Day: março 19, 2020

Ribamar Oliveira: Não há como salvar o crescimento deste ano

Autoridade da área econômica diz que quem espera PIB zero para este ano está otimista

Não existem políticas monetária e fiscal que salvem o crescimento da economia neste ano, segundo disse ao Valor uma importante fonte da área econômica. “Quem está falando em crescimento zero do PIB [Produto Interno Bruto] em 2020 está sendo otimista”, acrescentou. O entendimento predominante no comando do Ministério da Economia é que medidas fiscais e monetárias serão adotadas para preservar vidas e empresas, principalmente, e para evitar que a crise se prolongue por tempo excessivo.

Esta fonte lembrou que, há 15 dias, o mercado ainda acreditava que era possível o Brasil crescer 1,7% neste ano. “Hoje, vários analistas estão projetando recessão”, disse. A mudança de cenário está ocorrendo muito rapidamente, o que mostra que os efeitos da crise do novo coronavírus na economia estão se disseminando em velocidade exponencial, da mesma forma que a contaminação das pessoas, apesar das medidas de política monetária que o Banco Central vem adotando.

Qual será o custo para os cofres públicos das medidas fiscais que serão adotadas pelo governo? Ninguém sabe. Tudo dependerá das ações adotadas para dar sustentabilidade ao combalido sistema de saúde do país, garantir uma renda mínima aos trabalhadores que serão diretamente atingidos pela desaceleração da economia e estímulos fiscais que permitam às empresas, não apenas as pequenas, manterem seus negócios, evitando uma recessão ainda mais profunda. Tudo isso representará custos adicionais aos cofres públicos.

Também não é possível projetar o resultado fiscal deste ano. Tudo vai depender do montante da despesa adicional e da redução das receitas, em decorrência da desaceleração da economia. Neste momento, os técnicos do Ministério da Economia estão fazendo projeções com vários cenários para o crescimento do PIB, para os juros, a inflação e o preço do petróleo. Em uma estimativa preliminar, que não considera a recessão e a não aprovação do projeto que permitirá a privatização da Eletrobras, a receita da União vai cair pelo menos R$ 70 bilhões em relação ao que está projetado no Orçamento deste ano.

Há ao menos duas certezas neste momento. As medidas que serão adotadas para minorar os efeitos causados pela epidemia do coronavírus vão aumentar substancialmente o déficit primário deste ano e também a dívida pública bruta, pois as despesas adicionais serão feitas com aumento do endividamento. Qual será a nova estimativa para o déficit público neste ano? Ninguém sabe. Poderá superar R$ 250 bilhões, dependendo das medidas que o governo será obrigado a adotar para salvar vidas e empresas. “O resultado primário das contas públicas passou a ser secundário”, disse ao Valor uma importante fonte da área econômica.

Há um custo adicional para o Tesouro a ser considerado, pois, da mesma forma como ocorreu durante a crise financeira internacional de 2008, o governo federal terá, necessariamente, de ajudar financeiramente os governos estaduais e as prefeituras. Os Estados e municípios também terão forte queda de receita em virtude do desaquecimento da economia. Como os brasileiros moram nos municípios, é lá em que os maiores problemas sanitários irão ocorrer e a ajuda federal será indispensável, mesmo porque, ao contrário da União, governadores e prefeitos têm limites rígidos de endividamento.

A fim de abrir espaço para fazer os gastos necessários ao combate do novo coronavírus, a ideia inicial do Ministério da Economia era simplesmente aumentar a meta de déficit primário deste ano, que está atualmente fixado em R$ 124 bilhões. Isso seria feito com o envio de uma proposta ao Congresso Nacional, alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

No dia 22 de março, o governo terá que divulgar o relatório de avaliação de receitas e despesas da União. Neste momento, a equipe econômica mostraria o tamanho do rombo nas contas e o montante do contingenciamento das dotações orçamentárias que deveria ser feito. Nesta estratégia, o governo anunciaria os cortes. Depois que a mudança da LDO fosse aprovada pelo Congresso, o que poderia ocorrer em duas semanas, o governo anunciaria um descontingenciamento das dotações.

O problema desta estratégia, que foi discutida na reunião da Junta Orçamentária realizada no Palácio do Planalto na terça-feira, é que o cenário da economia está muito volátil e ninguém sabe onde vai parar. Não é possível para a equipe econômica também dimensionar o valor das despesas adicionais que o Tesouro terá que bancar durante a crise do novo coronavírus. Assim, havia o risco, ao adotar essa linha de atuação, de definir uma nova meta de déficit que poderia ser superada meses depois, forçando o governo a pedir nova mudança de meta ao Congresso, com grande desgaste político.

A opção foi por acionar o artigo 65 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como o Valor tinha antecipado no dia anterior. Este artigo da LRF permite que o governo decrete situação de calamidade pública e, com isso, deixe de cumprir a meta fiscal do ano, entre outras vantagens. Também são dispensadas licitações ou concorrência pública para compras e obras emergenciais. A calamidade, no entanto, precisa ser reconhecida pelo Congresso.

