Day: maio 25, 2020

Reinaldo Azevedo: Bolsonaro planeja guerra civil, não autogolpe

Presidente usa ainda as Forças Armadas, que se deixam usar, para seus propósitos criminosos

A interferência ilegal de Jair Bolsonaro na Polícia Federal pode estar nos fatos, mas não no vídeo tarja-preta. Ingerência sim, crime não. De gravidade inédita é outra coisa: o presidente não investe num autogolpe, mas numa guerra civil. Confessou ainda ter um sistema particular de informações. E usa as Forças Armadas, que se deixam usar, para seus propósitos criminosos.

Trata-se de confissão, não de interpretação: “Por que eu tou armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura! (…) É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado! Que povo armado jamais será escravizado”. A arma é um fermento político. E o crime tem atos de ofício, como evidencio abaixo.

Na reunião, dá ordem a Sergio Moro e a Fernando Azevedo e Silva (Defesa): “Eu peço ao Fernando e ao Moro que, por favor, assine essa portaria hoje que eu quero dar um puta de um recado pra esses bosta!” No dia seguinte, saiu a portaria, que elevou a munição que pode ser comprada por um civil de 200 unidades por ano para 550 por mês.

No dia 18 de abril, ele já havia baixado a portaria 62/20, pondo fim ao rastreamento de armas e munições. Escreveu no Twitter: “Determinei a revogação das Portarias Colog nº 46, 60 e 61, de março de 2020, que tratam do rastreamento, identificação e marcação de armas, munições e demais produtos controlados por não se adequarem às minhas diretrizes definidas em decretos".

As portarias revogadas tinham sido assinadas pelo general de brigada Eugênio Pacelli, do Comando de Logística do Exército. O presidente mandou exonerá-lo da Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados sem poderes para isso.

Pacelli passou para a reserva no dia 24 de março. Na despedida, desculpou-se com empresários do ramo de armas por não ter atendido a seus interesses: “Nosso maior compromisso será sempre com a tranquilidade da segurança social”. O de Bolsonaro é outro. O PSOL entrou com uma ação no STF contra a portaria 62. O relator é Alexandre de Moraes.

Não menos grave é a outra confissão: “Sistemas de informações: o meu funciona. O meu particular funciona. Os que têm oficialmente, desinforma.” Que sistema é esse? A deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-aliada da turma, disse à CPMI das Fake News que Carlos Bolsonaro, o amigão de Alexandre Ramagem, queria criar a “Abin paralela”.

Bolsonaro maratonou os crimes de responsabilidade previstos na lei 1.079. E arregaçou a 7.170, de segurança nacional. Poderia pegar até 19 anos de cadeia. General Augusto Heleno ameaçou o país com um golpe, na sexta-feira (22), assinando, literalmente de próprio punho, uma nota que evoca, sub-reptícia e erradamente, o artigo 142 da Constituição.

O golpe de 1964 foi desferido “contra a subversão e a corrupção”. Os corruptos já estão sendo contratados junto ao fundão do centrão. E o subversivo confesso usa o aparelho de Estado e as Forças Armadas para organizar a guerra civil. Um novo Brasil, certo, senhores oficiais-generais?

A propósito: não fosse a demissão de Maurício Valeixo, Moro teria ficado calado em abril, como ficou em março, assistindo ao planejamento da guerra civil?


Leandro Colon: Em raro lapso de lucidez, Bolsonaro disse uma verdade na reunião ministerial

Presidente afirmou que seu governo está indo em direção ao 'iceberg'

É justo admitir que Jair Bolsonaro falou uma verdade em meio às barbaridades ditas na reunião ministerial do dia 22 de abril.

Em lapso raro de lucidez diante das evidências sobre a interferência na Polícia Federal, o presidente afirmou aos ministros que seu governo pode estar "indo em direção a um iceberg". "A gente vai pro fundo, então vamos se ligar, vamos se preocupar [sic]", disse.

Passado o choque da revelação de um episódio da zorra total, a certeza é a de naufrágio após a batida inevitável da gestão Bolsonaro com o iceberg. O vídeo revela um governo não só de insanos e despreparados como também de gestores completamente perdidos.

Muita gente nem deve ter percebido, mas a razão do encontro era o programa Pró-Brasil, coordenado pelo general Braga Netto (Casa Civil).

A proposta é um amontado de ideias de investimentos públicos e de números reciclados. Na prática, nada.

"É um plano Marshall brasileiro, né?", disse Braga Netto na reunião fechada com seus colegas ministros.

Plano Marshall foi o programa dos EUA para ajudar a reconstruir os países aliados devastados economicamente com a Segunda Guerra.

Ao ouvir Braga Netto, Guedes rebateu: "Não chamem de Plano Marshall porque revela um despreparo enorme". "Um desastre", acrescentou. "Vai revelar falta de compreensão das coisas", disse o ministro na frente do chefe da Casa Civil e do presidente Bolsonaro. "Pró-Brasil é um nome espetacular', exagerou Guedes.

À tarde daquele dia 22, Braga Netto convocou a imprensa para anunciar o programa no Palácio do Planalto. Guedes ficou de fora da entrevista. Pouco antes, jornalistas foram informados e publicaram que nos bastidores os militares haviam apelidado o Pró-Brasil de "Marshall".

Questionado pelos repórteres, o chefe da Casa Civil, talvez um tanto esquecido do que dissera no encontro privado com os colegas de governo, respondeu: "Não existe nenhum Plano Marshall, aqui existe o Pró-Brasil. Plano Marshall é outra coisa".


Ricardo Noblat: Moro crava mais estacas no peito de Bolsonaro

E pede para ser lembrado pela escolha que fez de deixar o governo

Definitivamente, o último fim de semana não foi dos melhores para o presidente Jair Bolsonaro. Jamais apanhou tanto nas redes sociais como na noite da sexta-feira logo depois da exibição do vídeo que prova que ele interferiu politicamente na Polícia Federal e que é capaz de dizer 37 palavrões em pouco mais de duas horas de reunião.

No sábado, ainda sob o impacto das críticas, visitou um dos ministros e um dos seus filhos numa quadra residencial da Asa Sul, em Brasília. Comeu um cachorro quente no meio da rua para mostrar que se comporta como um homem comum. À chegada e à saída às pressas, foi recepcionado pelo tilintar de panelas e ouviu desaforos.

No domingo pela manhã, sobrevoou de helicóptero a Esplanada dos Ministérios para avaliar o tamanho de mais uma manifestação a seu favor encomendada aos devotos de sempre. Deu-se conta que era pequena. À noite, recolhido ao Palácio da Alvorada, ligou a televisão e enfureceu-se com mais um golpe que Sérgio Moro lhe aplicou.

Desta vez, em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, Moro acusou Bolsonaro de ter enfraquecido a agenda de combate à corrupção, uma de suas mais caras promessas de campanha. E de recusar-se a enxergar o verdadeiro tamanho da tragédia provocada pela pandemia do Covid-19. Moro chamou-o de “negacionista”.

Ao governo, segundo Moro, talvez devido à posição pessoal de Bolsonaro, faltou um plano para enfrentar a doença. E continua faltando. Bolsonaro errou ao demitir em meio à pandemia dois ministros da saúde em pouco mais de um mês. Como erra, agora, ao se aliar a políticos de reputação duvidosa para não cair.

