Day: fevereiro 21, 2020

Let's say you are composing an article about a guide you just read

Make particular it states what you believe the composition has concluded and a short overview of how you got there. You will find several kinds of essays and every one of them includes a particular format. It really is the most fundamental component of the article to tons of individuals Now, centered on exactly how many pages your essay should be, just pay attention to a area at one moment and supply some signs.Read more


Vinicius Torres Freire: Carnaval deve esfriar crise, mas março tem agenda de tumulto político

Bolsonaristas e servidores marcam protestos, Congresso está em fúria

O Carnaval tende a amainar a baderna política, em alta desde a virada do ano, graças em especial a Jair Bolsonaro e grande elenco do circo de ultrajes. Mas março tem águas para rolar. O que já está no calendário:

1) O Congresso vai voltar com a faca nos dentes cerrados. O xingamento do general-ministro Augusto Heleno, o desacordo sobre dinheiros do Orçamento e uma até agora inédita irritação com Paulo Guedes, entre tantos problemas, vão suscitar pelo menos uma rodada breve de parlamentarismo roxo. Mais projetos de Bolsonaro vão caducar; nada vai andar além do que os parlamentares julgarem essencial, a critério deles;

2) Os adeptos de Bolsonaro, incitados pelo áudio vazado em revolta de Heleno, convocaram manifestações para o dia 15, um domingo. Vão às ruas em defesa do presidente, que dizem estar ameaçado pelo “golpe branco” do “parlamentarismo branco”

3) Servidores federais dos três Poderes, das universidades federais e a UNE começam a convocar paralisações e protestos para o dia 18 de março. Discutem greves;

4) Dia 4 saem os números do crescimento da economia em 2019, os dados do IBGE para o PIB. A depender do resultado, pode haver motivos para agitar outros maus humores e campanhas contra o governo;

5) A repressão do motim da PM do Ceará pode afetar os ânimos das polícias em revolta em vários estados, para o bem ou para o mal, ainda não se sabe. Seja como for, note-se que há movimentos revoltosos na Paraíba, no Pará, em Minas, no Espírito Santo, na Bahia e mesmo na em geral pacífica Santa Catarina;

6) O governo terá enfim de tomar um rumo e mostrar o que pretende no Congresso neste ano. Caso não o faça, pode aumentar a ainda ligeira irritação da elite com o desarranjo reformista. Caso o faça, enfrentará as dificuldades de levar adiante qualquer projeto de mudanças duras, mas não demonstra até agora capacidade de enfrentá-las.

As manifestações de março podem ser um fiasco. Desde a eleição, as ruas perdem ímpeto. Mas, em um país farto de crise, ainda mais conturbado graças à contribuição milionária de todos os erros do governo, não parece razoável ignorar o risco.

Os manifestantes bolsonaristas querem barrar a “imposição do parlamentarismo branco” e “manobras” da esquerda. Dizem com frequência que Bolsonaro se cercou de militares também para evitar o “golpe”, embora certa extrema direita critique o “fortalecimento dos tecnocratas pragmáticos” (como militares) em relação à “ala conservadora”

Nas convocações dos líderes da extrema direita digital, lê-se ainda que o objetivo é conter a “escalada autoritária do velho establishment político podre” e desmontar o “mecanismo”.

A exemplo do general-ministro Heleno, atacam as “chantagens, conchavos e negociatas” do Congresso, que “trava o governo” o quanto pode, com apoio da “extrema imprensa” (jornalismo em geral). São especialmente atacados o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o ministro do Supremo Gilmar Mendes.

Os servidores federais começam sua campanha salarial em março. Na manifestação prevista para o dia 18, querem começar um movimento também contra a reforma administrativa e a emenda constitucional “Emergencial” (aprovada como está, tiraria até 25% dos salários federais).

A campanha deve ter o mote “Eu perco meu emprego, você perde o serviço público gratuito”.

Pelo menos na agenda, a Quaresma não será magra de confusão.


Bruno Boghossian: Motim na PM dá dimensão nacional à política dos batalhões

Governadores querem evitar que tropas se tornem área de influência de Bolsonaro

A muitos quilômetros do quartel de Sobral, um governador convocou comandantes de sua Polícia Militar para cobrar disciplina das tropas. Em outro palácio, um mandatário decidiu refazer as contas do reajuste que havia sido prometido aos agentes de segurança locais.

Governadores enxergaram de longe a fumaça da exploração política após a explosão do motim da PM cearense. Nos últimos dias, muitos deles agiram não só para reduzir o risco de que a insurreição se alastre pelo país mas principalmente para evitar que seus batalhões se tornem áreas de influência de Brasília.

Entre os chefes de governo que passaram a vigiar o humor das tropas, os mais céticos minimizam o perigo de contaminação. Mesmo eles, porém, reconhecem que Jair Bolsonaro poderia sair ganhando com o clima de apreensão nos estados.

A tensão se deve em parte à barbeiragem de um dos integrantes desse clube. A decisão de Romeu Zema (Novo) de conceder aumento de 41,7% aos policiais de Minas vem sendo tratada como um estímulo irresponsável a outros rebeldes, nas palavras de um governador.

