Day: fevereiro 13, 2020
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Eduardo Rocha: Fortunas e salários na reforma tributária
Quando crescem no mundo e no Brasil as críticas à desigualdade e os apelos à taxação dos ricos, é decepcionante a afirmação (Valor Econômico - 11/02/2020) do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM), negando taxar as grandes fortunas na reforma tributária. “Nunca tratei [de taxação de] grandes fortunas e não vou tratar”, disse na saída de almoço com empresários na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ).
Em contrapartida, seguem vigentes os enormes prejuízos aos salários causados pela injustiça tributária expressa na defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR) que atingiu astronômicos 103,87%, segundo estudo do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco).
Entre 1996 e 2019, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) somou 327,37%, enquanto os reajustes realizados pelo governo chegaram a 109,63%. Nos últimos 23 anos, em apenas cinco as correções superaram a inflação: 2002, 2005, 2006, 2007 e 2009. Desde 2016, não há correção da tabela.
Hoje é isento de IR quem ganha até R$ 1.903,98. Se a tabela fosse corrigida pela inflação acumulada, cerca de 10 milhões de contribuintes que ganham até R$ 3.881,65 ficariam isentos de pagar o IR.
Entre 1976 e 1978, o Brasil tinha 16 faixas de renda nas tabelas do IR, o que garantia maior progressividade. Entre 1983 e 1985, a tabela tinha 13 faixas e a alíquota máxima era de 60% (já foi de 65% entre 1963-1965). A partir da década de 1990 - à exceção dos anos de 1994 e 1995 - o número de faixas caiu para três e a alíquota máxima reduziu-se para 25%. Em 2009, a tabela foi novamente modificada, com a adoção de cinco faixas de salário e alíquota máxima de 27,5%.
Enquanto os poderes centrais são imperdoáveis com os assalariados, pois arrocham o seu poder de compra e fazem que mais e mais trabalhadores entrem na faixa que começa a pagar IR, esses mesmos poderes são dóceis à ''moneycracy'' (dinheirocracia) - que não abrirá mão tão fácil de seus privilégios fiscais.
A Comissão Mista do Congresso Nacional a ser criada para formatar a reforma tributária deve ser pressionada por milhões de cidadãos para que a tabela do IR seja corrigida e que os que mais têm e ganham paguem mais.
Caso contrário, a reforma será um teatro farsesco onde valerá a máxima do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu clássico “O Leopardo”: “Tudo deve mudar para que tudo fique como está” – marcando mais uma vez, infelizmente, o triunfo e alegria da minoria e a derrota e tragédia da maioria.
*Eduardo Rocha é economista
Ribamar Oliveira: Prioridade deveria ser a PEC Emergencial
Reforma tributária, embora necessária, pode esperar
É difícil acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano, se ainda não se conhece sequer qual é a proposta do governo federal. Ontem, em reunião com secretários estaduais de Fazenda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que, em duas semanas, “está chegando um pedaço” ao Congresso Nacional.
Outra dificuldade para acreditar na rápida aprovação da reforma tributária é que o ministro da Economia quer criar uma nova CPMF para desonerar a folha de pagamento das empresas, pois, com isso, ele acredita será possível criar condições para o rápido crescimento do emprego no país. O problema é que o presidente Jair Bolsonaro é contra a nova CPMF, qualquer que seja o seu novo nome, e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), também são.
Mesmo o “pedaço” da proposta do governo a ser enviado causou polêmica entre os secretários estaduais de Fazenda. Guedes teria dito que vai propor um IVA (Imposto sobre Valor Adicionado) Dual, com a fusão dos tributos federais com o ICMS, ficando o ISS de fora. Os secretários querem a unificação de todos os tributos federais, estaduais e municipais em um único imposto sobre o consumo.
Guedes disse que o governo vai propor também alterações no PIS e na Cofins. Ontem, momentos antes de ser substituído na Casa Civil, o ministro Onyx Lorenzoni, afirmou que, pessoalmente, defendia tratar agora só a reforma dos impostos federais e “daqui a dois ou três anos fazemos uma reforma do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços [ICMS]”.
A proposta de reforma do PIS/Cofins está pronta, na Casa Civil, desde a gestão do ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Os governos não conseguem enviá-la ao Congresso, tal a resistência que ela enfrenta, pois eleva a carga tributária do setor de serviço. Os líderes partidários já se manifestaram contrários à votação apenas desta reforma.
Há um outro obstáculo que torna ainda mais difícil a aprovação de uma reforma tributária. A discussão está sendo feita em um momento em que o setor público brasileiro necessita ajustar as suas contas, que estão deficitárias desde 2014, principalmente as da União. A situação financeira de, pelo menos, uma dezena de Estados é calamitosa.
Quatorze Estados estão com nota C, e três, com nota D, segundo o Tesouro Nacional. As notas medem a capacidade dos Estados de pagarem suas dívidas. Aqueles que estão com nota C não podem obter aval do Tesouro para novos empréstimos. E os que têm nota D estão em situação falimentar. Em 2019, a União foi obrigada a honrar dívidas não pagas por Estados e municípios, das quais era avalista, no montante de R$ 8,35 bilhões. Vários Estados conseguiram liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) para deixar de pagar seus débitos com a União.
