Day: maio 27, 2020

Webinar da FAP lança o livro A Arquitetura Fractal de Antonio Gramsci

Além do autor da obra, Marcus Vinícius Oliveira, Alberto Aggio e Marcos Sorrilha participaram da conversa online com interação do público

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Um grande debate online marcou o lançamento do livro A Arquitetura Fractal de Antonio Gramsci: história e política nos Cadernos do Cárcere (280 páginas), do historiador Marcus Vinícius Furtado da Silva Oliveira. O livro já está à venda na internet e foi editado pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), que realizou, nesta quarta-feira (27), a partir das 19 horas, a webinar com a participação do autor e dos historiadores Alberto Aggio, professor-titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista), e Marcos Sorrilha Pinheiro, um dos grandes especialistas brasileiros em história dos Estados Unidos. Haverá ampla interação com o público.

A conversa online foi realizada por meio do canal da FAP no Youtube, com retransmissão no site da entidade e em sua página no Facebook. O livro de Marcus Vinícius é uma versão revisada de sua tese de doutorado, apresentada na Unesp, sob a orientação de Aggio. A obra é dividida em três capítulos: os Cadernos do Cárcere como objeto histórico; os anos que parecem ser séculos: o ritmo de pensamento do jovem Gramsci; e a arquitetura fractal: uma leitura dos Cadernos do Cárcere, além do pós-escrito.

Assista ao vídeo da webinar de lançamento abaixo!

https://www.facebook.com/facefap/videos/281115723060425/

Gramsci, político e intelectual italiano nascido na ilha da Sardenha, no Sul da Itália, é certamente um dos intelectuais mais lidos nas ciências humanas. Em sua apresentação, o livro registra que a bibliografia gramsciana foi agrupada inicialmente por John Cammet e continuada por Francesco Giasi e Maria Luisa Righi. Contabiliza mais de 20 mil documentos escritos em 41 línguas. “Diante disso, explorar o universo gramsciano se mostra uma tarefa hercúlea, seja em razão da aspereza imposta pela formatação fragmentária das notas carcerárias, seja pelo volume exponencial da bibliografia que se acumula com o passar do tempo”, afirma um trecho.

No livro, Marcus Vinícius assume a perspectiva de um diálogo entre filologia e historicismo integral, conforme o prefácio, escrito por Aggio. “Também não esconde sua permanente intenção de convocar Gramsci para a grande discussão dos dilemas políticos da nossa contemporaneidade, centrada nas temáticas da interdependência e do cosmopolitismo, dois vetores essenciais para a compreensão e o enfrentamento dos conflitos e dos desafios de um mundo globalizado”, diz o professor da Unesp, que também publica análises sobre história e política no Blog do Aggio.

Na avaliação do prefaciador, o autor não prescindiu, em momento algum, de enfatizar o caráter aberto do texto gramsciano, reconhecidamente uma das razões da grandeza do seu pensamento. “Outro aspecto importante é que não há no livro a perspectiva, como se fez no passado, de procurar extrair do pensamento de Gramsci orientações imediatas para a ação política ou então concepções de mundo integrais sobre a moral e a cultura, a sociedade e a história, o que invariavelmente produz operações reducionistas”, afirma, para continuar: “É preciso enfatizar, assim, que o autor comunga a ideia da impossibilidade de se pensar em um gramscismo como sistema ou esquema que deveria ser seguido por seus supostos adeptos”.

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Sorrilha, que também é professor assistente da Unesp e tem um canal no Youtube, analisa que o pensamento de Gramsci goza de larga repercussão no debate acadêmico e político no Brasil. “Desde a abertura democrática, suas ideias apareciam como um norte capaz de conciliar os anseios dos setores progressistas às novas demandas da democracia”, pondera. “Hoje, porém, é propagandeado como uma espécie do gênio do mal, capaz de incluir na sociedade uma moral comunista responsável pela deterioração dos valores ocidentais”, continua.

De acordo com Sorrilha, o autor do livro elabora um retrato histórico de Gramsci, devolvendo o intelectual italiano ao seu tempo, às discussões de sua época e às suas influências intelectuais, o que, segundo avalia, torna-o mais assimilável ao Ocidente e condizente com as sociedades democráticas. “O resultado é uma representação de Gramsci, pois não se está atrás do Gramsci ‘verdadeiro’, o que deve promover um estímulo ao leitor interessado, além de ampliar o debate com interlocutores especializados”, escreve.

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Bruno Boghossian: Bolsonaro desmoralizou a Polícia Federal em tempo recorde

Há um mês, presidente disse que 'minha PF' investigaria uso do dinheiro para o coronavírus

Jair Bolsonaro mudou de ideia. Há pouco mais de um mês, o presidente batia na mesa ao esbravejar contra a Polícia Federal. Enviava mensagens ao ministro da Justiça para reclamar de apurações contra seus aliados e reclamava da lentidão do órgão em atender a seus interesses. Agora, ele sorri por trás da máscara e parabeniza a corporação por investigar um de seus rivais.

A alegria seletiva reforça a visão torta que o presidente tem das instituições. Quando a PF se aproxima de seu grupo político, Bolsonaro se diz perseguido e sabota o órgão, em busca de proteção. Quando a corporação bate à porta de seus adversários, a reação é mais generosa.

O próprio presidente faz questão de demarcar essa diferença. Em 24 de abril, Bolsonaro se queixou: “A PF de Sergio Moro mais se preocupou com Marielle do que com seu chefe supremo”. Depois de trocar o ministro da Justiça, lançou um pronome possessivo. “A minha PF vai para cima de quem estiver fazendo besteira com essa grana, hein?”, afirmou Bolsonaro, em referência ao dinheiro para o combate ao coronavírus.

Nesta terça (26), o presidente acordou satisfeito. Investigadores amanheceram na residência oficial do governador do Rio, Wilson Witzel, arqui-inimigo de Bolsonaro. Eles dizem ter provas de que uma organização criminosa desviou parte do dinheiro contra a pandemia e fraudou até o orçamento das caixas d’água dos hospitais de campanha do estado.

Em sua campanha obsessiva pelo controle da PF, Bolsonaro conseguiu desmoralizar a corporação em tempo recorde e alimentar desconfianças sobre a atuação do órgão contra críticos do presidente. As investigações acumulam indícios e se aproximam do governador, mas Witzel ganhou de presente a chance de apontar o dedo para Brasília.

