Day: fevereiro 15, 2020

Marcus Pestana: Populismo e ação governamental

Populismo é uma categoria analítica imprecisa. Vai desde o uso corrente para caracterizar líderes políticos demagógicos, de discursos fáceis e vazios, repletos de promessas descoladas da realidade, para afagar a opinião pública e conquistar eleitores até a visão mais complexa que caracteriza a prática de líderes carismáticos, que prescindem das mediações institucionais, estabelecendo vínculos emocionais e de liderança forte, acionando diretamente a etérea noção de “povo”, esbarrando no autoritarismo, ao governar interpelando diretamente as massas. Hoje há o “populismo autoritário” ameaçando a democracia.

O termo populismo é tão impreciso que serviu, ao longo da história, para caracterizar personagens diversos como Trump, Vargas, Perón, Brizola, Berlusconi, o “Cinco Estrelas”, Órban, Hitler, Mussolini, Chávez, Putin, Lula e Bolsonaro.

Seja qual for a apropriação que se faça do conceito, o populismo é fácil de praticar nos palanques, mas negativo e corrosivo na prática governamental. E um vírus perigoso e tentador, que contamina as boas práticas governamentais e, muitas vezes, saí pela culatra.

Digo isto a propósito de dois fatos recentes. O primeiro foi o apelo de nosso Presidente para que os governadores, que ficaram expostos como vilões da história, reduzam o ICMS dos combustíveis. Ora, todos sabem da irracionalidade de nosso sistema tributário, daí a necessidade urgente da reforma. Mas os governos estaduais estão em graves dificuldades orçamentárias. O ICMS, na média, representa 70% da receita líquida total. Disso, cerca de 20% é sobre combustíveis, ou seja, 14% da receita líquida total. Como um estado como Minas Gerais, que sequestrou os recursos constitucionais dos municípios, se apropriou das parcelas do consignado dos servidores, atrasa salários e só está funcionando porque uma liminar assegura o não pagamento dos juros da dívida, vai de repente, numa penada, abrir mão de uma receita essencial?

Outra preocupação é a sustentabilidade dos aumentos anunciados pelo governo de Minas (13% em 2020,12% em 2021 e 12% em 2022) para os servidores das polícias, corpo de bombeiros e agentes penitenciários, comprometendo a adesão ao Programa de Ajuste Fiscal. De imediato, jogo uma vacina contra o clima de Atlético x Cruzeiro instalado no atual cenário político. Como secretário de planejamento, saúde e deputado, sempre construí grandes amizades e parcerias no setor. Tenho a noção exata da prioridade que é hoje a segurança pública. Mas, o tesouro estadual não está em condições de bancar aumentos reais muito acima da inflação projetada. Não adianta lotear a lua e na hora de honrar os compromissos não haver recursos disponíveis. As políticas públicas estão desmoronando, os investimentos em infraestrutura são pífios, o Brasil já compromete 80% de suas despesas primárias com salários e previdência. O orçamento expressa o conflito distributivo presente tanto na arrecadação como nas despesas. E os dois fatos narrados explicitam isso.

Minas Gerais tem uma situação pré-falimentar. É preciso tornar pública e transparente a gravidade da situação. Não adianta privatizar e antecipar receitas como a do nióbio para alimentar uma equação sem solução.

Todos os que têm espírito público têm que apoiar o ajuste fiscal estrutural de longo prazo. Fora isso, será o caos.


Ascânio Seleme: Morte à vista do pedido de vista

Iniciativa do TCU estabelece prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo ao plenário

Uma excelente iniciativa do Tribunal de Contas da União pode mudar o absurdo protelatório que atende pelo nome de “pedido de vista”. Comum em todos os tribunais, a vista de um processo tem o poder de adiar o seu julgamento pelo tempo que bem entender o juiz que fez o pedido. Houve casos de vistas que duraram anos no Supremo Tribunal Federal. A iniciativa do TCU, apoiada pelo atual e pelo próximo presidente, além de ter a simpatia da maioria dos ministros da Casa, estabelece prazo máximo de 30 dias para a devolução de um processo ao plenário com o voto do ministro que pediu a vista. Se o magistrado não votar, mesmo assim o processo volta para a apreciação e vence o que determinar a maioria.

Uma vista é concedida quando o juiz que fez o pedido alega não ter se inteirado completamente do teor do processo. Eventualmente esta pode ser a verdade, mas rotineiramente não é. Os desembargadores ou ministros pedem vista que interrompe o andamento do processo por diversas razões, inclusive para tentar pacificar um plenário dividido. O fato é que são raras as vezes que um pedido de vista serve para o solicitante se debruçar com mais cuidado sobre o caso. Quando chega ao plenário para sentença, um processo já tramitou por alguns anos, ou por muitos anos naquela instância e nas instâncias inferiores. Tempo suficiente para que todos os ângulos do processo sejam mais do que conhecidos por todos. Além disso, os processos que tramitam em tribunais estão disponíveis digitalmente.

Se acabar cristalizada, a iniciativa do TCU criará uma nova regra que os demais tribunais poderão ser compelidos a seguir. Quem ganha com isso é a Justiça. Quem perde é a famosa lentidão da Justiça. Com o auxílio do pedido de vista, que pode ser acionado nos tribunais regionais, no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, um processo demora de 15 a 20 anos para ser julgado, a ponto de permitir a prescrição de eventual crime antes dele conhecer sua sentença final. O pedido de vista acabou virando instrumento protelador de decisões judiciais.

Há inúmeros casos em todos os tribunais, inclusive no STF, de pedidos de vista feitos depois de um processo ter alcançado maioria. O que isso significa? Significa que a decisão já tomada a favor de um dos lados da causa em questão ficará sem execução até que o ministro que pediu a vista devolva o processo ao plenário para que o acórdão seja enfim proferido. Trata-se de uma vergonhosa manipulação do processo penal que os ministros de todas as cortes tomam sem o menor constrangimento. Uma descarada protelação de uma decisão colegiada que um juiz solitário toma por ter sua posição contrariada. Ou por outras razões ainda menos nobres.

