os empresários que o apoiam, o Governo preferiu abrir caminho para se transformar no novo epicentro mundial da covid-19. Neste exato momento, morrem mais brasileiras e brasileiros desta doença do que qualquer outra nacionalidade no mundo. Isto levando em conta apenas os números oficiais, com suas subnotificações evidentes e limitações para testagem da população. Esta é a verdadeira face da “responsabilidade para com o país”, do “cuidado da nação” e de outras afirmações com as quais somos bombardeados diariamente. Com uma responsabilidade destas, país algum precisa de inimigos.
Mas um observador da vida nacional poderia se perguntar porque essa maioria que não quer mais o sr. Bolsonaro e sua naturalização genocida das mortes de brasileiras e brasileiros não é ouvida. As Forças Armadas, responsável maior pelo caos no qual estamos, são exímias em fazer ouvir a voz de uma minoria aguerrida e fascista, enquanto procura de todas as formas calar a verdadeira maioria. Essa maioria agora quer voz.
Ela foi pega em uma chantagem perversa do Governo. Sendo o único setor que realmente se preocupa com a vida das brasileiras e dos brasileiros mais vulneráveis, ela ficou em casa, respeitou a quarentena, resumiu sua indignação a panelaços, enquanto via a horda minoritária sair às ruas para zombar das mortes e exigir políticas irresponsáveis que destruiriam de vez o país. Pois uma política madura e responsável de isolamento poderia ter permitido ao país debelar a pandemia em três meses. Agora, seremos a referência mundial em catástrofe, seremos o país contra o qual o mundo levantará um cordão sanitário e, ironia macabra, isso sim irá “destruir a economia”.
Essa maioria teve que ouvir passiva o sr. Bolsonaro blefar em “armar a população” sendo que ele sabe muito bem o que acontecerá se ele realmente armar a população, ao invés de simplesmente armar suas milícias minoritárias. Se ele quer fazer isto, que comece por dar armas aos povos indígenas cujo ocupante atual do ministério da educação despreza a existência ou à classe trabalhadora espoliada por sua política econômica exímia em dar presentes a quem diz que 5.000 ou 7.000 mortes não são nada diante do prejuízo que ele terá por não poder vender hambúrgueres.
Agora, essa maioria vê o sr. Bolsonaro procurar realizar uma operação digna de 1984, de George Orwell. Nesse romance, Orwell lembra, entre outras coisas, que há uma mutação necessária na língua para que um regime autoritário se imponha. Algo parecido tem ocorrido entre nós. Tal como na Oceania de Orwell, somos diariamente submetidos ao exercício de reescritura do sentido de termos que pareciam elementares. No país do bolsonarismo, ignorância é força, liberdade é genocídio.
Pois notem como o discurso sobre a “liberdade” emana tão facilmente da boca daqueles que fazem de tudo para cala-la, que amam torturadores e louvam ditaduras, como a que conhecemos durante vinte anos. Há dias, o sr. Bolsonaro, em uma de suas lives, afirmou: “muito maior que a própria vida, é nossa liberdade”. Bem, deixando de lado a contradição elementar de que uma liberdade sem vida não é liberdade alguma, há algo de interessante nesse tipo de afirmação. Ela ecoa o discurso oficial de que as políticas de restrição a circulação e atividades desenvolvidas para o combate contra a pandemia seriam um “atentado a liberdade”.
Tal discurso ressoa um certo tipo de concepção de liberdade que parte do dogma dos limites sagrados dos indivíduos. Vimos algo parecido quando manifestantes norte-americanos saíram às ruas com um cartaz onde se via uma máscara dentro de um sinal de proibido e se lia “meu corpo, minhas regras”. O mesmo raciocínio serviu de base para manifestantes alemães exigirem o “direito de se infectarem”.
A lógica é clara e não há como negar certa consistência. Sendo “liberdade” algo que alguns compreendem como a propriedade que tenho sobre mim mesmo, ninguém poderia me obrigar a portar uma máscara médica, a ficar em casa, a cuidar de meu corpo, a não ser que ele tenha meu consentimento para isto. Afinal, como disse o sr. Bolsonaro em outra de suas ocasiões de reflexão filosófica: “Se eu me contaminei, é responsabilidade minha, ninguém tem nada a ver com isso”.