Na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro se limitou a dar “parabéns à Polícia Federal”. Como se sabe, o episódio só mereceria uma intromissão presidencial caso Witzel se encaixasse nas categorias “a minha família toda” ou “amigos meus”.


Hélio Schwartsman: Crime ou interferência

Mesmo perdido, um presidente tão pequeno promove desgastes institucionais

A PF fez buscas na residência do governador Wilson Witzel porque as suspeitas contra ele são sólidas ou para agradar a Jair Bolsonaro? Não me sinto ainda em condições de cravar nenhuma das opções.

Pandemias são o sonho de consumo dos corruptos. Da noite para o dia, processos licitatórios são dispensados e equipamentos médicos passam a ser disputados ferozmente por vários países, fazendo com que os próprios preços deixem de funcionar como valor de referência. Quanto se pode pagar por um ventilador nessas condições? Seria uma surpresa se as quadrilhas que sempre fraudaram as compras públicas não procurassem tirar vantagem dessa conjuntura.

Witzel está envolvido nisso? Não sei. Mas sei que, assim como ninguém deve ser considerado culpado antes de um julgamento, ninguém deve ser considerado acima de qualquer suspeita e blindado contra investigações —viu, general Heleno?

Isso significa que a operação da PF é legítima? É provável, mas há elementos que fazem soar sinais de alarme, a começar da própria existência de uma enorme polêmica em torno da interferência do presidente sobre a PF. É também estranho que uma deputada bolsonarista tenha praticamente anunciado a operação na véspera de sua realização.

E isso nos leva ao ponto central desta coluna. Muitos temiam que, no poder, Bolsonaro deflagraria um autogolpe. Nunca acreditei muito nisso. Faltam-lhe as condições políticas e a competência para fazê-lo. Raras vezes tivemos um governo tão fraco.

O problema é que, mesmo perdido, dedicando-se a questiúnculas pessoais e dando vazão a manias e paranoias, Bolsonaro promove desgastes institucionais. Sua fixação com a cloroquina minou a respeitabilidade técnica do Ministério da Saúde; suas dedadas na PF fazem com que duvidemos das motivações de uma instituição que vinha ganhando credibilidade. E a lista não acaba aí. É um belo estrago para um presidente tão pequeno.


Cristiano Romero: Por que caçoamos da própria desgraça?

No Brasil, o debate é interditado por quem não quer mudança

Uma das maneiras mais eficazes - e desonestas - de interditar um debate é atribuir simploriedade às ideias do interlocutor, enquadrá-las num "slogan" pejorativo e, assim, promover sua incompreensão no imaginário histórico e coletivo de uma sociedade. De fato, muitas vezes, a artimanha usada para sabotar o debate é mais engenhosa do que a iniciativa dos que pretendem enriquecê-lo. E, desta forma, as sociedades não progridem.

A Ilha de Vera Cruz é, possivelmente, a maior vítima desse perverso "controle" de ideias. Aqui, o passado não acaba nunca, a mistificação costuma prevalecer sobre a lógica e a ciência, o que está visivelmente errado não se muda porque, simplesmente, a maioria dos viventes, diz-se, não aceita. E, assim, fazemos vistas grossas para o anacronismo e banalizamos nossas tragédias.

Um exemplo inaceitável de banalização cotidiana: 60 mil brasileiros vão morrer assassinados neste ano. Sessenta mil cidadãos vão perder suas vidas em 2020 porque é esta uma estatística macabra. Há alguns anos é esse o número de pessoas marcadas para morrer neste país. O perfil médio dos assassinados é de jovens entre 17 e 24 anos, aqueles que, nas nossas famílias, nessa idade estão estudando ou iniciando sua brilhante carreira profissional.

A estatística, esta implacável, nos envergonha e humilha, como a perguntar: "Ei, vocês, como sociedade, não vão fazer nada para acabar com isso?".

Brasileiro deve odiar estatística porque essa maldita ciência nos lembra, todo santo dia, o que somos como sociedade. Pois é. Por que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) teve a pachorra de nos inscrever no PISA, exame que avalia a qualidade da educação por meio de provas feitas por estudantes de 15 anos em três disciplinas (leitura, matemática e ciências). Aplicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o "maldito" PISA faz um ranking do desempenho de 80 países (36 integrantes da organização e 44 associados, isto é, que pediram para participar do programa).

A cada dois anos, desde 2000, o Pisa nos informa que nossos estudantes vão muito mal nas provas. O que o teste revela não deve ser embaraçoso para nossos adolescentes, mas, sim, para nossa sociedade, que aceita conviver com esse vexame há décadas, séculos, desde o início dos tempos.

No último exame do Pisa, realizado em 2018, nossos alunos ficaram abaixo da média da OCDE nas três disciplinas. Ficamos na 57ª posição em leitura, 70ª em matemática e na 66ª em ciências entre os 80 países avaliados. Em 2018, a pontuação média em leitura do exame foi de 487 pontos. Em matemática e ciências foi de 489 pontos. O Brasil ficou com 413 pontos em leitura, 384 em matemática e 404 em ciências.

Os habitantes têm o hábito de fazer piada da própria desgraça. Gostamos, por exemplo, de fazer troça dos atentados terroristas que nossos jovens cometem contra a língua portuguesa em seus exames, que circulam na internet para nos fazer rir da própria desgraça. A bordo de nossos carros, lemos nas ruas e estradas anúncios escritos à mão, repletos de erros de português. Novamente, achamos graça, embora, apenas, hoje em dia, apenas alguns de nós percebam que, na placa onde se lê "aluga-se apartamentos", o idioma sofre de maus tratos.

O desconforto para quem se incomoda com tudo isso está no fato de quase ninguém, neste imenso pedaço da Terra habitado por 210 milhões de pessoas, importar-se com o assunto, principalmente, quem tem consciência da mazela. Nos jornais, diariamente vemos economistas e empresários se queixando da baixa produtividade da nossa economia, especialmente, da baixa qualidade da nossa mão de obra. Nessas horas, o tom usado para tratar de nosso problema secular é severo, sem espaço para piadas. Isso indica que nossas elites intelectual e econômica, oxalá, reconhecem o problema, mas por que a situação não muda?

