Day: maio 8, 2020
Igor Gielow: Mitos cercam a 2ª Guerra, encerrada há 75 anos na Europa
Visões antagônicas de vencedores do conflito com o Eixo distorcem realidade
O evento culminante do século 20, responsável pela arquitetura do mundo que hoje está em desarranjo devido à pandemia da Covid-19, completa 75 anos de seu fim nesta sexta (8).
Bom, isso se você achar que o fim da Segunda Guerra Mundial deve ser marcado pela capitulação da Alemanha nazista, poucos dias depois do suicídio do ditador Adolf Hitler.
A guerra em si seguiu seu curso até 2 de setembro, quando os japoneses entregaram os pontos por medo de aniquilação atômica. Ou não, dado que essa assertiva sobre o fim da guerra no Pacífico é objeto de contestações.
Mitos acerca dos rumos da guerra mais mortífera da história, com talvez 70 milhões de fatalidades, existem desde que as fake news não se chamavam assim.
Muito vem da produção cultural dos vencedores: a ideia de que o Dia D foi realmente o dia D da guerra é coisa do cinema norte-americano —que credita aos EUA, e não aos mais importantes britânicos, a operação.
Russos nem sequer chamam a Segunda Guerra por esse nome, ciosos de sua leitura sobre as origens do conflito e do preço pago em sangue (27 milhões de mortos).
Tomos inteiros foram dedicados, ao longo dos anos, a tentar colocar ordem na casa. Abaixo, a Folha elenca algumas dessas versões.
Quem deixou Hitler agir?
Se Hitler (1889-1945) é o vilão da história, por sua política expansionista que levou à invasão da Polônia em 1939, os vencedores têm suas parcelas de culpa. Russos apontam para o Acordo de Munique (1938), quando o Ocidente deixou Hitler com rédea solta. Na mão contrária, o pacto nazi-soviético de 1939 abriu caminho para a guerra.
Hitler era um líder militar brilhante
Hitler era titubeante. Seu sucesso inicial, muito decorrente de táticas de seus comandantes, como Heinz Guderian, o lançou em aventuras suicidas, como a insistência em tomar Stalingrado.
Os poloneses lutaram com cavalos contra tanques
Havia regimentos de cavalaria em todos os exércitos europeus, mas a ideia de que cavalos foram usados contra tanques era parte da propaganda alemã para inferiorizar os poloneses.
Aliás, ninguém usava cavalos
Ao contrário. A Alemanha usou 2,75 milhões de animais e tinha três vezes mais cavalos do que veículos no começo da guerra. Os soviéticos usaram ainda mais: 3,1 milhões.
A França caiu por fraqueza
Paris caiu em seis semanas pelos nazistas por uma questão tática: não estavam preparados para a Blitzkrieg (guerra-relâmpago) alemã.
Londres repeliu a invasão
Versão amparada na bravura do comando de Winston Churchill (1874-1965) e na Batalha da Inglaterra, travada nos ares. Mas a Alemanha não tinha, em 1940, meios navais suficientes para efetuar a invasão. Em 1941, já estava engajada com a União Soviética.
O atraso na invasão fez Hitler perder na União Soviética
É comum dizer que a invasão da Iugoslávia e da Grécia, para salvar os aliados italianos, atrasou o ataque aos soviéticos em 1941, levando o duro inverno russo a parar os nazistas. A invasão só ocorreu em junho porque antes é o período de chuvas no país, que virava um lamaçal. O inverno afetou os alemães, mas muito porque tinham avançado demais e enfraquecido suas linhas de suprimento.
Stálin só reagiu por causa da ajuda americana
O ditador soviético Josef Stálin (1878-1953) recebeu aviões, jipes e caminhões. Mas o grosso da ajuda começou a chegar na virada de 1943 para 1944, quando suas tropas já estavam às portas da Polônia.
No papel, sim, mas houve bastante colaboração com nazistas, que protegiam seu ouro em cofres suíços e contavam com a proibição do uso do espaço aéreo por aviões aliados.
A máquina de guerra alemã era eficiente
As memórias de Albert Speer, arquiteto de Hitler e seu ministro dos Armamentos, mostra uma máquina confusa e cheia de sobreposições mesmo em tempos de paz.
Os soviéticos sempre foram mais numerosos
Nas principais batalhas da guerra até 1943, não. O maior engajamento militar da história, a Batalha de Moscou, opôs 1,4 milhão de soviéticos a 2 milhões de alemães.
Perder o Norte da África foi fatal para Hitler
A ideia de que os alemães queriam conquistar o Egito para tomar o petróleo do Oriente Médio é história alternativa: a opção poderia ter dado a vitória a Berlim. Na prática, Hitler só interveio com recursos mínimos no Norte da África para evitar a humilhação do aliado Benito Mussolini (1883-1945). Mesmo a consequente invasão aliada da Itália foi secundária para a derrota nazista.
O Dia D foi decisivo
Antes de 6 de junho de 1944, as grandes derrotas alemãs ante os soviéticos, como Kursk e Stalingrado, selaram o destino de Hitler. No dia 22 de junho, uma operação soviética três vezes maior acelerava rumo a Berlim. O Dia D certamente acelerou as coisas, mas hoje parece ter tido papel mais importante para evitar que os soviéticos tomassem toda a Europa Ocidental.
Os americanos lutavam com 'soldados cidadãos'
Outro mito hollywoodiano. Dois terços dos soldados dos EUA na guerra foram convocados, não se alistaram para defender a democracia.
A Resistência Francesa foi vital para os aliados
Romantização dos tempos de “Casablanca”, o papel da Resistência foi mais de ajudar a reunir dados de inteligência do que para fulminar nazistas.
Churchill era unanimidade
Ele era tão polêmico entre seus aliados e eleitores que foi escorraçado do poder em 1945, quando os canhões mal tinham esfriado. Seu brilho em 1940 foi o que ficou para a história, mas sua carreira foi marcada por fracassos.
A bomba atômica forçou o fim da guerra
Se os artefatos que mataram 200 mil pessoas tiveram impacto, a campanha de bombardeio já havia tornado a posição nipônica insustentável. Além disso, a invasão soviética dos territórios japoneses na China, no mesmo dia da bomba de Nagasaki, prenunciou um conflito sem chance para o império. Isso enfraquece o argumento de que a bomba evitou milhões de mortes numa invasão americana.