O Brasil já viveu situação semelhante. Em 1995, ao assumir a Presidência da República, Fernando Henrique Cardoso encaminhou uma proposta de reforma tributária (PEC 175/95). A PEC foi relatada pelo falecido deputado piauiense Mussa Demes. Quando o parecer de Mussa estava pronto para ser votado e tinha o apoio do então governador de São Paulo, Mário Covas, mesmo com o seu Estado perdendo R$ 4,5 bilhões em receita, a então equipe econômica de FHC decidiu enviar ao Congresso uma nova proposta. E a reforma terminou não sendo votada.
Durante todo o processo de discussão da reforma, a carga tributária subiu muito. Ela passou de 29,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1995 para 35,6% do PIB em 2002, segundo dados da Secretaria da Receita Federal. Isso mostra que a necessidade de ajustar as contas públicas predominou sobre a reforma.
A substancial melhora no resultado primário do setor público registrada em 2019 decorreu de receitas extraordinárias (não recorrentes), principalmente as obtidas com os leilões de petróleo.
Muito provavelmente, o déficit primário deste ano será pior do que o de 2019. A dívida pública bruta só caiu porque o BNDES continuou antecipando o pagamento dos empréstimos obtidos junto ao Tesouro Nacional, e o Banco Central realizou significativas vendas de reservas internacionais do país. O governo precisa registrar superávit primário a partir de 2023, pois, do contrário, a dívida pública bruta provavelmente voltará a crescer.
Um outro aspecto é ainda mais relevante. A Emenda Constitucional 95, que instituiu limites individualizados de despesas para os vários Poderes da República, é, atualmente, a viga mestra do cenário fiscal brasileiro. É difícil saber o que acontecerá, em termos de expectativas dos mercados, se o governo não conseguir sustentar o teto de gastos.
A preservação do teto por mais algum tempo é, portanto, uma questão central. E, para conseguir a façanha, o governo precisa que o Congresso aprove a proposta de emenda constitucional 186/2019, conhecida como PEC Emergencial. A proposta autoriza o governo a adotar uma série de medidas para controlar o crescimento das despesas obrigatórias. Sem a sua aprovação, o cenário fiscal irá se deteriorar. O Congresso deveria colocar foco na PEC 186, antes de analisar qualquer outra matéria.
Míriam Leitão: O ritmo lento da recuperação
Ano começa sem sinais mais fortes de retomada na economia. Efeito do FGTS está diminuindo e os investimentos seguem incertos
O Banco Central alertou que a economia tem uma “dicotomia” no ritmo da retomada, o emprego está um pouco melhor, mas a indústria e o investimento estão muito baixos. Acha também que está difícil medir o real nível de ociosidade do país. A economista Silvia Matos, do Ibre/FGV, disse que de fato a recuperação está muito heterogênea, e o empresário Manoel Flores, da área de material de construção, diz que a inadimplência está menor, mas o crescimento do emprego está fraco. Momentos de transição, em meio a outras crises, são mesmo difíceis até de avaliar o que está acontecendo.
As quedas da indústria e do comércio em dezembro jogaram uma ducha de água fria nas projeções mais otimistas da retomada. O efeito do FGTS sobre o consumo começou a perder força, e a indústria não consegue crescer via comércio exterior. Incertezas novas apareceram no mundo, como o coronavírus. A Argentina se afunda na crise, sem conseguir lidar com a dívida externa e interna. Aqui dentro, setores e regiões do país têm disparidade de ritmos de recuperação. O governo mandou três PECs para o Congresso, mas não tem propostas conhecidas de reforma tributária e administrativa. Num quadro assim, há paralisia de investimentos.
O diretor superintendente do grupo Astra, Manoel Flores, empresa que fabrica revestimentos e materiais de construção, tem a boa notícia de que a inadimplência de seus clientes é a mais baixa desde o início da crise e que no ano passado o volume produzido e os empregos cresceram cerca de 3%. O problema é que o emprego está longe do que foi:
— A base de comparação é muito baixa. Para se ter uma ideia, cortamos 32% do nosso efetivo com a crise. No ano passado recontratamos 3%.
Mesmo assim, o empresário se diz otimista com o que está acontecendo no setor que tem puxado a retomada:
— A sensação geral é positiva, a construção civil como um todo, novos lançamentos, manutenção, reforma, tudo vai ter um desempenho melhor este ano. Mas em conversas com o nosso conselho, apontamos que está mais animado na mídia do que na realidade.
A economista Silvia Matos, pesquisadora sênior da área de economia aplicada do Ibre/FGV, diz que já esperava a continuação da recuperação lenta no início deste ano. Não se surpreendeu com os números fracos da indústria e do comércio. A FGV mantém a projeção de alta de 2,2% do PIB em 2020, mas tudo vai depender do coronavírus e da economia mundial.
— No final do ano passado houve um choque na inflação que afetou o consumo. A boa notícia é que já se dissipou. O que chama a atenção é que o crescimento é muito heterogêneo. Segmentos mais voltados ao consumo estão mais felizes, o investimento está pior. Se estivéssemos em ciclo forte e sustentado, todo mundo deveria estar crescendo junto — explicou.