Mas o episódio toma contornos nacionais no ambiente de conflito aberto entre governadores e o presidente. Declarações de Bolsonaro sobre o preço da gasolina e sobre a morte de um miliciano ligado a sua família já mereceram cartas de protesto de chefes estaduais nas últimas semanas. Agora, alguns deles temem uma nova investida do Planalto.

O presidente fala o idioma dos insurretos. Ele fez carreira cobrando aumentos de salários para policiais e defendendo agentes violentos. Na greve de 2017 da PM capixaba, abriu uma campanha para que o governo cedesse ao achaque dos amotinados.

Parte dos chefes estaduais crê que Bolsonaro age para esvaziar seus poderes e reforçar o próprio alinhamento com os batalhões. Se uma tropa enfrentar seu governador por acreditar que tem guarida no Planalto, fecha-se uma panela de pressão. A polícia estaria a um passo de se transformar em uma falange política.


Hélio Schwartsman: Um ferrabrás ferrando o Brasil

De baixaria em baixaria, Bolsonaro arrasta Presidência para o esgoto

Eu adoraria ver o presidente Jair Bolsonaro sofrendo impeachment, mas receio que isso não vá, pelo menos por ora, acontecer. E não porque ele não mereça. Bolsonaro age como um verdadeiro ferrabrás de botequim, que vai, de baixaria em baixaria, arrastando a Presidência para o esgoto.

Não seria difícil enquadrá-lo em vários dos artigos da lei n° 1.079, que regula o impeachment, uma peça que abusa de definições vagas e tipos abertos. No caso de Bolsonaro, porém, nem é necessário recorrer a interpretações criativas. O artigo 9°, 7, que tipifica como crime de responsabilidade "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo", parece ter sido escrito para ele.

Com efeito, as impropriedades ditas e perpetradas pelo presidente são tantas que cada um dos 54 senadores necessários para decretar a perda do mandato poderia escolher um episódio diferente de quebra de decoro para justificar seu voto condenatório. O grosseiro ataque à jornalista Patrícia Campos Mello é só o mais recente de uma série que teve até exibição de vídeo com cena explícita de urofilia.

Não acho, contudo, que o impeachment seja provável. Encontrar a razão jurídica para o afastamento é a parte fácil do processo. Procurando bem, todo presidente faz alguma coisa que pode ser interpretada como violação a algum dos 65 tipos listados na 1.079. O difícil é arregimentar a maioria de 2/3 dos deputados federais para autorizar a cassação e de 2/3 dos senadores para decretá-la. Isso só costuma acontecer quando a economia se deteriora a olhos vistos, como vimos nos casos de Collor e Dilma.

Por enquanto, não há sinais de que um cenário desses esteja no horizonte. Mas o futuro é contingente e, se Bolsonaro e seus ministros, civis e militares, insistirem em dizer sempre a coisa errada na hora errada, não é impossível que produzam uma crise capaz de materializar o impeachment.


Rogério Furquim Werneck: Uma estratégia mais realista

Já não há qualquer esperança de que o governo possa montar uma coalizão governista eficaz no Congresso

Já há muitos meses, o governo tem mostrado alarmante despreocupação com a exiguidade de tempo com que se debate a condução da política econômica. Fevereiro se foi. E a agenda de reformas, postergada para este ano de eleições municipais, pouco ou nada avançou, num momento em que a recuperação da economia se mostra bem menos convincente do que se esperava. E em que se dissemina o temor de que o círculo virtuoso que parecia ter ganho força no final do ano passado tenha perdido fôlego.

Já não há qualquer esperança de que o governo possa montar uma coalizão governista eficaz no Congresso. O presidente insiste em se mover na direção oposta. O avanço da militarização do Planalto — com a nomeação do general Braga Netto para o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República — não deixa qualquer dúvida sobre a exacerbação do encastelamento de Bolsonaro.

Não surpreende que boa parte dos analistas esteja convencida de que, para todos os efeitos, o presidencialismo de coalizão desapareceu da cena política brasileira. Há até quem se apresse a assegurar que desapareceu de vez. E, diante do não sistema presidencialista que hoje se tem, não falta quem se agarre à esperança de que, no avanço do pesado programa de reformas, a desalentadora falta de empenho do presidente venha a ser plenamente suprida pelo protagonismo do Congresso. Pode até ser. Mas é inevitável constatar que, nessa esperança, há muito mais torcida do que análise.

Os argumentos que vêm sendo brandidos são frágeis e pouco convincentes. E têm o travo das racionalizações apressadas. Mal comparando, o que vem à mente é a famosa frase que teria sido sussurrada por Galileu, após ter sido obrigado a abjurar a ideia de que a Terra girava em torno do Sol: E pur si muove. (E, no entanto, se move.) Não obstante tudo que acabara de dizer, tinha sólidas evidências de que, de fato, a Terra se movia.

Em contraste, boa parte dos analistas do problemático quadro econômico e político que vive o país vem se comportando como Galileu às avessas. Confrontados com infindáveis dúvidas e indicações em contrário, insistem em sussurrar, sem qualquer fundamentação mais sólida, sua inabalável convicção de que o Congresso voltará a se mover, como em 2019, em novo e inexorável surto de protagonismo reformista.