A proposta do TCU é terminativa. Depois de 30 dias o processo em vista por um ministro é devolvido automaticamente ao plenário e entra na pauta. O regimento do Supremo também estabelece um prazo de 20 dias para que um processo com pedido de vista seja devolvido para a pauta. Mas trata-se de um dispositivo ridículo, já que o prazo estabelecido não é obrigatório. Os ministros da Corte ignoram solenemente este prazo, e o instrumento acabou virando chacota de advogados, que o apelidaram de “perdidos de vista”.

A frase correta
Ao contrário da barbaridade que pronunciou, Guedes poderia ter dito o seguinte: “Com o dólar muito baixo, os brasileiros deixavam US$ 2 bi por ano na Flórida, a maior parte em Orlando. A então candidata Hillary Clinton chegou a dizer, na campanha de 2016, que poderia dar atenção especial ao brasileiro. A nossa é a segunda nacionalidade a mais frequentar a Disney, perdemos apenas para os americanos”. Mas, em se tratando de câmbio, com certeza ficar calado seria a melhor opção.

Dez dias ou 12 anos
Enquanto na China um hospital de emergência foi construído e entregue em dez dias para atender ao surto do coronavírus, no Brasil há inúmeras obras de hospitais abandonadas, apodrecendo. Em Minas Gerais, estão paradas as obras de quatro hospitais regionais licitados ainda no governo de Aécio Neves. Um deles, na cidade de Teófilo Otoni, teria 430 leitos. Outro, em Governador Valadares, tem 23 mil metros quadrados já erguidos. Também estão paradas obras de hospitais em Juiz de Fora e Sete Lagoas, em rápida deterioração e com peças metálicas e fiações sendo roubadas. Estima-se prejuízo de R$ 1 bilhão. Além de Aécio, passaram pelo governo de Minas nesse período Antonio Anastasia (quatro anos), Fernando Pimentel (quatro anos) e Romeu Zema.

O bom pai
Nenhuma dúvida de que Jair Bolsonaro sabe educar seus filhos. Todos seguem estritamente a cartilha e os ensinamentos paternos. Comuns são famílias cujos filhos alteram trajetórias, contrariam ideias e até torcem por times diferentes dos times de seus pais. No caso de Bolsonaro, não. Todos pensam da mesma forma, seguem na mesma direção e fazem a mesma política. É aí que reside o problema. Flávio faz rachadinha e agride mulheres, como o pai. Carlos escreve barbaridades na internet, como o pai. E Eduardo desrespeita a democracia, como o pai. Fora o resto. Se houvesse apenas um com cacoete diferente, a história poderia ser diferente.

Segurança hídrica
Tente navegar em águas da Marinha. Você vai ser convidado a sair dali por marinheiros armados de fuzis. Tente pescar em águas da milícia. Você vai levar tiro de fuzil no minuto que for avistado. Agora, jogue esgoto no Guandu, bem no local onde a Cedae capta água para tratar e abastecer oito milhões de pessoas. Não vai acontecer nada. Ninguém vai pedir para você parar. Não vai ter ameaça armada de fuzil, nem multa, nem nada.

Queijo e Maconha
Marília Andrade, mãe da cineasta Petra Costa, participou da grande festa que a construtora da sua família deu em Brasília em comemoração pela primeira eleição de Dilma Rousseff. A Andrade Gutierrez convidou todo o grande mundo da política da era petista. Além de Lula, presidente no final do seu segundo mandato, e Dilma, estavam presentes todos os barões e todos os duques do PT e dos partidos aliados. A certa altura, já no fim da noite, Marília dirigiu-se a Lula e disse que tinha um pedido a fazer. O presidente respondeu que, claro, que fizesse o pedido. Além de ser da família anfitriã, Marília abrigava Lurian, a filha do ex-presidente, em sua casa de Paris. A mãe de Petra pediu então que Lula legalizasse o queijo Canastra e a maconha. O queijo era proibido fora de Minas por ser feito com leite cru. Lula olhou meio espantado para a sua amiga e respondeu assim: “Pode deixar, Marília, o queijo eu legalizo, a maconha a gente deixa pra Dilma”.

Queijo 2
Lula não legalizou o Canastra, nem Dilma a maconha. O tradicional queijo mineiro só ganhou selo de qualidade e lei para comercialização e consumo em junho do ano passado.

Os ‘novos’ ceos
Matéria da revista “Economist” mostra que as grandes empresas estão buscando executivos cada vez mais velhos para tocar seus negócios. De 2005 para 2019, a idade média dos CEOs subiu de 46 para 58 anos. Um envelhecimento e tanto. Mas um detalhe importante é sempre levado em conta pelos headhunters quando caçam executivos no mercado. Os coroas têm que ser magros e malhados. Precisam ter vigor para aguentar a rotina de trabalho. O bom CEO não trabalha menos de 14 horas por dia.

PSOL não Votou com PT
O PSOL não votou a favor do deputado Wilson Santiago (PTB-PB), que se apropriou de R$ 1,2 milhão dos cofres públicos e foi mantido na função pela Câmara, apesar de seu afastamento ter sido determinado pelo ministro do STF Celso de Mello. Ao contrário, toda a bancada do PSOL votou pelo afastamento do parlamentar. PT, PCdoB, MDB e DEM votaram a favor de Santiago, que segue aprovando as leis do país.


Míriam Leitão: Câmbio em seu devido lugar

O ministro Paulo Guedes disse que a alta do dólar é boa para todo mundo. A frase foi soterrada por outra ainda pior que acabou ganhando destaque. Mas do ponto de vista técnico, sobre câmbio ele também estava errado. Não há qualquer evidência de que o real desvalorizado produza crescimento. Ele subiu por exemplo em 2015, de R$ 2,65 para R$ 3,90 e a economia mergulhou na recessão. É um preço que tem impacto sobre vários outros e o ideal é que ministros não estimulem especulações e que o Banco Central faça intervenções mínimas, apenas por razões técnicas e pontuais.