Manoel Flores chama a atenção para a alta de apenas 0,1% na produção de cimento no mês de janeiro sobre o mesmo período do ano passado. Isso não é compatível com tudo o que se diz sobre a alta da construção. As chuvas em Minas Gerais, estado grande produtor, pode ter afetado o desempenho do setor. Ele explica que houve investimento em automação durante o período da crise e dificilmente empregará o mesmo número de funcionários, mesmo quando recuperar a produção.
O BC também disse na sua ata que há uma dificuldade de aferir o grau de ociosidade da produção, ou seja, que nível de produção está sem ser utilizada neste momento, um indicador importante da capacidade de crescer rápido e sem pressionar a inflação. Há economistas que acham que tão longa recessão pode ter tornado obsoleto parte do parque produtivo. Muitas máquinas devem estar defasadas. Silvia Matos também se preocupa com a baixa produtividade da mão de obra, que possivelmente se agravou depois de um desemprego tão longo.
— Educação é a chave para o crescimento. Temos um problema histórico e muitos jovens se formaram, mas ficaram fora do mercado de trabalho muito tempo. Eles estão perdendo habilidade. Não temos mais o bônus demográfico e essa juventude não está sendo treinada. Os problemas estruturais persistem — afirmou.
A agenda de reformas parece confusa para alguns empresários. A reforma tributária tem dois projetos tramitando, o governo até agora não enviou a sua proposta, mas garantiu que ela sairá em duas semanas. No setor elétrico, a dúvida é se haverá ou não a privatização da Eletrobras. Por todas essas razões, a recuperação continua em passos lentos.
Zeina Latif: Economia em vertigem
Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado
O documentário Democracia em Vertigem tem entranhas. Com voz melancólica, a narração de Petra Costa aflora uma esperança ingênua da diretora em um País melhor, com o PT, seguida de grande decepção e visão de um “futuro sombrio”.
Há muito de pessoal no documentário, pois carrega a dor de seus pais perseguidos no regime militar, filhos da elite empresarial, cuja empresa cresceu naquele período e foi condenada nos escândalos de corrupção. O projeto da direita precisou sacrificar membros da elite por meio da Lava Jato para extirpar o PT, segundo relato de sua mãe.
O documentário expõe a dor de muitos, e precisa ser reconhecida, assim como a dor dos seus opositores, por razões diferentes. Ser indicado ao Oscar premia sua qualidade técnica. Há muitos méritos, portanto.
O documentário, porém, é parcial em demasia, incorporando a tal narrativa da esquerda. É o lamento de um segmento da sociedade; não um documentário, de fato, comprometido em traçar um retrato mais fiel da nossa história recente.
Atribui a Lula o dom de “salvador da pátria”. Depois, vem a decepção com as alianças políticas, algumas inevitáveis diante da dificuldade de governar um país tão complexo. Já Dilma, foco de admiração, agiu na “contramão da conciliação lulista”.
Os problemas econômicos no governo Dilma são tratados de forma ligeira e, nem de longe, se dá uma noção dos muitos equívocos na política econômica. O documentário se esquiva dos excessos cometidos e dos manuais rasgados na gestão das contas públicas, especialmente em 2014 visando à reeleição. Foi implementada uma agenda, dita de esquerda, mas que prejudicou os mais pobres. A piora dos indicadores sociais dos últimos anos foi plantada em seu governo.
O desprezo pela disciplina fiscal prejudicou também a chamada nova classe média, pela inflação teimosa e pela necessidade de aumentar os juros, afetando o emprego. Bem intencionada ou não, Dilma protegeu e beneficiou grupos de interesse, como o funcionalismo e segmentos do setor produtivo; justamente a elite. A fatura ficou para a sociedade.
As políticas públicas de transferir recursos a parcela do setor privado e o protecionismo, alimentaram, de quebra, a corrupção.
Para Petra, os protestos de 2013 decorreram de uma insatisfação que vinha de longe, na linha do “gigante acordou”, sendo apenas necessário um gatilho. Na “onda da primavera árabe”, os culpados seriam a repressão policial nas primeiras manifestações e a ação da mídia e das redes sociais. Ela não reconhece a responsabilidade do governo. Naquele momento, a inflação incomodava e a indústria estava estagnada, ambos contrariando as promessas feitas.
De fato, os protestos recrudesceram o quadro político, mas foram consequência, e não causa, da crise de governabilidade. Como muitos políticos, Petra não compreendeu aquele momento do País.
Ao abordar o impeachment, fala-se mais de oportunistas e redes sociais do que de economia, que era o cerne da questão. A decisão foi política, mas refletiu a pressão das ruas. Vale destacar que desrespeitar regras fiscais e camuflar os excessos com truques contábeis não só gera crise, como também ameaça a democracia.
O impeachment alimentou a polarização política, mas ele parecia inevitável diante de tamanha crise econômica, bem como da incapacidade do governo de consertar o estrago produzido. Difícil acreditar que Lula na Casa Civil, com credibilidade abalada, conseguiria reverter o quadro. Culpar o ciclo de preços de commodities, protestos e Lava Jato, e minimizar os erros do governo na economia é diversionismo ou desconhecimento.
Em 2014 já havia razões para Dilma não ser diplomada presidente da República. Instituições de controle e lideranças políticas, inclusive do PT, identificavam as “pedaladas” e outras impropriedades administrativas.
