Day: fevereiro 12, 2020

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Martin Wolf: Reeleição de Trump é perigo para o mundo

O povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente

De uma só cartada, o presidente dos EUA, Donald Trump, ficou livre. Com a esperada demonstração de partidarismo puro e simples, os republicanos do Senado (com exceção de Mitt Romney) abandonaram seus papéis de juízes constitucionais dos supostos abusos de poder cometidos por ele. Eles transferiram a decisão para os eleitores, nas eleições presidenciais de novembro. Trump terá muitas vantagens: apoiadores fervorosos, um partido unido, o colégio eleitoral e uma economia saudável. Sua reeleição parece provável.

A razão mais óbvia da possível vitória de Trump é a economia. Até mesmo por seus parâmetros, o discurso sobre o Estado da União na semana passada foi um caso de exagero carregado de hipérboles. Conforme observou Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, o desempenho dos EUA parece fraco pelos padrões de outros países em aspectos importantes, especialmente a expectativa de vida, as taxas de emprego e a desigualdade.

Além disso, o PIB, o nível de emprego, o desemprego e os salários reais seguem em grande parte tendências definidas no pós-crise. Dada a escala do estímulo fiscal, que resultou em grandes e persistentes déficits fiscais estruturais, isso não é uma grande realização. Mesmo assim, muitos americanos sentirão que a economia está melhorando. E isso certamente terá um grande papel nas próximas eleições.

Se Trump vencer, a nova vitória poderá ser ainda mais significativa que a primeira. Pois o povo americano escolher um demagogo clássico por duas vezes não poderá ser classificado como um acidente. Será um momento decisivo.

A implicação mais óbvia da vitória de Trump seria para a democracia liberal nos EUA. O presidente acredita estar fora do alcance da lei e do Congresso em relação ao que faz no cargo. Ele acredita dever explicações apenas para o eleitorado. Ele também acredita que todos os membros nomeados de seu governo, servidores públicos e autoridades eleitas de seu partido, devem lealdade a ele, e não a qualquer causa maior.

Os pais fundadores temiam esse tipo de homem. No primeiro dos Artigos Federalistas, Alexander Hamilton escreveu que “dos homens que subjugaram as liberdades das repúblicas, o maior número começou suas carreiras cortejando o povo de maneira servil; começando como demagogos e terminando como tiranos”. Nisso, ele foi acompanhado por Platão, que escreveu como um homem que assume o poder como protetor do povo pode ser tornar “um lobo - ou seja, um tirano”. Em seu Discurso de Despedida de 1796, George Washington afirmou que “as desordens e o sofrimento resultantes [do sectarismo] gradualmente levam a mente das pessoas a buscar segurança e confiar no poder absoluto de um indivíduo”. E o sectarismo certamente é abundante na América de hoje.

Não temos como saber até onde Trump estará disposto a ir ou até onde as instituições da república permitirão que ele vá. Mesmo assim, será que há algo que Trump poderia fazer, além de perder a lealdade de sua base, que pudesse convencer Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado, a se entusiasmar com ele? Não são as instituições que importam mais, e sim as pessoas que as servem.

Mesmo que a grande republica sobreviva em grande parte ilesa ao teste (o que é uma posição otimista), a reeleição desse homem - um demagogo, um nacionalista, um mentiroso contumaz e um admirador de tiranos - terá uma implicação mundial.

Déspotas veem Trump como alma gêmea. Os liberais democratas sentiriam-se ainda mais abandonados. A noção do Ocidente como uma aliança com algumas fundações morais iria se evaporar. Ele passaria a ser, na melhor das hipóteses, um bloco de países ricos tentando manter suas posições globais. Como nacionalista, ele continuaria detestando e desprezando a União Europeia (UE) como um ideal e detentora de um poder econômico de oposição aos EUA.

David Helvey, secretário da Defesa assistente e em exercício dos EUA, recentemente escreveu sobre a hostilidade da China e Rússia à “ordem baseada em regras”. Esse ideal é realmente importante. Infelizmente, seu inimigo mais poderoso é agora o seu próprio país, porque isso sempre dependeu da visão e energia americanas. Com seu mercantilismo e bilateralismo, Trump apontou um míssil intelectual e moral contra o sistema comercial global. Ele até mesmo vê seu próprio país como a maior vítima de sua própria ordem. O problema, então, não está no fato de Trump não acreditar em nada, e sim no fato de que aquilo em que ele acredita está sempre muito errado.