Um outro caso, quase anedótico, de mistificação que se faz contra o debate de ideias diz respeito à própria OCDE. A entidade foi criada em 1960 por um grupo de nações ricas da Europa, além dos Estados Unidos. É uma organização multilateral, mas não tem o mesmo caráter do FMI ou do Banco Mundial. Só entra para o clube quem é convidado.

O que faz a OCDE? A principal missão da instituição é estabelecer boas condutas em várias áreas para as nações que a integram. Quem as segue ganha um selo internacional que lhes garante, entre outras vantagens, baixo custo creditício no mercado internacional. No Brasil, aplicamos à OCDE a pecha de “clube dos ricos”, uma forma rasa de não haver a chance de entrarmos para o grupo.

Na próxima coluna, trataremos do chamado “Consenso de Washington”, cujas preceitos foram interditados pelo debate nacional como se fossem algo maléfico para o país, a saber:

1.Disciplina fiscal. Altos e contínuos déficits fiscais contribuem para a inflação e fugas de capital;

  1. Reforma tributária. A base de arrecadação tributária deve ser ampla;
  2. Taxas de juros. Os mercados financeiros domésticos devem determinar as taxas de juros de um país. Taxas de juros reais e positivas desfavorecem fugas de capitais e aumentam a poupança local;
  3. Taxas de câmbio. Países em desenvolvimento devem adotar uma taxa de câmbio competitiva que favoreça as exportações tornando-as mais baratas no exterior.
  4. Abertura comercial. As tarifas devem ser minimizadas e não devem incidir sobre bens intermediários utilizados como insumos para as exportações.
  5. Investimento direto estrangeiro. Investimentos estrangeiros podem introduzir o capital e as tecnologias que faltam no país, devendo, portanto ser incentivados.
  6. Privatização. As indústrias privadas operam com mais eficiência porque os executivos possuem um “interesse pessoal direto nos ganhos de uma empresa ou respondem àqueles que tem.” As estatais devem ser privatizadas.
  7. Desregulação. A regulação excessiva pode promover a corrupção e a discriminação contra empresas menores com pouco acesso aos maiores escalões da burocracia. Os governos precisam desregular a economia. Direito de propriedade.
  8. Os direitos de propriedade devem ser aplicados. Sistemas judiciários pobres e leis fracas reduzem os incentivos para poupar e acumular riqueza.

Fernando Exman: Falta educação na Pasta da Militância

Setor tem desafios urgentes a enfrentar na pandemia

O Ministério da Educação mantém-se fiel à tradição, no governo Jair Bolsonaro, de protagonizar crises políticas. A gestão de uma pasta fundamental para o desenvolvimento do país começou mal, avançou mandato adentro de forma trôpega e, durante a pandemia, apequenou-se.

O setor tem diversos desafios a enfrentar. Muitos deles se tornaram urgentes, mas outros poderiam ter sido resolvidos há tempos.

Os potenciais problemas da pasta tornaram-se perceptíveis já no período de transição, no fim de 2018. Militares e acadêmicos que formulavam seu planejamento estratégico foram surpreendidos quando Ricardo Vélez Rodríguez entrou no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) como um professor pouco conhecido e saiu como o indicado para ocupar a função de ministro de Estado. A vaga era entregue à ala ideológica que formava a base eleitoral do presidente recém-eleito, criando severos obstáculos à execução do plano programado pelos técnicos que integravam este grupo setorial da campanha eleitoral.

Não demoraria para que Vélez caísse. Mesmo assim, o cargo permaneceu sob influência do grupo que passou a usar a política externa, além das áreas de direitos humanos e da educação, para manter militantes bolsonaristas mobilizados em defesa de um governo com cada vez mais frentes de batalha nos campos político e jurídico.

Não foi à toa que estas três áreas foram expostas, com a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril.

O episódio colocou o titular do Ministério da Educação, Abraham Weintraub, no epicentro das turbulências hoje existentes entre o Executivo, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Legislativo. Ele chegou a se manifestar com tanta eloquência na reunião que o presidente pediu mais engajamento de outros ministros citando seu exemplo, mas de “forma mais educada um pouquinho”. Weintraub colocou-se aos presentes como militante e nada do que falou poderá ser reproduzido em livros infantis.

O resultado não poderia ser mais preocupante para um gestor com diversos assuntos a despachar com os outros Poderes. A capacidade de articulação institucional de Weintraub é, hoje, uma nulidade. A notícia positiva para ele, por outro lado, é que justamente essa disposição para o enfrentamento foi que o manteve, pelo menos até agora, no cargo.

No fim de 2019, sua demissão era dada como certa por auxiliares do presidente. Bolsonaro precisou negar que estaria planejando mudar novamente o comando da Educação, sempre com o argumento de que gestões anteriores teriam deixado o Brasil pessimamente posicionado no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa). Antes de exonerá-lo, ponderava, seria justo dar crédito e condições para o ministro trabalhar.

E resultados é o que se espera neste momento em que a pandemia pode gerar graves danos para o ensino, para a vida de pais, mestres e alunos, além de também afetar a solvência de empresas do setor.

A reação inicial do governo até que foi ágil. O Planalto enviou ao Congresso um pedido para que fosse reconhecida a situação de calamidade pública em meados de março. No primeiro dia de abril foi editada uma medida provisória voltada especificamente para a área da educação durante a pandemia.

A MP flexibiliza o calendário escolar para garantir que os alunos tenham acesso a todas as horas-aula relativas aos 200 dias letivos exigíveis pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Ou seja, 800 horas anuais, mesmo que de forma remota.

O Executivo reconheceu, na MP, a gravidade da covid-19 e os potenciais riscos das inevitáveis aglomerações que ocorreriam nas creches, escolas e universidades. Mas, desde então, outros gestos do Ministério da Educação e do próprio presidente não corroboraram com essa visão.

Bolsonaro tentou articular com o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), que colégios cívico-militares encabeçassem um movimento de retorno às atividades. A ideia não foi adiante.

Também falhou o plano do ministro de evitar o adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As discussões sobre o assunto passaram a ser conduzidas diretamente entre a Câmara e o presidente.

O titular da pasta também tem sido alijado das discussões sobre outro tema que angustia o setor e gestores locais: o financiamento da educação. Uma proposta de emenda constitucional estabelecendo um novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica precisa ser aprovada e regulamentada ainda neste ano, pois o atual Fundeb vale apenas até dezembro.

