Day: março 25, 2020

Jamil Chade: Em carta ao G-20, ONU fala em risco de pandemia "apocalíptica"

Numa carta enviada ao presidente Jair Bolsonaro e aos demais líderes do G-20 na segunda-feira (23), o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, apela para que as maiores economias do mundo se unam para dar uma resposta à crise gerada pelo coronavírus e que saiam ao resgate dos países mais pobres do mundo.

Caso contrário, o documento obtido pela coluna alerta para o risco de que o mundo seja atingido por uma "pandemia de proporções apocalípticas".

O G-20 irá manter uma reunião extraordinária nesta semana, ainda que encontros entre ministros tenham demonstrado a dificuldade do grupo em achar um plano comum.

Segundo Guterres, o mundo espera do G-20 "uma ação decisiva". Em sua avaliação, mesmo os países ricos enfrentam desafios e o impacto sócio-econômica será profundo.

O chefe da ONU também fala abertamente em uma recessão e indica que o Covid 19 vai exigir uma "resposta como nunca antes". "Um plano de guerra em termos de crise humana", disse na carta.

Para ele, o G-20 tem a oportunidade de demonstrar "solidariedade" com o mundo, especialmente com os mais vulneráveis.

Guterres divide a resposta em diferentes etapas. A primeira delas é de saúde, com uma cooperação capaz de "suprimir o vírus". Mas, para que isso ocorra, o vírus precisara derrotado em todas as partes do mundo.

Nos últimos dias, o governo americano tem usado o vírus para atacar a China, aprofundando a crise internacional. Para Guterres, o momento é de união e de cooperação para testar pessoas com sintomas e isola-los, fazer avançar a ciência e lidar com restrições de movimentos.

A ONU também pede coordenação para garantir que suprimentos médicos possam continuar a circular pelo mundo, que os governos se comprometam a não barrar a exportação de equipamentos e remédios e que os locais mais necessitados sejam auxiliados. Guterres também defende que países em desenvolvimento tenham acesso a recursos para dar uma resposta aos bilhões de habitantes nessa região do mundo.

"Qualquer coisa que não atenda esse compromisso poderia levar a uma pandemia de proporções apocalípticas afetando a todos nós", escreveu o secretário-geral.

Ele também pede que as sanções impostas sobre países sejam suspensas para permitir o acesso a alimentos e remédios.

Estímulo
Guterres também pede que governos adotem planos de estímulo para minimizar os impactos sociais. Segundo ele, a crise vai ser medida em "trilhões de dólares" e o G-20 terá de injectar recursos de mais de 10% do PIB mundial.

Ele também pede que regras fiscais sejam ignoradas. "Estamos em um período sem precedentes", disse.

Para ele, não há uma crise bancária e, portanto, a ajuda terá de ser focada em pessoas e famílias. Algumas ações neste sentido têm sido adotadas. Mas ele aponta que não são suficientes.

"Peço aos líderes do G-20 que considerem um pacote urgente de grande escala de trilhões de dólares", disse. O dinheiro precisa chegar às pequenas empresas, trabalhadores e famílias. Isso inclui perdão de dívidas, incentivos fiscais, queda de taxa de juros, crédito e apoio a salários.

Em sua avaliação, o G-20 também precisa estabelecer um pacote para ajudar os países mais pobres, inclusive para que possa se proteger. Sua tese é de que se o vírus se proliferar nas áreas mais pobres do mundo, a possibilidade de o erradicar fica afastada.

Nesta quarta-feira, Guterres ainda lançará um apelo global para que um resgate humanitário seja estabelecido.

Outro apelo do chefe da ONU aos líderes do G-20 se refere ao modelo de recuperação a ser adotado. Para ele, a economia mundial precisa criar uma estratégia de desenvolvimento mais inclusiva e sustentável.

"A crise atual é um lembrete do destino comum da humanidade e da necessidade de investimentos para reduzir os riscos catastróficos de uma pandemia", disse. Para ele, uma resposta devem envolver investimentos em saúde pública e redes de proteção.

"A crise financeira de 2008 demonstrou que os países com sistemas de proteção social robustos foram os que menos sofreram e se recuperaram mais rapidamente de seu impacto", disse.

"Estou convencido de que só a coordenação internacional pode evitar o pior cenário possível. Uma mensagem unificada de ação concertada dos líderes do G-20 é agora mais do que nunca necessária", completou.


Elio Gaspari: A Fiesp expôs sua alma em reunião com Bolsonaro

Grandes empresários mostraram-se pedestres e pedinchões

Na sexta-feira da semana passada Jair Bolsonaro e três ministros participaram de um evento organizado pelo presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Numa videoconferência de uma hora, falaram 14 grandes empresários ligados à guilda. É um penoso documento histórico e está na rede.

Dez deles gastaram seu tempo com platitudes ou simples bajulações. Alguns disseram o óbvio: há o problema dos transportes, o mercado se contraiu, e as empresas precisam de crédito.

Ofertas concretas e bem-vindas vieram de Jean Jereissati (Ambev) e de David Feffer (Suzano). Um contou que sua fábrica do Rio foi reciclada para produzir álcool que será doado à rede pública. O outro revelou que doará 500 mil máscaras.

A reunião produziu três “Momentos Fiesp”. O primeiro aconteceu depois que Eugênio de Zagottis, falando pelas farmácias, pediu o razoável adiamento da remarcação de preços prevista para a semana que vem: “O Brasil não precisa dessa manchete”.

Deu-se uma saia justa. Carlos Sanchez, representante da indústria farmacêutica, retomou a palavra, dizendo que os aumentos para remédios relacionados com a Covid-19 poderiam ser adiados. Quanto aos demais, só haveria dois caminhos, um dólar de R$ 4 para o seu setor ou uma redução de 5% na margem das farmácias, que deveria ser repassada à sua indústria. A proposta de Zagottis ficou no ar.