Mesmo que a deficiência do presidente fosse tão somente falta de empenho no avanço das reformas, já seria muito difícil que tal carência pudesse ser plenamente compensada pelo protagonismo do Congresso. Muito mais difícil se afigura essa compensação, no entanto, quando se leva em conta o incorrigível papel desestabilizador que vem sendo desempenhado por Bolsonaro.

Sem ir mais longe, basta ter em mente o pandemônio político armado pelo presidente ao longo das duas últimas semanas. Assombrado pelos possíveis desdobramentos da morte do miliciano Adriano da Nóbrega em cerco policial na Bahia, o presidente se permitiu desencadear uma crise federativa de proporções inusitadas, que redundou em carta de protesto contra sua postura, subscrita por 20 dos 27 governadores. De Flávio Dino a João Doria.

É fácil perceber como episódios desestabilizadores desse tipo, recorrentemente deflagrados pelo Planalto, têm amplificado em grande medida as dificuldades de mobilização do Congresso com a tramitação das reformas. E nada indica que tais episódios estejam prestes a se tornar menos frequentes ou menos danosos. Muito pelo contrário.

Não há como ter ilusões. Sem empenho decisivo do Poder Executivo, o avanço do complexo programa de reformas que o país tem pela frente ficará seriamente comprometido. Pode até ser que, mesmo em condições tão adversas, uma parte restrita das reformas em pauta venha a ser aprovada pelo Congresso. Mas se o jogo possível é esse, há que se adotar estratégia mais realista. É fundamental que os presidentes da Câmara e do Senado saibam exercer sua seletividade e se concentrem nas reformas cruciais cuja aprovação seja factível. Desde já. Não há tempo a perder.


Míriam Leitão: Na origem da crise, a falta da coalizão

Crise das emendas nasce da falta de diálogo entre governo e legislativo, com articulação eficiente e base de maioria estável

A crise das emendas, que teve o episódio do descontrole do general Augusto Heleno, nasceu das falhas na articulação política e da falta de coalizão no Congresso. Foi combinado com deputados e senadores que parte das despesas dos ministérios integraria a lista de emendas parlamentares, mas isso criou a situação surreal de ministros terem que pedir ao relator do Orçamento para efetuar gastos já previstos. Na área econômica, não se sabe quem fez esse acordo e permitiu que R$ 15 bilhões dos recursos de vários ministérios tivessem que ser liberados pelo parlamento.

As emendas parlamentares de R$ 16 bilhões seriam impositivas mesmo, e estava tudo certo sobre isso. Eles quiseram aumentar o valor. O governo negociou que outros R$ 15 bilhões seriam oficialmente emendas, mas eram despesas previstas do Ministério. Começou o ano e vários ministérios tiveram dificuldade na execução do Orçamento. Veio o veto do presidente, mas sem base organizada, sem coalizão, o risco de derrubar o veto é sempre alto.

O presidente não tem base para evitar que derrubem o seu veto, os ministros estão com despesas já previstas que precisam da aprovação do relator do Orçamento, Domingos Neto (PSD-CE). Com algumas áreas, como no Ministério da Educação, o diálogo com o Congresso não existe. As despesas de janeiro serão baixas não por mérito do ajuste, mas por causa desse nó cego. Tudo isso nasce exatamente da falta de diálogo institucional entre o governo e o legislativo, através de uma articulação eficiente e da formação de uma maioria estável.

O governo Bolsonaro vende para a população a falsa ideia de que não fez o toma lá, dá cá e que a sua é uma administração virtuosa e não aceita pressão dos políticos. É mentira. Houve sim o loteamento anárquico. Nacos da administração foram distribuídos por alas. A fundamentalista, a evangélica, a olavista, os militares, os ruralistas, os defensores das armas, os filhos, os amigos. O mérito, no sentido da qualificação, passou longe, do contrário não haveria um ministro como Abraham Weintraub. Os cargos de outros escalões foram negociados de forma dissimulada a diversos grupos de parlamentares, mas não se construiu uma coalizão formal. Por fim o presidente rachou o seu próprio partido.

O ex-chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, apesar de ser pessoa do Congresso, atrapalhava mais do que ajudava. Depois, o presidente chamou os militares para um trabalho distante do seu treinamento. Alguns se esforçam e têm espírito democrático, como o general Eduardo Ramos, mas nem sempre avançam neste terreno minado que virou a relação entre o Executivo e o Legislativo. A equipe econômica ouve os pedidos de socorro dos ministros que não conseguem gastar o que está no Orçamento ou enfrentam dificuldades inesperadas.

Uma delas bateu no Ministério da Ciência e Tecnologia. O ministro Marcos Pontes achou que estaria a salvo de problemas se conseguisse que todo o seu orçamento fosse obrigatório e livre do contingenciamento. Pressionou internamente e conseguiu. Agora, ele está com dinheiro que ficou do ano anterior, mas não pode liberar para gastos não obrigatórios. O orçamento brasileiro tem muitas armadilhas.