Deputados gostariam de aumentar a participação do governo federal no financiamento da educação básica, mas prefeitos ouviram uma proposta da equipe econômica que acabaria por não contemplar totalmente o setor. A ideia seria privilegiar a destinação de verbas para a saúde, por causa da pandemia. Em outras palavras, renovar o fundo como ele é hoje sem carimbar os recursos. As prefeituras poderiam adquirir testes para covid-19, respiradores e outros equipamentos médico-hospitalares, em vez de comprar material escolar. Não há acordo ainda. A educação ficaria, novamente, em segundo plano.

Cabe ao poder central coordenar as ações do setor público e da iniciativa privada. Será um erro deixar que pais e alunos considerem 2020 um ano letivo perdido, mesmo que o futuro profissional dos estudantes ainda esteja nublado.

À medida do possível e dependendo das limitações e especificidades de cada local, métodos de ensino remoto e de reposição do conteúdo perdido precisam ser objeto de total atenção do governo federal. O retorno às salas de aula também precisará ocorrer de forma ordenada e seguindo diretrizes sanitárias. Cada Estado ou município terá que saber o momento certo de fazê-lo. Voluntarismos vindos do ministério ou do Palácio do Planalto não contribuirão nesse processo, sobretudo se forem apenas para manter a militância aquecida. Misturar a situação atual com as discussões sobre a polêmica educação domiciliar, uma bandeira bolsonarista, tampouco parece ser boa ideia.


Vera Magalhães: Tudo dominado

Após reunião, Bolsonaro interferiu na PF e ‘escancarou' política armamentista

Não se pode dizer que Jair Bolsonaro não logrou êxito na pauta que levou à dantesca reunião ministerial de 22 de abril. A partir dali ele de fato:

  • interveio na Polícia Federal;
  • “escancarou” a política armamentista de seu governo em várias medidas;
  • está sendo informado, e informando seus aliados, sobre passos de investigações;
  • degolou o ministro da Justiça, como ameaçou fazer,
  • E fez os ministros se exporem, e muito.

Agora só falta “prender" governadores e prefeitos, como pregou a diligente Damares Alves, mas não parece estar distante o dia em que ele tentará essa jogada.

De todas as agendas que explicitou no encontro, a das armas acima de tudo é uma das mais avançadas.

O presidente revogou, e anunciou no Twitter, portarias editadas pelo Exército que previam a marcação e o rastreamento de armas e munições.

Mais: o general Eugenio Pacelli, que havia assinado as portarias estabelecendo a necessidade de rastrear armas e munições, depois revogadas, foi exonerado da função e saiu dizendo que houve pressão por parte da indústria armamentista.

Em seguida, Bolsonaro editou, com a assinatura de Sergio Moro, a portaria da qual falava na fatídica reunião, aumentando o número de munições que podem ser compradas por civis e militares.

Por que a sanha armamentista? O próprio presidente desenhou: armada, a população poderá resistir a ordens consideradas abusivas de governadores e prefeitos. Para isso, deu como exemplo as regras de distanciamento social ditadas pela necessidade de combater a pandemia do novo coronavírus.

Ao investir claramente para criar grupos armados e dispostos a defender o governo a qualquer preço, como fica patente nos posts nas redes sociais e no incentivo a atos semanais de conformação golpista em Brasília, o presidente dá a senha para a criação de milícias paramilitares no Brasil, nos moldes da Milícia Nacional Bolivariana da Venezuela, criada por Hugo Chávez em 2007, e que hoje conta com mais de 1 milhão de cadastrados. Nicolás Maduro, o ditador que sucedeu Chávez, quer chegar a 2 milhões de homens armados, que, juntamente com o Exército amplamente inflado pelo chavismo são as duas forças que mantêm o regime de pé.

Escrevi a esse respeito na coluna intitulada “Bolsochavismo”, ainda em fevereiro, quando o apoio dos bolsonaristas ao criminoso motim de policiais militares em vários Estados já era o ovo da serpente do que se quer criar.

Não é coincidência o fato de pulularem nas redes sociais vídeos de policiais militares de todo o País se colocando à “disposição" para defender Bolsonaro do STF, do Congresso e de governadores (aos quais as PMs estão subordinadas).

Aliada à investida sem disfarces sobre a Polícia Federal e seu uso como polícia política, inclusive perseguindo adversários políticos do presidente, a urdidura de milícias fortemente armadas e dispostas e matar e morrer por Bolsonaro é a gestação de um projeto autocrático de poder que, se não for parado agora pelos demais Poderes, aos quais a Constituição delegou a tarefa de exercerem o controle sobre os arreganhos do Executivo, será difícil de deter no pós-pandemia.

Não é à toa o uso do verbo “aproveitar" a covid-19 para “passar a boiada”, feito por Ricardo Salles na reunião dos círculos do Inferno. Não é só no Meio Ambiente que o presidente aproveita a confusão que ele mesmo cria diariamente no combate à peste para avançar com o arbítrio.

Isso está sendo feito sobre a liberdade de imprensa, sobre os direitos fundamentais e trabalhistas e também no sentido de um Estado policial e paramilitar que garanta a Bolsonaro não ser admoestado. E talvez nem fosse precisar, dada a tibieza da resposta das instituições.


Ricardo Noblat: Facções políticas em guerra aberta pelo poder no Rio

Um ex-capitão contra um ex-fuzileiro naval

Se um delegado da Polícia Federal, como contou o empresário Paulo Marinho, vazou para o senador Flávio Bolsonaro em outubro de 2018 que ele seria alvo de uma operação que poderia prejudicar a eleição do seu pai, por que duvidar que possam ter vazado informações sobre a operação da Polícia Federal que teve como alvos o governador Wilson Witzel, do Rio, e sua mulher?

A operação veio em boa hora para o presidente Jair Bolsonaro. A vida dele não está fácil. Responde a inquérito por tentativa de intervenção na Polícia Federal. Seu celular pode ser apreendido. Investigações no âmbito do Supremo Tribunal Federal levantam suspeitas sobre atos dos seus filhos. E a escolha que fez de recursar-se a combater o Covid-19 lhe cobrará um preço alto e justo.