Dilma terminar o mandato teria ajudado a unir o País, mas a um custo social elevado. Unidos, mas por um desastre econômico ainda maior.
Faltou o documentário discutir o principal: a economia em vertigem.
* Consultora e doutora em economia pela USP
José Serra: Mais uma sopa de pedras
Não precisamos de regras heterodoxas para controlar o crescimento do gasto obrigatório
No final do ano passado o governo federal apresentou ao Senado a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n.º 188, cujo propósito é estabelecer novas regras para controlar as despesas do orçamento federal. Mais uma! Será a 12.ª regra fiscal dos últimos anos, num país que não consegue pagar as despesas do dia a dia com os tributos arrecadados. E a nova proposta traz um detalhe perigoso: compromete a estrutura do teto de gastos, até agora uma presumida âncora da política fiscal.
O propósito da PEC 188 é nobre: integrar o pacote econômico endossado pelo Poder Executivo a fim de pôr em ordem as contas públicas. No entanto, dada a falta de consistência, a proposta pode acabar virando uma sopa de pedras. As possibilidades levantadas pela equipe econômica, contraditórias e desarmonizadas, se assemelham a pedrinhas lançadas no caldeirão do sistema de regras que deveriam nortear o nosso processo orçamentário. O gosto é insosso.
Para além de uma distribuição de recursos dos royalties do petróleo mais vantajosa para Estados e municípios, propõe-se uma nova regra de ajuste fiscal no artigo 109 da PEC 188: toda vez que um órgão da administração pública federal gastar mais do que 95% do seu orçamento com despesas tidas como obrigatórias, ficará sujeito a restrições fiscais como proibição de contratar funcionários públicos e de criar novas despesas obrigatórias.
Esse controle do crescimento do gasto obrigatório é estranho. O conceito de despesa obrigatória é um dos mais imprecisos do nosso arcabouço jurídico. Além disso, a matemática rústica que envolve a métrica incentiva o aumento dos gastos e a rigidez orçamentária. Quanto maior for o orçamento total do órgão, maior será o espaço fiscal para se criarem gastos obrigatórios.
Mas o principal problema da PEC é a alteração que propõe na estrutura do teto de gastos, aprovado em 2016 para impedir o crescimento das despesas acima da taxa anual de inflação. Sabe-se que desde 2014 o orçamento federal tem registrado resultados negativos. Ou seja, os tributos e taxas arrecadados pela União não estão sendo suficientes para bancar as despesas da máquina pública. Para combater esse déficit orçamentário o Congresso aprovou a Emenda Constitucional n.º 95, estabelecendo um limite de crescimento para os gastos públicos. Teria sido melhor aprovar naquele momento um limite para a dívida pública federal, por ser a regra fiscal mais efetiva e adotada nas democracias avançadas.
As boas práticas internacionais ensinam que a não observância de regras fiscais deve acarretar sanções. Estas podem ser monetárias, como proibição de se criar novas despesas, ou administrativas, como multas ou tipificação criminal dos responsáveis por atos que violam as regras. A Emenda 95, corretamente, foi aprovada estabelecendo sanções monetárias a serem aplicadas quando o teto é descumprido, sem partir para a criminalização da política fiscal.
A PEC 188 rompe com essa ideia. Se aprovada como pretende a equipe econômica, o presidente da República passa a cometer crime quando a despesa pública crescer a uma taxa superior à inflação. Esse tipo de sanção, vale dizer, também pode derrubar chefes dos Poderes Judiciário ou Legislativo que estejam gerindo despesas inercialmente crescentes por causa de administrações anteriores imprudentes do ponto de vista fiscal. Na prática, o risco de se criminalizar a política fiscal é o início do fim do teto de gastos.
Mal desenhadas, as regras fiscais não são cumpridas nos países que mais precisam delas. É curioso perceber que no Brasil a elevação do endividamento público acompanha um mosaico de leis para controle de gastos. Pesquisas do economista francês Charles Wyplosz mostram que o mesmo fenômeno se verifica em diversos países europeus – Espanha, França, Grécia e Itália –, onde a dívida pública cresce persistentemente ainda que esteja em vigor, na zona do euro, um amplo leque de regras fiscais.
Nota-se também que no Brasil a elevada fragmentação partidária promove um processo orçamentário caótico. O grande número de atores com poder de influência acaba beneficiando grupos de interesse específicos, que no mais das vezes prevalecem em detrimento dos direitos dos demais contribuintes. Nesse contexto, não podemos criar regras constitucionais de curto alcance.
O Senado deve ter presente que vai assumir a grande responsabilidade de analisar as propostas apresentadas pelo governo para pôr em ordem as contas públicas. Se queremos ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), devemos apostar no que deu certo por lá: limitar o montante da dívida pública e institucionalizar processos de revisão periódica de gastos (spending reviews) – que está pronto para ser votado na Câmara dos Deputados há mais de um ano e estranhamente não foi considerado prioritário pelo atual governo. Essas medidas tornariam o teto de gastos mais efetivo no longo prazo e garantiriam o ajuste fiscal sem comprometer investimentos sociais em saúde e educação. Não precisamos ingerir sopas de pedras na forma de novas regras heterodoxas para controlar o crescimento do gasto obrigatório ou para criminalizar a política fiscal.