Perguntando por que, durante a reunião ministerial de abril último, nada disse quando ouviu o ministro da Educação achincalhar o Supremo Tribunal Federal, e o do Meio Ambiente sugerir o desmonte de regras contra o desmatamento uma vez que a imprensa só tinha olhos para o vírus, Moro respondeu mais ou menos assim:

– Aquele ambiente era desfavorável ao contraditório.

E por que nada disse quando Bolsonaro deu a entender que interviria na Polícia Federal e aproveitou para olhar na sua direção? Moro voltou a repetir que o ambiente era marcadamente desfavorável ao contraditório. Se conhecia a biografia de Bolsonaro, por que Moro aceitou o convite para servir ao seu governo?

– Eu tinha uma missão a realizar – respondeu.

Arrependeu-se de ter aceitado o convite?

– Fiz uma escolha, como fiz a escolha de sair. Espero ser lembrado por essa…

Por fim, como de hábito, driblou a pergunta sobre se será ou não candidato nas eleições de 2022. Só não será se lhe faltaram condições para tal. Se não for, estará do lado oposto ao de Bolsonaro.

Weintraub pede a palavra mais uma vez e pode perder a cabeça

Ministro se explica e se complica

Onde antes se leu:

Abraham Weintraub, ministro da Educação, em reunião de 22 de abril último com os demais colegas e o presidente Jair Bolsonaro, chamou de “vagabundos” os ministros do Supremo Tribunal Federal e disse que eles deveriam ser presos;

Leia-se agora:

Abraham Weintraub, ministro da Educação, em reunião de 22 de abril último com os demais colegas e o presidente Jair Bolsonaro, chamou de “vagabundos” alguns dos ministros do Supremo Tribunal Federal e disse que eles deveriam ser presos.

Foi o próprio Weintraub quem pediu a retificação. Afirmou, sem perder a pose, que interessados em desestabilizar o país manipularam sua fala original. Como se uma fala dele, por mais criminosa que tenha sido, fosse capaz de desestabilizar o país.

O ministro dá-se uma importância que jamais teve. Está no cargo por indicação do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, o guru da ensandecida família Bolsonaro. Ao mesmo tempo, tenta subtrair importância à declaração que de fato fez.

Está no vídeo que Bolsonaro e sua malta se empenharam, sem sucesso, em ocultar. Weintraub não se referiu a alguns dos ministros do Supremo. Referiu-se a todos. Se sua intenção era referir-se a alguns, pouco importa. Vale o que foi gravado.

Só por curiosidade: não seria o caso de o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, intimar Weintraub para que nomeie os ministros que quis ofender quando disse o que disse? E para que apresente provas capazes de sustentar o que disse?

Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do governo no Senado, aconselhou Bolsonaro a demitir Weintraub. Era o que ele faria, garantiu, se estivesse no lugar do presidente. Bolsonaro ouviu Weintraub sem reagir porque pensa como ele.

Celso de Mello, que preside o inquérito que apura se Bolsonaro tentou interferir na Polícia Federal, pediu aos demais ministros do Supremo que se manifestem sobre se sentiram ou não ofendidos por Weintraub, seja na versão 1 ou na versão 2.

Como ficará a imagem da Justiça se os ministros do Supremo responderem que não se sentiram ofendidos? Ou se preferirem guardar silêncio a respeito? Então liberou geral para que qualquer pessoa repita impunemente o que disse Weintraub.

Preocupado em salvar a própria face, como se isso fosse possível a essa altura, Bolsonaro quis procurar Toffoli para se explicar. Toffoli escapou de compartilhar o vexame: internou-se para a retirada de um abcesso. Pode ter sido infectado pelo Covid-19.

O bolsonavírus não poupa ninguém.


Fernando Gabeira: Vídeo, mentiras e palavrões

A divulgação na íntegra, exceto referência aos chineses, deu uma boa ideia de como estamos sendo governados

É raro ver um filme, depois de ler seu argumento e roteiro. Você sabe o que vai acontecer. No entanto, desconhece como os atores vão representar o texto, como reagirão às falas, como se movimentam no espaço cênico.

O famoso vídeo da reunião do Conselho de Ministros já foi vazado a ponto de termos uma ideia de como transcorreu. Sim, havia dúvidas sobre os palavrões. Como foram ditos, com que expressão facial, em que contexto, que tipo de olhar suscitaram.

Tenho impressão de que o vídeo veio na íntegra. O corte da fala de Weintraub é tão óbvio que todo mundo percebe o que disse: não queria ser escravo do PC chinês. Talvez seja uma das frases mais inocentes de todo o texto.

Não foi uma reunião de Conselho de Ministros tal como a supomos. Foi mais parecido com uma pajelança, uma tentativa de Bolsonaro de animar seu Ministério. O debate mesmo era sobre o plano Pró-Brasil.

O trecho básico, que interessa ao processo nascido com a queda de Moro, é o que afirma que não vai deixar sua família se foder, nem seus amigos. Por isso, mudaria até o ministro se necessário. Mudou o superintendente da Polícia Federal, e Moro caiu em seguida.

O nível das intervenções de Bolsonaro é bastante singular se cotejado com os documentos de reuniões presidenciais. Um dos momentos mais dramáticos foi afirmar que, se a esquerda vencesse, todos estariam cortando cana e ganhando 20 dólares por mês.

Como escritor, o que mais me impressionou foi a maneira como figurou a perda da liberdade: “Eles querem nossa hemorroida”, disse. Da primeira vez, hesitei. Seria isso mesmo? De onde tirou a hemorroida para expressar a perda da liberdade, não tenho a mínima ideia. Os analistas talvez nos ajudem.

A divulgação na íntegra, exceto referência aos chineses, deu uma boa ideia de como estamos sendo governados. Não apenas pelas palavras escolhidas, mas pela falta de conexão, de uma liderança que tivesse a agenda na cabeça e tentasse trabalhar o Ministério no conjunto como o maestro que rege uma orquestra afinada.

A perversidade ficou evidente na fala do ministro Ricardo Salles. Ele sabe que a Amazônia está sendo destruída num ritmo alucinante: de agosto de 2019 a abril de 2020 o desmatamento cresceu 94,4 % em relação ao período de agosto de 2018 a abril de 2019.

A tática explícita de Salles é aproveitar a grande preocupação com a pandemia e passar todas as agendas que significam enfraquecer a legislação ambiental e acelerar o processo destrutivo em curso.

Eu já intuía isso. O Human Rights Watch publicou um relatório semana passada, mostrando como as multas na Amazônia deixaram de ser devidamente cobradas desde outubro e como os funcionários sentem-se desamparados na execução da lei.

Consegui passar essa mensagem no meio de uma notícia sobre Covid. É preciso usar todas as brechas para neutralizar a tática perversa.

O general Heleno escreveu uma nota ameaçadora antes da divulgação do vídeo. Não entendeu que o ministro Celso de Mello apenas submeteu ao procurador-geral a hipótese de periciar o telefone de Bolsonaro e seu filho Carlos.