Ao menos, tudo isto serve para mostrar o tipo de monstruosidade social legitimada pelo discurso que reduz a liberdade à propriedade de si. Desde que aceitamos essa premissa, as consequências são o discurso do ocupante atual da presidência da República. E de nada adianta afirmar coisas como: “mas o exercício da propriedade que tenho de mim mesmo deve estar submetida a respeito pelo risco a vida do outro”. Pois eles poderão sempre perguntar ( e, novamente, com certa consistência): mas quem decide quais são os “riscos relevantes” ao outro? Por que devo admitir que o estado ou cientistas que se colocam como sábios oraculares decidiram o que é “risco relevante”?
A única maneira realmente consequente é recusar essa liberdade que se realiza no genocídio. Liberdade não é ser proprietário de mim mesmo, mas compreender que estou em um sistema de mútua dependência que exige o reconhecimento da racionalidade de afetos de solidariedade genérica. O corpo que chamo de meu não é simplesmente meu corpo. Ele também é, entre outras coisas, um veículo de contágio, ou seja, ele é a sua maneira uma parte do corpo social e deve também ser tratado como tal. Um afeto dessa natureza é tudo os que sustentam esse Governo e sua indiferença genocida querem que não emerja. Porque ele se realiza na igualdade real e em uma mutualidade que ainda não existe, mas que pode existir.
A maioria brasileira que ainda não tem voz saberá como rejeitar esse individualismo possessivo que é a verdadeira forma de violência. Pois o verdadeiro embate é pela construção de uma liberdade real que nunca aceitará que mais de 28.000 brasileiras e brasileiros mortos é uma fatalidade natural, como a queda das folhas no outono.
Para finalizar, não podemos mais aceitar as chantagens que nos foram impostas. Nossas ações devem ser mais efetivas a partir de agora. Redes de boicotes a empresas que sustentam essa política da morte, manifestações de rua pelo impeachment do Governo que respeitem exigências de segurança sanitária (como vimos em Israel). Pois a queda desse Governo não será apenas a queda desse governo. Será dar a maioria sua verdadeira força de recusa e abrir o caminho para que ela possa começar a criar.
Vladimir Safatle é professor titular do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo.
El País: EUA enfrentam a maior onda de protestos raciais desde o assassinato de Martin Luther King
Donald Trump investe contra governadores depois de uma noite de fúria às portas da Casa Branca: “Vocês têm que dominar a situação, vão ficar parecendo uns imbecis”
Uma primavera turbulenta, com consequências imprevisíveis, tomou conta dos Estados Unidos. Pelo menos 25 grandes cidades do país encararam a noite de domingo sob toque de recolher por causa do aumento da virulência e da amplitude dos protestos contra o racismo nas forças de segurança. Imagens como as de uma igreja histórica em chamas em frente à Casa Branca ou o Exército patrulhando as ruas de Santa Monica (Califórnia) marcaram o sexto dia consecutivo de mobilizações. Pelo menos uma pessoa morreu em Louisville, Kentucky, e duas outras, em Los Angeles e Nova York, foram baleadas. Esta é a mais ampla onda de protestos, em extensão e intensidade, de que este país se lembra desde o assassinato de Martin Luther King Jr., em 1968. Nesta segunda-feira, Donald Trump acusou os governadores de serem “fracos” e pediu que sejam mais duros.
Mais de 4.000 pessoas foram detidas no fim de semana durante a onda de protestos antirracistas Estados Unidos, de acordo com a contagem da agência Associated Press, e há uma lista interminável de saques, incêndios, com vários feridos. Cerca de 5.000 membros da Guarda Nacional (o Exército de reservistas sob o comando dos governadores de cada Estado) patrulham as ruas de uma dúzia de territórios. Os tumultos de 1992 em Los Angeles, por Rodney King, foram mais violentos e deixaram mais de 60 mortos, mas se restringiram a essa cidade. Houve também crises de violência racial em 2014 em Ferguson, Missouri, e em 2015 em Baltimore, Maryland, mas nunca em todo o país de uma só vez, por tantos dias e crescendo.
A onda de indignação começou com a morte de George Floyd em uma brutal prisão gravada em vídeo, mas se tornou um protesto nacional contra o racismo sistêmico nos Estados Unidos, contra as forças de segurança e até contra Donald Trump, um presidente que não tem feito nada para acalmar os ânimos. Nesta segunda-feira de manhã, ele foi duro com os governadores em uma reunião por videoconferência: "Vocês precisam dominar a situação; se não dominarem, estão perdendo tempo. Vão passar por cima de vocês, vocês vão ficar parecendo um bando de imbecis”, afirmou, segundo uma gravação à qual a rede CBS teve acesso, citada pela Reuters.