Só os nazistas fizeram atrocidades na guerra
O Holocausto é o crime mais inominável do período. Mas a lista pode incluir a obliteração de cidades alemãs pelos aliados, a brutalidade japonesa em suas ocupações e os estupros em série e a violência soviética na Alemanha, entre muitos outros.
Luiz Carlos Azedo: A volta ao “normal”
“O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho ainda não é mensurável”
O presidente Jair Bolsonaro atravessou a Praça dos Três Poderes para pôr uma saia justa no presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Acompanhado de ministros e um grupo de empresários com os quais havia se reunido, fez-lhe uma visita surpresa, na qual apelou para que as medidas restritivas motivadas pela crise do coronavírus sejam amenizadas nos estados e municípios. A iniciativa coincidiu com a sua decisão de autorizar o funcionamento da construção civil e das indústrias, que o governo federal passou a considerar atividades essenciais, ou seja, fora do regime de isolamento social.
Toffoli justificou as decisões da Corte em favor dos entes federados: estados e municípios têm prerrogativas constitucionais reconhecidas pelo Supremo para adotar o distanciamento social, conforme orientação das autoridades sanitárias, entre as quais a Organização Mundial de Saúde (OMS). Toffoli também sugeriu que essas ações sejam coordenadas entre União, estados e municípios. A assessoria de comunicaçao do Supremo confirmou que o encontro foi marcado de última hora e não estava na agenda. Bolsonaro decidira fazer a visita durante a reunião que teve com representantes da indústria, no Palácio do Planalto.
A travessia a pé da Praça dos Três Poderes lembrou, com sinal trocado, a ida do senador Antônio Carlos Magahães (PFL, hoje DEM-BA), então presidente do Senado, ao Palácio do Planalto, para tomar satisfações com o presidente Fernando Henrique Cardoso por causa da intervenção no Banco Econômico, por ocasião do PROER, programa de reestruturação do sistema financeiro adotado em razão do Plano Real. Imaginem uma situação inversa: os ministros do Supremo atravessando a Praça dos Três Poderes de toga, para cobrar a entrega do vídeo da reunião ministerial na qual Bolsonaro teria tentado interferir na atuação da Polícia Federal (PF), conforme acusa o ex-ministro da Justiça Sérgio Moro.
Para alguns ministros do STF, Bolsonaro está tentando constranger o Supremo e dividir o ônus da pandemia de coronavírus com a Justiça federal, que vem dando decisões favoráveis a estados e municípios, em todos os níveis, contra medidas da União que atropelam a autonomia dos demais entes federados, como reter respiradores adquiridos pelos governos estaduais. Acompanhado dos ministros militares e do ministro da Economia, Paulo Guedes, a reunião de Bolsonaro com Toffoli foi transmitida ao vivo, numa live, por assessores da Presidência. Guedes foi dramático ao dizer que o Brasil corre o risco de viver uma crise de abastecimento semelhante à da Venezuela ou de desindustrialização, como a Argentina. Um dos empresários disse que a indústria está na UTI e que pode morrer de inanição. Houve evidente exagero, porque muitos setores da indústria, sobretudo construção civil, energia e alimentação, estão funcionando.
Bolsonaro insiste em criticar as medidas de isolamento social , devido à necessidade de retomada da economia, sem levar em conta que a epidemia no Brasil entrou numa escalada violenta e que o sistema de saúde pública, em vários estados, está em colapso, entre os quais, Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Amazonas . Ontem, o Ministério da Saúde divulgou um balanço no qual foram registradas 610 mortes nas últimas 24 horas. Estamos no limiar dos 10 mil novos casos por dia de coronavírus, num total de 135 mil casos. São Paulo continua sendo o epicentro da epidemia, com quase 40 mil casos e mais de 3,2 mil mortes. Até hoje Bolsonaro não visitou nenhum hospital, nem demonstra o luto pelos que morreram. Trata a epidemia como uma fatalidade, com a qual devemos nos conformar.
“Novo normal””
A narrativa de Bolsonaro em relaçao à economia mira a parcela da população com mais dificuldades econômicas e reflete o lobby dos empresários mais atingidos pela pandemia, como se a recessão fosse consequência apenas das decisões de governadores e prefeitos. Na verdade, a recessão é mundial. E a recuperação da economia é uma variável que depende muito de o sistema de saúde não entrar em colapso. Se isso ocorre, aí sim, a paralisação será totaL, com a adoção do “lockdown”, como aconteceu na Itália e na Espanha. No Brasil, onde já há colapso, a medida está sendo adotada em bairros, cidades e regiões por alguns estados.
No mundo, os países que adotaram medidas de isolamento mais rigorosas conseguiram evitar uma disparada dos casos de covid-19. Itália, Espanha, Inglaterra e Estados Unidos enfrentarem situação muito pior porque demoraram a adotar as medidas. O Brasil até que estava conseguindo “achatar a curva” da epidemia, mas a saída de Luiz Henrique Mandetta da Saúde, mas o estímulo à volta às ruas por parte de Bolsonaro e seus apoiadores provocou o relaxamento do distanciamento social e a explosão do número de casos. Agora, o novo ministro da Saúde, Nelson Teich, constrangido e ainda meio perdido na pandemia, corre atrás do prejuízo.
A grande questão com relação ao coronavírus é que não existe possibilidade de volta à plena normalidade. Em termos sanitários, nada será como era antes enquanto não houver uma vacina ou medicamento eficaz contra o vírus, que pode continuar circulando nos próximos anos. O impacto da pandemia na divisão internacional do trabalho, nas atividades da indústria, do comércio e dos serviços e nas relações de trabalho, em muitos aspectos, pode ser irreversível e está sendo chamado de “novo normal”. No caso do Brasil, por causa das grandes desigualdades sociais e da vastidão da economia informal, essa mudança terá características sociais dramáticas, porque muitas atividades serão bastante reduzidas ou simplesmente deixarão de existir.
Eliane Cantanhêde: A pé e na contramão
Com transmissão ao vivo no STF, presidente do Executivo assumiu presidência do Judiciário
Quanto mais perdido na Presidência, mais Jair Bolsonaro parte para ataques e demonstrações de força, na tentativa de culpar as instituições e os governadores pelos próprios erros e dividir os ônus das múltiplas tragédias que assolam o Brasil. Os mortos vão chegando a 10 mil e os sistemas de saúde e funerário entram em colapso, mas a prioridade do presidente não são a doença e as mortes. “E daí?” A história vai lhe cobrar um alto preço.