A ameaça é clara: intervenção militar. Heleno é um militar com experiência internacional. Creio que ele e as Forças Armadas sabem que existe uma pandemia e que ela é um tema decisivo para a Humanidade.

Creio também, caso leiam os jornais, que sabem o papel de Bolsonaro no imaginário internacional: o de um negacionista, cada vez mais perigoso na medida em que o Brasil torna-se o epicentro da pandemia mundial.

Um golpe militar no Brasil vai colocar o país em choque com o mundo. Dois temas vão se entrelaçar: a pandemia e a destruição da Amazônia.

Não creio que depois de tanta reflexão histórica, estudos, seminários, palestras, cursos no exterior, as Forças Armadas queiram participar dessa aventura. Já associaram sua imagem à cloroquina. Será que ouviriam o general Heleno e os defensores de uma intervenção militar?

Desta vez, não cairemos no erro de resistir com armas. Será uma luta longa e pacífica, alavancada pelo próprio mundo. Da primeira vez foi uma tragédia; agora, será uma farsa com consequências profundas. Se é possível dar um conselho, ai está: por favor, não tentem.


Em videoconferência, parlamentares debatem fake news, crise e democracia

Evento online é parte de ciclo de debates realizado pelo Observatório da Democracia; FAP faz retransmissão

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Crise, comunicação e democracia é tema da sétima webconferência do Ciclo Diálogos, Vida e Democracia, que será transmitida, nesta segunda-feira (25), a partir das 14h30, pelo Observatório da Democracia, organizador do evento. Em seu site, na sua página no Facebook e em seu canal no Youtube, a FAP (Fundação Astrojildo Pereira) a retransmissão da videoconferência, que vai que vai abordar temas como fake news, privacidade de dados e uso político das redes sociais. A mesa será coordenada por Henrique Mathiesen, coordenador do Centro de Memória Trabalhista e membro da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (FLB-AP).

Foram convidados para a conversa online o senador Humberto Costa (PT-PE), os deputados federais Túlio Gadelha (PDT-PE), David Miranda (PSOL-RJ) e Lídice da Mata (PSB-BA) e a escritora e ex-deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB-RS). No Congresso está em curso uma CPI mista das Fake News. É nesse contexto que irá acontecer a mesa Crise, Comunicação e Democracia, que debaterá a democracia e sua relação com os meios de comunicação tradicionais e as mídias digitais.

Assista aqui ou no vídeo abaixo!

https://www.facebook.com/facefap/videos/593052641569065/

O ciclo contará com diversas mesas temáticas feitas por videoconferências, sempre a partir das 14h30. As próximas conversas virtuais estão programadas para o dia 28 de maio (Jornalismo, Comunicação e Política nas Redes Sociais); e dia 1º de junho (Democracia, Sociedade Civil e Estado Democrático).

Além da FAP, que é vinculada ao Cidadania, o Observatório da Democracia é formado pelas Fundações Perseu Abramo (PT), João Mangabeira (PSB), Mauricio Grabois (PCdoB), Lauro Campos e Marielle Franco (PSOL), Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (PDT), da Ordem Social (PROS) e Claudio Campos.

Os vídeos das webconferências ficam disponíveis no canal do Observatório da Democracia no Youtube e dentro de cada matéria sobre cada webconferência publicada no site da FAP, assim como no canal da fundação no Youtube e em sua página no Facebook.

Veja vídeos de webconferências anteriores:

Líderes partidários fazem webconferência para discutir o país

Especialistas debatem o coronavírus, isolamento social e saúde pública

Governadores debatem pacto federativo durante pandemia do coronavírus

Fundações partidárias debatem pandemia, recessão e saídas para a crise

Analistas discutem Brasil no contexto mundial da pandemia do coronavírus

Economistas debatem pandemia e alternativas em meio à crise do coronavírus


Felipe Salto: Batidas na porta da frente

A hora é da qualificada elite burocrática do País. Mas isso requer liderança política

A covid-19 levou Aldir Blanc, mas sua obra é um fio permanente de beleza a nos guiar nestes tempos obscuros, a exemplo da canção Resposta ao Tempo. A resposta à crise não pode mais ser atropelada por agendas inadequadas. A falta de diagnóstico e de prognóstico turva a visão do governo. Ainda há tempo para salvar muitas vidas. A resposta tem de se pautar em dois eixos: o combate ao vírus, no curto prazo, e o planejamento para o pós-crise.

O isolamento social é inescapável, como explicou o sanitarista Gonzalo Vecina em artigo no Estadão de 20/5. A recessão econômica poderá ser pior do que a apontada no atual cenário pessimista da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, de 5,2%. Diante disso, a tarefa primordial é reduzir mortes e planejar um horizonte de recuperação da produção e do consumo. A volta à normalidade ocorrerá, tempestivamente, de maneira coordenada.

No eixo do combate ao vírus destacam-se quatro frentes de batalha: 1) guarnecer o SUS e os governos regionais; 2) disseminar os testes de diagnóstico e acelerar a compra de respiradores e a instalação de novas UTIs, em parceria com o setor privado; 3) mitigar os efeitos da crise sobre a renda dos mais pobres; e 4) intensificar as medidas de isolamento e as campanhas de higiene pessoal e de uso de máscaras. Comento cada uma a seguir.

1) Foram aprovados R$ 50,2 bilhões de auxílio aos governos estaduais e municipais, além de compensações de até R$ 16 bilhões nos fundos de participação desses entes federativos. Outros R$ 49,8 bilhões foram destinados à saúde, incluindo gastos diretos da União e transferências para Estados e municípios. Mas desse total, de R$ 116 bilhões, foram pagos apenas R$ 11,2 bilhões. É preciso transpor obstáculos burocráticos e acelerar os pagamentos, sobretudo no gasto com saúde.

2) “O tempo aprisiona”, diz a música de Aldir Blanc. A inépcia, também. É urgente promover um esforço nacional envolvendo o setor privado. Sua estrutura, seus profissionais e seu conhecimento têm de ser convertidos para as trincheiras da guerra ao vírus. Faltam testes, medicamentos, respiradores, UTIs e profissionais. Por hipótese, o aluguel ou construção de 30 mil leitos de UTI, ao custo médio diário de R$ 2 mil/paciente, por um período de três meses, representaria R$ 5,4 bilhões. É uma cifra muito pequena relativamente ao poder de fogo da União. Poderia ser comportada nos R$ 49,8 bilhões mencionados.

3) O programa emergencial de R$ 600 está sendo executado, apesar das filas e das dificuldades para acesso ao dinheiro. Dos R$ 123,9 bilhões fixados pelo governo no orçamento, R$ 76,4 bilhões já foram pagos. A IFI estima que o programa atingirá quase 80 milhões de brasileiros, ao custo de R$ 154,4 bilhões em três meses. A discussão sobre a prorrogação do auxílio é relevante, mas precisa ser feita no contexto de eventual reestruturação e unificação dos benefícios sociais já existentes.

4) As campanhas para higienização pessoal, controle de circulação de pessoas e uso de máscaras têm de ser intensificadas. Como apontado por Vecina, se o contágio não se distribuir no tempo, a demanda adicional de UTIs levará o sistema de saúde ao colapso.