A declaração do ministro da Economia provocou reação imediata, por ter revelado preconceito social. “Empregada doméstica estava indo para a Disneylândia. Uma festa danada. Peraí”. O que aparece nessa fala infeliz é tão discriminatório que evidentemente provocou polêmica. Um ministro da Economia deveria querer a prosperidade do país como um todo, um liberal deveria se preocupar menos com as escolhas individuais, um economista deveria olhar os números que não confirmam sua tese.

O preço mais difícil de entender — e prever — é o câmbio. Baixo, não nos torna ricos, alto, não garante crescimento. Quando está sobrevalorizado cria distorções, se for excessivamente desvalorizado, também.

Os exportadores sempre querem uma cotação mais alta porque isso aumenta seus ganhos na exportação e ameniza os efeitos da falta de competitividade da indústria brasileira. Muitos que produzem apenas para o mercado interno também gostam do dólar alto que encarece o produto importado com o qual vão competir. O problema é que a moeda americana saiu de R$ 1,80 em 2012 para R$ 4,30 agora e não houve crescimento sustentado das exportações do setor industrial. O Brasil precisa resolver problemas estruturais que reduzem competitividade dos manufaturados, como inovação e logística.

O salto do dólar aumenta alguns preços como medicamentos, combustíveis, certos alimentos como pão, bens importados como celulares. Alguns produtos e matérias-primas, mesmo sendo exportados pelo Brasil, acabam subindo porque há uma correlação entre preços internos e externos. O aço, por exemplo. Os investimentos também ficam mais caros. Dos US$ 16 bilhões importados pelo país em janeiro, 32% foram “insumos industriais elaborados”, o maior item da pauta. Logo depois, vêm os bens de capital, com 22%. Peças e acessórios, equipamentos de transporte são mais 16%. Esses dados mostram como o câmbio pode ter impacto sobre os custos das indústrias e dos investimentos no país. Os bens de consumo, como eletrônicos, são 13%. Quando ele está alto, empresas que têm dívidas externas passam a ter um custo maior. A Petrobras é uma delas.

O gráfico mostra o PIB acumulado em 12 meses, trimestre por trimestre, e compara com o dólar no final de cada trimestre. O maior período de crescimento do PIB é o que tem a cotação mais baixa. Quando há o pior período do PIB, o real já havia se desvalorizado em quase 100%.

O dólar não deve ser manipulado nem para estimular o consumo nem para contê-lo. Não deve ser elevado para empurrar as exportações e proteger a indústria local, nem deve ser artificialmente baixo para segurar a inflação. Isso é o que o Brasil aprendeu com erros de sua história recente. Funciona melhor quando o câmbio é flutuante, e o Banco Central não quer defender uma cotação, alta ou baixa. E também é melhor quando o ministro da economia não explicita uma preferência, como fez o ministro Paulo Guedes, ao dizer que o dólar alto é “bom pra todo mundo”. O BC teve que entrar no mercado para conter o movimento especulativo que se formou por causa da declaração.

Há erro técnico no que ele falou sobre dólar. Mas isso é o de menos. Não é o primeiro, não será o último ministro a errar nesse assunto. O pior é a visão revelada de que um grupo de trabalhadores, pela natureza do seu trabalho, não deveria usufruir de certos prazeres. “Peraí” ministro. Como já disse aqui, neste espaço, dias atrás, Paulo Guedes deveria pensar antes de falar.


Adriana Fernandes: Meta fiscal vai mudar

Governadores e prefeitos pressionam para elevar limite de empréstimos em 2020

O Ministério da Economia vai propor ao Congresso Nacional uma mudança na meta fiscal dos Estados e municípios deste ano. A alteração será necessária para permitir que governadores e prefeitos tenham o mesmo limite do ano passado para contrair empréstimos nos bancos e garantir dinheiro novo no caixa.

A meta fiscal para Estados e municípios de 2020 foi fixada em um superávit de R$ 9 bilhões. Esse esforço fiscal deve cair para próximo de zero para acomodar os empréstimos que serão feitos esse ano. É que, com dinheiro em caixa, os governadores e prefeitos tendem a gastar mais diminuindo o esforço fiscal.

Com a mudança, a meta de déficit de R$ 118,8 bilhões para todo o setor público (União, Estados e municípios) vai piorar. Mas a equipe econômica quer garantir que o limite para a contratação de novos empréstimos com e sem aval da União seja o mesmo do ano passado, entre R$ 20 bilhões e R$ 22,5 bilhões. Nem mais nem menos.

A coluna apurou que a meta de superávit de R$ 9 bilhões dos governos regionais não comporta esse limite. Ela teria que cair para menos de 50% em 2020 para repetir o espaço de empréstimos do ano passado. O argumento da área econômica apresentado aos presidentes da Câmara e Senado para propor a mudança é que, quando a meta foi fixada, no ano passado, havia uma perspectiva de um volume menor de empréstimos.

A expectativa até então era que o chamado Plano Mansueto de socorro financeiro aos Estados e municípios tivesse sido aprovado, permitindo um volume maior de empréstimos no ano passado. O que se esperava era que a demanda deste ano ficasse menor. Como o projeto não foi aprovado, a demanda continua represada e o diagnóstico é que não dá para ter uma queda abrupta já que os planos foram traçados.

Em ano de eleições, a equipe econômica quer evitar que o limite seja expandido para um valor acima do que vem sendo praticado nos últimos anos, justamente no período eleitoral.

Todos os anos o governo estipula um limite para Estados e municípios contraírem empréstimos no setor financeiro. Esse limite é dado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Como esse é um ano eleitoral, governadores e prefeitos só têm até três meses da eleição (início de julho) para contrair os empréstimos e fazer os investimentos. Para 2020, o valor não foi fixado ainda. E é isso que está em jogo.