Num outro episódio, Rubens Ometto, o maior produtor de álcool neutro do país, trouxe uma agenda filosófica: “A gente precisa tomar muito cuidado com as promessas que têm sido feitas para a população, porque às vezes você pode quebrar uma cadeia dos serviços e dos negócios que são feitos, como a promessa de itens grátis, como água, como luz, como esse negócio todo. Vai se criando uma ideia de que não há necessidade de pagar.”

Tudo bem, mas tinha-se acabado de tratar, sem sucesso, da conveniência de se adiar um aumento de preços de remédios.

No terceiro episódio, Edson Queiroz Neto pediu que aviões da FAB fossem à China para buscar suas encomendas relacionadas com a epidemia. Tomou um contravapor do ministro da Casa Civil, Braga Netto, lembrando-lhe que a Vale fretou um avião para buscar o material que doará.

A Vale, que não estava na reunião, fechou na China a compra de cinco milhões de testes rápidos. A primeira remessa, de um milhão, deve chegar na sexta-feira. Os quatro milhões restantes chegarão em meados de abril. Essa doação equivale à metade das unidades que o Ministério da Saúde estima necessitar. Tudo sem necessidade de pagar.

A Fiesp mostrou um rosto cenográfico, e alguns grandes empresários mostraram-se pedestres e pedinchões. (Paulo Skaf, presidente da Fiesp, prometeu cinco mil leitos. Enquanto ele falava, o ministro Luiz Henrique Mandetta tamborilava com os dedos na mesa.)

No dia seguinte a essa cena espetaculosa e irrelevante, uma franquia da Domino’s, sem fanfarra, mandou umas 30 pizzas aos profissionais da saúde de um hospital público do Centro do Rio, com o seguinte bilhete:

“Com um toque de amor, em agradecimento a todos vocês que estão na linha de frente, se sacrificando por nós”.

De vez em quando, surge a ideia de que o ato de pagar (e de receber) não é tudo na vida de um povo, de uma empresa ou até de uma pessoa.


Cristiano Romero: Crise expõe nossas vergonhas

Não há mais tempo de debater se a política pode ser heterodoxa

A taxa de desemprego da Noruega sempre foi um não assunto para quem acompanha o desempenho da economia mundial. Foi assim até ontem, quando ficamos sabendo que a taxa de desemprego do país nórdico chegou a impensáveis 10,9%, a mais alta em 80 anos. A última vez em que o desemprego chegou perto disso na Noruega foi durante a Grande Depressão, na década de 1930, quando o capitalismo sofreu sua primeira crise global.

A notícia de ontem assombrou analistas, investidores e autoridades mundo afora pelas seguintes razões: apenas uma semana atrás, a taxa de desocupação na Noruega estava em 5,3%, menos da metade do que está agora. Ter 5,3% de sua força de trabalho procurando emprego também não é comum naquele país.

A queda acentuada do preço do petróleo, principal produto exportado pela Noruega, já vinha motivando demissões nos dois primeiros meses do ano. Ainda assim, no fim de fevereiro, a taxa de desemprego, que é apurada semanalmente, era de 2,3%, muito provavelmente uma situação de pleno emprego. Portanto, em apenas três semanas, o número de desempregados de um dos países mais ricos do planeta quase quintuplicou.

Ao divulgar os números, a Agência do Trabalho e do Bem-Estar do governo norueguês informou que o Leviatã, a bestafera que emerge das consequências da pandemia do covid-19, o novo coronavírus, varreu o país nórdico nas últimas duas semanas. Nesse período, tudo ou quase tudo fechou no país, principal estratégia que governantes responsáveis têm adotado para conter o avanço do maldito vírus.

A Noruega é o primeiro país a revelar os impactos catastóficos do covid-19 na economia. Os outros virão em angustiante sequência e é impossível prever a dimensão do tombo que todos, obrigatoriamente, tomaremos. "Esta crise é muito mais aguda e impactará a todos indistintamente", diz Mário Torós, ex-diretor do Banco Central, hoje sócio da Ibiúna Investimentos. Em 2008, o vendaval que todos julgavam o mais severo desde 1929, ele estava na cabine de comando do BC, tendo enfrentado, inclusive, um ataque especulativo que poderia ter levado nossa moeda à breca.

O cidadão norueguês entrega ao governo, em forma de tributos, mais de 40% de sua renda. O imposto sobre a renda dos viventes equivalia, em 2018, a 9,9% do Produto Interno Bruto (PIB), a mesma proporção registrada pelos Estados Unidos no ano passado. Na Noruega, vejam só, se o contribuinte achar justo pagar mais imposto do que se cobra dele, tudo bem, ele pode fazer isso. Por aqui, filantropia é feita com o chapéu alheio - por meio de dedução de imposto devido -, sendo que o chapéu, no caso, não é do doador, mas de todos os que respiram o ar do Gigante Adormecido (que há seis anos não consegue sair de seu pior pesadelo), principlmente dos pobres.

A experiência mostra que as nações que tributam mais a renda e menos o consumo _ o oposto do que se faz no Gigante do Atlântico Sul (editoriais da imprensa venezuelana costumavam nos chamar assim) - são as que prestam os melhores serviços a seus habitantes - há exceções que não desmentem a tendência, como Japão e Israel.

Não é difícil comprovar a correlação: enquanto os estudantes noruegueses têm nota ligeiramente superior à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) no exame PISA (sigla em inglês do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), considerando os exames de matemática, leitura e ciências, os brasileiros, devido ao nosso secular descaso com educação, ocupam a penúltima colocação nos três itens _ podia ser pior porque participam do PISA apenas 40 países. Trata-se de uma nódoa que nos envergonha perante a humanidade e que não se apagou nem com a vinculação de receitas (esta, aliás, é uma das causas da tragédia) nem muito menos por meio de planos mirabolantes de políticos que passaram pela Educação. Mais de um deles imaginou que, mesmo submetendo nossos jovens ao vexame do PISA, encurtaria o caminho para chegar ao Palácio do Planalto a partir do Mnistério da Educação (MEC).