No segundo eixo, o do planejamento para o pós-crise, é preciso ter claro o ponto de partida: a dívida pública aumentará mais de dez pontos porcentuais do PIB em 2020, algo como R$ 732 bilhões. Em 2021 será preciso retomar déficits públicos menores. Tarefa complexa a executar se o PIB aumentar muito pouco. A saída da crise envolve o compromisso com o controle dos gastos governamentais e com o aumento das receitas e dos investimentos públicos.

Os juros baixos ajudarão a elevar o investimento privado, mas cabe lembrar que a ociosidade da indústria já supera os 40%. Os recursos dos programas de crédito têm de chegar mais rapidamente às empresas. Também o programa de manutenção de emprego com redução de jornada merece atenção, uma vez que foram pagos até agora apenas R$ 4,5 bilhões dos R$ 51,6 bilhões previstos. Do contrário, fragilizaremos a retomada.

Um verdadeiro bunker é necessário para dirigir tudo isso. Os dois eixos são complexos e cheios de matizes que dependem de gente competente, gestores, especialistas e estudiosos. Em nada ajuda a súcia de camisas pardas a aplaudir o caos. A hora é da qualificada elite burocrática do País. Mas isso requer liderança política.

As tarefas são óbvias: coletar informações diárias de todos os Estados e municípios, com foco nos mais afetados pelo coronavírus, e agir, a partir do bom diagnóstico. E, claro, corrigir a rota quando necessário. Não é uma operação trivial.

Como na canção de Aldir Blanc, “(o tempo) sussurra que apaga os caminhos”, atropela vidas, é implacável com a irresponsabilidade. “Batidas na porta da frente. É o tempo…”. A melhor resposta? Governar.

Nota: Meu avô, Milton Scudeler, era assinante do Estadão e lia para mim os editoriais e artigos de opinião das páginas A2 e A3, onde agora tenho a honra de escrever periodicamente. Agradeço ao jornal pelo espaço aberto.

  • Diretor executivo da IFI

Hamilton Garcia: Bolsonaro e Mourão - da pandemia ao pandemônio

O segundo Governo Dilma começou a desandar na largada, quando sua titular se viu obrigada a nomear um Ministro da Fazenda que pensava o contrário daquilo que havia defendido durante sua campanha (2014), um caso de estelionato eleitoral tão notável como o confisco da poupança por Collor (1990), que na campanha lançara tal acusação contra o rival petista no segundo turno.

Tentando remediar o desastre de sua incoerência/inconsistência, Dilma fez de tudo para manter as aparências, não só praticando crimes orçamentários e fiscais para evitar descontinuidade de seus programas sociais, como também abandonando à própria sorte o ministro que nomeara. O resultado foi desgoverno e perda de apoio parlamentar (Centrão), que abriu as portas para o processo de cassação.

Bolsonaro não só repete Dilma e Collor no estelionato eleitoral, abandonando a luta anti-corrupção que ameaça tragar seu clã pelas práticas tradicionais do baixo-clero parlamentar (rachadinha) e os vínculos com o crime organizado (milícias), como também no desgoverno, por sua omissão no enfrentamento da COVID-19 e a desastrada tentativa de intervenção na PF – por ora barrada pelas denúncias de Sérgio Moro e a pronta ação do Ministro Alexandre de Moraes, do STF –, que marca a retomada de seus laços de sangue com o Centrão.

A incapacidade presidencial em construir uma coalizão governamental de centro-direita, que lhe desse base mínima de apoio político e parlamentar, já se delineara desde as demissões dos ministros Bebianno e Santos Cruz, em 2019, ganhando nova dimensão com a demissão de Mandetta e a renúncia de Moro, este último desnudando o deslocamento do eixo de ação do Governo do programa para o projeto de poder – outro aspecto do estelionato eleitoral –, não obstante a retórica do cerco político (programático). As dificuldades político-programáticas são reais, mas não se pode conceber o Centrão como um remédio para isto.

De outro lado, há claros sinais da insuficiência do programa ultra-liberal de Guedes, abraçado por Bolsonaro, a partir da constatação da tíbia recuperação econômica pré-pandemia. De lá para cá, a generalização do medo em relação ao vírus e os decretos do fim do mundo, adotados na esteira da omissão presidencial, instauraram a certeza de uma profunda recessão, agravado pela percepção do colapso da economia mundial, vale dizer, entre outras coisas, da cessação dos fluxos financeiros internacionais que alimentam a (dependência da) periferia capitalista.

A mudança radical de conjuntura fez Bolsonaro voltar a cogitar o programa econômico nacionalista que, outrora, permitira aos militares forjar o “milagre brasileiro" à partir do compromisso entre o desenvolvimentismo em si (sem desenvolvimentistas) e o liberalismo em si (mercado) – que nada tem a ver com o liberalismo para si (político). Assim, Guedes se vê em situação próxima à de Moro – cuja intransigência liberal-republicana limitou as possibilidades de transação –, podendo ser o próximo a ter que ceder os dedos – para um nacionalismo que se supunha morto – para não perder os anéis da influência privada interna no Estado.

Enquanto o Governo, expurgado de suas ortodoxias (liberais e republicanas) de campanha, se insinua ao centrão político, em busca mais de blindagem do que de governabilidade – como fizera o regime militar ao criar a ARENA e o MDB –, a velha política vê nisto a possibilidade de uma dupla blindagem: em relação aos aparatos jurídico-repressivos do Estado, via controle do MP, PF, etc., e à sociedade, por meio do anteparo bolso-cristão.

Bolsonaro, além de ter coragem política – o que o povo aprecia, pois foi o único, depois do Petrolão, que soube utilizar o capital político amealhado pelos lavajatistas para atacar a velha política, nela englobando a degeneração tucano-petista –, demonstra ter capacidade tática (readaptação) além de ter tomado gosto pelo poder, elementos essenciais ao jogo político-estatal.

O problema aqui é que sua personalidade farisaica e sua história terrorista (vide “#ELE NÃO” ou “#ELES NÃO”?) parecem indicar altos níveis de desarranjo político associado à baixos níveis de solução de problemas, o que torna crítica a questão de saber até que ponto ele terá condições de tocar seu novo Governo, com o apoio das FFAA, dos liberais encabrestados, do bolso-cristianismo e do Centrão, em meio a tantos estelionatos acumulados, aos escândalos por desabrochar e sua flagrante inapetência para a gestão.

Até aqui, o Presidente conseguiu arrefecer a perda de credibilidade nos extratos médios e altos da sociedade com apelos ao retorno do comércio e a distribuição de dinheiro (corona-voucher) às camadas populares, mas tudo isso tem prazo de validade e daqui a poucos meses estará ele diante de um quadro bastante adverso, com a população muito atingida pela epidemia, o desemprego ainda mais alto, a recessão estabelecida e um forte descrédito político geral. Quando esta situação se instalar, difícil crer que o impeachment não se tornará inevitável.

É aqui que voltamos a observar a movimentação do Vice Hamilton Mourão; não se sabe, exatamente, se no centro do gramado, onde Bolsonaro atua como dono da bola, ou à sua margem, com visão nova/própria de jogo e vontade de entrar em campo, como se viu, afoitamente, no início do governo.