De uma maneira mais ampla, seu transacionalismo e disposição de usar todos os instrumentos imagináveis do poder dos EUA cria um mundo instável e imprevisível não só para os governos, mas também para os negócios. Essa incerteza também poderá piorar num segundo mandato. É uma questão em aberto a sobrevivência de algum tipo de ordem jurídica internacional.

Há grandes desafios práticos que precisam ser administrados. Um deles é a relação complexa e tensa dos EUA com a China. Mas mesmo neste ponto Trump está longe de ser o mais radical dos americanos. Ele tem uma camada de pragmatismo. Gosta de fazer acordos, não importando o quão mal ajambrados eles possam ser.

Talvez a questão mais importante (se não tivermos em conta evitar uma guerra nuclear) seja a gestão dos recursos comuns do planeta - acima de tudo, a atmosfera e os oceanos. Preocupações cruciais são o clima e a biodiversidade. Pouco tempo resta para agir contra as ameaças nos dois casos. Um governo Trump renovado, hostil a essas causas e ao próprio conceito da cooperação global, tornariam impossíveis as ações necessárias. Seu governo parece nem mesmo reconhecer o patrimônio público como uma categoria de desafio digna de preocupação.

Estamos num ponto crítico da história. O mundo precisa de uma liderança global excepcionalmente sábia e cooperativa. Não vamos conseguir isso. Pode ser tolice esperar isso. Mas a reeleição de Trump poderá muito bem representar uma falha decisiva. Preste atenção: o ano de 2020 será importante. (Tradução de Mário Zamarian)

*Martin Wolf é editor e principal analista econômico do FT


El País: Bolsonaro lidera pesquisa para reeleição em todos os cenários, inclusive contra Lula

Alento na economia faz reprovação de presidente ter queda de 5 pontos percentuais, aponta levantamento da consultoria Atlas Político. Sem Lula e Moro, ele aparece com 41% das intenções de voto

A aprovação do Governo de Jair Bolsonaro se mantém estável, sua reprovação caiu e, se as eleições fossem hoje, o presidente largaria na frente em todos os cenários. É o que mostra levantamento realizado pela consultoria política Atlas Político entre os dias 7 e 9 de fevereiro. A pesquisa aponta que, até o momento, os principais rivais de Bolsonaro são o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-juiz Sergio Moro. Sem o petista e o ministro da Justiça na disputa, o presidente aparece com 41% das intenções de voto, com larga distância entre o segundo colocado, o apresentador Luciano Huck (sem partido), com 14% dos votos. Atrás deles estão o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), com 13%, e o governador de São Paulo João Doria (PSDB), com 2,5%.

A quantidade de eleitores indecisos ou que declararam voto branco ou nulo é expressiva, chegando a 27%. O percentual é muito próximo da realidade das presidenciais de 2018, quando essa faixa do eleitorado bateu 30%. Por outro lado, as abstenções diminuem significativamente quando Lula e Moro entram na disputa. Neste cenário, o total de votos brancos, nulos e indecisos fica em 9%. Bolsonaro e Lula brigam pelo primeiro lugar, com 32% e 28% das intenções de voto, respectivamente. Moro, que tem refutado oficialmente qualquer intenção de disputar a presidência como rival do atual presidente, segue logo atrás, com 20%, seguido de Huck (6%), Dino (3%) e Doria (0,6%). A pesquisa foi realizada na Internet via convites randomizados com 2.000 pessoas, entre os dias 7 e 9 de fevereiro, em todas as regiões do país. A margem de erro é de 2% para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%.

O cenário em que Lula disputa a eleição é meramente hipotético hoje. Condenado em segunda instância no processo do tríplex, mesmo solto desde novembro, o petista não pode se candidatar, já que se enquadra na Lei da Ficha Limpa. Seus advogados, no entanto, tentam anular a condenação, questionando a atuação do então juiz Sergio Moro no caso. O pedido começou a ser julgado no Supremo Tribunal Federal no ano passado, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Caso a maioria dos ministros do STF decidam que Moro atuou de forma parcial, a condenação do ex-presidente no caso do tríplex volta à estaca zero, retornando para a primeira instância. Neste caso, Lula deixaria de ser ficha suja e estaria livre para se candidatar.