Mas, por ora, isso está longe de significar que a operação que alcançou o casal Witzel tenha sido encomendada para amenizar a coça que os Bolsonaro estão tomando. Tampouco os comentários feitos de véspera por bolsonaristas sobre a possibilidade de o casal ter-se envolvido em bandalheiras, significam necessariamente que eles souberam da operação com antecedência.

Compilem-se as notas publicadas desde janeiro em jornais importantes a propósito de futuras operações da Lava Jato. A mais recente edição da VEJA, em circulação desde a última sexta-feira, foi fundo na revelação da tempestade que se abateria sobre os Witzels. Era pedra mais do que cantada. Nos corredores do poder, em Brasília, murmurava-se a respeito há semanas.

Como polícia judiciária, a Polícia Federal só age se autorizada. E foi pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, em despacho considerado bem fundamentado por ministros de tribunais superiores e advogados respeitados. As investigações corriam desde a época de Sérgio Moro como ministro e de Maurício Aleixo como delegado-geral da Polícia Federal.

O Rio assistirá daqui para frente à guerra entre duas facções políticas: a comandada por Bolsonaro e a comandada por Witzel. A facção de um ex-capitão contra a de um ex-fuzileiro naval. As duas se juntaram em 2018 para ganhar as eleições. Começaram a se separar quando Witzel, ao sobrevoar certa vez o Rio na companhia de Bolsonaro, avisou-o que seria candidato à sua sucessão.

Cada facção tem seu braço armado – agentes das várias polícias, milicianos com ou sem conexão com o tráfico de drogas, e os dois maiores grupos do chamado crime organizado, o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital. O caso da rachadinha no gabinete de Flávio e o da execução de Marielle Franco serão usados à farta para tornar a guerra ainda mais sangrenta.

Witzel poderá ser um adversário mais perigoso para Bolsonaro do que Bolsonaro para ele. É provável que a Assembleia Legislativa aprove a abertura de um processo de impeachment para cassar seu mandato. Mesmo que escape, dificilmente Witzel se reelegerá. Seu projeto de suceder Bolsonaro foi para o lixo. Uma pessoa acuada mata com a esperança de não morrer.

A guerra que mal começa já produziu uma vítima – a Polícia Federal. Sua isenção está em dúvida. E a dúvida só se agravará quando o Procurador-Geral da República concluir que Bolsonaro, ao contrário do que disse Moro, jamais tentou controlá-la. Tempos estranhos, estes, onde o excesso de provas serve para absolver, não para denunciar e condenar.

O troco chinês não demorará muito a ser dado

Bolsonaro não perde por esperar
Uma vez que o serviço secreto chinês tem informantes dentro do governo brasileiro, como admitiu o presidente Jair Bolsonaro, a essa altura já sabe o que foi dito sobre a China na reunião ministerial de 22 de abril último.

Os trechos do vídeo da reunião censurados pelo ministro Celso de Mello mais revelam do que escondem. Ali ficou clara a ojeriza de Bolsonaro e de alguns dos seus ministros ao maior parceiro comercial do Brasil no mundo.

Justamente por tal condição é que eles não querem bater de frente com o governo comunista chinês. Sentem-se obrigados a aturá-lo e vivem sob a pressão do agronegócio, parte da base eleitoral de Bolsonaro.

Mas as relações entre os dois países foram abaladas. E o Brasil pagará caro por isso, e também por estimular manifestações hostis que se repetem semanalmente em Brasília há pouca distância da embaixada da China.

O governo chinês é reconhecido por seu pragmatismo, mas a história do Império do Meio ensina que ele não engole desaforos. A paciência milenar nada tem a ver com conformidade, mas com sabedoria.


Elio Gaspari: A diplomacia da inépcia

Erro de Weintraub estava em julgar-se superior aos chineses

Com a exposição das falas tétricas da reunião ministerial de Bolsonaro, saem do Planalto sinais de preocupação diante de um eventual estrago que possa ocorrer nas relações do Brasil com a China.

Se um ministro chinês dissesse que o Brasil “é aquele cara que cê sabe que cê tem de aguentar”, porque eles nos vendem proteínas de que precisamos, e outro acrescentasse que a “globalização cega” levou o país a comprar alimentos de quem espalhou o “comunavírus”, a milícia bolsonarista estaria com a faca nos dentes. Bizarrices desse tipo partiram dos ministros Paulo Guedes, na reunião, e Ernesto Araújo, num artigo.

O professor Delfim Netto já ensinou que os governos precisam abrir a quitanda pela manhã, com berinjelas para vender e troco para a freguesia. O governo de Jair Bolsonaro só abre à noite, não tem troco nem legumes, e briga com as freguesas. À primeira vista faz isso movido por estranhas convicções, mas as encrencas que ele cria com a China são produto da inépcia.

Durante a existência do capitão, a diplomacia brasileira cuidou de grandes questões que envolviam o interesse nacional. Assim foi com o estranhamento ocorrido no século passado com a Argentina em torno da construção da hidrelétrica de Itaipu, ou mesmo com os Estados Unidos durante o governo de Jimmy Carter em torno do Acordo Nuclear assinado com a Alemanha. Nesses dois casos, existiam contenciosos. Com a China não há contencioso algum, salvo recônditos sentimentos racistas. No limite, o Império do Meio acaba mal falado porque compra berinjelas brasileiras. O doutor Guedes diz que “tem que aguentar” o chinês e orgulha-se de ter lido obras do economista John Maynard Keynes “três vezes, no original”. Ler o inglês no original é motivo de orgulho, vender soja para o chinês chega a ser um desconforto.

O povo chinês viveu o que ele mesmo chama de “século da humilhação”. O palácio de verão dos imperadores foi saqueado por uma tropa anglo-francesa em 1860 e no início do século passado um parque localizado no enclave internacional de Xangai tinha um cartaz que avisava: “Proibida a entrada de cachorros e de chineses”. Quando o ministro da Educassão Abraham Weintraub fez graça brincando com a fala do Cebolinha para sugerir que a China seria a beneficiária da ruína provocada pela pandemia, sabia que lidava com um preconceito. Seu erro estava em julgar-se superior aos chineses, e muita gente pensa assim.

Em 1979, quando o poderoso Deng Xiaoping visitou Nova York, precisou pedir dinheiro a um amigo para comprar um presente para sua neta, uma boneca que chorava e fazia xixi. Hoje as crianças americanas brincam com bonecas chinesas.