Em artigo recente no Estadão[i], Mourão apontou a anomalia institucional como um problema que está "levando o País ao caos”, podendo se tornar uma questão "de segurança”, o que classicamente justificaria uma intervenção militar – no caso, um autogolpe. Para ele, a causa principal desta anomalia residiria na "polarização que tomou conta de nossa sociedade” e que é revigorada por decisões judiciais e coberturas jornalísticas "sempre pelo mesmo viés”, o que nos lembra o pensamento de seu desafeto Olavo de Carvalho em relação à guerra contra o comunismo (vide Democracia, Idiotia e Facciosismo), mas também a crítica de Oliveira Vianna[ii] ao liberalismo do início do séc. XX, cuja inviabilidade, para o autor, estaria centrada no "conflito patente entre (…a) cultura das elites metropolitanas (idealismo constitucional) e a cultura política da (…) enorme massa (…), que é quase toda a nação”.

Não obstante seu firme posicionamento à direita, Mourão, ao contrário de Bolsonaro, defende "sentar à mesa, conversar e debater” como forma de impedir a continuidade da deterioração do "ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia”, uma postura totalmente contrária ao do titular do Governo, que não cansa de semear o pandemônio – uma de suas predileções políticas desde a juventude.

Mesmo sua crítica à ”degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável”, que deixa de lado o próprio titular do Governo, principal promotor de balbúrdias da República neste momento, precisa ser vista diante da impossibilidade de fazer de outro modo, sob pena de atentar contra a própria compostura do cargo que exerce (Vice-Presidência), entre outras questões.

O fato é que Mourão, mesmo citando a "profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que (…) intentam" exercer a função Executiva para o qual não foram eleitos, o que não faz jus a seu conhecimento de filosofia política moderna – deixando de lado Montesquieu –, afirma querer deter a marcha batida do enfrentamento, apostando haver ainda "tempo para reverter o desastre”: "basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas”, o que só pode ser obtido pelo afastamento do Presidente da República do cargo – inclusive a tempo de impedí-lo de lançar-se em aventura putschista.

Pode parecer pouco, mas diante do que temos – um Presidente que goza de forte prestígio nas franjas subalternas das FFAA e nos aparatos policiais, sobretudo estaduais, e uma militância fanática que o apoia e se mostra crescentemente inclinada à ação prática –, não é de se desprezar, sobretudo quando as instituições democráticas se mostram divididas e vacilantes, eivadas de (falsas) lideranças com vistosos rabos-presos e dispostas a tudo para mantê-los intactos.

Mourão demonstrou vontade de pacificar o país quando fez gestos, logo no início do Governo, em direção ao espectro político-ideológico opositor – gestos que foram abortados por pressão do bolsonarismo –, o que ainda hoje parece refletir a visão majoritária das FFAA sobre o papel dos governos.

Neste momento, quando tudo parece ter se turvado diante da flagrante cooptação militar promovida por Bolsonaro, é mais importante do que nunca apoiar as lideranças militares que, seguindo a filosofia do General Villas-Bôas, não apostam na força como substituta da vontade social, mas tão somente como desobstruidora do caminho por onde ela quer fluir. O bolsonarismo, definitivamente, não parece representar este caminho.

Hamilton Garcia de Lima (Cientista Político, UENF/DR[iii])


[i] Limites e responsabilidades, in. <www.gov.br/planalto/pt-br/conheca-a-vice-presidencia/discursos-pronunciamentos-artigos/limites-e-responsabilidades> em 18/05/20.

[ii] Instituições Políticas Brasileiras (vol. 1), ed. Itatiaia-USP-UFF/BH-SP-Niterói, 1987, p. 20.

[iii] Universidade Estadual do Norte-Fluminense/Darcy Ribeiro.


Alberto Aggio: 'Bolsonaro é o responsável por essas mortes provocadas pela Covid-19'

Em entrevista para o Papo Com Cabeça, o professor titular de história da UNESP/Franca, Alberto Aggio, responsabiliza o governo Bolsonaro pelo aumento exponencial das mortes, nos últimos dias, por Covid-19, ao minimizar a gravidade do vírus e ao trazer instabilidade política ao país, confrontando governadores e demitindo ministros

Por Germano Martiniano

Permitam-me iniciar a introdução desta entrevista com uma explicação sobre o blog. Este blog tem como objetivo fazer entrevistas com atores diversos de nossa sociedade, como esportistas, políticos, intelectuais e entre outras pessoas que direta ou indiretamente tornam-se notáveis pelas suas ações em nosso meio social. Este blog, notadamente, também possuí um viés mais liberal, e procura compartilhar noticias que se aproximem desta corrente. Entretanto, não é um espaço fechado, pelo contrário, é um lugar que procura trazer o pensamento antagônico para se abrir ainda mais o leque do debate.

Dito isso, na semana passada, entrevistei o professor e doutor de história da UNESP/Franca, Jean Marcel, um intelectual reconhecidamente liberal. Nesta semana, trago uma entrevista que pode ser um contraponto em relação ao que tivemos com o professor Jean. O entrevistado da vez para o Papo Com Cabeça, é o também professor e doutor de história da UNESP/Franca, Alberto Aggio, intelectual de centro-esquerda e grande especialista do pensamento gramsciano.

Aggio se destaca no cenário intelectual por sua incisiva defesa pela democracia. Para o professor, a conquista da democracia no Brasil, após o regime militar, “foi muito custosa e difícil”. Por isso, ao ser indagado se Bolsonaro representava um risco ao campo democrático, Aggio foi enfático: “o governo Bolsonaro fez uma opção estratégica pelo confronto e isso gera uma sensação de ameaça e insegurança permanentes em relação à manutenção da democracia”.

No auge da crise sanitária do Covid-19, não poderíamos deixar de discorrer sobre o assunto e como Aggio analisa as ações do governo Bolsonaro frente ao problema. Para o professor, o presidente brasileiro é o grande responsável pela instabilidade política no país, pela extensão do número de contaminados e pelo aumento do número de mortes, que ultrapassa a casa dos 22 mil mortos. “Bolsonaro minimiza a epidemia, confronta governadores e prefeitos, mantem os ataques à mídia, demite dois ministros da saúde e outro que é símbolo da luta contra a corrupção”, avalia Aggio.

Ainda nesta entrevista falamos sobre Democracia Liberal, Social Democracia, Liberalismo e outros assuntos que envolvem nosso dia a dia social e político. Confiram!

Como você avalia o governo Bolsonaro, antes da crise, e agora na forma como está lidando com o Covid-19?