* José Serra é Senador (PSDB-SP)
Vinicius Torres Freire: Generais ocupam Planalto, Congresso se irrita com governo
Congresso fica mais independente; núcleo original da gestão de governo se desfez
Jair Bolsonaro deve manter em 2020 o mesmo padrão de relacionamento com o Congresso observado em 2019: nenhum. Haveria ao menos um padrão mínimo de governo?
O Planalto é mais e mais ocupado por oficiais-generais.
Podem colocar ordem na zorra da coordenação administrativa, embora não tenham experiência de articulação de governo, ministerial, e ainda menos parlamentar.
O núcleo original de ministros “da casa”, com assento no Planalto, acaba de se desmanchar de vez com a provável nomeação de um oficial-general de quatro estrelas para a Casa Civil.
Gustavo Bebianno foi demitido da Secretaria-Geral ainda em fevereiro do ano passado; o general Santos Cruz caiu da Secretaria de Governo em agosto em junho. Ambos foram abatidos com humilhação pela filhocracia, adepta da seita do orvalho de cavalo. Onyx Lorenzoni deve deixar oficialmente a Casa Civil, onde de fato jamais esteve, por inoperância.
A Secretaria de Governo é ora comandada por um general de quatro estrelas da ativa, Luiz Ramos. A Casa Civil pode ir para outro general de exército da ativa, Braga Netto, que seria outro chefe de Estado-Maior do Exército a ir para o governo, como foi o caso do ministro da Defesa, Fernando de Azevedo. Como foi o caso, aliás, dos generais-ministros Sérgio Etchegoyen (Gabinete de Segurança Institucional, GSI) e Luna e Silva (Defesa) no governo de Michel Temer.
A Secretaria-Geral é ocupada por um major PM, Jorge Oliveira, de longa relação familiar com os Bolsonaro, que tenta ser um gerente-geral jurídico-administrativo. Depois de uma quarentena na geladeira política, em parte autoimposta, o vice-presidente-general Hamilton Mourão foi convocado para conter a balbúrdia em parte da área ambiental, assumindo o Conselho da Amazônia.
Depois de levarem rasteiras inesperadas por eles mesmos quando pareciam conter as áreas mais lunáticas do governo (Itamaraty, filhocracia fazendo bagunça no play do Planalto), os oficiais-generais parecem dar a volta por cima de modo também imprevisto. O comando do Exército fica ainda mais identificado com o governo.
O sentido da mudança ainda é difícil de decifrar, como tanto no governo Bolsonaro.
Ao que parece, para o presidente, militares teriam a capacidade de gerência, mas não estariam inclinados a fazer carreira política ou sombra para Bolsonaro.
Para lideranças do Congresso, os generais são criaturas com quem se pode dialogar de modo razoável, racional e profissional, mas que não têm traquejo para articulações políticas maiores. Enquanto o comando do Congresso tiver lideranças mais ou menos comprometidas com isso que se chama de “agenda de reformas”, toca e comanda o barco.
Isso vai durar? Os parlamentares pouco ganham do governo, têm cada vez mais poder sobre o Orçamento (emendas e investimentos em particular), são enxovalhados pelas milícias virtuais e aos poucos vão se cansando de carregar o piano de medidas impopulares.
Por ora, o governo tem maioria acidental, instável e desestruturada para aprovar linhas gerais da “agenda liberal”, que nem é exatamente a de Paulo Guedes. Mas por que continuariam a apoiar o programa geral da elite e de parte do governo se do governo não precisam ou dele pouco recebem?
Não há pontes entre governo e Congresso, apenas pinguelas. Os comandantes do Exército ocupam o Planalto. Ministros da ala lunática continuam quase todos fora da casinha. Assim começa a política do ano dois da nova era.
Fernando Schüler: O protagonismo do Congresso
Esse é o melhor caminho de que dispomos para conduzir as reformas
Um dos mantras preferidos do governo é afirmar a autonomia do Congresso. Quem gosta do governo diz que se trata de respeito às instituições; quem não gosta diz que é desleixo ou incompetência. Ambas as opiniões valem pouco em um debate complexo como esse.
É fato que o Parlamento assumiu um novo protagonismo na democracia brasileira. O governo não perdeu propriamente a condução da pauta política. Estão aí o plano Mais Brasil e as três PECs, bem como o projeto de autonomia do Banco Central. E Rodrigo Maia já disse que a reforma administrativa não anda se o governo não assumir a paternidade.
Mas estamos diante de um novo modelo. A equação anterior, em que o governo distribuía a máquina púbica para obter maioria no Congresso, simplesmente se esgotou. Em nosso quadro de extrema fragmentação partidária, tudo ficou caro demais. Haverá tempo para um diagnóstico cuidadoso disso tudo.
O conceito que bem define o novo cenário é a corresponsabilidade. Podem-se buscar outros nomes, mas é disso que se trata. Equação feita de tensões e maiorias provisórias. Consensos construídos a cada projeto. Foi o que se viu nesta semana, no acordo em torno do orçamento impositivo.
A pergunta é se tudo isso faz bem à democracia e favorece a governabilidade do país. Para a democracia não me parece haver dúvidas. O argumento da coalizão majoritária, nos moldes praticados desde a redemocratização, parte de duas premissas frágeis.