Em linhas gerais, a pesquisa do Atlas Político de agora mostra cenários bastante parecidos com o de 2018. Naquele ano, o PT lançou Lula candidato enquanto o petista ainda estava preso. Os levantamentos mostravam que ele liderava com folga em todos os cenários. Mas, impedido de disputar, o ex-presidente acabou substituído no último instante do prazo para o registro de candidaturas pelo ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. As intenções de voto no “candidato de Lula” despencaram, mas ainda assim Haddad foi para o segundo turno. Bolsonaro foi eleito com 55% dos votos, contra 44% do ex-prefeito paulistano.

Esse cenário se repete nesta pesquisa. Se o segundo turno das eleições fosse hoje, um candidato apoiado por Lula —qualquer que fosse ele—também ficaria em segundo lugar nos dois cenários criados pelos pesquisadores. Contra Jair Bolsonaro (45%), um candidato apoiado por Lula teria 35% dos votos. O percentual do indicado pelo petista permanece parecido (36%) quando a disputa é contra Sergio Moro. O que muda, no entanto, é que o ministro ganharia com ainda mais folga, com 54% das intenções de voto.

Otimismo com a economia

O levantamento também mediu a aprovação do Governo Bolsonaro, que se manteve estável: 29% agora, contra 27% em novembro de 2019. Enquanto isso, a reprovação registrou uma queda de cinco pontos percentuais, de 42% em novembro, para 37% agora. O otimismo com a gestão Bolsonaro também se reflete sobre as expectativas para a economia: metade da população diz acreditar que a situação econômica do país deve melhorar nos próximos seis meses. Ainda houve uma ligeira melhora na percepção sobre a criminalidade e a corrupção. Trinta por cento dos brasileiros dizem acreditar que a criminalidade está diminuindo —contra 27% em novembro do ano passado— e 26% disseram o mesmo sobre a corrupção, contra 17% em novembro.

O ciclo de deterioração do ministro Sergio Moro, observado desde as revelações dos diálogos entre ele e os procuradores da Lava Jato pelo The Intercept Brasil, também parece que está se revertendo. A aprovação do ex-juiz cresceu seis pontos de novembro para cá, batendo 54%. Em maio do ano passado, no entanto, ele era avaliado positivamente por 60% dos entrevistados. No mês seguinte, as mensagens começaram a ser reveladas, em reportagens de diversos veículos, dentre eles, o EL PAÍS, e a aprovação de Moro chegou a cair para 50%.

A pesquisa também avaliou a imagem de outros políticos e personalidades junto aos entrevistados. Enquanto Moro lidera o ranking dos que tiveram maior avaliação positiva (54%), seguido de Bolsonaro (43%) e Paulo Guedes (43%), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM) aparece com o maior índice de avaliação negativa (66%), seguido de João Doria (64%) e Fernando Haddad (59%).


Cristiano Romero: Tão longe do Brasil e tão perto do poder

A ideia de estabilidade no emprego no serviço público é tão disseminada que os empregados de estatais gozam desse privilégio sem nenhum amparo na lei

Embora o governo Bolsonaro tenha demonstrado até agora pouco interesse na reforma administrativa, o tema ocupou o debate e é parte da agenda do Congresso Nacional. A reforma é necessária e a justificativa vai além da premente questão fiscal. No conceito mais amplo, de mudança radical na forma como o Estado brasileiro está estruturado, as mudanças não dizem respeito apenas aos servidores públicos, mas a todos os setores específicos da sociedade que se beneficiam do orçamento público, em detrimento dos interesses difusos.

A máquina pública brasileira não foi pensada para defender os interesses de quem não possui representação política em Brasília. Mas, mesmo quem tenha essa agenda - seja um político, seja um movimento, seja uma entidade da sociedade civil -, não é o ideal porque, na luta democrática, esses serão apenas mais um grupo de pressão. Distribuição de renda, acesso gratuito a serviços de saúde e educação, combate à pobreza e auxílio a indigentes, por exemplo, não deveriam ser bandeiras de grupos de pressão nem de partidos políticos, mas missões do Estado brasileiro em todas as esferas, como prescreve a Constituição de 1988.