Na Noruega, o governo prevê queda da atividade econômica privada entre 10% e 15% neste semestre. Depois de decretar quarentena para tentar conter o surto do covid-19, o governo aprovou rapidamente uma série de medidas com o objetivo de amenizar os efeitos econômicos da crise para empresas e trabalhadores e o banco central jogou a taxa básica de juros a zero (0,25% ao ano, a menor da história).

O Coisa Ruim acelerou sua marcha no Brasil nos últimos cinco dias. O país da falta de urgência se assustou com as declarações do ministro da Saúde, Luiz Mandetta, prevendo colapso do sistema de saúde em abril. No rastro do capeta em forma de vírus, o Leviatã já começou a avistar suas vítimas, não por causa da saúde, mas do apocalipse econômico que se anuncia na Ilha de Vera Cruz.

Quem e quantas são? Na linha de frente, 100 milhões de brasileiros, segundo estimativa do economista Arminio Fraga. É quase metade da população. Menos da metade recebe uns trocados do elogiadíssimo programa Bolsa Família. O restante está no cadastro único, onde estão inscritos brasileiros pobres, um pouquinho menos pobres que os elegíveis do Bolsa Família, mas ainda pobres. A maioria dessas pessoas trabalha como ambulante, empregado de pequena empresa etc. Desde o último fim de semana, eles estão sem renda alguma.

A Noruega recebeu o novo coronavírus e o Leviatã com um Produto Interno Bruto (PIB) per capita que, em dezembro, era de US$ 78,33 mil. Na Ilha de Vera Cruz, somava US$ 8,9 mil em outubro de 2019, bem inferior ao seu pico (US$ 13,3 mil em 2011). Esta é sua estatística porque a maioria absoluta dos brasileiros adoraria ter renda annual de US$ 8,9 mil.

O Leviatã vai nos pegar de calça curta.


Granny quickie

Granny quickie

This is a true story although the names have already been changed to protect the innocent, or the sinful or whichever applies!Read more


Fernando Exman: A quarentena da política externa

Relações com a China enfrentaram momento crítico

À negação sobre a gravidade da pandemia causada pelo novo coronavírus, somou-se a resistência do presidente Jair Bolsonaro em reconhecer a fase crítica em que se encontravam as relações entre o Brasil e a China. No meio diplomático, contudo, não houve autoengano. Até Bolsonaro finalmente conseguir completar a ligação telefônica para Pequim, enfrentávamos um dos pontos mais baixos das relações bilaterais desde que elas foram estabelecidas, em 1974. Isso não é pouco e ambos os lados tinham a perder com um eventual distanciamento.

A China, como se sabe, é o principal parceiro comercial brasileiro, mas há semanas poderia ter ampliado sua atuação para uma área hoje fundamental no enfrentamento da covid-19: a venda de equipamentos e suprimentos médico-hospitalares ao Brasil. Não fosse, claro, a crise provocada por uma publicação nas redes sociais pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) responsabilizando a China pelo avanço do coronavírus.

A mensagem foi rebatida de forma desproporcional pelo embaixador chinês, Yang Wanming, e seguida por uma réplica do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Bolsonaristas reagiram rápido nas redes sociais, alimentando as teorias conspiratórias emanadas pela família presidencial. Felizmente o pragmatismo retornou à mesa, mas ainda é incerto o resultado prático da retomada do diálogo em alto nível.

A insatisfação da chancelaria chinesa com o governo Bolsonaro já havia sido transmitida ao Ministério da Saúde muito antes desse episódio. O objeto do ruído inicial foi o fornecimento de imunoglobulina, substância fundamental para o tratamento de pacientes com deficiência no sistema imunológico. O problema se deu porque autoridades sanitárias estavam pretendendo barrar a exportação desse produto para o Brasil por uma empresa chinesa.

Segundo relato de uma autoridade que esteve no epicentro da crise, o governo começou a enfrentar problemas com seu único fornecedor de imunoglobulina, uma empresa nacional, justamente no momento em que o Ministério da Saúde já começava a tentar se preparar para a chegada e para o avanço da covid-19 no Brasil.

Em seus contatos com os principais infectologistas do país, autoridades do Executivo passaram a receber pedidos para que se aumentassem os estoques de imunoglobulina. Afinal, além da previsão de usá-la no combate aos danos provocados pelo coronavírus, a imunoglobulina também precisaria estar sempre à mão para o tratamento de pacientes que desenvolvessem a síndrome de Guillain-Barré por causa da chikungunya.

Os estoques de imunoglobulina já estavam baixos, o mosquito Aedes Aegypti não oferece trégua e o coronavírus a cada dia se tornava uma ameaça maior. Não bastasse, a empresa vencedora da licitação para a venda de imunoglobulina informou o Ministério da Saúde que não conseguiria mais entregar o produto ao preço habilitado na concorrência.

Como não poderia ser diferente, os órgãos de controle proibiram o governo de pagar mais do que o preço previsto no contrato. A reposição dos estoques passou a ser feita a conta gotas e, depois de ver seu fornecedor inabilitado, o Ministério da Saúde começou então um esforço para encontrar alternativas.

“Faz-se licitação e deu vazia ou ganha um cara que não tinha capacidade de entregar o quanto o Brasil queria. O único que conseguia quantidade não queria colocar preço”, relatou uma autoridade, lembrando que há poucos fabricantes desse hemoderivado no mundo.

Foi feita, então, uma provocação formal pedindo a realização de uma compra internacional à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que não comenta oficialmente o caso e o trata como um assunto sigiloso.