Atravessar a Praça dos Três Poderes a pé, com empresários e ministros, para pressionar o Supremo no sentido oposto ao que defendem o ex e o atual ministros da Saúde, é mais um ato surpreendente. E o presidente do Executivo se comportou como presidente do Judiciário. Fez uma transmissão ao vivo lá de dentro e deixou o anfitrião (compulsório) como coadjuvante.
Várias vezes o ministro Dias Toffoli se dirigiu a ele ao tomar a palavra, mas Bolsonaro nem sequer virou o rosto para ouvi-lo e, com ar de enfado, olhou ostensivamente o relógio. Entrou na casa alheia, assumiu o comando e ainda demonstrou desconforto com o anfitrião. Bolsonaro sendo Bolsonaro. Ele não estava ali para ouvir, só para falar.
Ao dizer que “quase” houve uma crise institucional quando o ministro Alexandre de Moraes suspendeu a posse do delegado Alexandre Ramagem na Polícia Federal, Bolsonaro deixou no ar uma dúvida, ou ameaça: ele é capaz de desacatar o Supremo, de desobedecer a uma decisão judicial? Essa ameaça contamina o ar, já contaminado pelo coronavírus.
As pendências entre Supremo e Planalto se avolumam, centradas agora nas acusações do ex-ministro Sérgio Moro a Bolsonaro. O vídeo da reunião de 22/4 em que o presidente avisou a ministros que demitiria o diretor da PF é considerado a principal prova de Moro. Há também a convocação dos três generais do Planalto para depor e, de quebra, a intrigante resistência de Bolsonaro a cumprir decisão judicial e entregar seus testes para a covid-19.
O Planalto se atrapalhou com as versões do vídeo. Não havia, não se sabia onde estava, até Bolsonaro admitir a gravação num pendrive e AGU fazer duas sugestões: não entregar ao STF, porque haveria “questões sensíveis” nessa reunião; depois, entregar o vídeo editado, só com as partes que interessam a Bolsonaro (e não à investigação?). A trapalhada comprova a importância da prova: a “materialidade”.
Quanto à convocação dos generais Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos e Augusto Heleno para depor, houve um excesso do decano e relator da investigação Moro-Bolsonaro, Celso de Mello. Ok, é da praxe, uma fórmula pronta, mas ele poderia ter excluído as expressões “condução coercitiva” e “debaixo de vara”. A Defesa ficou fora, porque os generais não são testemunhas enquanto militares, mas como ministros. Mas os generais manifestaram indignação ao STF.
A sociedade conta com a firme posição do Judiciário e do Legislativo contra investidas autoritárias, mas o STF precisa ser muito responsável e há dois agravantes, um de cada lado: Celso de Mello é ostensivamente crítico a Bolsonaro e não tem muito a perder, já que se aposenta em novembro, e o presidente Toffoli parece mais dedicado a compor com Bolsonaro do que com seus pares.
Em meio a tudo isso, o presidente entope o governo de militares, abre as portas para o Centrão e acaba de criar nova tensão com Paulo Guedes, ao dar sinal verde para a ampliação pelo Congresso da lista de categorias do funcionalismo com direito a reajustes, apesar da crise e da pandemia. A contrapartida dos Estados proposta pelo Ministério da Economia para a ajuda aos Estados, de R$ 130 bilhões, caiu para R$ 43 bilhões. “Inaceitável!”, berrou Guedes para sua equipe. De novo, Bolsonaro fez, Guedes chiou, Bolsonaro desfez. Até quando?
Carlos Melo: Espetáculo constrangedor
Foi desconcertante assistir a um embaraçado presidente do STF dizer a Bolsonaro, nas entrelinhas, que o presidente da República é ele, não Toffoli
Fenômeno mundial, a pandemia atinge e agrava a situação econômica em todos países. Estados Nacionais, no entanto, existem para antecipar e mitigar problemas do tipo. Sua ação é inevitável.
Naturalmente, empresários de todo o planeta defendem seus interesses e querem soluções rápidas. Mas, em poucos lugares se fez tanto pelo agravamento do quadro quanto no Brasil. Aqui, foi explícito o boicote contra a única forma de abreviar o drama: a política de distanciamento social. A história é sabida, por atos e palavras, o presidente da República piorou a situação com que dizia se incomodar. Foi desserviço à própria economia.
Nesta quinta-feira, Bolsonaro talvez imaginasse atravessar o Rubicão. Mas, o que lhes sobrou foi o ato cênico de uma extravagante marcha pela Praça dos Três Poderes. Triunfo de nada, mais que inútil foi constrangedor. Gesto de enfrentamento? Talvez fosse intenção, mas restará como história do dia em que um presidente da República espontaneamente submeteu seu Poder a outro, como se Dias Toffoli fosse o verdadeiro chefe de Estado.
Foi desconcertante assistir a um embaraçado presidente do STF dizer a Jair Bolsonaro, nas entrelinhas, que o presidente da República é ele, Jair, não Toffoli; que é tarefa do Executivo, não do Supremo, planejar ações, construir consensos, articular atores políticos e a sociedade – governadores, inclusive. Pois, quereriam mais o que aqueles senhores?
Signo do improviso, a “marcha” talvez se pretendesse “Marcha sobre Roma”, de 1922, mas foi mais um eloquente grito de amadorismo. Espetáculo constrangedor que, ao final, mais pareceu batida em retirada de tropa desorganizada, sem projeto e sem comando. Agradará aos fanáticos de sempre, mas não se comunica com a nação nem apresenta saídas. Existem lugares de onde não há volta.
*Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.
Armando Castelar Pinheiro: Em busca de uma narrativa
Precisamos começar logo a planejar o pós crise e, quem sabe, aproveitar as oportunidades que esta abrirá
Dói ver a bagunça de nossa reação à covid-19. Ela chegou aqui depois de a outros países, nos dando tempo de nos prepararmos. Mas, em vez disso, vimos o presidente, líder político de parte da população, defender atitudes favoráveis ao contágio e contrárias aos controles que governadores tentam instituir. Imagina a confusão na mente das pessoas, já apavoradas pela perda de renda e trabalho.
O resultado será uma dinâmica mais desfavorável da epidemia. Enquanto a coisa melhora em muitos países, no Brasil batemos novos recordes a cada dia. A rede hospitalar não dará conta da demanda e os médicos terão de escolher quem salvar, uma situação terrível e desnecessária. Teremos muitas mortes evitáveis.