Na transcrição liberada com embargos pelo ministro Celso de Mello, Bolsonaro disse que “não queremos brigar com XXXXXX, zero briga com a XXXXX.” A XXXXX não briga, espera.

Fica aqui o registro de que o ministro zombou da curiosidade alheia nos embargos que impôs ao texto da fatídica reunião de 22 de abril. Alguns cortes são risíveis, pois basta medir o trecho suprimido para se perceber o que está escrito ali.


Bernardo Mello Franco: Algo no céu de Laranjeiras

Bolsonaro festejou a operação da PF contra Wilson Witzel. Está claro que houve vazamento, mas é preciso cautela com a hipótese de uma grande conspiração

Há algo no céu de Laranjeiras além dos helicópteros da TV. A Operação Placebo despertou novas suspeitas de interferência na Polícia Federal. O alvo dos homens de preto foi Wilson Witzel, adversário político de Jair Bolsonaro.

Na segunda-feira, a deputada Carla Zambelli contou à Rádio Gaúcha que a PF estava prestes a revelar desvios em governos estaduais. Aliada do presidente, ela acrescentou que as operações desvendariam fraudes na saúde. Só faltou informar a placa das viaturas que cercariam a residência do governador do Rio.

Ontem o capitão comemorou a ação contra o desafeto. Ao ser questionado sobre o assunto, ele riu e deu parabéns à PF. Mais tarde, voltou a provocar Witzel. “Tem gente preocupada, querendo botar a culpa em mim”, debochou.

O ex-juiz se declarou vítima de perseguição política. Ele recebeu a solidariedade de outros rivais de Bolsonaro. O deputado Marcelo Freixo mencionou o risco de a PF virar uma “polícia política”. O governador de São Paulo, João Doria, disse ver sinais de uma “escalada autoritária”.

Está claro que houve vazamento, mas é preciso cautela com a hipótese de uma grande conspiração. As investigações começaram em abril, antes da troca de comando na PF. As buscas foram autorizadas pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ. Ele apontou um vínculo “bastante estreito e suspeito” entre a primeira-dama Helena Witzel e uma empresa ligada a Mário Peixoto, preso na Operação Favorito. O enredo lembra a dobradinha de Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo.

Irritado com a operação, Witzel disse que o senador Flávio Bolsonaro “já deveria estar preso”. O filho do presidente chamou o governador de corrupto e avisou que ele será atingido por “um tsunami que está vindo”. É possível que ambos estejam certos, mas precisamos esperar o fim das investigações.

Enquanto os dois batem boca, a saúde do Rio continua a agonizar. Ontem o Estado registrou mais 256 mortes pelo coronavírus, um recorde desde o início da pandemia.


Merval Pereira: Sinais de alerta

A operação policial no Palácio Laranjeiras, residência oficial dos governadores do Rio, faz parte de um amplo mosaico de combate à corrupção que é bem vindo, mas traz consigo a desconfiança de que a Polícia Federal esteja sendo usada para objetivos políticos depois da mudança de chefia recente.

O fato de que esta é a segunda vez em pouco tempo que um governador do Rio recebe a visita da Polícia Federal em sua casa - o outro, Pezão, foi levado preso de lá - diz muito sobre a deterioração da política do Estado, onde milicianos e trambiqueiros de diversos naipes dominam os serviços terceirizados, especialmente os da Saúde, numa perversão que não parou no governo Sergio Cabral.

Os trambiqueiros são os mesmos, Mario Peixoto tinha ligação antiga com o governo anterior, e já na campanha sua presença no entorno de Witzel foi denunciada pelo também candidato Romário. Milícias disputam os poderes entre si, federal e estadual.

Os indícios contra o governador do Rio, Wilson Witzel, sempre foram muito fortes desde o inicio, quando ele desmontou o sistema unificado de polícias do Rio na Secretaria de Segurança organizado pelo militares durante a intervenção, e voltou a aceitar indicações políticas para o comando de batalhões, segundo informações das autoridades da época. O interventor foi o General Braga Neto, que hoje ocupa o Gebinete Civil da presidência de Bolsonaro.

Mas o presidente Bolsonaro festejar com risadas e dar os parabéns à operação da Polícia Federal tem o mesmo efeito dos cumprimentos e elogios ao procurador-geral da República, Augusto Aras, ao visita-lo de surpresa para elogiar de corpo presente os “formidáveis” membros do Ministério Público.

Com atitudes como essas, Bolsonaro pressiona publicamente órgãos de Estado que são autônomos e precisam demonstrar essa condição em situações delicadas, como, por exemplo, recolher o celular de uma autoridade. Ontem, os celulares e computadores do governador do Rio Wilson Witzel foram confiscados pela PF com a autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Por que então é considerado pelo governo federal uma ofensa a simples menção à possibilidade de confiscar o celular do presidente da República, a ponto de o General Augusto Heleno dar-se ao desplante de soltar nota oficial, respaldada pelo ministro da Defesa, ameaçando com uma crise institucional “de consequências imprevisíveis”?

O mesmo General, juntamente com seus colegas de farda Braga Neto e Luiz Eduardo Ramos, sentiu-se ofendido quando o mesmo ministro Celso de Mello convocou-os para deporem como testemunhas e, no documento de convocação, havia o aviso de praxe de que se não comparecessem no dia marcado poderiam ser levados a depor coercitivamente debaixo de vara.

Todo cidadão brasileiro recebe intimações nesses termos, por que os generais não poderiam também serem tratados como cidadãos comuns? Sentem-se “mais iguais que os outros”, lembrando George Orwell na Revolução dos Bichos? Essas suspeitas tornam nubladas operações que podem ser corretas, no meio de uma confusão política enorme.

Que o Palácio do Planalto sabia da operação no fim de semana parece não haver mais dúvidas, e não apenas porque a deputada Carla Zambelli deu com a língua nos dentes e antecipou em entrevista operações contra governadores.

Assessores próximos do presidente da República comentaram com amigos a possibilidade de prisão de Witzel no sábado. A suspeita de que a nova direção da Polícia Federal está satisfazendo a “curiosidade” do presidente Bolsonaro, especialmente no Rio de Janeiro, é o efeito colateral dessa ação, o que pode ser mortal para a nossa democracia.