Diante do fato de que algumas dessas empresas estrangeiras não têm registro no Brasil, foi exigido ao governo que as companhias participantes da concorrência internacional possuíssem uma certificação específica. E foi aí que o primeiro embate entre os dois países ocorreu: uma empresa chinesa venceu, mas as autoridades sanitárias tentaram impedir a compra alegando que a procedência do material seria duvidosa.

Esse posicionamento enfureceu a chancelaria chinesa. “A embaixada chinesa reclamou. Disse que o necessário era ter a certificação e ela tinha. Virou um impasse”, contou a fonte, recordando que, enquanto isso, os estoques continuavam a ser consumidos. Integrantes do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União foram acionados pelo Executivo para que o impasse pudesse ser resolvido e a compra, liberada.

A área da saúde ainda não é um tema central na agenda sino-brasileira, mas ambos os lados têm a ganhar se houver uma evolução nesse status, mesmo que ela se torne objeto da disputa comercial entre a China e os Estados Unidos.

Nos últimos meses, o governo Bolsonaro se indispôs com aliados históricos europeus ou sul-americanos. Muitas vezes reproduziu ao Sul do Equador a retórica agressiva do presidente americano, Donald Trump. Mas, diferentemente de Trump, Bolsonaro ainda não está formalmente disputando a reeleição. Precisa ter como prioridade governar e, sempre que tiver dúvidas, recordar do slogan que levou o aliado ao poder: a América virá primeiro.

Os doentes brasileiros e seus familiares seguramente agradecerão se tiverem acesso a respiradores ou outros produtos de saúde “made in China”, feitos por empresas americanas ou de qualquer outro país, desde que esses fabricantes respeitem os padrões internacionais do setor.

A pandemia impõe um novo comportamento ao brasileiro, que está isolamento para tentar conter o avanço do vírus. Fronteiras foram fechadas. A exportação de produtos considerados essenciais foi proibida, num movimento pontual correto para garantir o abastecimento nacional. Mas isso não deve ser usado como subterfúgio por quem pretende, no futuro, continuar adiando a abertura da economia. O Brasil não poderá ficar eternamente em quarentena.


El País: Em cadeia de TV, Bolsonaro minimiza coronavírus para insuflar base radical

Presidente faz se lança contra a ciência e o próprio Ministério da Saúde ao criticar fechamento de escolas e desencorajar quarentena. Presidente do Senado diz que nação espera “seriedade” de seu líder

Felipe Betim, do El País

Jair Bolsonaro apelou à mentira e à tergiversação em um novo pronunciamento, em cadeia obrigatória de rádio e TV, sobre a pandemia do coronavírus. Com um discurso feito sob medida para mobilizar seus seguidores mais radicais, o mandatário voltou a minimizar nesta terça-feira os riscos da doença, que já matou mais de 17.000 pessoas pelo mundo e 46 no Brasil, a se lançar contra a mídia, prefeitos e governadores. E contra as próprias evidências científicas.

“O vírus chegou, está sendo enfrentado por nós, e brevemente passará”, garantiu o mandatário de extrema direita, contra todas as previsões dos especialistas e do Ministério da Saúde que comanda. Depois, afirmou que “a vida deve continuar”, que “os empregos devem ser mantidos”, assim como os sustentos das famílias. “Devemos, sim, voltar à normalidade. Algumas poucas autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, a proibição de transportes, o fechamento do comércio e o confinamento em massa”, insistiu ele, indo em direção contrária ao que dizem as recomendações da Organização Mundial da Saúde e a todas as medidas de emergência adotadas em outros países. Com a ênfase na economia, Bolsonaro emula seu aliado Donald Trump, que propõe também afrouxar as restrições nos EUA ―e, mesmo assim, só depois da Páscoa.

A primeira reação ao pronunciamento foi do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM)―que foi contagiado pela Covid-19. Em nota, ele afirmou que o país espera uma liderança “séria, responsável e comprometida com a saúde e a vida da população”. Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), se limitou a dizer no Twitter que “o pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública”. Também afirmou que “o momento exige que o governo federal reconheça o esforço de todos ―governadores, prefeitos e profissionais de saúde― e adote medidas objetivas de apoio emergencial para conter o vírus e aos empresários e empregados prejudicados pelo isolamento social”.

Alguns governadores também se posicionaram pelo Twitter, como o petista Rui Costa, que comanda o Estado da Bahia: “Não é gripezinha. Vou continuar trabalhando em defesa da vida. Olhar nos olhos das pessoas e dizer: estamos numa guerra. ACORDA. Temos que vencê-la. Chega de discurso vazio e delírios”. No Twitter, as hashtag #ForaBolsonaro e #BolsonaroGenocida apareciam na noite desta terça como os dois assuntos mais comentados da rede social em todo o mundo.

Rodrigo Maia

@RodrigoMaia

Desde o início desta crise venho pedindo sensatez, equilíbrio e união. O pronunciamento do presidente foi equivocado ao atacar a imprensa, os governadores e especialistas em saúde pública.

24,4 mil pessoas estão falando sobre isso

Bolsonaro insistiu na estratégia de forjar inimigos e oscilar de maneira errática, confundindo interlocutores. Na mesma semana em que diz ter mantido reuniões produtivas com governadores, aos quais passou a atender parte das demandas por liberação de recursos e suspensão de pagamentos de dívida, ele voltou ao ataque. O presidente voltou a insistir que o vírus ameaça principalmente aqueles com mais de 60 anos e outros problemas de saúde ―apesar de que há casos graves entre os mais jovens e saudáveis, além do poder de contagiar a população rapidamente e colapsar os sistemas de saúde. “Então, por que fechar escolas?", questionou, para em seguida tentar mais uma vez espantar os rumores de que foi infectado.

Ele também aproveitou a ocasião para fazer uma provocação ao médico Drauzio Varella. “No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus, não precisaria me preocupar. Nada sentiria, ou seria quando muito acometido por uma gripezinha. Ou um resfriadinho, como diz aquele famoso médico.” Perfis no Twitter e no WhatsApp ligados ao bolsonarismo usaram a estratégia de distribuir um vídeo de Varella —de janeiro― para afirmar que o médico desencoraja as precauções.

