Day: maio 7, 2020
Luiz Carlos Azedo: Onde mora o perigo
“Ramagem voltou à direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com superpoderes, depois de indicar seu braço direito para o comando da PF”
Uma parte da oposição considera o governo Bolsonaro protofascista. Discordo do conceito por dois motivos: primeiro, porque vivemos numa ordem democrática; segundo, porque a fascistização do governo não é inexorável. Toda vez que o presidente da República faz um gesto autoritário, tipo mandar um jornalista calar a boca, ou prestigia uma manifestação a favor de uma intervenção militar, porém, a narrativa do protofascista ganha novos argumentos: “E agora, você ainda acha que não estamos caminhando para o fascismo?”, questiona um velho amigo jornalista. Diante das circunstâncias, no entanto, vejo que é melhor explicar minha avaliação.
Estou entre os que veem no governo Bolsonaro um viés bonapartista, porque se coloca acima da sociedade e busca se apoiar nas Forças Armadas, com respaldo político-ideológico de pequenos proprietários, empreendedores e corporações ligadas aos setores de transportes e segurança pública, além dos truculentos e embrutecidos de um modo geral. Mais ou menos como Luís Bonaparte, o sobrinho de Napoleão I. A diferença é que, no bonapartismo, o parlamento foi completamente subjugado pelo estamento burocrático-militar, o que não é o nosso caso, embora tenhamos um governo no qual generais da reserva e da ativa estão dando as cartas. A lógica desse processo é o aparelho burocrático-militar avançar em relação aos demais poderes, em aparente neutralidade arbitral. Na França de 1851, o golpe de estado de 2 de dezembro pôs fim ao regime parlamentar.
Aqui no Brasil, diante da maior crise sanitária que o país enfrenta, desde a epidemia de febre amarela de 1918, e de uma recessão que cavalga a pandemia, nossas instituições estão funcionando. O Congresso realiza sessões por videoconferências, em marcha batida para aprovar o chamado “Orçamento de Guerra”, que busca socorrer estados e municípios. O vai e vem da emenda constitucional sobre o assunto, entre a Câmara e o Senado, decorre da divisão do próprio governo, como ficou demonstrado ontem. Assessores do ministro da Economia, Paulo Guedes, atuavam nos bastidores para garantir a aprovação da proposta do Senado sem emendas; já o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), atuou para que houvesse modificações. Questionado, disse que agiu de mando, ou seja, recebeu orientação do Palácio do Planalto.
Ontem, Rodrigo Maia (DEM-RJ) recebeu a visita dos ministros Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) na Presidência da Câmara. Os dois generais são os mandachuvas na Esplanada e comandam as articulações para formação de uma base parlamentar com os partidos do Centrão, na base do velho toma lá dá cá, ou seja, em troca de ocupação de cargos no governo. A operação atraiu o PTB, do ex-deputado Roberto Jefferson; o Partido Progressista, do senador Ciro Nogueira; o PL, do ex-deputado Valdemar Costa Neto, e o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, figuras carimbadas da chamada “velha política”. As conversas têm uma explicação: os presidentes do DEM, prefeito ACM Neto, de Salvador (BA); do MDB, deputado Baleia Rossi (SP); e do Solidariedade, Paulinho da Força (SP), não embarcaram nas articulações para transformar Maia num pato manco. O jeito foi retomar as conversas com o presidente da Câmara.
Arapongas
A movimentação do Palácio do Planalto tem dois objetivos: a curto prazo, impedir qualquer possibilidade de instalação de um processo de impeachment e afastamento do presidente Jair Bolsonaro por crime de responsabilidade; a médio, eleger ao comando da Câmara um aliado que possa ser pautado por Bolsonaro, o que não acontece hoje. A longo prazo, ninguém sabe. Entretanto, olhando ao redor, uma maioria fisiológica no Congresso é a via mais segura para a ampliação dos poderes de um presidente da República. Essa receita foi adotada com êxito em países como o Peru de Fujimori e a Venezuela de Chávez, a Rússia de Putin e a Hungria de Viktor Orban.
Neste momento, onde mora o perigo? Nas manobras de Bolsonaro para ter à sua disposição pessoal os órgãos de coerção do Estado. Por ora, a tentativa de utilizar a Polícia Federal como instrumento de poder fracassou. Essa intenção foi denunciada pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Isso resultou na suspensão da posse do delegado Alexandre Ramagem no cargo de diretor-geral da PF, por decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, e no inquérito aberto para investigar o caso, pelo ministro do STF Celso de Mello, a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras.
Entretanto, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, delegou boa parte de suas atribuições a Alexandre Ramagem, que voltou à diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência com superpoderes, depois de indicar seu braço direito, delegado Rolando de Souza, para o comando da PF. A agência tem por missão obter informações para o presidente da República, mas agora ganhou autonomia para contratar serviços sem licitação e financiar missões de servidores, militares, empregados públicos ou colaboradores eventuais da agência, obviamente, em segredo. Ou seja, Bolsonaro está organizando um exército de “arapongas”. É um péssimo sinal.