As dezenas de milhões de brasileiros inalcançados pelos aspectos civilizadores da Constituição não deveriam depender nem de governantes sérios nem muito menos, portanto, de populistas. Nem sempre elegemos os melhores governantes e, por isso, boas políticas são descontinuadas. Populistas são perversos porque prometem o que não podem, dão agora o que não será mantido adiante, apenas para iludir os eleitores e manter-se no poder.

O correto é que as instituições do Estado atendam a todos de forma neutra, independente, automática, impessoal, desvinculada de qualquer propósito político. A reforma do Estado não se explica apenas pela necessidade de se atender melhor ao público, mas de mudar totalmente as prioridades da máquina estatal, de forma que suas missões precípuas sejam levar serviço público a quem não o tem, formar cidadãos, igualar oportunidades, reduzir as desigualdades, garantir segurança pública à maioria (que não dispõe de recursos para viver em condomínios), proteger brasileiros que vivem em áreas controladas por organizações criminosas e milícias, assegurar segurança alimentar a quem não a tem etc.

Cabe aos políticos, cada qual com sua orientação ideológica, defender um modelo de Estado, mas sem que lhe seja possível impedir o cumprimento do que está na Constituição. O Brasil é desigual porque o orçamento público, desde sempre, destina mais recursos aos ricos, aos grupos mais influentes, às elites de todo tipo. No orçamento de renúncia fiscal da União, superior a R$ 300 bilhões por ano, é possível ver a lista dos beneficiários e chegar à triste conclusão de que mesmo quem não precisa, como o titular desta coluna, representante da classe média, tem direito a vantagens que fazem muita falta à maioria pobre.

Políticos devem ser julgados por seus eleitores pelo que contribuem para o avanço do país como civilização, mas não porque, num dado momento, se apresentam como representantes dos pobres em Brasília. A rigor, essa categoria não existe. Os partidos de esquerda, por exemplo, defendem políticas que, na prática, concentram ainda mais a renda. Ao rejeitar, por exemplo, as reformas da Previdência e agora a administrativa, por causa de seus vínculos com sindicatos do funcionalismo federal, a esquerda impede a possibilidade de o Estado combater as desigualdades.

Nenhum governo, desde a redemocratização, propôs uma reforma do Estado que não discutisse somente ou tão somente o tamanho dos gastos com os servidores. Na verdade, o tema só aparece quando há urgência fiscal - foi assim nos governos Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994), Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e no atual. A questão fiscal tem o mérito de motivar a equipe econômica do governo federal, preocupada com o equilíbrio das contas públicas, e também prefeitos e governadores, em que a escassez de recursos é maior.

A Constituição, a despeito do mérito civilizador de muitos de seus dispositivos, criou incentivos errados no que diz respeito ao funcionamento do Estado. Talvez, o pior tenha sido assegurar a todos os servidores públicos estabilidade no emprego, e não apenas às carreiras típicas. A alegação é que, sem estabilidade, os funcionários estariam sujeitos a vicissitudes impostas por políticos, favorecendo a corrupção e o desvio do Estado de suas funções.

Se o objetivo era esse, a estabilidade não funcionou, afinal, escândalos de corrupção sucedem desde então com a participação de servidores e, portanto, sem que os malfeitos sejam prevenidos. A ideia de estabilidade no emprego no serviço público é tão disseminada que os empregados de estatais gozam desse privilégio sem nenhum amparo na lei. Quando um governo decide demiti-los, eles vão à Justiça e ganham o direito de voltar, não importando se a demissão foi por incompetência, falta ao trabalho, fechamento da empresa etc.

O argumento de que a indemissibilidade protege o patrimônio público é falso como uma nota de R$ 3. Na Petrobras, o enorme esquema de corrupção que desviou R$ 20 bilhões foi arquitetado e conduzido por funcionários de carreira. Logo, não é a exigência de concurso nem a estabilidade que dão ao serviço público garantia contra a malversação de recursos públicos e o desvio de suas missões. A mudança passa pela redefinição do papel do Estado não só na economia, mas em todos os aspectos da vida nacional.