O Brasil registrou até o momento 2.201 casos e 46 mortes pelo coronavírus, alguns deles com menos de 40 anos. Como só os pacientes com sintomas graves vem passando pelo teste, o próprio Ministério da Saúde afirmou nesta terça que para cada 100 pacientes infectados, apenas 14 são identificados. Além disso, os médicos afirmam que medidas que promovam o distanciamento social é a solução mais eficaz a curto prazo para conter a velocidade de contágio da pandemia para não colapsar os sistemas de saúde. A limitação da circulação de pessoas vem sendo adotada não apenas pela China, mas também pela Itália, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e mais recentemente até na Índia, entre outros países. Bolsonaro, contudo, diz confiar em um possível tratamento com a hidroxicloroquina que cientistas dos Estados Unidos e do hospital Albert Einstein vêm promovendo. Os estudos não são conclusivos, mas a mera possibilidade desatou uma busca desenfreada pelo medicamento —usado no tratamento da artrite, lúpus eritematoso, doenças fotossensíveis e malária. A própria ANVISA desencoraja seu uso para combater o coronavírus. “A automedicação pode representar um grave risco à sua saúde”, alertou a agência do Governo Federal em nota.

Informações sobre o coronavírus:

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O que fazer para se proteger? Perguntas e respostas sobre o coronavírus;

Guia para viver com uma pessoa infectada pelo coronavírus;


Luiz Felipe D’Ávila: A guerra das narrativas

Sem união cívica não venceremos a batalha contra obscurantismo, ignorância e populismo

Bolsonaro criou uma persona política baseada numa narrativa simples e eficaz. Ele é o cara do povo que tem coragem de falar as coisas como elas devem ser ditas. Não compactua com a classe política e seus interesses corporativistas e tampouco com a imprensa, ambas jogam contra o interesse do País. Foi eleito pelo povo para acabar com o petismo e a esquerda nefasta, que destruíram o Brasil por meio da corrupção desenfreada e do aparelhamento do Estado. Seu plano para tirar o Brasil desse lamaçal consiste em liderar uma cruzada contra os políticos, as instituições, a esquerda e a mídia. A salvação do País está em Deus, nas Forças Armadas e no governo Bolsonaro. Essa foi a narrativa vitoriosa nas urnas que elegeu Bolsonaro presidente da República.

E qual a narrativa que a oposição oferece para servir de contraponto ao discurso do presidente? Trata-se de uma página em branco. Os opositores do governo tentam camuflar a falta de narrativa com pinceladas de indignação. Criticam as grosserias do presidente e seu desrespeito às leis e instituições, denunciam suas atitudes irresponsáveis e seu comportamento antipresidencial, que reflete seu menosprezo pela democracia.

A oposição carece de uma visão de nação capaz de unir os brasileiros em torno de valores e de um propósito comum. Ela padece de projetos e de propostas que congreguem políticos e partidos em torno de uma pauta mínima que os estimule a dialogar e buscar o entendimento em torno de um plano de ação para defender a democracia. Além de não ter narrativa, visão, propostas e propósito claros, a oposição não possui liderança. Murmurinhos de governadores, beicinhos da elite desiludida com Bolsonaro, reclamações corriqueiras sobre o lento andamento das reformas não ganham eleições.

É inacreditável a passividade cívica dos defensores da democracia. Refugiam-se nas pequenas discussões partidárias, apequenam-se nos projetos pessoais de poder, encastelam-se em seminários que falam para convertidos e permanecem na trincheira dos seus negócios para defender seus interesses particulares. Entre queixas e soluços de indignação propostos pela oposição e a narrativa do descontentamento com a política, com a corrupção e com a esquerda oferecida por Bolsonaro (que representa o sentimento de uma parcela da população que se sente ignorada pelos governos e partidos), o presidente conquistará os votos para continuar no Palácio do Planalto em 2022.

Para salvar a democracia brasileira das garras do populismo autoritário, a oposição tem de acordar e agir. Uma narrativa precisa ter enredo, personagens e uma moral da história capaz de cativar as pessoas e mobilizá-las em torno de valores que elas prezam. A defesa da democracia foi o tema que cativou os brasileiros em 1984. Naquele ano, os opositores do regime militar uniram-se em torno de um movimento nacional para pressionar o governo do presidente Figueiredo a aprovar a emenda constitucional do deputado Dante de Oliveira que instituía eleições diretas para presidente da República. Assim nasceram as Diretas-Já, o maior movimento cívico da História do País. Milhões de pessoas foram às ruas em todo o Brasil exigindo eleições diretas para presidente da República. Nos comícios havia políticos de diversos partidos, grandes lideranças políticas, como Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, líderes sindicais, como Lula, artistas, intelectuais e estudantes. A emenda Dante de Oliveira foi derrotada, mas abriu-se o caminho para a eleição indireta do presidente Tancredo Neves, em 1985, e a volta da democracia.

Em 1994, o povo uniu-se em torno do combate à inflação. Após mais de 20 anos de retumbantes fracassos de governos que apelaram para medidas autoritárias a fim de debelar a inflação - como confiscos da poupança, criação de novas moedas e arrochos salariais -, o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, implementou o Plano Real, um projeto para acabar com a inflação respeitando as regras do sistema democrático. Fernando Henrique derrotou Lula no primeiro turno das eleições presidenciais pelo fato de representar a personificação do líder democrata capaz de sepultar a inflação e renovar a esperança dos brasileiros.