O mais paradoxal, porém, é que essa bagunça prejudicará ainda mais a economia, justo o que os contrários à quarentena e ao distanciamento social estariam querendo evitar. Em vez de uma curta e forte paralisação, seguida de uma gradual reabertura dos negócios, teremos uma paralisação parcial por um longo período, com muita gente evitando sair de casa. A economia continuará deprimida e o desemprego elevado, afetando a saúde do sistema financeiro, comprimindo as receitas tributárias e elevando a pressão por mais gastos públicos.
É um cenário assustador, não só por si, mas pelo que trará para o futuro do Brasil. Já entramos na crise com baixa coesão social, o que ajuda a ter bagunça. Sairemos dela ainda menos coesos, uns culpando os outros. Isso trará mais incerteza política e mais dificuldade para recuperar a economia.
Por isso precisamos começar logo a planejar o pós crise. E, quem sabe, aproveitar as oportunidades que esta abrirá. Eu penso que isso passa por construir uma narrativa que, ao contrário do que vimos nos últimos 10 anos, una os brasileiros em torno de um objetivo comum, tirando-nos do “nós contra eles”.
Precisamos encontrar uma narrativa própria, que reflita nossa realidade, alinhada com nossos interesses, ou seremos capturados pelas narrativas que outros países estão desenvolvendo com foco em seus próprios interesses. Vemos isso nos EUA, que estão construindo uma narrativa anti-China, de parcial marcha a ré na globalização. É uma estratégia para unir o país contra o inimigo externo, que funcionou bem no passado e pode evitar que a covid-19, e os erros com que se lidou com ele, agrave a polarização que também há por lá. Para pensar sobre isso, fui reler duas referências a que sempre volto.
Uma é um artigo de Irma Adelman sobre como alguns países conseguiram se desenvolver no século XX (bit.ly/3cdFwhf). . Adelman começa alertando que desenvolvimento econômico não é só crescimento, mas combina: “(1) crescimento auto-sustentável; (2) mudança estrutural nos padrões de produção; (3) atualização tecnológica; (4) modernização social, política e institucional; e (5) melhoria generalizada da condição humana”.
Ela também realça o papel da liderança política em focar no desenvolvimento econômico, na necessidade de alinhar a burocracia pública com esse objetivo, na importância de considerar os condicionantes históricos e a compreensão de que “o que é bom para uma fase do processo de desenvolvimento pode ser ruim para a fase seguinte”. Adelman também enfatiza o papel do capital social, que “reflete a extensão da confiança social, das normas de cooperação e da densidade das redes interpessoais”. Não precisa dizer que reconstituir o capital social terá de ser uma prioridade no pós-covid.
A outra referência é o debate entre Roberto Simonsen e Eugênio Gudin, como compilado e bem introduzido por Carlos Von Doellinger e, na sua 3ª edição, pelo ex-ministro João Paulo dos Reis Veloso (bit.ly/2SH4pKf). . Dois aspectos desse debate me atraem muito.
Primeiro, a importância do contexto histórico, caracterizado não só pela Grande Depressão e a II Grande Guerra, mas também pela difusão global do ideário a favor de um Estado totalitário, capaz de se antepor às tradicionais elites agrícolas, que dominavam a política desde o Império. Para alguém com forte inclinação liberal, é interessante ver como o fim do liberalismo que marcou o Império e a República Velha foi, nesse contexto, um passo à frente. Importa também reconhecer que o debate Simonsen x Gudin simbolizou uma disputa intelectual e política mais ampla e antiga.
Segundo, que, quase leigo em economia, Simonsen venceu o debate, por ter construído uma narrativa que uniu as novas elites, mais urbanas e com um pé na indústria, além de se alinhar com o pensamento dos militares de então. De fato, é fascinante ver como, até hoje, a intelectualidade brasileira segue presa a esse debate, se dividindo entre as posições de Gudin, mais liberal, e as de Simonsen, mais pró intervenção estatal. De fato, é o que vemos no debate sobre o programa Pró-Brasil, defendido por uma parte do governo e criticado pela outra.
O Brasil de hoje é muito diferente do de há 80 anos. Precisamos de uma nova narrativa, mais apropriada ao presente e à necessidade de conciliar mais crescimento com melhor distribuição de renda e avanço institucional. E precisamos disso logo, ou a crise iniciada pela covid-19 pode se estender por muitos anos.
*Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, professor da Direito-Rio/FGV e do IE/UFRJ
Claudia Safatle: Como será o amanhã?
Temor da equipe econômica é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em maior participação do Estado na economia
Há uma forte inquietação na área econômica do governo em busca de um horizonte de definições para o pós-pandemia da covid-19. O temor é que o resultado das ações emergenciais do Executivo desemboque em uma maior participação do Estado na economia, exatamente o contrário da proposta que venceu as eleições de 2018, de redução do papel do Estado na atividade econômica, sintetizada no slogan “Mais Brasil, menos Brasília”, adotado como lema pelo ministro Paulo Guedes, da Economia.
Uma das medidas temporárias que podem se tornar permanentes, na avaliação de técnicos oficiais, é a do auxílio emergencial de R$ 600 para os trabalhadores informais. Concebida para durar apenas três meses, será muito difícil extingui-la sem colocar nada no lugar, segundo essa visão. Trata-se de um benefício que tem tudo para se transformar em um amplo programa de renda mínima, em detrimento de gastos indiretos em projetos sociais.
O problema é o tamanho dessa despesa: o seu custo final caminha para a casa dos R$ 150 bilhões, envolvendo uma parcela gigantesca da população - mais de 79 milhões de brasileiros, segundo prognósticos da Instituição Fiscal Independente (IFI). São os trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais (MEI).
Mesmo diante de resistências iniciais, o governo sabe que não será simples suspender a ajuda a essa parcela da população até então invisível.
Um programa estratégico de saída da pandemia, em que o Estado não ampliaria a sua presença na economia, deve aprofundar a agenda liberal, na ótica da equipe econômica. Mas é importante notar que essa alternativa tem pouca aderência às demandas que a elite política propaga em nome do povo.
Uma das medidas defendidas por alguns assessores do governo pressupõe “desencantar” de vez a reforma tributária não para aumentar impostos, mas para reduzi-los como uma iniciativa que poderia dar um choque de produtividade na economia. Os primeiros candidatos a desaparecer, neste caso, seriam os impostos sobre a folha de salários das empresas.