O governo está fechando os cálculos para calibrar a nova meta e enviar projeto de lei alterando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que contém as metas fiscais. A negociação em torno do espaço fiscal para os empréstimos dos governos regionais está atrelada ao andamento do acordo do governo com o Congresso para devolver ao Executivo o controle sobre R$ 11 bilhões em despesas discricionárias (que incluem investimentos e custeio da máquina) antes carimbadas pelos parlamentares. Não se sabe como os parlamentares vão reagir. Muitos não querem que adversários políticos sejam beneficiados com o dinheiro.

O projeto de lei terá um dispositivo que vai permitir a mudança nas regras do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) para que Minas e Rio Grande do Sul possam entrar com um prazo maior de 10 anos. Hoje, o regime tem prazo de três anos, prorrogáveis por mais três. O Rio de Janeiro, o primeiro a aderir ao RRF, também será beneficiado com o alongamento. Essa alteração tem de ser feita porque a LDO exige que o governo compense receitas, mesmo financeiras, que deixarão de entrar no caixa do governo com o alongamento do prazo de pagamento da dívida.

A ideia do relator do projeto, deputado Pedro Paulo (DEM-RJ), é criar um mecanismo para agilizar a captação dos empréstimos por Estados em melhores condições financeiras, uma espécie de fast track com menos burocracia.

Como mostrou o Estado, há uma pressão dos governadores para aumentar o limite dos empréstimos em 2020 neste ano de eleições. Todo cuidado é pouco com esse limite e com a proposta de mudança da meta para que as finanças dos Estados não piorem. No passado, a liberação desenfreada dos empréstimos com aval da União promoveu gastos com aumentos salariais e outras benesses dos governadores. Foi isso que contribuiu para o desarranjo financeiro que o setor público brasileiro vive hoje. Atenção máxima agora é mais do que necessária.

* É jornalista


Ricardo Noblat: Certamente à falta do que fazer, general ataca o Papa Francisco

Pai, perdoa porque ele não sabe o que diz

Para os padrões que o país se acostumou, ou que pelo menos já não se espanta com tanta frequência, até que foi moderada a reação do presidente Jair Bolsonaro ao encontro privado do Papa Francisco com o ex-presidente Lula, no Vaticano.

Como em recente documento pontifício o Papa referira-se à Amazônia como “nossa” e de “todos nós”, e a chamou de “querida”, Bolsonaro retrucou dizendo que a Amazônia é “nossa”, dos brasileiros. Agradou os militares com isso.

Mas o general Augusto Heleno, ministro do esvaziado Gabinete de Segurança Institucional, resolveu ir mais longe do que seu patrão. Há tempo que se comporta assim. Posto ao lado de Bolsonaro para podar-lhe os excessos, excede-se tanto ou mais do que ele.

Em horário de expediente no Palácio do Planalto, de resto como costuma acontecer, o general sacou do celular e disparou no Twitter:

“Parabéns ao Papa Francisco pelo gesto de compaixão. Ele recebeu Lula, no Vaticano. Confraternizar com um criminoso, condenado, em 2ª instância, a mais de 29 anos de prisão, não chega a ser comovente, mas é um exemplo de solidariedade a malfeitores, tão a gosto dos esquerdistas.”

O mais culto dos militares a servir a Bolsonaro, Heleno deve ter esquecido que Jesus Cristo recebia santos e pecadores, sem discriminar ninguém. E que o Papa João Paulo II visitou na prisão o turco que quase o matou à bala. Abençoou e perdoou.

O Supremo Tribunal Federal decidiu que um criminoso é só aquele cuja sentença tenha transitado em julgado. A de Lula ainda não transitou. Acusar Francisco de ser solidário com “malfeitores” não é só injusto, é um tiro que o general dá no próprio pé.

São muitos os políticos denunciados por malfeitorias. E Heleno não só cruza com eles por aí como já deve ter recebido alguns em audiência. Por fim, mesmo que indiretamente, insinuar que o Papa é um esquerdista, é ignorar a biografia de Francisco.

Quando superior dos jesuítas na Argentina, Francisco tornou-se suspeito de ter contemporizado com a ditadura militar. A suspeita virou uma cruz que ele carrega até hoje. Ao contrário do general que não se sente culpado pelas mortes que viu de perto no Haiti.


Julianna Sofia: Chama o síndico

Com Guedes fora da casinha, reformas e medidas econômicas correm risco.

As falas destrambelhadas do ministro Paulo Guedes (Economia) parecem traços de uma irritação enrustida pelas dificuldades de levar a cabo seus planos. No grito, na prensa, na declaração estapafúrdia, uma forma de fazer o Palácio do Planalto, o Congresso, a sociedade compreenderem a necessidade premente de efetivar suas propostas.

A reforma administrativa da equipe econômica, depois de arestas aparadas e vários reparos a pedido de Jair Bolsonaro, jaz pronta na mesa do presidente. Nem por isso de lá saiu —graças a pressões das alas política e militar do Planalto e à má vontade presidencial com a mudança considerada impopular. Já estava travada quando o "Posto Ipiranga" decidiu chamar servidores públicos de parasitas. Com a manifestação, quase degringolou, e agora Bolsonaro afirma que, se não houver "marola", será encaminhada na próxima semana.

A impaciência de Guedes para lidar com contrariedades e seus espasmos sincericidas provocam danos. Com o PIB rodando abaixo das expectativas, ninguém precisa de um ministro da Economia fora da casinha a fazer companhia ao núcleo ideológico radical do governo, distribuindo munição gratuita a opositores da agenda reformista.