Estáveis no emprego, recebendo salários bem mais altos (o que não é um mal em si), além de vantagens e direitos jamais vistos pela média dos trabalhadores do setor privado, os servidores públicos se tornaram, naturalmente, o maior obstáculo à reforma do Estado. Por que abririam mão de direitos? Este é o problema. Insulados em Brasília, onde a atividade econômica depende fundamentalmente do serviço público, os servidores dispõem de poder autóctone para criar benefícios, legislar em causa própria, estabelecer prioridades de gasto etc.

Se considerássemos São Paulo, centro financeiro e produtivo do país, a síntese do Brasil, seria possível dizer que Brasília é um cidade longe de São Paulo, mas muito perto do poder.

*Cristiano Romero é editor-executivo


Cláudio Gonçalves Couto: Bolsonarismo e lava-jatismo

Moro não teria como ser um limitador do autoritarismo de Bolsonaro, pois sua concepção da política é similar à do chefe

Quando o então juiz, Sergio Moro, foi convidado para o Ministério da Justiça de Jair Bolsonaro, houve quem acreditasse que ele seria aquele capaz de colocar freios aos notórios ímpetos autoritários do presidente eleito. Moro era visto por esses otimistas como possível bastião do estado de direito num governo cuja liderança principal nunca lhe demonstrara apreço. O curioso otimismo talvez se justificasse se fosse Moro, ele mesmo, em sua carreira de magistrado, referência para a defesa do império da lei, dos direitos individuais e do devido processo legal. Contudo, quando se considera o que foi a Operação Lava-Jato, não é esse o quadro.

Conduções coercitivas a rodo, de pessoas que sequer sabiam que deveriam depor e, logo, nunca se negaram a fazê-lo; prisões preventivas a perder de vista, até que os presos, ainda não condenados, nem de alta periculosidade, decidissem confessar ou delatar algo; aceleração considerável de processos de determinados réus; condução das audiências de forma a intimidar os advogados de defesa; divulgação politicamente oportuna de informações relativas a processos - como a delação de Antonio Palocci, às vésperas do primeiro turno de 2018; grampos em escritório de advogados do réu; e, por último, mas não menos importante, o vazamento de um grampo telefônico tomado em momento não autorizado pelo próprio juiz, envolvendo autoridade fora do alcance de sua jurisdição - no caso, a presidente da República.

Algo foi esquecido? Provavelmente sim. Porém, tudo já era conhecido previamente ao anúncio do convite para o ministério e, portanto, antes também das revelações da Vaza-Jato pelo “The Intercept”, que demonstraram existir conluio do juiz com procuradores - estes últimos, sempre bom lembrar, parte do processo, não seu árbitro.

A ilusão de que Moro pudesse ser o dique às tendências autoritárias de Bolsonaro decorre da normalização do arbítrio na Lava-Jato, em nome do combate inclemente à chaga da corrupção. Ela explica a leniência de cortes superiores com excessos cometidos pela operação, como ficou claro na decisão do TRF-4 sobre abusos do juiz que a chefiava, em especial o vazamento do telefonema presidencial, irregularmente captado.

Para justificar a não punição de Moro por seus abusos, afirmou o desembargador relator do caso: “É sabido que os processos e investigações criminais decorrentes da chamada operação ‘Lava-Jato’, sob a direção do magistrado representado, constituem caso inédito (único, excepcional) no Direito brasileiro. Em tais condições, neles haverá situações inéditas, que escaparão ao regramento genérico, destinado aos casos comuns”. Ainda complementou: “a ameaça permanente à continuidade das investigações da operação ‘Lava-Jato’, inclusive mediante sugestões de alterações na legislação, constitui, sem dúvida, uma situação inédita, a merecer um tratamento excepcional (...) as investigações e processos criminais da chamada operação ‘Lava-Jato’ constituem caso inédito, trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”.

Trocando em miúdos: o ineditismo da situação permite uma justiça de exceção. Ocorre que a Operação Lava-Jato, que perdura por seis anos, rotinizou a exceção, normalizando-a. Moro e seus companheiros no Ministério Público foram artífices dessa normalização, coonestados pelo restante da hierarquia judicial, sob pressão da empolgação pública, do cansaço em relação à corrupção e do apoio acrítico, apaixonado ou mesmo cínico de segmentos importantes da imprensa. A normalização do Estado de Exceção, contudo, tem nome: chama-se ditadura.