A situação econômica é muito grave e, até o momento, o que há é uma disputa por hegemonia dentro do governo. De um lado estão os que, no Palácio do Planalto, advogam a participação do Estado de maneira quase que inesgotável - como se não houvesse limitações para a ampliação do gasto público - na geração de investimentos e empregos. E de outro lado, há o grupo de economistas do governo, liderado por Paulo Guedes, que pretende retomar a pauta mais liberal como saída estratégica da pandemia. Trata-se, aqui, da velha disputa entre desenvolvimentistas e ortodoxos, cuja história do país é marcada por fracassos da visão dominante pró-gasto público.
Ao Estado resta, por enquanto, o caminho do aumento do endividamento rumo aos 90% do Produto Interno Bruto (PIB), assumindo uma trajetória insustentável cujo desfecho pode ser a dominância fiscal, tão temida pelos seus efeitos nefastos e cujo golpe final seria um “calote” na dívida interna.
Foi essa a gênese do embate travado entre os ministros da Economia e Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional. Marinho estimulou o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Netto, a abraçar a ideia de um programa de investimentos ao melhor estilo do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) concebido no governo Dilma Rousseff. Seria o Pró-Brasil, um plano de investimentos públicos de R$ 184 bilhões por um período de quatro anos, envolvendo projetos de infraestrutura.
Guedes referiu-se a Marinho como um aliado da “gastança” e qualificou o ato do ministro, que chegou ao cargo por indicação do titular da pasta da Economia, de “desleal”. Amigos de Guedes consideraram a atitude de Marinho oportunista. “Ele furou a fila”, indo diretamente ao chefe da Casa Civil vender uma ideia que deveria ter sido submetida, originalmente, a Guedes, que é o guardião da chave do cofre.
O certo, porém, é que a ideia de um PAC subsiste no governo, juntamente com a de uma boa encorpada do Minha Casa, Minha Vida (MCMV), programa de habitação popular sob a gerência de Marinho.
Foi, porém, na votação da proposta de socorro financeiro aos Estados e municípios, na quarta-feira, na Câmara e no Senado, que se assistiu ao ensaio geral do que ocorre no centro da disputa pelo parco dinheiro público em nome do combate à covid-19.
O Executivo havia proposto que os salários do funcionalismo público da União, dos Estados e dos municípios ficassem congelados até dezembro de 2021, representando uma economia de R$ 130 bilhões. Esse seria o preço a pagar pela crise do coronavírus. No setor privado, boa parte dos trabalhadores teve redução de salários em troca de uma temporária estabilidade no emprego. No setor público, a estabilidade é um direito adquirido.
Durante a tramitação do projeto os parlamentares começaram a excepcionalizar o alcance do congelamento de salários. No texto aprovado pelo Senado os salários ficarão congelados até o fim do próximo ano, exceto para os profissionais das áreas de segurança, saúde e educação dos três entes da federação (União, Estados e municípios) diretamente envolvidos no combate à covid-19. São exatamente essas as áreas onde a folha de salários mais pesa nos cofres dos Estados e municípios.
“Arrombaram a porteira”, comentou um qualificado funcionário do ministério da Economia, tão logo foi encerrada a votação, na noite de quarta-feira. O mais grave é que esse duro golpe desferido em Guedes teve a aprovação prévia do presidente da República, conforme explicou o líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), ao encaminhar a votação. Bolsonaro é sensível às pressões das corporações. Mas depois de aprovado e de ouvir Guedes, Bolsonaro disse ontem que pode vetar a parte da proposta que excepcionaliza o congelamento dos vencimentos do funcionalismo. E, mais uma vez, ele garantiu que quem manda na economia é o ministro Paulo Guedes.
César Felício: A fatura a ser paga
Construção de base não combina com apoio a Guedes
Em que pese o propósito golpista claro de uma militância de corte neofascista que apoia Bolsonaro, o presidente, no presente momento - que não fornece garantia alguma de se converter em tendência sustentada para o futuro - está mais próximo de Michel Temer do que de Mussolini.
A aliança entre Bolsonaro e o Centrão é altamente conveniente para ambos. O apoio do que outrora se convencionou chamar de baixo clero pode garantir ao governo algum grau de efetividade para aprovar matérias no Congresso, afasta a imagem de governo disfuncional. Constrói uma base mínima para justificar sua existência.
A sensação de ingovernabilidade é, ao lado da impopularidade, da falta de perspectivas econômicas, da existência de um projeto de poder alternativo e da descoberta de um crime de responsabilidade, uma das condições necessárias para que se desencadeie um processo de impeachment. O presidente parece raciocinar que o quadro é mais favorável a um processo de impeachment do que à concretização de um autogolpe que lhe confira poderes ditatoriais. Entre a tutela e a ruptura, flerta com a tutela.
O Centrão foi uma salvaguarda poderosa para Temer concluir o mandato, e pode ser assim com Bolsonaro. Há muito sentido em se pensar assim. “Existe uma confluência de interesses. Bolsonaro quer blindar o próprio mandato e garantir o dos filhos, o senador Flávio e o deputado federal Eduardo. O Centrão quer garantir o caráter impositivo das emendas, o fundo partidário e eleitoral e participar do bilionário Orçamento de Guerra”, comenta um veterano observador da cena política de Brasília, o cientista político Antonio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.
Com estas ferramentas na mão, o Centrão garante a eleição de seus protegidos na disputa municipal de 2020, que em algum momento ocorrerá. O fracasso da organização do Aliança pelo Brasil para se converter no partido bolsonarista este ano, nesse sentido, foi altamente conveniente.
Bolsonaro, em contrapartida, faz o jogo das nomeações, como bem demonstrou ontem com a escolha do novo diretor do DNOCS, que será funcional para a candidatura do deputado Arthur Lira (PP-AL) à presidência da Câmara.
Hoje a maior liderança do Centrão, Lira naturalmente tende a se credenciar como favoritíssimo para a vaga de Rodrigo Maia na presidência da Mesa Diretora, se o casamento entre Bolsonaro e Centrão fluir.
Uma Câmara presidida por Lira tende a ter momentos emocionantes.No crepúsculo de seu poder, Rodrigo Maia detém ainda a faculdade de desencadear um processo de impeachment, mas é pouco provável que o faça sem ter certeza absoluta da vitória. Conta com a confiança plena dos principais agentes econômicos do País, mas seu poder para influir na própria sucessão rapidamente se esvai na medida em que fica claro que o DEM deverá repetir em 2022 a aliança com o PSDB. E é altamente provável que o partido do presidente da Câmara fortaleça a candidatura presidencial de Doria.
Lira não tem compromisso com projetos presidenciais atuais ou futuros. Ele assume acordos táticos, é um operador do curto prazo, daqueles que cobram de maneira incisiva faturas não pagas. Seus interesses coincidem com os do Planalto, mas a relação tem tudo para ser atribulada.