Alberto Aggio - O governo Bolsonaro é resultado de uma eleição legítima, uma rotina em qualquer democracia. Contudo, desde o início, o presidente se pauta por uma estratégia de “destruição” de tudo o que o país construiu nos últimos 30 anos, ou seja, tudo que vem do processo de democratização assentado na Constituição de 1988. Bolsonaro diz que seu objetivo é acabar com a “esquerda”. Na sua versão, com as instituições sociais, politicas e culturais que deram curso à democratização do País. É um equívoco. A democratização foi compartilhada para além da esquerda. Com essa concepção, Bolsonaro expressa a visão da ala mais reacionária do regime militar (1964-1985), aquela que quer repor um regime autoritário por meio de mecanismos democráticos. A estratégia de Bolsonaro é a do confronto. Ele não governa, é um ativador de tensões que busca construir inimigos, muitas vezes imaginários (como a exumação do comunismo como ameaça). Ele instaura um clima de ameaça, afastando-se da ideia basilar de que numa democracia há adversários e não inimigos que precisam ser eliminados. É uma dinâmica que não pode ser parada só pode ir adiante. É o que chamei em um artigo de “guerra de movimento” (https://blogdoaggio.com.br/isso-e-bolsonaro/). A “obra de destruição” que busca Bolsonaro não pode ser realizada em apenas um mandato. Por isso, seu horizonte é a reeleição. Quando vem a crise sanitária provocada pelo coronavírus, tudo fica mais crispado pois suas consequências, principalmente econômicas, ameaçam sua reeleição. O que faz então Bolsonaro? Minimiza a epidemia, confronta governadores e prefeitos, mantem os ataques à mídia, demite dois ministros da saúde e outro que é símbolo da luta contra a corrupção, apoia e vai a manifestações públicas que pedem o fechamento do STF e do Congresso, ou seja, radicaliza sua “guerra de movimento”. O resultado é a queda de popularidade nas pesquisas. Começa-se a se falar em impeachment. Bolsonaro é obrigado a rever, pelo menos em parte, a estratégia de confronto. Move-se em direção ao Centrão no intuito de constituir uma base parlamentar para evitar o impedimento. É aí que estamos: incerteza, insegurança, preocupação com a continuidade da democracia no Brasil e com a licitude dos recursos públicos uma vez que, como disse Sérgio Abranches, Bolsonaro visa formar com o Centrão não uma “coalizão de governo” mas uma “colusão”, ou seja, um arranjo para enganar (http://www.fundacaoastrojildo.com.br/2015/2020/05/19/sergio-abranches-bolsonaro-em-modo-defesa/). Se o governo se sustenta na “ala ideológica” de extrema-direita mais a dos militares, agora Bolsonaro dá passos em direção a um campo que contradiz o seu discurso de campanha contra a alegada “velha política”, promovendo um claro “estelionato eleitoral”. Mas pode bloquear o impeachment, que é o objetivo da operação.

As mortes no Brasil estão crescendo, no entanto, proporcionalmente, por milhões de habitantes, estamos atrás de muitas nações desenvolvidas. Ou seja, mesmo países como Inglaterra, Espanha, Itália etc., não souberam lidar da melhor forma com o vírus. Neste ponto, você não acha que existe uma tentativa da oposição política e parte mídia em responsabilizar o governo Bolsonaro por um problema que tem sido difícil combater até mesmo nas nações mais avançadas?

A.A. Não, não acho. Embora o enfrentamento da pandemia seja complicado porque se trata de algo desconhecido, não creio nem que o Brasil esteja se saindo melhor que países europeus, nem que a mídia atue contra o governo Bolsonaro. O exemplo europeu (e chinês, antes) mostra que a quarentena foi obrigatória, uma imposição, e não uma escolha. Os países europeus, agora, estão saindo dela enquanto o Brasil está entrando na pior fase, com o aumento expressivo do número de mortos. Cabe a pergunta: quem seria o principal responsável no combate à epidemia no Brasil? O governo Bolsonaro, quem mais seria? O Ministério da Saúde deveria fazer a mediação dos entes federativos para enfrentar a epidemia. Mas Bolsonaro atacou de saída os governadores que tinham que dar respostas imediatas à enfermidade. Criticou Mandetta quando o ex-ministro, em meados de março, esteve em São Paulo reunido com o governador João Doria discutindo providências diante da pandemia. Foi Bolsonaro quem politizou o combate a epidemia da Covid-19. Pensou que iria prejudicar sua reeleição, se sentiu ameaçado. Bolsonaro não fez outra coisa senão atrapalhar as ações da saúde, abandonando qualquer relação positiva com os governadores e prefeitos. Jamais convocou o país para juntos – congresso, sociedade civil, mídia, etc. –, enfrentar a epidemia. Ele não acredita nas indicações científicas, não aceita o isolamento social e se fixou obcessivamente nas supostas virtudes da cloroquina para curar os contaminados. Minimizou as mortes com o patético “E daí?”. Estimulou seus apoiadores a irem às ruas defender a volta ao trabalho, adotando a estratégia de opor economia e vida. E mais: na dantesca reunião de 22 de abril (como corretamente a definiu Vera Magalhães (https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/05/vera-magalhaes-o-inferno-de-dante.html), Bolsonaro propôs um decreto para armar a população com o suposto intuito de enfrentar decisões de dirigentes eleitos democraticamente a respeito do isolamento social.  E aqui estamos, ultrapassando a casa dos 22 mil mortos e isso vai se acelerar. Bolsonaro é sim o responsável por essas mortes provocadas pela Covid-19. Seria dele que os brasileiros deveriam esperar liderança, apreço e convicção na ciência além de compaixão nesse momento tão difícil. Mas ele só ofereceu deboche, desorientação e morte.

Aggio, a economia brasileira é marcada pela informalidade, milhares de pessoas não possuem nem CPF para receber o auxílio emergencial. Nossa realidade é bem distinta dos países mais avançados que permitem ações mais restritas quanto o isolamento social. Como lidar com essa situação na qual as pessoas necessitam, como diz o jargão popular, de vender o almoço para garantir a janta?

A.A. - Esse país conseguiu criar um “cadastro único” para os mais pobres receberem mensalmente as várias bolsas, desde FHC, e o bolsa família. Não conseguiria fazer algo similar nessa situação de emergência? É uma “desculpa deslavada”, como se diz popularmente. Isolamento social não é coisa de rico, como o discurso bolsonarista quer fazer crer. Inclusive, nenhum prefeito ou governador propôs isolamento total (lockdown). Atividades essenciais continuam a operar e por isso se fala que o ideal seria um isolamento entre 50% e 70%; ninguém falou em 100%. Claro que existem dificuldades, mas onde elas existem, como na favela Paraisópolis, em São Paulo (quer um lugar onde tenha mais pobreza e necessidades?), os moradores se organizaram para se ajudar e garantir algum isolamento. Recentemente se inaugurou um hospital de campanha na área para atender aquela população. E de Bolsonaro veio o quê? A noção de “isolamento vertical”, que é uma falácia: imagina-se que confinando os grupos de risco (idosos e quem tem comorbidades) se diminui o contágio e possíveis complicações. Isso não é verdade. As pessoas que convivem com eles levam o vírus para dentro das casas. Além disso, no Norte do país, no Amazonas, está morrendo gente jovem de coronavírus; perto de 40% ou mais não são de grupo de risco. Os problemas da pandemia podem ser enfrentados com solidariedade, ciência e espirito público. Mas isso o governo Bolsonaro parece que não carrega como uma de suas virtudes, se é que em alguma.