Na situação de calamidade, o governo deverá adotar um receituário parecido com aquele utilizado pelo governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na crise financeira internacional de 2008. Ou seja, será necessário garantir liquidez às empresas, fazer desonerações que reduzam custos de produção e conceder estímulos fiscais, além de programas de ajuda financeira às pessoas. “Mas o essencial é não fazer igual ao que o PT fez”, advertiu um integrante do governo. “O PT tornou permanente medidas que deveriam ser apenas emergenciais”, explicou. E esta teria sido uma das principais causas da crise que resultou na maior recessão da história do país.

A maior preocupação da atual equipe econômica é justamente esta, não passar a ideia ao mercado que está adotando uma política semelhante àquela que teria levado o país à bancarrota. “A partir do próximo ano, quando a crise do coronavírus passar, teremos que ter uma trajetória de redução do déficit e de reequilíbrio das contas públicas”, previu a fonte. A estratégia, portanto, é evitar aumento de despesa obrigatória permanente, pois, do contrário, não será possível manter o teto de gastos quando a crise do novo coronavírus for superada.


Luiz Carlos Azedo: Mensagens das máscaras

“Não há a menor possibilidade de conter a epidemia sem a adoção de duras medidas de distanciamento social, isolando as pessoas doentes e confinando quem não está”

A cena foi armada para sinalizar que o presidente Jair Bolsonaro é o timoneiro da luta contra o coronavírus e que todo o governo está mobilizado nessa tarefa, na qual o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, ocupava a linha de frente no combate à epidemia. Bolsonaro enfatizou as medidas econômicas que o governo adotou, defendeu-se das críticas da imprensa e não fez nenhum apelo no sentido de a população aderir à política de distanciamento social, à qual continua fazendo restrições. O uso das máscaras cirúrgicas por todos os ministros presentes, inclusive o da Saúde, serviu apenas para as fotografias; foram usadas de forma cenográfica, porém, manuseadas de forma inadequada, acabaram sendo objeto de críticas dos especialistas da saúde e motivo de “memes” nas redes sociais.

Na coletiva, Bolsonaro anunciou que dois ministros estão com coronavírus, o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), e o ministro de Minas e Energia, almirante Bento Albuquerque. Mais tarde, Bolsonaro deu outra coletiva, desta vez em companhia do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e outras autoridades do Judiciário. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que também deveria estar presente, não pôde comparecer: é o primeiro chefe de poder fora de combate por causa do coronavírus. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), não foi porque comandava a sessão da Casa que aprovou o “estado de calamidade pública”.

A primeira mensagem das máscaras é de que caiu a ficha para o presidente Jair Bolsonaro de que deve liderar o combate ao coronavírus; a segunda, revela que ele ainda não tem a plena dimensão da gravidade da situação. Ontem, São Paulo registrou quatro mortos em razão do coronavírus, de uma epidemia cujo marco zero é a sexta-feira da semana passada. Trata-se do estado mais populoso do país, com o maior nível de renda e melhor estrutura de saúde pública, além dos melhores hospitais privados do país, nos quais ocorreram as mortes. A epidemia começou pelas camadas de maior poder aquisitivo, mesmo assim, já começa em alta velocidade. Até as 19h20 de ontem, havia 509 casos confirmados no Brasil, em 20 estados e no Distrito Federal. O crescimento é exponencial, o número de mortes também pode ser.

É aí que está o xis da questão. Não há a menor possibilidade de conter a epidemia sem a adoção de duras medidas de distanciamento social, isolando as pessoas doentes e confinando quem não está, para evitar contágio, com exceção apenas daqueles que precisam estar nas ruas para manter os serviços básicos funcionando. Não há como fazer isso sem paralisar a economia, que já está entrando em recessão. É aí que o governo adota medidas contraditórias, algumas preconizadas pelo próprio mercado, mas inócuas, cujo foiço é manter o mercado funcionando. Por exemplo, a redução dos juros anunciada ontem pelo Copom. É uma medida simpática, mas não terá nenhum efeito prático em termos de investimento, apenas repercutirá no câmbio, desvalorizando ainda mais o real. Quem investirá no Brasil com o dólar a R$ 5,20?

Mais pobres
As medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, para aumentar a proteção social às parcelas menos favorecidas da população, principalmente pequenos empreendedores e trabalhadores da economia informal, que parecem ser a grande preocupação do presidente Jair Bolsonaro, são insuficientes, um pouco na linha de quem dá uma das mãos, para favorecer as empresas, e tira com a outra, sacrificando os assalariados. Há uma semana, o governo demonizava o aumento do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário-mínimo, que era demonizado pela equipe econômica, atribuindo ao Congresso um rombo de R$ 20 bilhões na economia, quando na real o aumento de despesas pode ficar em torno de R$ 7 bilhões.

O que houve de fato? Com a derrubada do veto, um maior número de pessoas, em especial aquelas em situação de pobreza, passam a contar com mais possibilidade de acesso ao BPC, que beneficia idosos a partir de 65 anos e pessoas com deficiência física, mental, intelectual ou sensorial com garantia assistencial, quando a renda familiar per capita for inferior a R$ 522,50; antes, era de R$ 261,25. A mudança havia sido uma espécie de contrapartida da aprovação da reforma trabalhista.