Trabalha também a favor de Bolsonaro, ao menos no Congresso, a presença de Hamilton Mourão na vice-presidência da República. Mourão tem sido um exemplo de moderação na posição de vice, mas algumas perguntas persistem no Congresso: o vice-presidente seria capaz de recuar em situações-limite, como Bolsonaro faz? Em momento de grande pressão da opinião pública, o que Mourão faria?
As Forças Armadas estariam mais inclinadas a uma adesão cega a aventuras presidenciais, se o presidente fosse Mourão?
Bolsonaro finge ser o outsider que Mourão na realidade é, esta é a suspeita básica que existe entre parlamentares. Com uma pessoa como Arthur Lira na presidência da Câmara, este fator há de ser medido cuidadosamente.
Para uma aliança entre Bolsonaro e o Centrão prosperar, talvez tenha que haver um sacrifício supremo do presidente da República, uma concessão que beira o insuportável para ser feita, que é a demissão de Paulo Guedes.
O ministro da Economia é um empecilho nesta nova argamassa. Sua agenda de privatizações, rigor fiscal absoluto e Estado mínimo não é compatível com o modelo de governo que o Centrão necessita para se aliar. Se Guedes não abrir mão da agenda de ajuste, subirá a pressão para que ele seja atropelado no processo, acredita Queiroz.
Um sinal eloquente disso foi a aprovação, pela Câmara e pelo Senado, da brecha para reajustes salariais de diversas categorias do funcionalismo. O aviso de Bolsonaro, ao lado de Guedes, de que vetará o dispositivo, mostra que o presidente, por ora, não está disposto a soltar a mão de seu ministro da Economia.
A alegada inadequação da agenda de Guedes às necessidades do mundo real não comove a cúpula da indústria, que ontem estava lado a lado com o governo federal para pressionar o Supremo a colocar em segundo plano a preservação de vidas na pandemia.
A pressão sobre o Supremo por enquanto parece ser apenas um gesto retórico. Ao sugerir que o governo federal crie um comitê de crises para coordenar soluções com as partes envolvidas na pandemia, o presidente do STF deixou claro que o problema não era com ele. Devolveu a bola ao campo adversário. As matilhas que seguem fanaticamente o presidente já estão convocando manifestações antidemocráticas para este fim de semana. Este jogo está em andamento.
O mais importante no gesto de ontem é que lá estavam o grande capital, os ministros militares e o presidente, todos prestigiando Guedes. A questão é por quanto tempo o presidente conseguirá sustentar o fogo para preservar o perímetro de segurança em torno do ministro. O presidente pode ter que fazer uma escolha amarga.
*César Felício é editor de Política.
Vinicius Torres Freire: País vê bestificado a passeata da morte
Não há reação às campanhas presidenciais de ruína sanitária, econômica e política
Depois de alguns dias mais dedicado ao golpeamento da democracia e à contenção do surto da ideia de impeachment, Jair Bolsonaro voltou a se empenhar no desgoverno da saúde, da epidemia, e na sabotagem de quem tenta administrar a crise mortífera. Fez uma passeata da morte na praça dos Três Poderes, nesta quinta-feira (7).
Não importa que maioria qualificada da população diga apoiar ou praticar o isolamento (cerca de dois terços, pelo menos). Quase dois meses e meio depois do início oficial da epidemia no Brasil, não há mais esperança de acordo ou coordenação nacionais do enfrentamento da crise.
Mesmo nesta síndrome aguda de degradação institucional, mortes sem fim à vista, ruína econômica e ameaça autoritária, não há protesto organizado. A elite econômica que não é cúmplice contemporiza. Parte do Congresso barganha 30 moedas de cargos pelo corpo e pela alma do país.
O "parlamentarismo branco", a alternativa de governo que vigorou por um ano, entre o começo de 2019 e a chegada do vírus, se desfaz na contraofensiva de Bolsonaro contra a limitação dos seus poderes e as ameaças de impeachment. A articulação nacional de governadores a fim de administrar a epidemia ou sugerir medidas econômica vai de precária e nula (no caso da doença) a desordenada, mal pensada ou mesmo oportunista (no caso da economia).
O país se desfaz: há desordem político-administrativa nos assuntos essenciais (doença e economia), impasse político derivado do conflito vago do impeachment e ameaça ou prática de tutela militar. Na pior crise da história republicana, ao menos, não há perspectiva de solução das crises, de desaceleração maior da epidemia e, pois, de reativação ordenada da atividade econômica.
Bolsonaro fez uma minipasseata, do Planalto ao Supremo, e um minicomício na sede do Judiciário nacional. Acompanhado de líderes de associações empresariais, de ministros e com a cumplicidade do presidente do STF, Dias Toffoli, retomou com força a campanha de sabotagem do isolamento social. Como de costume, não apresentou nenhum plano alternativo racional ou vaga ideia razoável de como lidar com a epidemia.
Bolsonaro disse que foi à sede do Supremo para expor as "aflições" dos empresários ao chefe do Poder Judiciário, pois a economia deixou de "funcionar" e, teme, pode se transformar em uma Venezuela. Criticou outra vez os governadores e suas "medidas restritivas", como de costume: "O efeito colateral do combate ao vírus não pode ser mais danoso que a própria doença".
"Manter as pessoas em casa para impedir que o coronavírus se espalhe mesmo que isso prejudique a economia e cause desemprego" era mais importante (para 67%) do que "acabar com o isolamento das pessoas em casa para estimular a economia e impedir o desemprego, mesmo que isso ajude a espalhar o coronavírus" (para 25%), registrava o Datafolha em 27 de abril.
Pesquisa CNI/FSB do início de maio mostrava que 86% dos entrevistados eram a favor do isolamento, ainda que 40% tivessem perdido ou toda a renda do trabalho (23%) ou parte dela (17%).
Pesquisas de adoção de medidas de isolamento (do Seade de SP, de amostra de contaminação por coronavírus ou da CNI) mostram que entre 67% a 80% das pessoas dizem manter o isolamento (total ou saindo só para atividades essenciais).
No entanto, não há revolta popular na mesma proporção contra as atitudes de Bolsonaro; não há reação organizada de nenhuma elite. O país assiste estupidificado à passeata bolsonariana.