Enquanto Guedes falava a uma plateia esvaziada barbaridades sobre o câmbio e a "festa danada" de empregadas domésticas na Disney com o real valorizado, o governo não conseguia cumprir um acordo para impedir que o Legislativo abocanhe um naco de R$ 30 bilhões do Orçamento. Sem um gerentão, o Executivo não conseguiu elaborar a tempo um projeto de lei para honrar o acerto.

O resultado de muita parolagem e pouca articulação também põe em risco uma das PECs do trio de propostas do ajuste fiscal, em tramitação no Senado. A equipe de Guedes comeu mosca, e uma manobra de aliados pode fazer com que a medida para extinção de 200 fundos públicos permita um furo de R$ 32 bilhões no teto de gastos.

Com o ministro a cometer asneiras, alguém chama o síndico?


El País: Com dificuldade para atrair médicos, Governo Bolsonaro prepara a readmissão de cubanos

Edital será lançado ainda em fevereiro e poderá contratar 1.800 profissionais de Cuba sem Revalida, a prova que valida no Brasil os diplomas obtidos no exterior

Os médicos cubanos que atuavam no programa Mais Médicos e decidiram permanecer no Brasil mesmo depois que Cuba rompeu o acordo de cooperação com o país, em novembro de 2018, deverão ser reincorporados na atenção básica a partir das próximas semanas. O Governo Bolsonaro prepara um edital, que será lançado ainda em fevereiro, que prevê a readmissão de 1.800 profissionais com contrato de permanência de dois anos. Eles não precisarão ter feito o Revalida —exame que permite a validação no Brasil de diplomas obtidos no exterior. Atualmente, segundo dados do Ministério da Saúde, existem 757 vagas de médicos ociosas por conta da constante desistência de substitutos nos municípios mais vulneráveis. Assim como pretendia o Mais Médicos da petista Dilma Rousseff, o plano é que os cubanos preencham essas vagas e reforcem a rede de atenção básica nas cidades de extrema pobreza e de difícil acesso, que historicamente têm mais dificuldades para fixar médicos.

A atuação dos cubanos na atenção básica foi um tema controverso do programa federal petista e alvo de críticas do presidente Jair Bolsonaro desde que ele exercia mandato na Câmara dos Deputados. Bolsonaro questionava a capacidade desses profissionais, que tinham permissão para exercer a medicina exclusivamente Mais Médicos sem a validação de seus diplomas. "Vamos expulsar com o Revalida os cubanos do Brasil”, declarou o presidente em entrevista dada no aeroporto de Presidente Prudente (SP) durante a campanha presidencial. Bolsonaro afirmava ainda que esses profissionais estavam no Brasil para “formar núcleos de guerrilha” e comparava o modelo de contratação deles no país à “escravidão”. Os médicos cubanos atuavam no país por meio de um convênio com Cuba intermediado pela Organização Pan Americana da Saúde (OPAS), em que 70% da remuneração desses profissionais ia para o Governo da ilha e o restante ficava com os profissionais. Cuba mantém acordo semelhante com outros países, o que lhe rende 42 bilhões de reais por ano.

Com a reincorporação, os médicos cubanos deverão receber agora a bolsa integral do programa, que é de cerca de 12.000 reais. E, assim como na época em que foram desligados, continuarão sem a exigência de validação do diploma. O secretário de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, Erno Harzheim, explica que o certame a ser lançado nos próximos dias terá um novo formato, já que se trata de um chamamento público e não propriamente um edital. Será direcionado especificamente aos profissionais cubanos que estavam atuando na atenção básica pelo Mais Médicos no dia 13 de novembro de 2018 (quando Cuba anunciou a saída do programa após críticas do recém-eleito Bolsonaro). Outra exigência é que eles tenham permanecido no país até o dia primeiro de agosto de 2019, na condição de naturalizado, residente ou com pedido de refúgio. Essa data é referência porque é a data da Medida Provisória que criou o novo programa do Governo, Médicos para o Brasil.

“Não tem edital de concorrência. Todos os 1.800 médicos cubanos que atendem a esses critérios serão chamados”, diz Harzheim. O número de contratados dependerá da apresentação voluntária desses profissionais. Desde o fim da cooperação com Cuba, há um ano e três meses, centenas de médicos cubanos esperam um aceno de Bolsonaro para voltarem a exercer a profissão no país. Sem a realização do Revalida (a prova que valida o diploma e permite o exercício da medicina no país) desde 2017, eles vinham trabalhando em serviços gerais, que iam de terapias alternativas a vigia de posto de saúde. A luta para voltar ao programa esbarrava na resistência da classe médica, com forte influência na reformulação do programa de provimento de profissionais nesta gestão. O Conselho Federal de Medicina historicamente reivindica a exigência do Revalida e a oferta de vagas exclusivamente para os profissionais com CRM.

O Governo Bolsonaro tem feito uma migração gradual do antigo Mais Médicos para uma nova concepção do programa no Médicos para o Brasil, agora focado especificamente nas cidades mais vulneráveis. Com isso, os vários editais que têm sido lançados ao longo do último ano têm excluído os municípios maiores, capitais e regiões metropolitanas. Para repor as vagas deixadas pela decisão de Cuba de encerrar o convênio, o Governo abriu inicialmente editais exclusivamente voltados para médicos brasileiros. Como as vagas não foram completamente preenchidas, foram abertas convocatórias para médicos brasileiros formatos no exterior que também não haviam conseguido revalidar o diploma no país. As vagas não foram ofertadas aos profissionais estrangeiros, centro das críticas ao programa Mais Médicos. Agora, com pelo menos 757 vagas ainda ociosas somente nas cidades mais vulneráveis, o Governo decidiu reincorporar os médicos cubanos.