A primeira atribui demasiada racionalidade ao Executivo. É o argumento do Executivo-príncipe. Quando lembro do plano Collor, dos desmandos fiscais de meados da década passada, ou mesmo da atual "agenda conservadora", o argumento me parece perturbador.
Uma das funções essenciais do Parlamento é exatamente conter o Executivo. Isso é bom para a democracia. Não há lógica em quem ataca dia e noite a agenda do governo e, ato seguinte, reclama que o governo não tem maioria no Congresso.
A segunda fragilidade é atribuir virtude aos instrumentos constitucionais colocados à disposição do presidente para formar base, no modelo habitual de coalizão. Distribuir emendas e cargos aos deputados amigos é reproduzir cansativamente nosso surrado patrimonialismo político.
Pode-se conceber, em abstrato, a ideia de uma coalizão em bases programáticas. Quando, exatamente, isso aconteceu? Em momentos de ruptura, como no governo Itamar? No primeiro mandato de Fernando Henrique, como li recentemente? É possível que no futuro andemos nessa direção, mas não sem uma mudança de incentivos institucionais. A reforma política que não está no horizonte de ninguém.
Quanto à governabilidade, Christopher Garman sugere uma visão positiva do protagonismo parlamentar. As restrições da PEC do Teto e o avanço do Parlamento sobre a execução orçamentária tornariam racional para a liderança legislativa apoiar a agenda reformista, além de algum incentivo à responsabilidade fiscal.
Boa tese, ainda que enfrente um problema de ação coletiva. É preciso coordenar a ação de uma base fluda de 17 partidos, 400 parlamentares e uma profusão de interesses paroquiais. Com a execução obrigatória de emendas e sem cargos no varejo, para que mesmo lealdade ao governo?
A melhor posição para o parlamentar seria a do "caroneiro". Podendo colher um ganho coletivo com as reformas e deixar que os outros assumam o ônus de medidas impopulares, por que não? Não foi por isso que estados e municípios ficaram de fora da reforma da Previdência?
Não penso que exista um modelo comparável globalmente para saber o destino da atual experiência brasileira. O governo Bolsonaro não é minoritário no Congresso. É apenas inorgânico, mas com uma agenda que vem se mostrando majoritária nos temas cruciais.
Seu maior erro seria precisamente tentar fazer o que até hoje nunca se dispôs ou teve capacidade para fazer: vincular o apoio à agenda econômica à lealdade ao governo. Sua melhor chance é manter a distância e a fluidez da base, ao contrário do que muitos pregam.
Por fim, um dado pragmático. O governo não irá mudar seu modo de condução política. Se o protagonismo do Congresso não é o melhor caminho para a viabilidade das reformas nestes tempos de incerteza, diria que é o único caminho do qual dispomos.
*Fernando Schüler, professor do Insper e curador do projeto Fronteiras do Pensamento. Foi diretor da Fundação Iberê Camargo.
Maria Hermínia Tavares: O último dique
Sociedade e instituições são diques contra populistas
Sob presidentes populistas, as democracias sempre correm risco. Mas elas podem morrer, como na Venezuela, Hungria e Filipinas, ou continuar vivas, como na Itália e Estados Unidos.
Os autocratas tratam de enfraquecer o sistema, atacando a imprensa independente, desqualificando os adversários e atiçando os seguidores com a linguagem chula que uns e outros tanto apreciam. Só que o desfecho da ofensiva depende de muito mais do que isso.
Aqui, como em toda parte onde populistas ascenderam ao poder, a sociedade organizada e, especialmente, as instituições políticas, funcionam como diques de contenção aos seus piores intentos. Assim têm se conduzido —para surpresa de céticos e cínicos— o Congresso, as instâncias superiores do Judiciário, setores do Ministério Público e as Defensorias.
Outra barreira robusta é a reação de governadores eleitos sob diferentes equações políticas, a demonstrar o papel do sistema federativo para limitar o raio de ação do governo nacional. Numa Federação, é pouco provável, se não impossível, o alinhamento automático dos estados a Brasília —mesmo quando são amplos os recursos de poder concentrados no Executivo federal.
Além de sua relativa autonomia, os governadores fazem seus cálculos políticos de olho naqueles que os escolheram e podem reelegê-los ou apoiá-los em voos mais ambiciosos. Do paulista Doria ao maranhense Dino, governadores têm voz própria, e alguns deles a usam de forma incisiva sempre que Bolsonaro ensaia alguma iniciativa mais desastrada e danosa ao pluralismo democrático e aos direitos dos cidadãos.
Mas nossa Federação não termina nos estados. Sua base é formada por 5.570 municípios, que têm em comum governos escolhidos pelo voto popular. Ele será exercido outra vez neste ano. As eleições locais têm pelo menos dois efeitos importantes sobre a política nacional. De um lado, tende a haver uma correlação entre os resultados obtidos nos municípios e a composição da Câmara Federal dois anos depois. Afinal, prefeitos e vereadores atuam como cabos eleitorais de candidatos à Casa.