Economistas debatem pandemia e alternativas em meio à crise do coronavírus
Pandemia e saídas para economia é o tema da segunda webconferência realizada pelo Observatório da Democracia
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
A FAP (Fundação Astrojildo Pereira) informa que, nesta sexta-feira (8), a partir das 14h30, será transmitida a segunda webconferência do ciclo de debates online Diálogos, Vida e Democracia, realizado pelo Observatório da Democracia. Três economistas de grande referência nacional debatem as consequências econômicas da pandemia do coronavírus e as saídas para a sua superação, no debate virtual coordenado pelo jornalista Osvaldo Maneschy, da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini.
Participam desta rodada os economistas Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp (Universidade de Campinas); Guilherme Mello, professor e diretor do Cecom (Centro de Saúde da Comunidade) da Unicamp; e Ricardo Carneiro, ex-diretor do BID e professor da Unicamp. Também estava prevista a participação de Monica de Bolle, pesquisadora-sênior do Peterson Institute for International Economics e diretora do Programa de Estudos Latino Americanos da Johns Hopkins University, mas não foi possível.
O ciclo contará com 19 mesas temáticas feitas por webconferências, sempre a partir das 14h30. Os próximos debates deste mês estão previstos para ocorrer no dia 12, para abordar o Brasil na crise mundial, e no dia 16, para discutir pandemia, crise e pacto federativo. No dia 18, haverá uma segunda rodada da discussão sobre coronavírus, isolamento social e saúde pública.
As webconferências são transmitidas pelo canal do Observatório da Democracia no youtube e retransmitidas no site da FAP na internet e também na página da entidade no Facebook. As demais fundações integrantes do Observatório da Democracia, dos partidos e de lideranças políticas também fazem a retransmissão.
Para acompanhar a programação em maio, junho e julho, os internautas podem acessar o site do Observatório da Democracia (www.observatoriodademocracia.org.br), que é o fórum das fundações do PT, PSB, PCdoB, PDT, PSOL, PROS e Cidadania.
Os vídeos das webconferências ficam disponíveis no canal do youtube do Observatório da Democracia (https://bit.ly/35oDPeh) e dentro de cada matéria sobre cada webconferência publicada no site da FAP e no página da fundação no Facebook.
Veja vídeo da primeira conferência:
Fundações partidárias debatem pandemia, recessão e saídas para a crise
Reinaldo Azevedo: Há uma obra de séculos na blitz dos insensatos ao STF
Bolsonaro tentou jogar no colo do STF a culpa pela crise econômica do coronavírus
O que o presidente Jair Bolsonaro e empresários foram fazer no STF? Tentar jogar no colo do tribunal a responsabilidade pela crise econômica provocada pelo coronavírus. Tese de fundo, vocalizada por Paulo Guedes: é o distanciamento social a origem dos males.
A marcha dos insensatos ocorre no momento em que a curva de mortos dá um pinote e em que capitais se veem obrigadas a impor o “lockdown” para tentar ao menos ordenar o caos. Mas por que ir ao Supremo, não ao Congresso? Porque saiu da corte a leitura evidente do texto constitucional: o presidente não pode impor disciplina na base do decreto. E ele exige ser o Napoleão de hospício do coronavírus.
Não se viu nada parecido em nenhuma democracia. A receita que Bolsonaro e Guedes levaram a Dias Toffoli é também inédita. O capitalismo mundial vive a maior crise de sua história porque não seguiu a opinião do nosso ministro da Economia.
Que coisa! O discurso homicida do presidente, do ministro e da patota de mascarados reúne mais adeptos, especialmente entre as elites, do que nosso senso de decência gosta de admitir. Há no ar miasmas de uma República de Salò (pesquisem) continental, não a de Mussolini, mas a revisitada em filme por Pasolini. Assiste-se a uma assombrosa banalização da morte, mormente agora que o vírus chegou a pobres e pretos.
Não é por acaso que mais da metade dos brasileiros, segundo estudo, pode ter de se pendurar no auxílio oficial. Essa condição miserável não foi fabricada pelo distanciamento social. Já existia antes do vírus. A utopia de Guedes já é uma realidade! O ministro não é melhor que Bolsonaro. A perversidade social do presidente é inata, espontânea. A de Guedes é cultivada, fruto da reflexão.
Há gato na tuba. O STF não é a casa da Noca. Bolsonaro teve a delicadeza de telefonar para Toffoli? “Fala aí, meu chapa! Como vai essa força? Tou indo aí!”? Ou tudo foi feito na base da blitz dos poderosos, entrando no tribunal como quem ocupa um boteco? Em tempos pré-vírus, só se conseguia ir a certos botecos reservando-se mesa.
De toda sorte, está liberado o caminho da romaria dos inconformados. Quando os sem-qualquer-coisa-que-os-faça-felizes quiserem tomar o Supremo, basta chegar e ir entrando. Afinal, na Casa que representa, por excelência, a República dos iguais, não pode haver distinção de classe. É ali o “locus” da vivência prática do artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção etc.”
É evidente que Dias Toffoli não deveria ter recebido ninguém. Até porque Bolsonaro fazia uma transmissão ao vivo da invasão consentida para as suas milícias digitais. A marcha dos mascarados ocorre no dia seguinte à declaração do ministro da Saúde, Nelson Teich, segundo quem o governo estuda a possibilidade de recorrer ao “lockdown” em algumas áreas. Ele deveria ter apresentado nesta semana um plano de saída do isolamento. Não há plano nenhum. O governo federal entregou aos estados 11% das UTIs prometidas.
Leio na Folha que Toffoli aproveitou a oportunidade para ressuscitar a antiga tese do pacto entre os Poderes: “Essa coordenação, que eu penso que o Executivo, o presidente da República, junto com seus ministros, chamando os outros Poderes, chamando os estados, representantes de municípios, penso que é fundamental. Talvez um comitê de crise para, envolvendo a federação e os Poderes, exatamente junto com o empresariado e trabalhadores, a necessidade que temos de traduzir em realidade esse anseio, que é o anseio de trabalhar, produzir, manter a sociedade estruturada”.
Tudo indica que ninguém falou da curva dos mortos, da falta de leitos ou do colapso do sistema de saúde. Ou por outra: discutiu-se, na base de uma blitz consentida, a feitiçaria de um pacto, mas nada se falou sobre ciência. Não se produz o segundo país mais desigual da Terra da noite para o dia. Parafraseando, acho, Nelson Rodrigues, cumpre constatar: atraso moral como o nosso não é coisa de blitz. Trata-se de uma obra de séculos.