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, soltou ontem uma nota oficial sóbria mas enérgica, cujo núcleo é a defesa da tese democrática de que ordem judicial se cumpre, e que a relação entre os poderes não pode estar ameaçada por sentimentos espúrios.

É preciso decifrar em que pé está a interferência de Bolsonaro diretamente na Polícia Federal, especialmente no Rio. Muita coincidência que tudo em primeiro lugar aconteça no Rio. A primeira decisão do novo diretor da PF foi a troca do superintendente do Rio, a primeira operação foi aqui também. É preocupante imaginar que o presidente esteja constrangendo Polícia Federal, procuradoria-geral da República e Ministério Público. Pode ser perigoso para a democracia.


Nova Política Democrática analisa crise do governo Bolsonaro e legião de invisíveis

Em editorial, revista da FAP diz que pandemia vem sendo tratada com ‘descaso esperado’ no Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Mais de 46 milhões de brasileiros na invisibilidade revelada pelo coronavírus, a crise de liderança política de Jair Bolsonaro, o limbo entre as defesas da vida e da economia e a nova disputa no governo com a ala militar são as análises de destaque da nova edição da Revista Política Democrática Online. Produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), a publicação pode ser acessada, integralmente e de forma gratuita, no site da entidade.

Acesse aqui a 19ª edição da Revista Política Democrática Online!

Em sua nova edição, a revista destaca que a pandemia vem sendo tratada com “descaso esperado”. “Uma vez que o problema, para o governo, não é a doença, mas as medidas que o consenso da ciência indica para sua contenção, caminhamos celeremente para a quebra de todos os recordes negativos”, afirma um trecho do editorial. “Provavelmente chegaremos aos números mais elevados do mundo, tanto no que diz respeito a óbitos como a empregos destruídos”, continua.

O Brasil passou a Rússia e é o segundo país com mais casos de Covid-19 no mundo, segundo o balanço divulgado pelo Ministério da Saúde. Fica atrás apenas dos Estados Unidos. Além disso, conforme mostra a reportagem especial desta edição, mais de 46 milhões de brasileiros não estão em nenhuma lista do governo brasileiro e correm para conseguirem benefício durante pandemia do coronavírus.

A reportagem da Revista Política Democrática Online também mostra que, na ausência do poder público, a solidariedade tem-se tornado o melhor remédio de força para comunidades inteiras se ajudarem e passarem o período da pandemia do coronavírus. Em diversos Estados, grupos de vários segmentos da sociedade se unem para amenizar a fome ou auxiliar pessoas sem acesso à internet a fazerem o registro no Cadastro Único.

Em entrevista especial à revista, a professora aposentada e pesquisadora sênior do Departamento de Ciência Política e do Núcleo de Políticas Públicas da USP (Universidade de São Paulo), Lourdes Sola, Bolsonaro atua para destruir maiorias no Congresso. “Se uma maioria se insinua no Congresso, ele se dedica a sabotá-la”, critica. “Bolsonaro nunca esteve sozinho. Logo que ele começou a contestar a forma de os governadores reagirem à Covid, evidenciou-se para mim que não era só a família que o apoiava. Havia outros atores – nem sempre forças ocultas, mas semiocultas”.

No plano econômico, o Brasil terá que recorrer ao investimento público, para se recuperar dos efeitos da crise atual, conforme análise do professor do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília). “O ritmo anêmico de crescimento da economia brasileira anterior à pandemia já era prova cabal de que, sem aumento significativo do investimento público em infraestrutura, não é possível obter aceleração consistente do crescimento”, afirma ele.

Além de análises sobre as defesas da vida e da economia, que chegam a polarizar discussões no Brasil, a Revista Política Democrática Online também leva ao público outros assuntos relevantes, de interesse público e atuais sobre filosofia, cinema e cultura.

Todos os conteúdos da publicação são divulgados no site e tem chamadas nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Folha de S. Paulo: Jefferson, Hang e bolsonaristas são alvos de operação contra fake news

Ordens foram expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes e estão sendo executadas no DF, além de RJ, SP, MT, PR e SC

Fábio Fabrini e Bruno Boghossian, da Folha de S. Paulo

A Polícia Federal cumpre 29 mandados de busca e apreensão nesta quarta-feira (27) no chamado inquérito das fake news, que apura ofensas, ataques e ameaças contra ministros do STF (Supremo Tribunal Federal). Políticos, empresários e ativistas bolsonaristas estão entre os alvos da investigação.

Policiais buscam provas nos endereços do ex-deputado Roberto Jefferson, presidente nacional do PTB, do dono da Havan, Luciano Hang, e de assessores do deputado estadual paulista Douglas Garcia (PSL).

O principal foco da operação é um grupo suspeito de operar uma rede de divulgação de notícias falsas contra autoridades, além de quatro possíveis financiadores dessa equipe.

Além de Hang, estão entre esses supostos patrocinadores o empresário Edgard Corona, dono da rede de academias Smart Fit, e o investidor Otávio Oscar Fakhoury, também alvos de busca e apreensão.

As ordens foram expedidas pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, no Supremo e estão sendo executadas no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Paraná e Santa Catarina. A investigação corre em sigilo.

Oito parlamentares são investigados, mas não há mandados para recolhimento de material em seus endereços. Moraes determinou que eles sejam ouvidos em dez dias e proibiu que suas postagens em redes sociais sejam apagadas.

Trata-se dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio do Amaral (PSL-MG), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSL-SP), além dos deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP).

A possível tentativa do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de proteger aliados de apurações da PF está no centro de outra investigação que corre no Supremo, aberta após denúncias do ex-ministro Sergio Moro (Justiça).

Numa mensagem enviada no mês passado ao ex-juiz da Lava Jato, o mandatário disse que um motivo para a troca do então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, era a notícia de que o inquérito das fake news mirava deputados do seu espectro político.

De acordo com as investigações, o ex-congressista Roberto Jefferson fez ameaças à democracia ao publicar uma foto com um fuzil "os traidores".

Ex-aliado de Fernando Collor de Melo e um dos condenados no escândalo do mensalão, Jefferson preside um dos partidos do centrão e passou a defender efusivamente Bolsonaro nos últimos tempos.

O próprio presidente da República chegou a assistir e recomendar uma live em que Jefferson acusava o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de arquitetar um golpe parlamentar. Bolsonaro tem se articulado com siglas do centrão, distribuindo cargos a essas legendas em troca de apoio no Congresso.