O diálogo era a única saída. Mas o comportamento do presidente Bolsonaro, com sua “falta de compostura e noção da dignidade do cargo”, como bem definiu o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), contaminou o governo. O general Augusto Heleno é um reflexo. Piorou com o tempo, como disse o deputado Rodrigo Maia. Suas postagens com xingamentos, acusações a jornalistas e a instituições já haviam provado que ele não seria o moderador. A fala captada esta semana mostra que ele acha que o governo está sendo chantageado pelo Congresso e em reunião interna comprovou sua face autoritária ao propor manifestações contra o Congresso.

Quem tenta entender a razão de toda essa briga descobre esse acordo sem pé nem cabeça na execução do orçamento. E ele nasce da falta do que é básico em um sistema multipartidário. Quem não tem maioria negocia a formação de uma coalizão. É elementar na política. Isso só será corrupção dependendo da moeda para obter o apoio. Bolsonaro exerceu seu mandato de deputado aos gritos. Quer governar aos gritos. Não será possível.


Bernardo Mello Franco: Tempos de provação

No aniversário da Comissão Arns, o ex-ministro José Carlos Dias faz um alerta: “Bolsonaro está militarizando o governo, quer levar o Brasil para o autoritarismo”

Aos 80 anos, o ex-ministro José Carlos Dias planejava reduzir a carga de trabalho e dedicar mais tempo à família. “Eu queria tirar o pé do acelerador. O governo Bolsonaro me obrigou a fazer o contrário”, conta.

Presidente da Comissão Arns, que celebra seu primeiro aniversário, ele se diz pessimista com os rumos da democracia brasileira. “O país está pior. Bolsonaro está militarizando o governo, quer levar o Brasil para o autoritarismo. Ele tem saudade do AI-5, não aceita a liberdade de expressão”, afirma.

As investidas contra a imprensa aumentaram a preocupação do advogado, que defendeu presos políticos na ditadura e comandou o Ministério da Justiça no governo Fernando Henrique. “Os ataques a jornalistas são uma barbaridade. Bolsonaro usa uma linguagem absolutamente imprópria para um presidente da República. Ele não tem equilíbrio, é um homem tosco”, critica.

Os arroubos autoritários não têm se limitado ao presidente. Nesta semana, o ministro Sergio Moro usou a Lei de Segurança Nacional contra um político da oposição. A mando dele, o ex-presidente Lula foi interrogado pela Polícia Federal por causa de declarações públicas contra Bolsonaro. “Esta lei nem deveria ser usada nos dias de hoje. É mais uma do Moro usando o cargo para fazer política”, afirma Dias.

Sinais de erosão da democracia também preocupam Paulo Sérgio Pinheiro, ministro dos Direitos Humanos no governo FH. Ele diz que o governo é abertamente hostil às minorias e que o país passa por um “tempo de provações”. “Não há nenhuma dúvida de que estamos assistindo a uma escalada autoritária. É difícil dizer qual grupo vulnerável ainda não foi agredido em falas e ações concretas”, afirma.

A Comissão Arns já denunciou Bolsonaro ao Tribunal Penal Internacional sob acusação de estimular ataques às populações indígenas. Em março, o grupo voltará a se manifestar sobre o país na sede da ONU em Genebra e numa reunião da OEA em Porto Príncipe. “A comunidade internacional está perplexa com o que acontece no Brasil”, diz Pinheiro.


Eliane Cantanhêde: A retroescavadeira

Senador faz política, não guerra. E PM não faz greve, faz motim, um crime militar

Policiais militares, armados e encapuzados, fazem greve ilegal, aquartelam-se e usam mulheres e filhos como escudo. Um senador, exibindo-se pateticamente heroico, aboleta-se numa retroescavadeira, ameaça lançá-la contra o quartel, os policiais e suas famílias e leva dois tiros. Tiros para matar. Típica história em que não há mocinhos e ninguém tem razão.

Todo o enredo ganha ainda mais dramaticidade pelo momento e pela simbologia: policial versus político, justamente no mesmo dia em que emergiu a fala do general Augusto Heleno (GSI) atacando os parlamentares como “chantagistas” e dedicando-lhes um sonoro palavrão.

Como tudo, o conflito no Ceará foi para as redes sociais como Fla-Flu, com a torcida vermelha aplaudindo o senador Cid Gomes (PDT-CE), que é oposição ao governo federal e situação no seu Estado e apresentou-se ensandecido, autoritário e ridículo, dando cinco minutos para os policiais, ou jogaria a escavadeira em cima de todos.

Alguém entre os policiais grita uma pergunta pertinente: “Qual a sua autoridade para exigir isso?” E outro alguém dispara uma, duas vezes, mirando o coração. Não foi para dar susto.

Já para a torcida verde, ou verde-oliva, o único culpado, o único alvo, é o senador cearense, irmão do também destemperado Ciro Gomes (PDT), um dos adversários do presidente Jair Bolsonaro em 2018. Quem atirou agiu em “legítima defesa, para salvar vidas”. Um tiro perfurou o pulmão e o outro, a clavícula, mas o time acha pouco. “Tinha de ser no meio da testa”, diz um torcedor.

De cabeça fria, olhando a Constituição, ninguém ali merece torcida nem perdão. Não existe greve de categoria armada. É motim, não greve; questão militar, não sindical. Como, aliás, destacaram as Forças Armadas quando o então presidente Lula insistia em tratar a rebelião dos sargentos controladores de voo como greve de sindicalistas, não como motim que era. Só quando a coisa fugiu totalmente ao controle Lula autorizou e o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, fez o que tinha de ser feito: enquadrou todos eles e botou ordem na bagunça.