Aggio, embora Bolsonaro fale grandes bobagens e possua algumas ações que flertam com a ditadura brasileira, como ter comparecido em um movimento de rua que pedia a volta do AI-5, vemos que os poderes legislativo e judiciário continuam agindo de forma independente, nossas instituições parecem preservadas e a opinião pública livre e independente para se manifestar. Mediante ao que escrevi acima, para você, o governo Bolsonaro representa uma ameaça à democracia brasileira? Se sim, por que?

A.A. - Como eu disse acima, o governo Bolsonaro fez uma opção estratégica pelo confronto e isso gera uma sensação de ameaça e insegurança permanentes em relação à manutenção da democracia. As instituições da democracia só continuam funcionando em função de atores políticos, sociais e culturais que dão vigor a elas. Bolsonaro não apenas diz bobagens. Ele dirige e orienta ações contra a democracia. Vide suas posições em relação à imprensa (creio que não preciso mencioná-las), ao meio ambiente, à cultura, ao patrimônio histórico, às universidades, etc.. Está claro que é um governo extremista de direita, nada liberal e que atenta contra direitos básicos que estão da Constituição. Pior, ele isola o país internacionalmente, faz com que a sociedade regrida em inúmeras pautas civilizatórias e humanistas que tínhamos avançado em termos sociais e culturais, como as dimensões de gênero, a questão da violência, da solidariedade, da laicidade do Estado, etc. Uma das marcas de Bolsonaro é o seu antiintelectualismo e isso faz com que todo o governo seja impactado por essa visão. Contra a Constituição de 1988, Bolsonaro retira (ou expulsa) do Estado a sociedade organizada, que é um dos elementos de sua desoligarquização, ou seja, da ampliação do próprio Estado, pela via da democracia. Com Bolsonaro, a democracia está bloqueada e regride. E isso gera uma sensação de retrocesso que é sentida no conjunto da sociedade. Não é atoa que ele despenca nas pesquisas e mantem seu apoio apenas no núcleo mais radical, que o apoia cegamente.

Existem elementos suficientes que justifiquem um possível pedido de impeachment? Caso existam, você acredita que ele possa ocorrer?

A.A. - Inúmeros especialistas em direito constitucional já disseram que sobram elementos para o impedimento de Bolsonaro. Em geral, os crimes contra o decoro lideram a lista. Tentar utilizar, por exemplo, a Polícia Federal para defender a família e os amigos é prevaricação, ou seja, é mais do que intervenção, o que já é inconstitucional. Manter um sistema de informações privado (que não se sabe muito bem o que é) está fora das atribuições constitucionais de um presidente da República, é um outro exemplo. Contudo, a questão é política, antes de tudo. Olhando a situação com as lentes de hoje, creio que não existe maioria suficiente na Câmara dos Deputados para avançar um processo de impeachment. Lançá-lo poderia reforçar Bolsonaro ao invés de enfraquece-lo. A operação realizada em direção ao Centrão surtiu efeito. Por outro lado, a crise sanitária e a necessidade de isolamento social impedem que o sentimento de desencanto com o governo transborde para as ruas numa contestação massiva. Penso que a ameaça de existência ou de criação de uma “milícia armada” dentre os apoiadores de Bolsonaro é outra coisa preocupante. Ambos os fatores definem muito da situação complicada para o impeachment, em termos políticos. O processo de crime comum que seria encaminhado pela PGR ao STF, aparentemente mais rápido, tem outros obstáculos. É difícil dizer hoje por onde esse processo irá ser encaminhado ou se será encaminhado.

Aggio, em 2018 você participou do Ato do Polo Democrático Reformista, um movimento de políticos e intelectuais de centro que, naquela ocasião de eleições, visava combater os chamados extremos, Bolsonaro e o PT. Em recente artigo (https://gilvanmelo.blogspot.com/2020/05/mathias-alencastro-vida-e-morte-da.html), Mathias Alencastro, doutor em Ciência Política por Oxford, disse que na Europa partidos políticos, até de diferentes vertentes, têm se unido para combater o extremismo de direita, citando a “Geringonça” de Portugal. Pois bem, em 2018 e trazendo para os dias atuais, se os partidos de centro, e até mesmo o Polo Democrático Reformista, estavam tão preocupados em “salvar” a democracia dos considerados extremos, por que não houve uma união entre os nomes e partidos democráticos de centro, como Ciro, Alckmin e Marina?

A.A. - É difícil responder a isso. É claro que cada opção eleitoral feita deve se responsabilizar por suas consequências. Creio que houve muitos erros de encaminhamento e de opções. Havia um clima muito desfavorável à política. Eu mesmo escrevi sobre a antipolítica como um caldo de cultura antidemocrático naquela conjuntura. E todos nós perdemos. Mas mesmo assim, continuamos preocupados em “salvar” a democracia. A sua conquista no Brasil foi muito custosa e difícil. É justo que nós a defendamos. É verdade que na Europa existiram articulações que impediram, em alguns países, a ascensão da extrema-direita ao poder. Na Itália isso é bastante claro. Matteo Salvini imaginou que poderia conquistar “plenos poderes”, mas fez uma manobra desastrada que abriu a possibilidade de retirá-lo do poder. É um caso especifico. Na Espanha houve uma espécie de renascimento do PSOE e o Podemos, depois de muitas reviravoltas, moveu-se para uma aliança de “governo de esquerdas” e o VOX (extrema-direita) foi anulado. Creio que a Geringonça, em Portugal, pelas informações que tenho, nunca foi uma coalisão eleitoral e sim uma colisão de governo. Hoje ela não existe mais. Mas em Portugal, a extrema-direita é fraquíssima.

Você enxerga a necessidade de uma união dos partidos para vencer Bolsonaro e/ou o PT, assim como colocou Mathias Alencatro?

A.A. - Mais do que união de partidos, creio que será necessário unir todos os democratas, da direita à esquerda, para vencer Bolsonaro. O PT não está no governo. Ele já foi derrotado. O PT representa setores importantes das classes populares, mas não é um sujeito democrático confiável, além de ter um passivo terrível no que se refere à corrupção e ao aparelhamento do Estado. Além de uma liderança ancilosada, que é o Lula. O problema do Brasil hoje é Bolsonaro e não o PT, que está em declínio, enfraquecido, embora tenha alcançado um bom desempenho nas majoritárias de 2018. De qualquer forma, a sociedade reconhece a polarização entre Bolsonaro e o PT. O problema é superar esse reconhecimento, indicar que a situação hoje é outra. Bolsonaro nos leva para o precipício. O vídeo revelando a reunião ministerial de 22 de abril é pavoroso, nos enche de vergonha, demonstra que o Brasil precisa ultrapassar o erro de 2018 e voltar a pensar em novas possibilidades, novas lideranças, que sejam capazes de unir o país e voltar a pensar no seu futuro.

Aggio, quando você vê a ascensão de grupos denominados de extrema direita no mundo, como um todo, você acredita que isso é parte da democracia, dar voz a pluralidade de ideias políticas, ou você analisa como uma ameaça ou crise “DA” democracia liberal?