Outros alvos da operação são os bolsonaristas Allan dos Santos (blogueiro) e Sara Winter (ativista).

Allan dos Santos é apoiador de Bolsonaro e editor do site Terça Livre. Ele prestou depoimento à CPMI das Fake News, no ano passado, e negou receber verba oficial do governo para manter a página.

Já a ativista Sara Winter lidera um grupo denominado 300 do Brasil, que formaram um acampamento para treinar militantes dispostos a defender o governo Bolsonaro. Em entrevistas recentes, ela reconheceu que alguns de seus integrantes estão armados.

Outros alvos de mandados são os assessores de Douglas Garcia Edson Pires Salomão e Rodrigo Barbosa Ribeiro. O primeiro é presidente nacional do Movimento Conservador (ex-Direita SP).

Também sofrem medidas de busca e apreensão o humorista Rey Bianchi, que postou em suas redes sociais um vídeo com o mandado de Moraes, no qual critica a operação, além dos ativistas Marcos Dominguez Bellizia, do Nas Ruas, Bernardo Kuster, que faz postagens no Youtube, e Marcelo Stachin, que participou de acampamento em Brasília.

A Folha mostrou no dia 25 de abril que as investigações identificaram indícios de envolvimento do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente, no esquema de notícias falsas.

O inquérito busca elementos que comprove sua ligação e sustente seu possível indiciamento dele ao fim das apurações. Outro filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de SP, também é suspeito.

Nesta manhã, em meio à operação da Polícia Federal, Carlos escreveu em rede social. "O que está acontecendo é algo que qualquer um desconfie que seja proposital. Querem incentivar rachaduras diante de inquérito inconstitucional, político e ideológico sobre o pretexto de uma palavra politicamente correta? Você que ri disso não entende o quão em perigo está."

A operação da Polícia Federal contra fake news mira também oito deputados bolsonaristas. Eles não são alvo de mandados de busca e apreensão, mas Moraes determinou que sejam ouvidos em dez dias e que suas postagens em redes sociais sejam preservadas.

Trata-se dos deputados federais Bia Kicis (PSL-DF), Carla Zambelli (PSL-SP), Daniel Lúcio da Silveira (PSL-RJ), Filipe Barros (PSL-PR), Junio do Amaral (PSL-MG), Luiz Phillipe Orleans e Bragança (PSL-SP), além dos deputados estaduais Douglas Garcia (PSL-SP) e Gil Diniz (PSL-SP).

Como mostrou a Folha, enquanto procuradores e juízes da primeira instância têm arquivado, nos estados, os desdobramentos do inquérito aberto pelo STF para apurar fake news e ameaças contra integrantes do tribunal, há em Brasília uma confluência entre Supremo, governo federal e Ministério Público que respalda o prosseguimento da investigação.

A AGU (Advocacia-Geral da União), que representa o governo Jair Bolsonaro, tem dado pareceres favoráveis à continuidade do inquérito, cuja constitucionalidade é questionada em ações no próprio Supremo e na Justiça Federal de primeiro grau em Brasília.

No entendimento da AGU, o ministro Moraes, que preside a investigação, não será o responsável por denunciar e julgar os suspeitos, o que assegura a separação entre as funções prevista na Constituição.

Moraes tem remetido braços da investigação às Procuradorias nos estados onde considera haver indícios de crimes. A ideia é que os procuradores locais avaliem as provas colhidas pelo STF e, se entenderem que houve crime, ofereçam denúncia.

Numa guinada em relação a Raquel Dodge —que buscou arquivar o inquérito em diversas ocasiões e entrou em atrito com o STF por causa disso—, o novo procurador-geral, Augusto Aras, afirmou que não há inconstitucionalidade na apuração, desde que suas conclusões sejam submetidas ao Ministério Público, único órgão capaz de propor ações penais.

No Supremo, com exceção do ministro Marco Aurélio, mesmo os críticos ao procedimento têm evitado comentá-lo, seja para não enfraquecer o tribunal perante o público, seja porque, como observam, desconhecem a gravidade do que a apuração ainda pode encontrar.

O motivo dos questionamentos sobre o inquérito é que, segundo seus críticos, há uma série de vícios de origem.

A investigação foi aberta em março pelo presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, sem provocação de outro órgão —no jargão jurídico, foi instaurada de ofício.

Moraes foi escolhido relator por Toffoli sem que houvesse um sorteio entre todos os ministros. E o objeto da apuração é amplo demais, sem um fato criminoso bem definido, o que permite que várias situações sejam enquadradas no escopo da investigação, como tem ocorrido.

POLÊMICAS SOBRE O INQUÉRITO DO STF

Origem Em março de 2019, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Dias Toffoli, abriu inquérito para apurar fake news, ameaças e ofensas caluniosas, difamatórias e injuriosas a ministros da corte e seus familiares. Ele apontou como relator o ministro Alexandre de Moraes

Como a PGR recebeu a medida A então PGR, Raquel Dodge, disse que a investigação era inconstitucional, violou o devido processo legal e feriu o sistema acusatório, segundo o qual o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.

O novo procurador-geral, Augusto Aras, que assumiu em setembro, afirmou não ver nulidade no inquérito e disse ser contra o arquivamento da apuração, como defendeu sua antecessora

Quais alguns dos pontos contestados Toffoli abriu o inquérito por ato de ofício, sem provocação de outro órgão, o que é incomum. Para os críticos, ele deveria ser encaminhado ao Ministério Público. Além disso, Moraes foi designado para presidir sem que houvesse sorteio ou consulta em plenário

O que prevê a lei Pelo Código de Processo Penal, o arquivamento de um inquérito passa pela avaliação do juiz (artigo 28). No mesmo sentido, o regimento interno do STF dispõe que é atribuição do relator determinar a abertura ou o arquivamento de um inquérito quando a Procuradoria assim requerer (artigo 21)

Próximos passos Uma ação da Rede questiona a investigação, e o caso deveria ser levado ao plenário do Supremo a pedido do relator, o ministro Edson Fachin. Mas o julgamento não tem prazo para ocorrer

Desdobramentos O STF tem desmembrado o inquérito, remetendo pedidos de investigações de casos concretos à Polícia Federal, em uma manobra para colocá-los dentro do rito processual normal e tentar fazer com que tenham prosseguimento em ações na Justiça