Do outro lado, o que dizer de um senador que não tem cargo executivo nem autoridade para gerenciar greve, muito menos motim, e assume uma retroescavadeira para jogar em cima de pessoas, ou melhor, famílias? Seria cômico, não fosse trágico. Seria surpreendente, não fossem os irmãos Gomes, os valentões de Sobral.

Toda essa história vem num contexto de radicalização política, com o presidente da República jogando sua retroescavadeira verbal contra tudo e todos, enaltecendo armas e empoderando as polícias – que, aliás, conquistaram assentos no Congresso e acabam de receber um aumento de 41% em Minas Gerais, um Estado quebrado.

Aguarda-se agora o efeito, tanto do aumento em Minas quanto dos tiros no Ceará, em outras unidades da Federação, como Paraíba, já em crise, e o Espírito Santo, que já passou por isso em 2017, quando PMs jogaram suas mulheres no teatro de operações para exigir aumentos e vantagens. Sem segurança, o Estado viveu o caos, com centenas de mortes.

A expectativa, porém, é de que se repita no Ceará o que ocorre em geral nesses casos, inclusive no Espírito Santo: julga-se daqui, julga-se dali e nunca dá em nada, com as assembleias também dando cobertura aos crimes e aos criminosos.

Em resumo: policiais cometeram crime, um insano ameaçou jogar uma retroescavadeira sobre pessoas, um senador foi atingido por dois tiros. E o que vai acontecer? Nada. A boa notícia é que o governo Bolsonaro e o governo do PT do Ceará acertaram o uso da GLO, mas tem risco: o confronto do Exército e Força Nacional com PMs amotinados, inconsequentes e perigosos.


El País: Conflito escala com disputa política sobre motim de PMs no Ceará e espiral de agressões

“O hoje parece muito pior que ontem” é o ditado do momento em Brasília. Bolsonaro autoriza envio de Forças Armadas ao Estado e volta a defender isenção de culpa para militares que matarem em serviço

Na Brasília de 2020, há um ditado do momento: “o hoje parece muito pior que ontem”. E a semana que se encerra neste sábado de Carnaval faz jus ao bordão. Começou com o presidente aderindo aos ataques machistas contra uma repórter, seguiu com um ministro chamando parlamentares de chantageadores e um ex-presidente depondo sob a suspeita de infringir a lei de segurança nacional. Foi quando um senador da oposição foi baleado enquanto usava um trator para investir contra um quartel com policiais militares amotinados. Tudo culminou em uma espiral de ataques entre os políticos e a decisão de enviar o Exército para debelar o motim policial. Em outros tempos, poderia se imaginar que o país estaria à beira de uma convulsão. Nos dias de hoje, contudo, a tendência é que esses fatos sejam esquecidos durante a farra carnavalesca —ou soterrados por desdobramentos ainda mais absurdos.

O clima de beligerância na política brasileira ficou bem delimitado no arroubo do senador licenciado Cid Gomes (PDT-CE), que é opositor de Bolsonaro e apoiador do governador cearense Camilo Santana (PT), chefe da polícia local. Na quarta, Cid usou uma retroescavadeira para investir contra um quartel onde policiais militares amotinados protestavam em Sobral. O senador levou dois tiros no tórax, disparados por PMs que estavam com os rostos encobertos. O ato foi definido pelo diretor do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, como um “momento de insanidade coletiva”. “É preciso urgente frear a escalada de confrontos e violência”, disse.

A contenção dos ânimos, no entanto, não foi o que se viu na quarta-feira. O jornal O Povo, de Fortaleza, publicou vídeo em que policiais encapuzados cercam uma viatura numa via importante da cidade, num cenário em que a avaliação da adesão à paralisação, às vésperas do feriado, ainda era incerta. Enquanto o governador recebia lideranças parlamentares ligadas aos policiais, Ciro Gomes atacava diretamente o presidente Jair Bolsonaro por insuflar o contingente de PMs e defendia o ato de seu irmão Cid: “Não se enfrenta o fascismo com flores.”

Jair Bolsonaro, por sua vez, usou sua transmissão semanal via Facebook para comentar a decisão de enviar as Forças Armadas ao Ceará, que atuarão respaldadas por um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Bolsoanaro aproveitou para voltar a defender que os militares que cometam homicídio durante as ações do tipo GLO não sejam punidos, por meio da extensão do chamado excludente de ilicitide. “É uma irresponsabilidade. Até 30 anos de cadeia nesse garoto que tem uma namorada, que tem um time de futebol, que tem uma vida social, que é um inocente. E que por estar com um fuzil, é atacado muitas vezes e reage. Vai que morre inocente, porque pode morrer inocente. De quem é a responsabilidade?”, disse, segundo registro da Folha de S. Paulo.

A democracia nunca esteve tão forte?

Nesse cenário, de rompantes de um lado e de outro, cresce o debate a sobre os perigos impostos à democracia. Algo que o Bolsonaro refuta. Na semana em que o presidente se fecha no Palácio do Planalto entre um quarteto de ministros militares, sem prévia experiência na política, ele sentenciou pelo seu Twitter: “A democracia nunca esteve tão forte”. Será?