El País: Maduro acusa Bolsonaro e pede mediação de “países amigos” para conflito com os EUA

O líder chavista acusou o presidente brasileiro de querer provocar um “conflito armado” contra a Venezuela

Nicolás Maduro revelou ontem que pediu que a Espanha e “outros países amigos” criem um grupo de apoio para facilitar o diálogo diante das eleições parlamentares deste ano na Venezuela e que ajudem o regime em sua ofensiva contra as sanções dos EUA. “Oxalá o presidente argentino Alberto Fernández nos ajude com isso. Também fizemos saber à Espanha, ao Panamá, ao México e à União Europeia” que foi iniciada uma ofensiva internacional no Tribunal Penal Internacional, onde nesta semana o ministro das Relações Exteriores Jorge Arreaza interpôs uma ação contra o presidente Donald Trump pelas sanções contra a Venezuela, que qualificou como um “chamamento à guerra” por parte dos Estados Unidos. Maduro agora recorre a Haia, onde desde 2019 repousa uma ação interposta por seis países (Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Canadá e Paraguai) contra ele, acusando-o de crimes contra a humanidade durante a violenta repressão às jornadas de protesto de 2014 e 2017, disse o líder chavista, que aproveitou para qualificar o conteúdo da conversa entre a número dois do regime, Delcy Rodríguez, e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, de “secreto”.

Em uma entrevista coletiva realizada no palácio de Miraflores, em Caracas, o líder chavista disse que entre esses “países amigos” estariam Argentina, México, Panamá, Rússia e também a União Europeia. O líder bolivariano ressaltou a importância de que esse diálogo, para o qual disse contar com a disposição do presidente argentino, aconteça antes das eleições legislativas para conseguir um Conselho Nacional Eleitoral (CNE) “de consenso”. A oposição rejeita a atual composição do órgão eleitoral dominado por chavistas e estão fora do diálogo novas eleições presidenciais que resolvam a crise institucional que o país enfrenta desde que Maduro tomou posse em seu segundo mandato, em 2019, depois de eleições consideradas fraudulentas. “Na Venezuela acontece uma das guerras mais importantes do século XXI e por isso divulgamos a verdade sobre o nosso país para exigir justiça ao mundo inteiro. Quando conseguimos um lote importante de medicamentos em algum país e estamos prontos para trazê-lo, chega uma ordem, retiram a carga e o paciente que está na Venezuela fica sem seu medicamento”, afirmou.

Esta seria a quarta rota de conversações e mediação que se abriria no último ano, depois do fracasso das reuniões do Grupo Internacional de Contato às quais se uniu o Grupo de Lima para promover uma transição política na Venezuela, da suspensão das negociações de Oslo e Barbados e da Mesa de Diálogo Nacional, à qual se juntou recentemente o ex-presidente do Governo (primeiro-ministro) espanhol José Luis Rodríguez Zapatero, que em 2016, 2017 e 2018 também liderou tentativas de diálogo.

Maduro considerou também que “esse processo de diálogo deveria conhecer todas as ações perante o Tribunal Penal Internacional (TPI) para exigir a cessação de todas as medidas coercitivas contra a Venezuela por parte do Governo dos Estados Unidos”. Maduro referiu-se à denúncia apresentada quinta-feira por seu ministro das Relações Exteriores, Jorge Arreaza, perante o TPI pelos supostos crimes contra a humanidade propiciados pelas sanções dos Estados Unidos contra a Venezuela. “Oxalá esse grupo de países amigos diga a ele e faça com que entenda e defenda perante o Governo dos Estados Unidos o direito da Venezuela ao seu desenvolvimento econômico sem medidas persecutórias, coercitivas e criminais”, sugeriu.

Durante a coletiva Maduro também abriu fogo contra o Brasil. “[O presidente] Jair Bolsonaro está por trás das ameaças terroristas contra a Venezuela e os está arrastando a um conflito armado com a Venezuela por amparar terroristas”, disse em referência aos militares venezuelanos que se asilaram no país vizinho depois de um ataque a um depósito de armas no sul da Venezuela. Lembrou que este fim de semana realiza um novo exercício militar com mais de dois milhões de soldados e milicianos para o qual a artilharia foi mobilizada. Mísseis russos BUK foram expostos na base militar de La Carlota, em Caracas.

O líder chavista disse também que na Espanha há uma campanha contra a Venezuela, mas que as pesquisas realizadas no país atestam que a maioria o considera presidente constitucional. Às perguntas de um correspondente e na presença de sua número dois, a vice-presidenta Delcy Rodríguez, Maduro se referiu pela primeira vez ao incidente no Aeroporto de Barajas, em 24 de janeiro, em torno do encontro entre Rodríguez e o ministro dos Transportes da Espanha, José Luis Ábalos, que provocou uma tempestade no panorama político espanhol. A vice-presidenta venezuelana está proibida de entrar no território Schengen devido às sanções impostas pela União Europeia.

Maduro brincou, entre risos da própria Rodríguez e de outros ministros, sobre o conteúdo da conversa e disse que inventaram uma novela. “Na Espanha fizeram uma novela, a Delcygate. Isso é secreto. Ela terá de contar”, disse. “Delcy passou pelo aeroporto da Espanha e seguiu seu rumo. Deixou lá nosso ministro do Turismo [Félix Plasencia], que cumprimentou o Rei, empresários e ministros espanhóis. Mas a direita espanhola queria prendê-la e humilhá-la. Delcy morou seis anos em Londres e cinco em Paris, é quase europeia, fala bem inglês e francês. Os amigos dela são europeus. Parem de perseguir a Venezuela.”

Ábalos teve que dar explicações sobre sua reunião no Aeroporto de Barajas nesta quarta-feira no Congresso, na sessão de controle do Executivo. Quando a reunião foi revelada, o ministro dos Transportes negou que tivesse acontecido. Depois mudou sua versão e reconheceu que houve “uma saudação que durou entre 20 e 25 minutos”. Um relatório policial ao qual o EL PAÍS teve acesso confirmou que Rodríguez não entrou em território europeu, mas detalhou que a reunião durou “aproximadamente uma hora”.