De outro lado, embora falte à maioria dos municípios cacife para influir no jogo nacional, o resultado em algumas capitais é politicamente relevante. Faz diferença para a saúde da democracia no país que, por exemplo, São Paulo continue a abrigar manifestações artísticas que o governo federal tentou censurar. Ou que Porto Alegre possa seguir inovando no transporte coletivo. Ou ainda que, no futuro, sob um governo progressista, o Rio de Janeiro venha a ser um modelo de política civilizada de segurança pública.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
Bernardo Mello Franco: O capitão entre os generais
No primeiro ano de governo, Bolsonaro esvaziou os militares para mostrar que estava no comando. Agora ele vai entregar a Casa Civil a um general da ativa
O convite ao general Braga Netto cria uma situação inédita em Brasília. Pela primeira vez desde o fim da ditadura, a Casa Civil será chefiada por um militar. Isso não ocorria desde que o general Golbery do Couto e Silva deixou o governo Figueiredo. Ele esvaziou as gavetas em agosto de 1981, três meses depois do atentado do Riocentro.
Agora o governo de Jair Bolsonaro passa a ter nove militares entre os 22 ministros. Isso inclui as quatro pastas com assento no Planalto. Já estavam lá os generais Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), além do major da PM Jorge Oliveira (Secretaria-Geral).
Eleito por um partido nanico, Bolsonaro apelou aos militares para compensar a falta de quadros sem dividir poder com o Congresso. Logo passou a esvaziar os auxiliares de farda. Isolou o vice Hamilton Mourão e demitiu o general Santos Cruz. Os dois haviam entrado em colisão com o guru do clã presidencial, Olavo de Carvalho.
No auge do conflito, o autoproclamado filósofo disse que a contribuição dos militares à cultura nacional se limitava a “cabelo pintado e voz impostada”. A ala verde-oliva ensaiou uma rebelião, mas preferiu engolir as humilhações calada.
Além de decapitar Santos Cruz, o presidente demitiu generais que chefiavam órgãos como Correios, Funai e Incra. Agora ele volta a recorrer à caserna para substituir o deputado Onyx Lorenzoni.
“Bolsonaro não queria ser visto como um capitão entre os generais. Por isso, usou o primeiro ano do governo para mostrar quem manda”, explica o cientista político João Roberto Martins Filho, da UFSCar.
Referência no estudo das Forças Armadas, ele diz que os militares acumularam desgastes ao associar sua imagem ao governo. Agora a aliança dos quartéis com o palácio ganha um reforço de peso. Até ontem, Braga Netto chefiava o Estado-Maior do Exército.
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Depois de chamar os servidores públicos de parasitas, Paulo Guedes reclamou que as empregadas domésticas estavam aproveitando o dólar baixo para ir à Disney. No posto Ipiranga do bolsonarismo, pobre só tem lugar como frentista.
Maria Cristina Fernandes: Um PhD em milícia na antessala de Bolsonaro
General assume a Casa Civil num momento em que a família Bolsonaro dá início a uma estratégia de vitimização por seu envolvimento com milícias
Foi a ida do ex-secretário da Previdência do Ministério da Economia, Rogério Marinho, para o Ministério do Desenvolvimento Regional que possibilitou ao presidente Jair Bolsonaro convidar o segundo general da hierarquia do Exército, o chefe do Estado-Maior Walter Souza Braga Netto, a ocupar a Casa Civil.
Colaborador de melhor trânsito no Congresso, de toda a Esplanada, Marinho tem interlocução com o ministro Paulo Guedes e habilidade para o jogo presidencial no Congresso e nas eleições municipais. Sem um partido para chamar de seu, o presidente vai tentar construir uma base municipal por dentro das legendas. Com uma pasta chave que comanda do Minha Casa Minha Vida às obras contra secas, Marinho atuará, de fato, como o ministro que vai tentar tocar a máquina governamental em sintonia com as demandas parlamentares. Está muito mais para a Casa Civil do que Braga Netto.
Parece ser outra a função a ser desempenhada pelo general. Junto com o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, e do ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, Braga Netto formará o triunvirato de generais cariocas que trabalharam juntos no Rio e tocam de ouvido. Braga Netto foi chefe da Autoridade Pública Olímpica quando Ramos era chefe da 1ª divisão do Exército e subordinado ao então comandante militar do Leste, Azevedo e Silva.
O triunvirato é prestigiado num momento em que os militares, apesar de terem ganho a desejada reestruturação da carreira e de terem os seus projetos entre os mais salvaguardados dos investimentos federais, não esconderem mais o incômodo com os protocolos deste governo. Ao inaugurar o instituto que leva seu nome, em Brasília, o ex-comandante do Exército, general Eduardo Villas-Boas franqueou a palavra a um potencial adversário da reeleição do presidente, o apresentador Luciano Huck.
Se ainda não está claro como a articulação política pode vir a passar ao largo de um Palácio do Planalto comandado por dois generais da ativa, parecem mais evidentes os predicados de Braga Neto num dos temas que mais inquieta o presidente da República. O conhecimento adquirido pelo general no modo de operação do crime organizado concorre com o do ministro da Justiça e potencial adversário do presidente em 2022, Sérgio Moro.
A intimidade adquirida com o modo de operação da milícia fluminense durante os 12 meses em que foi interventor federal no Rio durante o governo Temer tornou Braga Netto um verdadeiro arquivo vivo do tema. Chega ao Palácio do Planalto num momento em que o presidente da República paga uma fatura elevada pela longa e profícua relação com as milícias.