Precisamos urgentemente criar um “diretas-já” capaz de mobilizar a sociedade civil e unir políticos e partidos em torno da defesa da democracia e da liberdade individual. Um movimento cívico que mostre a nossa determinação de converter pobreza em riqueza, desalento em igualdade de oportunidades. Uma iniciativa capaz de enfrentar a desigualdade social e crises como a do coronavírus. Isso significa endereçar os reais problemas que afligem as pessoas que temem perder seus familiares, amigos, empregos e negócios num país governado por um presidente que busca bodes expiatórios, em vez de soluções para atenuar o impacto da perda de vidas, do agravamento dos problemas sociais e do derretimento da atividade econômica. Sem essa união cívica seremos incapazes de vencer a batalha contra o obscurantismo, a ignorância e o populismo.

FUNDADOR DO CENTRO DE LIDERANÇA PÚBLICA (CLP), É AUTOR DO LIVRO ‘10 MANDAMENTOS - DO PAÍS QUE SOMOS PARA O BRASIL QUE QUEREMOS’


Vera Magalhães: Convite ao genocídio

Trump e Bolsonaro flertam com a irresponsabilidade ao, de novo, relativizar pandemia

Quando parecia que os líderes das principais nações do mundo estavam convergindo para compreender a gravidade e o ineditismo da crise decorrente da pandemia de covid-19 e para adotar medidas restritivas à atividade econômica e à circulação de pessoas para tentar conter a velocidade da expansão do contágio, a semana iniciou sob o signo do risco de grave retrocesso.

Nos Estados Unidoscandidato a novo epicentro da pandemia graças à velocidade com que os casos de infecção pelo novo coronavírus crescemDonald Trump recuou da postura mais comedida que vinha adotando nos últimos dias para dizer que quer o país “reaberto” na Páscoa.

Essa declaração contraria todas as projeções de epidemiologistas, que acreditam que o pico da doença ainda não chegou aos EUA. A volta de Trump ao negacionismo tem uma razão evidente: a aproximação das eleições. Sua candidatura foi atingida em cheio pela constatação, literalmente na pele das pessoas, de que o sistema de saúde americano não é funcional e, num momento de calamidade pública, pune até com a morte aqueles que não têm recursos para bancar exames e internações.

A pandemia colocou em pauta, mais do que antes, as propostas do Partido Democrata para a reforma do sistema.

O problema é que os humores do presidente norte-americano sempre influenciam diretamente os de seu admirador brasileiro. E não demorou.

Jair Bolsonaro, que tinha levado um susto com o combo comitiva majoritariamente enferma, repúdio à sua ida ao Coronapallooza, panelaços em doses diárias, pesquisas mostrando um derretimento de sua popularidade e protagonismo dos governadores no combate ao coronavírus, voltou a zombar do risco em cadeia nacional de rádio e TV.

Não que ele tivesse se convencido da gravidade do que ainda estamos prestes a viver em algum momento: toda sua tentativa de soar colaborativo com governadores ou compassivo soava forçada, do discurso recitado à expressão corporal incomodada.

O “vamos abrir na Páscoa” de Trump foi um convite ao relaxamento de Bolsonaro. Em rede nacional, o presidente foi cínico. Encontrou espaço para invadir o confinamento de milhões de brasileiros aflitos para dizer que seu passado atlético faria com que, mesmo que contraísse covid-19, para ele seria uma “gripezinha” ou “resfriadinho”.

Além de zombaria com milhares de doentes e dezenas de mortos, essa postura é uma tentativa patética de vacina: o Hospital das Forças Armadas se recusa a fornecer os testes de dois integrantes da comitiva bolsonarista aos EUA. Ao mesmo tempo o governo tenta restringir a Lei de Acesso à Informação Pública com um pretexto justamente neste momento. Coincidência?

O presidente encontrou energia para, no momento em que se espera que seja adulto, responsável e lidere o País, brincar com a Rede Globo e ironizar um médico do quilate de Drauzio Varella, que tem uma vida dedicada à saúde pública e aos mais vulneráveis.

Trump não é o único estímulo a que Bolsonaro volte a calçar o Rider da irresponsabilidade. O presidente é suscetível às redes sociais, e ali o que não falta é idiota clamando que existe “histeria” da mídia com uma pandemia cuja letalidade ainda não é conhecida.

Mais: alguns empresários boçais desdenharam da pandemia nos últimos dias ao dizer que um número “x” de mortes não era pior que um número “y” de falências ou empregos perdidos.

Não se pode mercadejar com a vida. Isso é uma verdade absoluta para qualquer país, todas as religiões e indistintas ideologias. É o que nos separa da barbárie. Transigir com mortes em nome de uma incerta retomada econômica é nos privar, além de tudo de que já abrimos mão em nome da solidariedade, daquilo que nos é inalienável e não entra em quarentena nunca: nossa humanidade.


Coronavírus e naufrágio de Bolsonaro são destaques da revista Política Democrática

Nova edição da publicação da FAP detalha reflexos da pandemia em meio a projeções temerárias do presidente do Brasil

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A mudança de hábitos provocada pela pandemia do coronavírus, a adolescência política incapaz de oferecer riscos à democracia no Brasil, o pibinho da nova política econômica de Paulo Guedes e a situação desoladora de refugiados no país são os destaques da nova edição da revista Política Democrática Online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), em Brasília, podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade, a partir desta terça-feira (24).

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O público pode conferir, na revista Política Democrática Online, a análise sobre o impacto do coronavírus nos hábitos das pessoas. “Não são poucos os desafios, mesmo depois que essa praga deixar de ceifar vidas. A grande questão que se impõe é: o que queremos ser, ilhas preocupadas com nossa sobrevivência exclusiva, ou seres humanos que aprendemos a lição de que, na prática da solidariedade, do compartilhamento, da generosidade, estaremos construindo um mundo melhor?”, questiona uma articulista.