A cidade de Washington acabara de viver sua noite mais violenta até agora nesta crise. A prefeita, Muriel Bowser, decretou o toque de recolher entre às 23 horas e às 6 horas desta segunda-feira. Depois de entrar em vigor, a capital norte-americana mergulhou no caos. Os bombeiros conseguiram controlar um incêndio nos porões da histórica Igreja de Saint John, em frente à Casa Branca, conhecida como “a igreja dos presidentes”, na qual Abraham Lincoln, o presidente que aboliu a escravidão, costumava ir rezar.
Milhares de manifestantes conseguiram chegar às imediações da residência presidencial, apesar do esforço da polícia para bloquear as ruas de acesso após o tenso dia anterior. Os agentes dispararam gás lacrimogêneo por horas para dispersar as pessoas. "Viemos mostrar nosso apoio a George Floyd pelo abuso policial que sofreu, e a polícia responde usando excesso de violência", se queixou Maicy, 40 anos, afro-americana que viajou de Maryland para a capital para protestar pela segunda noite consecutiva.
Segundo a imprensa norte-americana, no domingo, durante os confrontos, o presidente passou pelo menos uma hora em um bunker (um abrigo subterrâneo), construído para uso em emergências como ataques terroristas. Por todo o resto da cidade, houve saques e destruição em numerosos edifícios.
Em Minneapolis, Minnesota, milhares de pessoas bloqueavam a rodovia Interstate 35 quando um caminhão acelerou através da multidão em alta velocidade e provocou pânico e deixou feridos. O motorista foi retirado da cabine do veículo e espancado, segundo testemunhas citadas pela Reuters. Cerca de 150 pessoas foram presas nessa concentração.
Los Angeles começou o domingo com uma mobilização policial que não se via desde os tumultos por Rodney King. Forças de todas as polícias dos municípios vizinhos, aquelas que dependem do xerife, e a Guarda Nacional patrulhavam as ruas da cidade. Ao meio-dia, o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti, o chefe de Polícia, Michel Moore, e o chefe dos bombeiros, Ralph Terrazas, deram uma entrevista coletiva conjunta para advertir que as cenas de violência e saques do dia anterior não se repetiriam. As autoridades tentaram transmitir solidariedade aos protestos e o aviso de que os episódios violentos não tinham nada a ver com as reivindicações e agiriam contra eles com a maior força.
Pouco depois, na localidade de Santa Monica ocorreu exatamente o que haviam anunciado que não seria permitido. Enquanto centenas de pessoas protestavam pacificamente pelo conhecido calçadão da praia, um grupo começou a invadir lojas do Santa Monica Place, um shopping center próximo, ante a passividade dos agentes. Imagens aéreas de televisões locais mostraram claramente que eram grupos organizados que se deslocavam de carro. Chegavam, quebravam vidros, saíam com a mercadoria que conseguiam levar nas mãos e se escondiam de novo no carro.
Situações como essa se repetiram por todo o país. Em Birmingham, Alabama, manifestantes derrubaram uma estátua confederada. Em Nova York, uma grande manifestação percorreu a ponte do Brooklyn. Eclodiram confrontos que forçaram o fechamento das pontes com Manhattan e um pequeno incêndio de rua. A polícia da cidade deteve a filha do prefeito, Bill de Blasio, que também participava dos protestos.
Os combates continuaram pela madrugada com saques nas lojas do bairro do Soho. Uma pessoa foi levada a um hospital depois de ser baleada. Em Atlanta, onde há dois dias os manifestantes destruíram a entrada da sede da CNN, houve cenas de tensão com o lançamento de gás lacrimogêneo. Dois policiais foram demitidos por uso excessivo da força. Em Louisville, Kentucky, as autoridades disseram que um homem foi morto pela polícia a tiros na madrugada desta segunda-feira, depois que ele abriu fogo primeiro, enquanto tentavam dispersar uma concentração. Essa crise irrompe a seis meses das eleições presidenciais, em plena frustração pelas ordens de quarentena para conter pandemia de coronavírus e com um desemprego que já atingiu o incrível número de 40 milhões de pessoas.