Bruno Boghossian: Enquanto CPFs morrem, Bolsonaro serve cafezinho para os CNPJs
Enquanto CPFs morrem, Bolsonaro serve cafezinho para os CNPJs
Pelo segundo dia seguido, o ministro da Saúde disse que o governo deve recomendar medidas mais rigorosas de isolamento contra o coronavírus em algumas cidades. Nelson Teich afirmou na Câmara que o chamado “lockdown” pode ser implantado para “segurar o número de casos novos” de contaminação.
O doutor está na contramão do chefe. Após receber empresários e fazer um comício no STF contra o distanciamento, Jair Bolsonaro alegou que as restrições são inúteis. “Essa questão de ‘fique em casa’ não está funcionando. Está servindo para matar o comércio”, diagnosticou.
O presidente trocou o ministro responsável pelo combate à pandemia porque Henrique Mandetta não dizia o que ele queria ouvir. Teich assumiu com um discurso errático e completou 20 dias no cargo sem nenhuma ideia de como enfrentar a crise, mas nem ele conseguiu maquiar a realidade para agradar ao patrão.
Bolsonaro insiste numa retomada imediata e milagrosa da economia, embora ninguém no governo seja capaz de apresentar um plano para que isso seja feito de forma segura. Seu propósito é puramente político: uma tentativa de manter a tensão com governadores e se proteger dos danos provocados pela recessão.
Enquanto sistemas hospitalares entram em colapso e corpos se amontoam em câmaras frigoríficas, o presidente só se lembra deles para fazer campanha pela reabertura de lojas e fábricas. “A indústria comercial está na UTI”, declarou. “Depois da UTI, é o cemitério.”
Ele reproduzia a metáfora de lobistas que foram a Brasília para defender o relaxamento das medidas de restrição. Um deles, representante de fábricas de brinquedos, mostrou qual era a preocupação da turma. Reclamou da China e completou: “Eu tenho um inimigo lá fora prontinho para suprir o mercado inteiro, e então haverá morte de CNPJ”.
Até esta quinta (7), morreram 9.146 CPFs, na linguagem do empresário. Já os CNPJs do grupo que visitou Bolsonaro receberam ajuda do governo e cafezinho no Palácio do Planalto.
Ricardo Noblat: Segue a marcha de Bolsonaro para submeter os demais Poderes
Só não enxerga quem não quer
Não é preciso ter sangue frio para saber lidar com um presidente da República que chega de repente, quase sem avisar, ao prédio do Supremo Tribunal Federal acompanhado de uma comitiva não prevista de ministros de Estado e empresários. Basta ter coragem e a exata noção da dignidade do cargo que ocupa.
O primeiro amigo de Bolsonaro foi feito de bobo outra vez. O ex-capitão afastado do Exército por indisciplina e falta de ética usou como fralda a toga do ministro Dias Toffoli, duas vezes reprovado no passado em concurso para juiz. Acabou indicado para o tribunal por ter servido bem ao governo de Lula. É a República dos medíocres!
A expressão “primeiro amigo de Bolsonaro” é usada por colegas de Toffoli quando querem criticá-lo. É quase unânime entre eles a opinião de que Toffoli se comporta como um aliado do presidente da República desde o início do seu governo. Encantou-se com a missão a que se propôs: apaziguar as relações entre os Poderes.
É tudo o que não interessa a Bolsonaro. Ele é um fabricante de crises. Não consegue viver sem uma. E, no momento, está à procura de um sócio para segurar na alça dos caixões enterrados todos os dias com vítimas do coronavírus. Toffoli seria o sócio ideal pela posição que ocupa e pelo medo atávico que tem dos que usam farda.
A Praça dos Três Poderes já assistiu à marcha de políticos, encabeçada, à época, pelo presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães em direção ao Palácio do Planalto para protestar contra a intervenção em um banco. Foi no governo de Fernando Henrique Cardoso. O episódio deu em nada. Serviu só para fazer barulho.
Foi para fazer barulho, pôr pilha em seus devotos da extrema direita e desviar a atenção do distinto público dos efeitos da pandemia que Bolsonaro marchou sobre o prédio do Supremo onde não tinha hora marcada. Toffoli foi constrangido a recebê-lo sem reclamar. E a ter seu gabinete transformado em estúdio de propaganda.
Não sabia que Bolsonaro estaria acompanhado de uma grande comitiva. Nem que seu encontro com ele seria transmitido ao vivo nas redes sociais. Muito menos que Bolsonaro comandaria o espetáculo. Foi o que ele fez. Sentou-se ao centro de uma mesa. Falou e passou a palavra quem quis. Por último, a concedeu a Toffoli.
Enquanto falava o presidente do Supremo, Bolsonaro olhava para frente, não para o lado onde Toffoli estava. A certa altura começou a mostrar impaciência com o pronunciamento do anfitrião. Sem disfarçar, chegou a consultar o relógio pelo menos uma vez. À saída da audiência, usou o prédio como cenário para discursar.
Sua performance foi chamada de “presepada”, “molecagem”, “factoide” e “pegadinha” por ministros do Supremo chocados com o que assistiram. Foi tudo isso e muito mais. Foi principalmente um ato de desrespeito a outro Poder. Mais de uma vez, Bolsonaro marchou sobre o Congresso, mas não ousou provocá-lo a esse ponto.
O mau exemplo dado por Bolsonaro aos que o chamam de Mito poderá instigá-los a irem além das ofensas que por ora se limitam a gritos e a exibição de cartazes e de faixas onde pregam o fechamento do Supremo e do Congresso. Acelera a marcha insana para submeter os demais poderes à vontade de um ex-sindicalista militar.
Mais concessões para que o Congresso barre o impeachment
Tudo para completar o mandato
Aliar-se ao Centrão, grupo que reúne os partidos mais fisiológicos do Congresso, surpreende a quem acreditou na promessa do presidente Jair Bolsonaro de acabar com a política do “é dando que se recebe” – você me dá cargos no governo e eu lhe dou meu voto.
Bolsonaro apenas reconciliou-se com sua origem. E com tal disposição que já avisou ao novo ministro da Justiça e da Segurança Pública que, em breve, poderá dividir seu ministério em dois. A Justiça ficaria com ele. A Segurança Pública com o Centrão.
O ministro, que em seu discurso de posse bateu continência duas vezes para Bolsonaro e disse que seria “um servo”, respondeu que taokey. A Justiça, para ele, basta. Para o Centrão, tudo é pouco. Há na Câmara mais de 20 pedidos de impeachment contra Bolsonaro.