Coronavírus: Cidadania é remédio para enxergar o outro na pandemia, diz Gloria Alvares
Jornalista escreve sobre a importância de compartilhar atos do bem em meio à crise provocada pela Covid-19
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
Em artigo publicado na 18ª edição da revista Política Democrática Online, a jornalista Gloria Alvarez, voluntária da Obra do Berço do Rio de Janeiro, diz que, na pandemia da Covid-19, só há uma esperança para quem se sente como “pessoa que não existe”. “Uma radical mudança no comportamento do ser humano, adotando o ato de compartilhar tempo ou dinheiro como uma ação civil transformadora e construtiva”, escreve ela. A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, e pode ser acessada de graça no site da entidade.
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De acordo com Gloria, a ação civil transformadora e construtiva é possível se as pessoas deixarem de querer só para si e conseguirem enxergar quem está ao seu lado, implorando para deixar de ser invisível. A autora observa que, da noite para o dia, milhões de brasileiros ficaram desamparados, sem alternativa para substituir o desemprego ou o subemprego.
“A chegada da pandemia provocada pelo novo coronavírus fora determinante e desesperante, especialmente para aqueles milhões que não pertencem ao Cadastro Único do Ministério da Cidadania, não têm Bolsa Família, muito menos FGTS, RG, título de eleitor e um simples CPF regularizado”, lamenta a jornalista.
Um desses brasileiros, respondendo a um repórter, definiu-se como “uma pessoa que não existe”. “Foi quebrada a rotina diária de passar a montar a barraquinha de biscoitos, balas e chocolate, e ficar sob sol e chuva à espera do resultado de suas vendas”, escreve Gloria, no artigo da revista Política Democrática Online.
No final do dia, depois das contas com o “empresário” (o dono da barraquinha e dos produtos), mal ou bem, restava algum para gastar na vendinha comprando a refeição das crianças e da mulher. “Agora, nem pensar”, observa a autora. “A barraca não podia mais ser montada. O negócio terceirizado dessa ‘pessoa que não existe’ fora fulminado pelas ações preventivas para conter o vírus”, afirma.
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Merval Pereira: Pistas
Confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro deu uma pista importante em seu depoimento à Policia Federal no inquérito que investiga a possível tentativa de interferência do presidente Bolsonaro na Polícia Federal.
Disse que será possível verificar na Polícia Federal e na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) que todas as informações “legais” foram passadas à presidência da República, não se justificando a reclamação do presidente.
Não é uma simples disputa entre chefe e subordinado sobre o cumprimento de funções, mas a pista para se confirmar que Bolsonaro não estava satisfeito com os limites legais que o impediam de ter acesso a outras informações da Polícia Federal, ato que passaria a ser ilegal.
Se é verdade que o procurador-geral da República Augusto Aras tende a arquivar o inquérito porque em seu depoimento o ex-ministro Sergio Moro não acusou Bolsonaro de nenhum crime, será uma decisão absurda que o desmoralizará, pois foi ele próprio quem identificou os diversos crimes que poderiam estar indicados no depoimento de Moro ao pedir demissão do ministério da Justiça.
Cabe ao procurador-geral investigar, e não a Moro acusar. Além dos indícios de provas que serão ou não investigados pelos promotores, há o vídeo citado por Moro da reunião ministerial onde Bolsonaro o teria ameaçado de demissão por não dar informações sobre a PF, e o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) explicado que aquele tipo de informação não poderia ser fornecida.
Neste caso, ficaria caracterizada a tentativa do presidente de interferir indevidamente na PF. Por absurdo, confirmada a hipótese de o vídeo ter sido apagado, ficará claro que há alguma coisa a esconder, o que configuraria obstrução da Justiça, um crime óbvio.
Foi assim que terminou a presidência do então presidente Richard Nixon, no caso Watergate nos Estados Unidos, quando parte de uma gravação de conversa em seu gabinete foi deletada pela secretária do então presidente americano, alegadamente por acidente. Alegação que se tornou ridícula.
O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, é o titular da ação penal, o que significa que é um ato de soberania sua oferecer a denúncia ao final do inquérito, ou arquiva-lo. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, relator do inquérito, não tem autoridade para discordar da decisão em caso de arquivamento. Mas o Supremo pode não aceitar eventualmente uma denúncia.
Repúdio
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, manifestou-se em nome da Corte condenando as agressões a jornalistas na manifestação contra o STF e o Congresso em frente ao Palácio do Planalto no domingo passado, com a presença do presidente Jair Bolsonaro.
Aproveitou para se posicionar sobre os ataques ao Supremo: “Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, pré-estabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático. As irresignações contra decisões deste Supremo Tribunal Federal se dão por meio dos recursos cabíveis. Jamais por meio de agressões ou ameaças a esta instituição centenária, ou a qualquer um de seus ministros individualmente”.