Na última semana, o chefe do GSI, o general da reserva Augusto Heleno, foi flagrado por uma transmissão oficial na internet proferindo a seguinte frase: “Não podemos aceitar esses caras chantageando a gente o tempo todo. Foda-se”. Esses “caras”, citados pelo militar, são congressistas que conseguiram se articular para garantir o controle de 30 bilhões de reais do orçamento da União por meio de emendas impositivas. Ou seja, o Governo perderia autonomia sobre essa fatia de suas despesas e seria obrigado a investir onde os deputados e senadores determinassem. As reações a essa fala foram quase instantâneas. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) chamou Heleno de “radical ideológico”. Alcolumbre afirmou “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento”.

Outro campo de batalha entre bolsonaristas e seus opositores também ocorre nas redes sociais, onde ainda reverberam os impropérios de cunho sexual que o presidente disparou contra a jornalista Patrícia Campos Mello, da Folha de S. Paulo. O presidente aderiu ao discurso falso de Hans River do Rio Nascimento de que a repórter se insinuou sexualmente a ele para obter informações que pudessem comprometer Bolsonaro na campanha eleitoral de 2018. Ela escreveu uma série de reportagens que demonstravam o uso das milícias digitais e a compra de disparos de fake News por meio do WhatsApp e Nascimento foi uma de suas fontes. O resultado: os esquerdistas pediram o seu impeachment, enquanto que os radicais da direita tentam angariar apoio para promover um ato de apoio a ele, no dia 15 de março.

Na mesma toada de verdades e meias verdades, a CPI Fake News também serviu de palco para que o antigo patrão de Nascimento na empresa que disparou mensagens pró-Bolsonaro omitisse informações relevantes. O empresário Lindolfo Antônio Alves Neto, da Yacows, escondeu em um documento entregue à CPI das Fake News os nomes de dois dos três presidenciáveis (Bolsonaro e Fernando Haddad) para quem prestou serviço na campanha de 2018. Pressionado, admitiu que prestou o serviço a eles indiretamente, por meio de outras agências de comunicação. Contradizendo-se, acabou confessando que nem tudo o que era disseminado pela sua empresa era previamente analisado, ou seja, não sabia se boatos acabavam sendo disparados pelo seu sistema de envio de mensagens. Para não se incriminar, abriu mão de declarar que tudo o que dizia era verdade. E deu munição, mais uma vez, para os dois lados. Uns dizendo que Bolsonaro fora inocentado. Outros, afirmando que não era possível provar nada com o discurso falacioso de Alves Neto.

Quando o Carnaval passar

Em meio à espiral de conflitos, o Governo ultraconservador espera aproveitar o Carnaval, a festa nacional a qual não demonstra tanta simpatia, para acalmar a situação ao menos no Congresso. A oposição, no entanto, lutará para manter as polêmicas vivas nesses 12 dias de folga parlamentar e, dessa maneira, protelar ainda mais a reforma tributária e administrativa que o Executivo e parte do Legislativo querem aprovar.

Na primeira semana de março, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ameaça colocar em votação um pedido de convocação do general Augusto Heleno. A solicitação, elaborada pela bancada do PT, é para que o ministro explique seus ataques verbais contra parlamentares. Na Câmara, Maia se deparará com a tentativa de convocação do ministro da Justiça, Sergio Moro. A oposição o acusa de usar a Polícia Federal para usos políticos, já que abriu um inquérito para investigar se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) infringiu a lei da segurança nacional ao chamar o presidente Bolsonaro de miliciano. O inquérito contra o petista acabou arquivado no mesmo dia em que ele prestou depoimento a policiais federais.


Educação, recuo da indústria e poder religioso são destaques da Política Democrática Online de fevereiro

No editorial, revista da FAP se posiciona duramente contra massificação da mentira

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Defesa de sistema nacional de educação, recuo da produção industrial brasileira, a força do sincretismo religioso e do misticismo em Brasília e uma análise sobre o Oscar 2020 são os destaques da edição de fevereiro da revista mensal Política Democrática Online. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site e também são divulgados nas redes sociais da entidade.

» É de graça! Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática online!

A revista chega à sua 16ª edição com o propósito de ser uma publicação de intervenção política e cidadã. O editorial faz dura crítica à massificação da mentira. Segundo o texto, “está em curso evidente campanha contra as instituições democráticas”, ressalta um trecho. “Cidadãos já foram convocados, nos últimos meses, a sair às ruas em protesto contra o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, supostamente tomados pela velha política, na trincheira da resistência aos propósitos ‘renovadores’ do Executivo”, lamenta.

Na entrevista especial da revista Política Democrática Online, o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, afirma que o Brasil precisa avançar na construção de um sistema nacional de educação.  Ele fala da necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e do papel do instituto, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

Já o sincretismo religioso e o misticismo são abordados na reportagem especial, que mostra a força do poder espiritual em Brasília, além dos reflexos do aumento de evangélicos no país, inclusive no Congresso Nacional, e de pessoas que se consideram sem religião. “Aqui vem todo tipo de gente, cristão, espírita, católico, umbanda, ateu, agnóstico”, afirma o líder de um grupo que retrata a diversidade de manifestações religiosas na capital federal.