Em análise sobre o governo Bolsonaro, o diretor executivo da FAP e professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Alberto Aggio, afirma que, após a divulgação do raquítico PIB de 2019 (1,1%), as expectativas de crescimento se esvaneceram. “O conjunto da economia naufraga, o dólar dispara, os investidores somem, e a perturbadora crise do petróleo dá as caras”, diz. “Esse cenário preocupante se agrava ainda mais com a chegada ao país do novo coronavírus, cujo foco original afetou drasticamente a produção da ‘oficina do mundo’, nosso principal parceiro comercial”.

Além disso, em entrevista exclusiva, a juíza aposentada e ex-deputada federal Denise Frossard afirma que o Brasil ainda vive uma adolescência jurídica, política e histórica e, por isso mesmo, instável, mas que não oferece riscos à democracia. “O Brasil precisa entender que, na construção das leis, o legislador tem de ser mais explícito, mais específico. Estamos em um ótimo momento para atuar, em meio à reconstrução do sistema político e do sistema tributário, depois de já termos iniciado o processo de reforma da previdência”, afirma ela.

No editorial, a revista reforça o seu posicionamento, de forma intransigente, em defesa dos ideais democráticos e republicanos. “O norte da atuação política das forças democráticas deve ser apenas um: unidade em torno da defesa do estado democrático de direito. Nenhuma afronta à democracia, mesmo que apenas no plano da opinião, pode ser tolerada”, diz um trecho.

A revista Política Democrática Online também oferece ao público uma reportagem investigativa sobre a situação de refugiados no Brasil. Os enviados especiais a Minas Gerais, um dos Estados que mais concentram pessoas oriundas de outros países, mostram que a desvalorização de mão de obra dificulta sobrevivência de haitianos no Brasil, já que, na guerra ela sobrevivência, eles devem competir com quase 12 milhões de brasileiros desempregados. O país aumenta número de refugiados e diminui autorizações para familiares

A nova edição da revista também tem análises sobre outros assuntos de interesse público, atuais e relevantes, como economia e cultura, com a colaboração de especialistas, pesquisadores e profissionais de referência no mercado.

Todos os conteúdos da publicação são divulgados no site e tem chamadas nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da revista é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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Igor Gielow: Fala de Bolsonaro sobre crise é monumento ao radicalismo irracional

Presidente mistura agressão política e medicina de WhatsApp em hora de crise aguda

Uma característica acompanha Jair Bolsonaro desde que ele era visto como um delírio de meia dúzia de apoiadores, antes da campanha eleitoral de 2018: a mentalidade de cerco, de bunker.

O agora presidente sempre pautou seu processo decisório, caótico, pela necessidade de criar uma rede de proteção baseada na existência do proverbial inimigo aos portões. Ora era o "sistema", ora era a mídia, ora eram os outros Poderes.

Uma vez chefe do Executivo, provou-se por diversas vezes incapaz de assumir responsabilidades em momentos de crise, transferindo-as para esse Grande Outro hostil. Cambaleou até aqui, ainda mantendo respeitável apoio de um terço do eleitorado.

O pronunciamento da noite desta terça (24), no qual apareceu quase sorridente ao anunciar um futuro radiante de vitória da "nação brasileira" sobre versão local da pandemia do novo coronavírus, coroa esse movimento com uma dose extra de radicalismo quase insana —como se isso fosse possível. É um monumento ao pior que o bolsonarismo representa.

Após passar uma semana acuado pela reação à sua irresponsabilidade sanitária do dia 15, quando desceu para a galera que alegremente pedia o fechamento do Congresso e do Supremo do outro lado da praça dos Três Poderes, Bolsonaro parecia estar se controlando.

Por influência da ala militar do governo, pela enésima vez chamada a tentar colocar ordem no playground do Planalto, o presidente reduziu o grau de ataques a governadores e evitou a puerilidade ao tratar do coronavírus, que já matou 46 cidadãos governados por ele e vai matar muitos outros.

Uma coisa é discutir a racionalidade e o tempo certo de aplicação de medidas restritivas, como está sendo feito de forma escalonada em São Paulo, motor da economia nacional. É preocupação lícita. Outra coisa é brincar com o tema e falar estultices científicas acerca do efeito do vírus sobre crianças.

Ora, os pequenos podem se contaminar. Elas apenas morrem bem menos e, óbvio, são vetores do patógeno. O presidente usou rede nacional para emular um raciocínio primo daquele segundo o qual "tudo bem, só os muito velhos morrerão".

Bolsonaro teve a pachorra de aplicar uma lição de medicina de WhatsApp, ao dizer que se, se teve contato com o vírus, nada lhe ocorreu devido ao seu "histórico de atleta". Se desenvolvesse a Covid-19, seria novamente "uma gripezinha, um resfriadozinho".

É inacreditável que, neste momento, o presidente use o púlpito eletrônico que lhe é facultado para renovar os ataques à imprensa, aos governadores, e aos ditos alarmistas. Refazer a narrativa, dizendo que estava preocupado desde o começo, mas "sem histeria", vá lá, é do jogo. Não sei se engana mais alguém.

O som ensurdecedor de panelas e buzinas Brasil afora se fez presente novamente, especialmente em nichos bolsonaristas clássicos, mostrando que a infiltração na imagem presidencial sugerida por pesquisa do Datafolha tem uma avenida a percorrer.

O mundo parece hoje estar se dividindo entre duas classes de pessoas que ocupam lugares que já foram de líderes.

De um lado, os apocalípticos, amparados no fato de que as quarentenas são a única forma conhecida de reduzir a expansão do contágio —embora não haja certeza do que acontecerá uma vez que elas são levantadas; saberemos em breve em Wuhan.

Do outro, os integrados, para ficar na figura do ensaísta Umberto Eco. Esses são liderados por Donald Trump, que quer ver seus EUA "back to business" na Páscoa, Bolsonaro e o pânico de que uma recessão destrua seus planos de reeleição, e mesmo esquerdistas como o mexicano López Obrador e seu apego a abraços. Populismo não tem coloração ideológica.