Toffoli disse que, na ocasião, “foi agredida a democracia”. A coincidência de as agressões terem acontecido no Dia da Liberdade de Imprensa, tornou, para Toffoli, as tornou “lamentáveis e intoleráveis”.
“Sem imprensa livre, não há liberdade de informação e expressão. Sem imprensa livre não há democracia”, afirmou. O presidente Dias Toffoli voltou a apelar a união necessária: “Devemos prestigiar a concórdia, a tolerância e o diálogo, bem como exercitar a solidariedade e o espírito coletivo. É momento de harmonia, de equilíbrio e de ação coordenada entre as instituições e os Poderes da República. As divergências existem, pois elas são naturais na democracia. Na democracia, as divergências são equacionadas pelas vias institucionais adequadas, preestabelecidas na Constituição, a qual dita as regras do jogo democrático”.
Mais uma vez a retórica a favor da democracia e da liberdade de expressão ganha força nesses momentos escuros que estamos vivendo. Breve, será necessário mais do que simples palavras para repudiar a tentativa de implantar no país um governo autoritário.
William Waack: Um 'novo' governo
Mas as pessoas só querem saber quando vão acabar a crise e a desagregação
O governo dono da plataforma com a qual foi eleito Jair Bolsonaro terminou no começo de maio, aos 16 meses de vida. Seus dois fortes apelos eram a campanha anticorrupção, associada à mudança da forma de se fazer política, e a grande reforma do Estado, ali incluída uma ambiciosa agenda de reformas econômicas de cunho estruturante e “liberal”.
O homem visto como campeão da luta anticorrupção, o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, desceu da carruagem dizendo que o fazia por não acreditar que a campanha prosseguiria como tinha sido nos tempos da Lava Jato. Bolsonaro o chama agora de mentiroso e traidor. Em seu depoimento à Polícia Federal, Moro deixou claro como pretende seguir o roteiro: chamando Bolsonaro para a briga no campo da ética e da política – suas acusações não surgem até aqui capazes de levar o procurador-geral da República a oferecer denuncia contra o presidente.
Mas está claro que um pedação significativo da bandeira anticorrupção foi arrancado das mãos de Bolsonaro, e essa não é uma disputa que se encerra no curto prazo. Ela vai para 2022, e o motivo é como Bolsonaro decidiu fazer política agora: do mesmo jeito que seus antecessores fizeram, ou seja, oferecendo cargos em troca de apoio. Não importa como Bolsonaro justifique essa mudança de rumo a seguidores capazes de acreditar em qualquer palavra de ordem, nem se ele agiu por medo, cálculo, pressão, desespero ou burrice. O fato incontestável é o da presença ainda mais dominante da “velha” política.
É dela que passou a depender agora o outro pilar com o qual Bolsonaro foi eleito, o das reformas estruturantes e liberais. Perdeu-se tempo e o imponderável sob a forma da dupla catástrofe do coronavírus alcançou Paulo Guedes no meio da terra de ninguém – no mata burro, para usar a linguagem de quem aprecia o jogo de tênis.
A necessidade de socorro de emergência a estados e municípios arrancou a âncora fiscal, com os piores golpes vindo de dentro do Palácio do Planalto. Continua ali na gaveta o plano da gastação desenfreada em infraestrutura mas foi o sinal de abandono do congelamento dos salários do funcionalismo dado pelo próprio presidente que melhor traduziu o que sempre se intuiu: o corporativismo mora aqui.
A combinação de farra fiscal em ano eleitoral com severa recessão econômica é horrorosa para qualquer governo, mas o Bolsonaro 2.0 começa sob uma generalizada desagregação política e institucional, cuja expressão mais evidente é a forma como o STF decidiu reiterar limites à atuação do chefe do Executivo. “A judicialização da política em si já é ruim”, resumiu uma das grandes figuras do mundo do direito em Brasília, “pois o Judiciário não deveria legislar, mas o que estamos vendo é o pior dos mundos: é o Judiciário governando”.
Essa erosão está sendo acelerada pelas mortes diárias, pela apreensão das pessoas com seu futuro imediato, pela perda de confiança de consumidores e empresários, pelo medo do desemprego, da doença e da morte. São fatores “subjetivos” e “emocionais” de enorme e imprevisível peso na política, diante dos quais Bolsonaro tem insistido em aumentar a comoção. Exatamente como tudo isso vai se desdobrar é impossível dizer neste momento. Como também é difícil fugir à constatação de que a tripla crise – de saúde pública, economia e política – só tornou tudo ainda pior.
Aos 16 meses, Bolsonaro reinaugura seu governo num ambiente de angústia profunda e prolongada, com as pessoas se perguntando, aflitas, quando tudo isso vai acabar.