A revista Política Democrática Online também tem uma análise que mostra como o esquema anunciado pelo presidente norte-americano em 28 de janeiro último, após três anos de mandato e a dez meses das eleições presidenciais de 2020, decepcionou os que esperavam alguma sutileza política ou criatividade diplomática. “O governo Bolsonaro preferiu distanciar-se da maioria e manter a tendência de alinhamento integral a Donald Trump”, diz um trecho do artigo.

No campo da economia, outra análise se debruça sobre a produção da indústria brasileira, que, em 2019, recuou 1,1% na comparação com 2018, segundo informações divulgadas na primeira semana de fevereiro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). “Os dados jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020”, aponta o artigo publicado.

A publicação da FAP também mostra que obras do escritor e jornalista cubano Leonardo Padura, ganhador de diversos prêmios literários mundo afora, são leituras imperdíveis. Além disso, a crítica de cinema desta edição repercute a derrota do filme brasileiro Democracia em Vertigem no Oscar 2020 e as possíveis perspectivas para a maior competição de obras cinematográficas do mundo.

Todos os artigos da revista Política Democrática online são divulgados no site e nas redes sociais da FAP. O conselho editorial da publicação é composto por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

Leia mais:

» Acesse aqui todas as edições da revista Política Democrática online


Cristovam Buarque: A esquerda ficou pra trás

Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico

Na véspera dos 40 anos do PT, alguns analistas, inclusive militantes e simpatizantes, afirmaram que o partido está obsoleto. Mas cometeram dois erros: não é só o PT, toda a esquerda tradicional ficou obsoleta; e eles usaram argumentos superficiais para justificar a ideia de obsolescência. O obsoletismo tem razões mais profundas.

Alguns ficaram indecentes pela corrupção, mas tornaram-se obsoletos pelo apego a ideias e propostas do passado. Não viram a história avançar. Não acompanharam as transformações tecnológicas e seus impactos sociais e políticos no mundo contemporâneo. Não entenderam que as novas tecnologias modificaram as relações entre trabalho, capital e consumidor; ficaram no tempo em que o progresso criava emprego formal e permanente, sem ver que o progresso atual cria apenas certos empregos, quase sempre qualificados, informais e provisórios.

Não enxergaram que a classe trabalhadora está dividida entre categorias com privilégios, sem interesses comuns com as massas excluídas. Que a “mais-valia” foi substituída pela “desvalia” sobre os pobres e uma “pactuada-valia” entre capitalistas e trabalhadores especializados. Por isso, os sindicatos representam trabalhadores do setor moderno, não ao povo.

Não viram que a globalização não permite políticas econômicas nacionais voluntariosas, que terminam populistas e irresponsáveis. Não aceitaram que a construção de justiça social exige economia eficiente. Não entenderam a gravidade do desequilíbrio ecológico, e continuam prometendo aumentar o consumo de tudo para todos, no lugar de apresentar propostas para elevar o bem-estar social e a qualidade de vida. Elevaram o salário mínimo, mas não melhoram a qualidade de vida dos pobres, nem da escola de seus filhos.

Não perceberam que o vetor do progresso não está mais no chão da fábrica, mas nas bancas das escolas; que a distribuição estrutural da renda não se dá por bolsas, mas pela garantia de qualidade na educação de base para todos. Não viram que o Estado se esgotou, ficou ineficiente, injusto e corrupto; continuam insistindo no equívoco de que estatal é sinônimo de público. Tampouco entenderam que devemos respeitar as restrições técnicas da economia e garantir acesso universal aos bens e serviços públicos — meio ambiente, saúde, educação, estabilidade monetária — deixando para o mercado a produção e distribuição dos bens e serviços privados. Perderam as velhas utopias do socialismo, e não construíram outra proposta para todos. Ficaram sem bandeiras transformadoras para o país, que foi dividido em corporações e segmentos sociais, sem a defesa de reformas estruturais.

Os partidos progressistas foram rejeitados porque abandonaram os valores morais que apresentavam, mas ficaram obsoletos porque abandonaram a lógica com a qual deveriam observar a realidade do mundo em transformação. A perda da vergonha levou à desmoralização, mas o obsoletismo veio da perda de vigor transformador e de bandeiras para o futuro.

Os partidos ficaram prisioneiros do imediatismo eleitoreiro de seus políticos e sem contar com pensamento modernizador em relação ao mundo, aos riscos de sua marcha e aos sonhos do que será possível construir. Ficaram com políticos ruins e sem bons filósofos. Porque cooptaram e silenciaram nossos intelectuais, prisioneiros das siglas e dos líderes que reverenciam. Como nas religiões, passaram a acreditar nas suas narrativas e em seus santos. Pior do que não ver a banda passar foi fechar as janelas que dão para a rua e transformar os salões de debate em templos reverenciando crenças do passado.