Depois das homenagens prestadas em vida ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, a família silenciou sobre sua morte, no domingo, pela polícia baiana. Ao romper o silêncio ontem, o senador Flávio Bolsonaro escreveu no Twitter, em forma de denúncia, que o ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, teria sua cremação acelerada para que as evidências de seu assassinato fossem apagadas.
O senador sugere, dessa forma, que seria o maior interessado em que Adriano ainda estivesse vivo, desvinculando-se da ‘queima de arquivo’ levantada pelo advogado do ex-capitão. O senador deu início à sua estratégia de vitimização no mesmo dia em que foi protocolado no Conselho de Ética do Senado um pedido de quebra de decoro do seu mandato. O sucesso desse pedido esbarra na ocorrência dos fatos alegados em período anterior ao seu mandato e, principalmente, nas ambições do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) em obter o aval do Palácio do Planalto para mudar as regras constitucionais e se reeleger à Presidência da Casa na mesma legislatura.
É no Rio que está o maior cerco sobre o filho do presidente. A lupa sobre os inquéritos que correm no Estado está a cargo do procurador-geral da República, Augusto Aras, que monitora o trabalho do Ministério Público e da polícia civil do Rio. O procurador também manteve o pedido feito por sua antecessora, Raquel Dodge, para que a competência da investigação da morte da vereadora Marielle Franco passasse da polícia do Rio para a Polícia Federal.
Como a vinculação de Adriano da Nóbrega com a morte da vereadora já foi descartada pela polícia civil do Rio e pela própria Polícia Federal, restou ao deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) concluir que foi o fato de a investigação se avizinhar da família do presidente que despertou o interesse na federalização. A decisão está a cargo do Superior Tribunal de Justiça.
Se a tese da federalização ganhou força com a incompetência, ou má-fé, demonstrada por uma operação policial incapaz de resgatar com vida um foragido cercado, a transferência de competência para a Polícia Federal esbarra no desinteresse demonstrado pela instituição quando da elaboração da lista vip de foragidos cuja captura deveria ser prioritária.
Freixo se antecipou à estratégia de vitimização dos Bolsonaro iniciada com a operação policial a cargo de uma polícia comandada por um governador do PT (Rui Costa). Não cobra que Bolsonaro responda sobre a morte de Adriano, mas sobre sua vida. As investigações em curso indicam que, além de recheada de homenagens e de empregos a parentes, o ex-capitão manteve contas bancárias por onde passavam as ‘rachadinhas’ do gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
É na Casa Civil de um governo cujo presidente é acossado por milicianos insepultos que aportará o austero Braga Netto. O general enfrentou forte resistência familiar para aceitar o cargo dada a memória de ameaças sofridas à época da intervenção militar do Rio.
A carreira do general não autoriza a interpretação de que seu conhecimento sobre o submundo do Rio se preste à cooptação ou que se submeta cegamente à missão de proteger o comandante em chefe em apuros. A única aposta que dá para fazer é que a nova leva de militares da Esplanada sentirá saudade dos tempos em que sua maior dor de cabeça era cortar os laços do governo com Olavo de Carvalho.
Bruno Boghossian: Bolsonaro se afasta mais da política ao buscar novo ministro militar
Saída de Onyx simboliza desapreço do presidente por trabalho de articulação
Ao buscar um homem das Forças Armadas para ocupar o principal ministério do Planalto, Jair Bolsonaro elimina as migalhas políticas que restavam no coração do governo. O presidente já havia esvaziado as funções do deputado Onyx Lorenzoni na Casa Civil. Agora, pretende entregar a um militar as chaves do último gabinete do palácio.
Bolsonaro bateu à porta do Quartel-General do Exército e convidou o quatro estrelas Walter Braga Netto para ajeitar as confusas atividades do governo. Cada vez mais fraco, Onyx não dava conta do recado e já não participava da interlocução com o Congresso. Era um bibelô político que deve dar lugar ao quarto ministro de farda no Planalto.
O presidente nunca escondeu seu desapreço pelo trabalho de articulação. De saída, ele se recusou a montar uma base de apoio no Congresso e distribuiu de maneira descuidada entre seus auxiliares a missão de conversar com parlamentares.
A divisão de tarefas funcionou mal, e o Planalto foi perdendo credibilidade. O ex-ministro Santos Cruz, que chegou a dividir com Onyx o relacionamento com deputados e senadores, já disse que a falta de nitidez nas funções de articulação política e coordenação de programas prejudicava o funcionamento do governo.
Depois de provocar uma sequência de colisões com o Congresso, o presidente ainda tentou concentrar o trabalho político nas mãos de outro militar. Sete meses após assumir o cargo, o general Luiz Eduardo Ramos ainda é visto com desconfiança até por parlamentares aliados.
Bolsonaro parece transferir essa função para fora do palácio. Agora, o ex-deputado Rogério Marinho é a aposta do governo para azeitar a relação com o Congresso. Novo ministro do Desenvolvimento Regional, ele vai gerenciar um orçamento milionário, cobiçado por parlamentares.
Ao defenestrar o único ministro político do Planalto, o presidente terceiriza uma tarefa que despreza. A decisão de pintar mais um gabinete de verde-oliva mostra de vez que o pilar de seu governo é outro.