O líder chavista reiterou sua disposição de realizar eleições parlamentares, que por mandato constitucional devem acontecer até o fim deste ano. Disse estar disposto a dar algumas garantias, como a eleição de um novo Conselho Nacional Eleitoral, que deixaria a cargo da atual Assembleia Nacional, mas aquela dirigida pela junta paralela de Luis Parra, a que Maduro reconhece.

Por outro lado, voltou a lançar ameaças de prisão contra o presidente encarregado reconhecido por 60 países e chefe do Parlamento, que voltou a desafiar as proibições de saída do país impostas pela Justiça venezuelana para fazer uma turnê internacional. “No dia em que os tribunais expedirem o mandato de prender Juan Guaidó por todos os crimes que cometeu, ele será detido. Esse dia ainda não chegou, mas chegará.”

Por último, e em referência ao retorno do presidente encarregado Juan Guaidó à Venezuela depois de sua turnê internacional, Maduro disse que estão sendo avaliadas as medidas que serão tomadas contra membros do corpo diplomático credenciado no país, que voltaram a acompanhar o líder da oposição em seu retorno ao país “O embaixador da França [Romain Nadal] se imiscuiu mais uma vez em assuntos internos. Estamos avaliando a resposta e vamos avaliar os casos um por um e veremos se nossa resposta é que nossos embaixadores convoquem mobilizações em oposição aos Governos desses países, se transformarmos em um caos em relações diplomáticas e políticas no mundo ou que respeitem” advertiu.


População LGBTI+ se organiza para empoderar minorias diante de ataques de Bolsonaro

Reportagem especial da revista Política Democrática online mostra que alvos de Bolsonaro não se silenciam diante de repressão de presidente

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Integrantes da população LGBTI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, intersexos e mais) afirmam que as minorias devem se mobilizar contra as diversas formas de preconceito e violência estimuladas pelo governo de Jair Bolsonaro. Eles alertam as minorias para se unirem e se empoderarem, como mostra reportagem especial da 15ª edição da revista Política Democrática online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira). Todos os conteúdos da revista podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 15ª edição da revista Política Democrática online

O coordenador nacional da Diversidade do Cidadania 23, Eliseu de Oliveira Neto, demonstra preocupação com o que chama de “efeito manada” do governo Bolsonaro, referindo-se à capacidade de grupos carregados de ódio e preconceito, como homofóbicos, machistas, feminicidas e racistas, contaminarem outra parcela da população. “Esses grupos se sentem empoderados, representados, e, dessa forma, acabam convencendo pelo ódio outras pessoas que estavam sem opinião formada, no ‘meio do caminho’ e que poderiam ser conscientizadas de forma pedagógica”, lamenta ele, que já foi vítima de homofobia mais de uma vez.

Assim como Eliseu, a educadora social e mulher trans Rubi Martins do Santos Correa afirma que a população de minorias precisar se unir para não se marginalizar e se oprimir diante das práticas do governo Bolsonaro. “Somos um país de pessoas resistentes. Temos gays em todos os lugares”, acentua. “Temos que empoderar a população LGBTI+ e as outras minorias para ocuparem os espaços na sociedade. O empoderamento é chave para as minorias atuarem como sujeitos de direitos e deveres. Não sei quanto tempo vai levar, mas um dia chegaremos lá”, afirma ela.

A população LGBTI+ reconhece que sempre sofreu violência e teve de se organizar em movimentos político-sociais para terem seus direitos reconhecidos. No entanto, de acordo com Rubi, Bolsonaro “legitima atos violentos contra as minorias”. “Isso dá certa autonomia para as pessoas destilarem os seus preconceitos. Elas se sentem no poder de praticar violência porque até o presidente naturaliza isso”, assevera a educadora social, que também coordena um trabalho junto à população em situação de rua e extrema vulnerabilidade no Distrito Federal.

Como também tem dificuldade de articulação no Congresso, Bolsonaro ocupa o tempo se envolvendo em polêmicas sustentadas em pauta sobre moral e costumes. “É a pauta dos conservadores”, afirma Eliseu. “Bolsonaro é um homofóbico que não tem pudor de colocar as pessoas em risco e de mentir para se manter no poder”, acrescenta ele.

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José Márcio Camargo: A polêmica do Copom

Os efeitos da queda de juros estão por vir. Interromper o ciclo agora não significa parar de forma definitiva

Em sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil cortou a taxa básica de juros da economia brasileira (Selic) em 0,25 ponto de porcentagem (p.p.), para o nível mais baixo da série histórica: 4,25% ao ano. No comunicado e na ata da reunião, os diretores anunciaram que, em razão das incertezas quanto à potência da política monetária e das defasagens entre as decisões de política e seus efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação, iriam interromper o ciclo de cortes de juros na reunião de março.

A ata deixa claro que uma das preocupações dos diretores do Banco Central é o nível de capacidade ociosa existente hoje na economia brasileira. Após uma recessão extremamente perversa, com grande perda de capacidade produtiva, destruição e má alocação de capital, ainda que a produção e o Produto Interno Bruto (PIB) continuem muito abaixo dos níveis recordes de 2012/2013 e o desemprego em 11,0% da força de trabalho, a pergunta que ficou no ar é quanto de ociosidade ainda existe na economia, após três anos de crescimento de 1,1% ao ano.

Alguns dias após a decisão, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou a taxa de inflação de janeiro de 2020, que surpreendeu positivamente os analistas, mostrando o menor número para janeiro desde a implantação do Plano Real, 0,21%. Ao mesmo tempo, os dados de crescimento da atividade do último trimestre de 2019 mostraram desaceleração em relação ao terceiro trimestre, gerando revisões para baixo das estimativas de crescimento em 2020.