Nestes últimos anos, o PT sobreviveu como um partido parecido a uma religião, por isso sobreviverá preso a doutrinas do passado mais do que a políticas para o futuro. No seu 40º aniversário, deveria lançar um movimento “Lula Livre e PT Livre, um do outro e os dois do passado” — Lula, usando sua liderança para falar ao Brasil, não apenas aos seus militantes, e estes pensando livremente, com esperança para 2060 e não com nostalgia de 1980.

 


Luiz Carlos Azedo: Brincar separados

”O pomo da discórdia são emendas impositivas da ordem de R$ 32 bilhões, aprovadas pelo Congresso, que Bolsonaro vetou. Na verdade, o governo comeu mosca nas negociações”

Lá, lá, lá, lá, la, lá, às vésperas do carnaval, lembrar uma marchinha é quase inevitável. De autoria de Humberto Silva e Paulo Sette, a marcha rancho Até quarta-feira estourou no carnaval de 1968, na voz de Marcos Moran. Capixaba de Alegre, influenciado inicialmente pela bossa-nova, o cantor despontou naquele carnaval, depois de enveredou pela black music, e acabou um disputado puxador de sambas, inicialmente na Portela, passando depois pelo Império Serrano, pela Vila Isabel e por outras escolas.

Mas nenhum samba fez mais sucesso do que a marcha rancho que marcou o carnaval daquele “ano que não terminou”, como diria Zuenir Ventura: “Este ano não vai ser,/Igual aquele que passou/ Eu não brinquei,/Você também não brincou,/Aquela fantasia,/Que eu comprei ficou guardada,/E a sua também, ficou pendurada/ Mas este ano está combinado,/Nós vamos brincar separados (bis)”.

A marchinha é sob medida para resumir a semana política, marcada por um esgarçamento na relação entre o Palácio do Planalto e o Congresso: “Se acaso meu bloco,/Encontrar o seu,/Não tem problema,/Ninguém morreu,/São três dias de folia e brincadeira,/Você pra lá e eu pra cá,/Até quarta-feira”. Por muito pouco, porém, o senador Cid Gomes (PDT-CE) escapou da morte na quarta-feira, em Fortaleza, ao lançar uma retroescavadeira sobre o portão de um quartel da Polícia Militar ocupado por grevistas encapuzados, todos policiais militares amotinados. No ato tresloucado, o ex-governador foi apedrejado e baleado no peito por um dos grevistas.

O resultado do conflito foi mais uma operação de Garantia da Lei e da Ordem, decretada, ontem, pelo presidente Jair Bolsonaro a pedido do governador do Ceará, o petista Camilo Santana, para enfrentar o motim na corporação. O presidente Bolsonaro aproveitou para defender a aprovação do chamado “excludente de ilicitude” pelo Congresso. Trata-se do Projeto de Lei 882/19, apresentado à Câmara pelo presidente Jair Bolsonaro como parte do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, pelo qual “o juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Bolsonaro joga para arquibancada, enquanto os governadores enfrentam a crise na segurança pública. A situação é grave em vários estados, com desdobramentos ainda imprevisíveis, por causa das ameaças de greve de policiais civis e militares. Em Minas, para evitar uma greve, aprovou-se um aumento salarial impagável para os servidores, que pode resultar no colapso do governo estadual, na contramão de tudo o que o governador Romeu Zema (Novo) pregava na campanha.

Os reajustes chegam a até 41, 47%, no caso dos policiais militares e bombeiros, escalonados até dezembro de 2022. Uma emenda apresentada pela oposição estendeu a correção para as outras categorias de funcionários públicos, elevando em mais R$ 20 bilhões o impacto nos cofres mineiros. O porcentual é de 28,82% para 13 categorias. O orçamento de Minas para 2020 prevê deficit fiscal, ou seja, despesas superam as receitas de R$ 13,3 bilhões.

Vetos
A situação financeira dos estados é uma das razões do conflito entre o presidente Jair Bolsonaro e maioria dos governadores, principalmente depois que o presidente da República desafiou-os a reduzirem a cobrança de ICMS sobre os combustíveis, prometendo fazer a mesma coisa. Foi uma jogada para agradar os caminhoneiros, que ameaçavam fazer uma greve por causa da tabela do frete. O episódio agastou as relações entre Bolsonaro e alguns governadores, entre os quais Ibaneis Rocha, do Distrito Federal, e João Doria, de São Paulo.

Voltando ao tema das relações com o Congresso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, de novo tratou do veto do presidente Bolsonaro às emendas impositivas ao Orçamento da União. Disse que a fricção entre os dois poderes é normal, tecendo comentários sobre suas relações com os parlamentares. O pomo da discórdia são emendas impositivas da ordem de R$ 32 bilhões, aprovadas pelo Congresso, que Bolsonaro vetou. Na verdade, o governo comeu mosca nas negociações com o Congresso, uma das razões da queda do ex-ministro da Casa Civil Onyx Lorenzoni.

Um novo acordo foi negociado pelo próprio ministro Paulo Guedes para que a Câmara devolva em torno de R$ 11 bilhões para o Tesouro, com aval de Bolsonaro, mas depois o governo tentou voltar atrás. O veto não foi votado ainda, mas o acordo praticamente implodiu, depois das declarações do general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), acusando os parlamentares de chantagear o governo, o que foi interpretado como uma agressão ao Congresso.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-brincar-separados/