Voltemos ao coronavírus. Há outras mensagens das máscaras. O governo começa a se mobilizar para enfrentar o desafio do coronavírus, que não faz distinção de classe, gênero, cor, renda e nível de escolaridade, quando nada porque a epidemia começou pelos altos escalões da Esplanada. Entretanto, ninguém tenha dúvida de que a população mais vulnerável é a de baixa renda. Há um enorme contingente da população que vive em péssimas condições de moradia e saneamento, nos morros e periferias, no qual o crescimento exponencial da doença será uma tragédia anunciada. Nesse sentido, a entrevista de Bolsonaro e de sua equipe não passou o recado que deveria, pois a preocupação do presidente não era orientar a população sobre a importância do “distanciamento social” e anunciar medidas efetivas para isso, mas se defender das críticas e conclamar seus partidários a fazer um panelaço a favor do governo na noite de ontem. Houve outro panelaço contra.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-mensagens-das-mascaras/


William Waack: O vírus pegou Bolsonaro

Espalhou-se como um vírus a noção de que o governo corre atrás dos fatos

O vírus atingiu o coração do governo. A expressão é literal, considerando a situação do general Augusto Heleno e do almirante Bento Albuquerque, mas seu sentido é político. Um caso clássico de como a realidade dos fatos se impõe de forma arrasadora a quem se recusa a enxergá-la.

Ou o faz – enxergar os fatos – sob uma perspectiva completamente equivocada. Foi o que aconteceu com Jair Bolsonaro e alguns de seus conselheiros mais próximos, especialmente os filhos. Presos à versão, estapafúrdia e maluca, como agora se vê, de que o coronavírus seria uma conspiração chinesa aqui utilizada por “elites políticas” para isolar e depor o presidente.

As forças políticas que entendem melhor a realidade (como o “Centrão”) ocuparam rapidamente o espaço que Bolsonaro vem deixando livre desde que assumiu a Presidência. Como já se disse aqui, o presidente acha que sua força vem da caneta que assina cheques e nomeações quando, na verdade, está na sua imensa capacidade de ditar a agenda política. À qual ele pouco se dedicou.

Pode-se até falar de um autoimposto isolamento diante de um “sistema” que, por um lado, de vez em quando, servia ao presidente e a cujas regras obedecia. Por outro, era pelo presidente mencionado como alvo a ser destruído – o mandato que ele afirma ter recebido das urnas.

O isolamento ganhou contornos nítidos e de claro perigo para a autoridade presidencial quando Judiciário e Legislativo, com a participação de órgãos de controle e investigação (TCU e PGR), montaram por dois dias um “gabinete paralelo de crise” que incluía, pelo Executivo, um competente ministro da Saúde cujo destaque causa no presidente ciúmes em vez de orgulho.

É essa perda de autoridade, mesmo entre grupos favoráveis ao presidente, que causou consternação entre alguns de seus ministros mais importantes, que duvidavam da tática determinada por Bolsonaro de ir às ruas para pressionar Congresso e STF. Há ministros militares preocupados com o que chamam de “belicosidade” do presidente. “Ele apanhou muito, quer revidar”, diz um deles, que dá expediente no Planalto, “e ninguém consegue segurar”.

O corrosivo processo se acentua diante de uma percepção generalizada de que o governo está correndo atrás dos fatos. Essa noção se intensificou por dois fatores: a reação inicial do presidente de minimizar a gravidade da doença (erro que Trump se apressou mais rapidamente a corrigir) e a intensidade e vigor com que as principais economias lançaram medidas para enfrentar uma previsível recessão, enquanto no Brasil a conversa inicial foi “aprovem as reformas e a gente segura o tranco”.

A crise do coronavírus apanha o Brasil num momento vulnerável. Se é verdade, como reitera Paulo Guedes, que o País estava decolando e foi surpreendido pela crise, também não se pode ignorar que a lição de casa em termos fiscais mal tinha começado a ser feita. O Brasil, como país emergente, será sempre julgado pela sua saúde fiscal, e a nossa não é boa de forma alguma. E vamos ter de enfiar a mão fundo nos cofres públicos já encrencados em todos os níveis.

As consequências para a economia consegue-se antever, e não são das mais róseas. As consequências do vírus para a política indicam que o inimigo impessoal, como o vírus, pode servir de justificativa até aceitável para resultados pobres num setor definidor de simpatias políticas, como o bem-estar econômico geral da população, mas é mais difícil de ser combatido no habitual esquema bolsonarista de “nós” contra “eles”.

Há paralelos entre a propagação de um vírus e a criação de um “momento” na política. Começa com pouca gente notando, mas, a partir de certo ponto, a propagação do vírus do descontentamento ou aberta antipatia com um governo e sua figura de proa foge ao controle. O coronavírus é uma ameaça grave para Jair Bolsonaro.