Imediatamente, alguns analistas se prontificaram a anunciar que o Copom havia se precipitado ao anunciar o fim do ciclo de queda da Selic e que, quem sabe já na próxima reunião, tenha de voltar atrás e continuar o ciclo de reduções. Afinal, com desemprego em 11,0% da força de trabalho e a economia crescendo a uma taxa mais próxima de 2,0% do que de 3,0% e as expectativas para a inflação abaixo da meta em 2020 e 2021, certamente há, ainda, muita capacidade ociosa para ser utilizada antes que pressões inflacionárias apareçam no horizonte.

Porém, depois do conjunto de reformas que foram implementadas ao longo dos últimos 3,5 anos – o teto para o crescimento do gasto público, a troca da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pela Taxa de Longo Prazo (TLP), a reforma trabalhista, a liberalização da terceirização, a Lei da Liberdade Econômica, a reforma da Previdência, entre outras – e das reformas microeconômicas em implementação pelo Banco Central, ninguém sabe com certeza o efeito de uma redução da taxa Selic em 2,25 p.p., ou seja, 35% de seu valor inicial (6,5% ao ano), nem quanto tempo vai levar para que a decisão de política monetária (redução dos juros) comece a ter efeitos sobre o nível de atividade e a taxa de inflação.

O Copom iniciou o ciclo de queda da Selic em 31 de julho de 2019, ou seja, há seis meses. Antes das reformas, as estimativas indicavam que a defasagem era de aproximadamente nove meses. Caso não tenha ocorrido nenhuma mudança, o que é pouco provável, ainda assim os efeitos da queda de juros estão por vir. Portanto, interromper o ciclo de queda neste momento significa parar para ver como vai reagir a economia diante do volume substancial de estímulos já implementados, e não necessariamente parar de forma definitiva.

Antes da reunião do Copom, nossa avaliação era de que o Banco Central deveria manter a Selic em 4,5% ao ano, exatamente por causa das incertezas levantadas no comunicado e na ata. Nossas estimativas (que, óbvio, não são exatas) apontam para uma taxa neutra (que nem gera pressão inflacionária nem deflacionária) de 2,1% real ao ano e, em decorrência das reformas, caindo 0,31 p.p. por trimestre. Como a previsão de inflação é 3,5% em 2020, a Selic real estaria em 1,0% ao ano, provavelmente abaixo da neutra. Neste cenário, seria mais adequado esperar que os efeitos das quedas já realizadas e as novas reformas em andamento se manifestassem, antes de continuar a reduzir os juros, provavelmente no segundo semestre. A queda de 0,25 p.p. não muda este cenário.

* Professor do Departamento de Economia da PUC/Rio, é economista chefe da Genial Investimentos


Demétrio Magnoli: Repórter cometeu o pecado capital de expor fábrica da 'guerra da informação'

Nesse passo, Patrícia Campos Mello mostrou o caminho que a imprensa precisa seguir, se pretende sobreviver

O governo Bolsonaro odeia o jornalismo profissional. No caso da jornalista Patrícia Campos Mello, porém, o caso é visceral. Na campanha de 2018, Bolsonaro declarou uma “guerra” à imprensa, dando a senha para uma enxurrada de calúnias e ameaças à repórter que investigava a máquina eleitoral de difusão de fake news.

Agora, na CPMI das Fake News, Eduardo Bolsonaro apoiou-se nos ombros de um pulha para, num exercício de covardia, atingir sua integridade pessoal. Não é casual: Patrícia cometeu o pecado capital de invadir uma redoma proibida, expondo os contornos da fábrica da “guerra da informação”. Nesse passo, mostrou o caminho que a imprensa precisa seguir, se pretende sobreviver.

Fake news são o complexo de notícias falsas, operações de difamação e campanhas de promoção do ódio que ganhou dimensões inéditas com a universalização da internet. O fenômeno novo é a sofisticação do arsenal empregado na guerra virtual da informação.

No início, mais de uma década atrás, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos políticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ruído periférico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difusão globalizada de fake news.

Os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicitária obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilhões para US$ 18,3 bilhões. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana —e isso sem produzir uma única linha de conteúdo jornalístico original.

O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a abolição da verdade factual na esfera do debate público.

A fabricação de fake news tornou-se parte crucial das estratégias de Estados, governos, organizações terroristas e supremacistas. A China, que prioriza o público interno, e a Rússia, que se dirige principalmente à opinião pública europeia e americana, são atores centrais nesse palco.

Graças ao Facebook, as forças armadas de Mianmar deflagraram uma eficiente campanha de limpeza étnica contra a minoria rohingya e o governo nacionalista indiano consegue inflamar a xenofobia contra os muçulmanos de Assam.

Perde-se no passado o esforço amador do PT para criar um Pensador Coletivo por meio de núcleos de militantes treinados no que o responsável pelo setor classificou como “guerra de guerrilha da internet”.

Atualmente, no mundo todo, governos e partidos populistas, na direita e na esquerda, empregam aparatos especializados na difusão massiva de fake news. O governo Bolsonaro estabeleceu, com verba pública, dentro do Planalto, um “gabinete do ódio” destinado a coordenar sua “guerra da informação”. No fim, o que está em jogo é o funcionamento da democracia, como explica o jornalista Eugênio Bucci no livro “Existe Democracia sem Verdade Factual?”.

A imprensa também está em perigo, junto com a democracia. Se, no plano dos fatos, verdade e falsidade tornam-se narrativas indistinguíveis, o jornalismo profissional perde seu objeto. Daí, emerge uma nova missão jornalística: pautar as fake news, como se pautam políticas públicas, eleições, debates parlamentares, guerras reais, inundações.

A checagem ritual de notícias falsas, iniciativa útil, é totalmente insuficiente. No campo analítico, trata-se de iluminar os sentidos políticos das campanhas de fake news, evidenciando suas estruturas de linguagem, seus alvos imediatos e suas metas estratégicas. No campo investigativo, é preciso descerrar o véu que cobre as engrenagens de fabricação das fake news, expondo os atores políticos e empresariais envolvidos na guerra contra a verdade. Patrícia engajou-se nisso —e, por isso, virou alvo.

*Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.