No meio, como em todo o debate acerca da polarização mundo afora, a população e alguns governantes que ainda buscam agir racionalmente enquanto a ciência tenta entender melhor a natureza desse novo inimigo.

Por tantas incertezas, não é impossível que o vírus entre mais ou menos rapidamente no rol de riscos aos quais aceitamos nos submeter todo dia em que saímos de casa. Se isso for rápido, excelente, ainda que o preço a pagar seja ver Bolsonaro esbravejar com olhar maníaco uma vitória que nunca lhe pertenceu.

Se não for, a conta do impacto da epidemia lhe será debitada por uma população crescentemente insatisfeita. Na realidade, ela parece que já o está sendo de qualquer forma. A aposta de Bolsonaro é saltar no escuro, novamente, apoiado no irracionalismo político e pessoal.

*Igor Gielow é repórter especial, foi diretor da Sucursal de Brasília da Folha. É autor de “Ariana”.


Luiz Carlos Azedo: Reflexões sobre a epidemia

“Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica”

Quando as ideias liberais clássicas de Adam Smith pareciam consagradas no Ocidente, em meio à corrida mundial para reinventar o Estado, a epidemia de coronavírus virou tudo de pernas para o ar. O revisionismo reformista de Lord John Maynard Keynes parece renascer das cinzas, com sua Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro. Para conter a epidemia, o mundo está mergulhando numa recessão geral, fruto da globalização tanto quanto a propagação do novo coronavírus, que começou na China, tomou de assalto a Europa, se instala nos Estados Unidos e se expande na periferia, na qual países como a Índia e o Brasil se preparam para a uma tragédia anunciada.

Para o keynesianismo, os níveis de consumo, de investimentos público e privados e aplicações dos cidadãos são determinantes da política econômica. Quando eles se retraem, a crise vem a galope. A velha fórmula de Keynes para enfrentar essa situação está sendo exumada por ninguém menos do que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que pretende injetar mais de US$ 1 trilhão na economia norte-americana para aliviar o sufoco gerado pela paralisação da economia. A Casa Branca foi o centro da resistência à política de distanciamento social preconizada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), mas capitulou, diante da tomada de Nova York pela epidemia. Da cidade mais rica do mundo, a epidemia se espalha por todos os estados da União.

Como na Grande Depressão de 1929, só o Estado pode conter o atual desequilíbrio da economia. Aquela crise teve outras causas: foi consequência da grande expansão de crédito por meio de oferta monetária (emissão de dinheiro e títulos), que precisou ser freada. O governo parou, começou a enxugar o mercado e a operar uma política de restrição de empréstimos. Temendo a desvalorização da moeda, muitas pessoas e empresas retiraram suas reservas dos bancos, dando início a um processo de recessão.

A solução para esse problema seria controlar a recessão, permitindo a liberdade de preços e salários, até que o mercado se adequasse à nova situação. No entanto, ao contrário disso, o governo passou a exercer arrochado controle sobre os preços e os salários, além de promover aumento de impostos. Isso agravou a recessão e, em cinco dias, a Bolsa quebrou, levando à falência empresas e bancos e, ao desemprego, 12 milhões de pessoas nos Estados Unidos, uma recessão que se alastrou por todo o mundo.

A fórmula de Keynes era os governos aplicarem grandes remessas de capital na realização de investimentos que aquecessem a economia de modo geral, além de linhas de crédito a baixo custo para garantir a realização de investimentos do setor privado e a elevação dos níveis de emprego. Mas isso era uma ofensa ao “livre mercado”. Coube ao presidente Franklin Delano Roosevelt, um homem paraplégico por causa da poliomielite, enfrentar a recessão.

Governador de Nova York desde 1928, disputou e ganhou a Presidência dos Estados Unidos em 1932, prometendo um novo e ousado plano de ação para resgatar a nação dos efeitos da grande depressão. Convenceu os americanos de que não havia mais nada a temer. Empossado em março de 1933, em apenas 100 dias, Roosevelt conseguiu aprovar no Congresso seu plano baseado nas ideias keynesianas. O New Deal (Nova Ordem) garantiu US$ 3,3 bilhões para investir na criação de empregos e na recuperação industrial. Nascia o Estado de bem-estar social.

Errático
Roosevelt propôs programas inovadores, que geraram milhões de empregos, e criou a Lei de Seguridade Social, um plano de aposentadoria com abrangência nacional, a grande herança de seu governo. Reeleito três vezes (1936, 1940 e 1944), morreu pouco antes do fim da II Guerra Mundial, na qual foi um dos Três Grandes, ao lado de Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, e Youssef Stálin, o líder da antiga União Soviética, que comandaram as forças aliadas contra o nazifascismo.

Aqui no Brasil, diante da epidemia de coronavírus, a política econômica ultraliberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em colapso. Tornou-se insustentável diante da redução da atividade econômica. Na verdade, seus resultados já eram pífios antes da epidemia.. Economistas como Armínio Fraga, Monica de Bolle e André Lara Rezende já vinham questionando o ministro. O mercado já está com saudades do ex-ministro Henrique Meirelles, hoje secretário da Fazenda de São Paulo.

É esse debate que está por trás do embate entre o presidente Jair Bolsonaro e os governadores em relação às medidas de quarentena adotadas nos estados e municípios. Na cabeça do presidente, não existe guerra sem defuntos: as taxas de letalidade da epidemia são baixas demais para justificar uma recessão econômica. O remédio é deixar morrer. Ontem, foi à tevê, em cadeia nacional, para atacar a imprensa, os governadores e os prefeitos e criticar as medidas de distanciamento social adotadas para conter a epidemia, que continua chamando de gripezinha. Quando parecia ter entrado em entendimento com os demais governantes, recrudesceu. Temos um presidente errático em relação à crise que o país enfrenta.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reflexoes-sobre-a-epidemia/


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