A.A. - Essa extrema-direita que está aí é iliberal. Foi Viktor Orban, primeiro ministro da Hungria, que criou a expressão “democracia iliberal” para caracterizar esse movimento. D. Trump e J. Bolsonaro a representam à sua maneira e em seus países. Isso é público e insofismável. Essa corrente política é contra o pluralismo que caracteriza a democracia liberal que conhecemos. Contradita também as diversas correntes do liberalismo democrático que vicejou no final do século XX nos países mais avançados e que ainda está aí. Essa extrema-direita é visceralmente contra a democracia como civilização. A ascensão da extrema-direita não é resultado do pluralismo, justamente o contrário, é resultado de uma fragilidade e de equívocos que permitiram que isso ocorresse. A virtude da democracia aponta para a ampliação da emancipação humana e não para um projeto de individualismo exacerbado e de guerra de todos contra todos. Penso que o crescimento dessas forças políticas expressa uma crise da e na democracia ocidental; uma coisa não exclui a outra, como pensam alguns. E se prende a conflitos políticos e econômicos da nossa contemporaneidade e não a batalhas ideológicas simplesmente. É um problema que tem que se abordado pela política e não pela gramática da ideologia.

Admitindo a radicalidade desses extremos, qual autocritica que os democratas liberais poderiam fazer e quais mudanças poderiam realizar para contornar este cenário?

A.A. - Creio que autocrítica devemos fazer todos, pois perdemos eleitoral e politicamente. Mas devemos continuar a defender a democracia. Estamos num momento defensivo e para melhor defendê-la é preciso também avançar. A democracia não é um sistema ou regime político que possa existir sem uma defesa intransigente dos seus princípios e valores: liberdade, emancipação, deveres e direitos, compromisso político, institucionalidade, transparência, justiça social, etc… Dois pontos são importantes. Primeiro, pensar a democracia como complexidade. Ela não se materializa, não se concretiza, não se torna real, a partir da simplificação, uma visão branco e preto, com todas as perversões do pensamento binário. Essa visão da política, no nosso caso, leva rapidamente para as ideias sempre estúpidas de um “salvador da pátria” ou de um “mito” que muitos seguem cegamente. Segundo, que a democracia só se vitaliza, só avança com “mais democracia” ou, em outros termos, democratizando a democracia. Essa é uma formulação presente nos liberais progressistas que se aproxima bastante de formulas progressistas da esquerda democrática, socialdemocrática e reformista.

Aggio, a analista econômica, Renata Barreto, em artigo para o InfoMoney, disse para “não confundirmos o modelo nórdico com socialista”. Durante o artigo, ela discorre que apesar das altas taxas de impostos cobradas pelo governo, a Dinamarca, por exemplo, tem várias características de um país liberal. Pois bem, este debate Liberalismo versus Social Democracia ainda existe? Os países nórdicos são, de fato, sociais democratas?

A.A. - Tem que se olhar o liberalismo do ponto de vista histórico. Lembro que Harold Lask, historiador inglês, dizia, que o socialismo seria uma consequência natural da aplicação do liberalismo. Muito pouca gente sabe que o liberal G. Mazzini, um dos líderes da unificação italiana e o comunista K. Marx, publicavam seus escritos pela mesma editora londrina, por volta de 1846/48, a “Northern Star”, que se notabilizou pelos debates sobre democracia e o movimento operário às vésperas das revoluções de 1848. Os socialdemocratas que, no final do século XIX, começaram a participar das eleições e ascenderam ao governo em países que cada vez mais se tornavam democracias liberais, como E. Beirstein e K. Kautsky, foram criticados como liberais e traidores de classe. Por conta deles e de outros, passou-se a se falar em “socialismo liberal”. Veja, são exemplos históricos que anulam a versão de que há uma contradição antagônica entre liberalismo e socialdemocracia. O liberalismo é uma concepção de mundo enquanto a socialdemocracia foi e é uma política de massas no contexto do Estado Ampliado. Para finalizar, a noção de “regulação” nasce nos países nórdicos com os socialdemocratas entre as duas guerras e era uma alternativa tanto ao fascismo quanto ao comunismo nos anos 30. Não há dúvida que os países nórdicos são socialdemocratas e que o liberalismo não seja algo estranho àquela construção histórica. O que é certo é que eles não permanecerão congelados historicamente.

O nacional desenvolvimentismo petista trouxe grandes prejuízos ao Brasil, sem falar do grande “projeto” de corrupção descortinado pela Lava-Jato. Depois do petismo, do excesso de Estado e funcionalismo público, temos visto muitas pessoas (inclusive eu) defendendo menos Estado e mais mercado. Como você avalia as ideias liberais, hoje até mais representadas pelo Partido Novo e pelo ministro Guedes, na sociedade brasileira como um todo?

A.A. - Veja, o PT não adotou o nacional-desenvolvimentismo durante todo período dos seus governos. O primeiro governo Lula e o último de Dilma são completamente distintos nesse sentido.  A questão da hipertrofia do Estado em nossa história é muito anterior a isso. O nosso estatismo forma parte de uma espécie de tradição que nos acompanha deste a colonização portuguesa, se acentuou no Império e não pode ser excluída de nenhuma fase de nossa história republicana. O regime militar foi ao mesmo tempo estatista e liberal, dando vazão aos apetites empresariais no período do chamado milagre brasileiro (1968-1973), o tal “espirito animal” ou “selvagem” do empresariado a que se referia Delfim Neto, ex-ministro da Fazenda do regime militar. Contudo, nos dias de hoje, pensar de forma apartada e até oposta os conceitos de Estado e mercado talvez não faça mais sentido e nem seja produtivo. O pensamento neoliberal quer mantê-los apartados. Mas não tenho dúvidas que as ideias liberais no Brasil vão muito além das referências ao partido Novo ou a Paulo Guedes. Aconselho a se visitar as páginas de um grande jornal liberal, O Estado de São Paulo, para ver como uma das mais importantes linhagens do nosso liberalismo avalia o país sob Bolsonaro. Por outro lado, há diversos liberais que pensam de forma independente e são muito críticos tanto ao Novo e mais ainda ao Guedes, um neoliberal que, formado em Chicago e inspirado no caso chileno do período pinochetista, distancia-se da tradição das linhagens mais importantes e relevantes do liberalismo aqui no Brasil, que podem ir de Pedro Malan, Bolivar Lamounier até Monica de Bolle e Elena Landau, para citar apenas alguns da boa cepa que esse país já produziu.

Para encerrar, falando em projeto de poder para o Brasil e frente a este debate de mais ou menos Estado, o que você considera ser essencial para o nosso país mediante toda a nossa realidade socioeconômica?

A.A. - Este talvez seja um tema para uma outra entrevista de tão complexo que é elaborar um projeto aqui, em poucas linhas. De qualquer forma, creio que temos que ultrapassar essa situação terrível que estamos vivendo, acossados por uma pandemia e submetidos à deriva que nos é imposta por um governo como o de Bolsonaro. Temos que resgatar a nossa capacidade de diálogo, de nos atualizarmos ao mundo e de olharmos para as nossas particularidades enquanto país que se modernizou carregando inúmeros déficits que expressam a nossa dramática desigualdade bem como nossa miséria cultural e moral, sérios obstáculos à democracia. Não há salto a ser dado nem “fuga para frente” a ser seguida, como se pensou no passado. O nosso destino está dado aqui e agora. Esse é o desafio.