Portanto, como esperar do heroico propulsor do Estado de Exceção judicial no país que se transformasse subitamente em freio limitador de um presidente de vocação autoritária? Seria de se supor, na verdade, exatamente o oposto: que Moro se convertesse naquele capaz de dar forma jurídica ao autoritarismo bolsonarista, desenhando seus contornos legais.

O pacote anticrime, consideravelmente corrigido pelo Congresso - mas que continha na versão originária, proposta pelo ministro, algo como o excludente de ilicitude de assassinatos cometidos sob “escusável medo, surpresa ou violenta emoção” - é um exemplo de como dar forma legal ao arbítrio. Nesse caso, não se trata apenas da perseguição a corruptos e criminosos do colarinho branco, supostamente alvos preferenciais de Moro, mas de ações que dão ao Brasil a liderança mundial da letalidade policial, preferencialmente de jovens pobres e negros - sob elogios da família Bolsonaro e silêncio do ministro.

Essa convergência de propósitos é visível não apenas na lealdade de Moro ao projeto bolsonarista, antecipada por suas ações como juiz e pelo apoio público de sua esposa ao candidato de extrema direita na eleição presidencial. Ela se nota também na mistura de lavajatismo e bolsonarismo nos movimentos de base da nova direita extremista (como o movimento Nas Ruas); na ideia de que, em nome da “justiça”, o respeito a direitos fundamentais e ao devido processo é “mi-mi-mi”; na tentativa de criminalizar a imprensa, que revela impropriedades da atuação de agentes “da lei”; e na acusação a críticos e opositores de cumplicidade com malfeitorias.

Assim, a disputa intestina, entre Moro e Bolsonaro, não contrapõe concepções políticas significativamente distintas. Ambos têm estilos pessoais diferentes e conseguem apelar a públicos que se sobrepõem considerável, mas não completamente. A maior discrição e polidez do ex-magistrado, se lhe tira o carisma por um lado, amplia seu alcance por outro. Não ter vínculos obscuros com milicianos e que tais também é vantagem, pois lhe reduz as vulnerabilidades. Não à toa segue mais popular do que o chefe e com boa chance de lhe dar uma rasteira se for expelido. Por isso mesmo, para além das afinidades de fundo, o mais interessante para Bolsonaro é o manter vinculado a si. Para Moro, pode ser exatamente o oposto, sob o risco de ser tragado pelas confusões de um governo ao qual dá seu respaldo, mas com cujos problemas pode acabar se fundindo.

*Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP


Fábio Alves: O fim da euforia com a recuperação da zona do euro

O crescimento não será tão forte quanto o que se esperava na virada do ano passado

Há, neste momento, uma desconfortável correlação entre o ritmo da atividade econômica e o desempenho da Bolsa brasileira: após um período de euforia, ambos passam por um processo de revisão para baixo das expectativas.

Quanto ao PIB, houve até quem projetasse, em determinado momento, um crescimento de 1% no quarto trimestre de 2019. Agora, depois da decepção dos indicadores de atividade referentes a novembro e de alguns para o mês de dezembro, como a produção industrial, as estimativas de expansão no quarto trimestre migraram para 0,5%.

Em relação à Bolsa, depois de atingir a máxima histórica intraday de 119.593,10 pontos no dia 24 de janeiro passado, o Ibovespa cedeu mais de 7 mil pontos até bater a mínima intraday de 112.134,40 pontos no pregão da segunda-feira.

Contribuíram para esse recuo do Ibovespa fatores ligados à geopolítica mundial, como o ataque aéreo dos Estados Unidos que matou o líder militar do Irã, e também o temor do impacto nas economias global e chinesa com o surto do coronavírus.

Mas é o desempenho aquém do esperado dos últimos indicadores da economia o pano de fundo da consolidação do Ibovespa para um patamar mais abaixo do recorde histórico. Isso porque havia aposta de que um crescimento mais robusto do PIB brasileiro em 2020, por volta de 2,5%, poderia atrair um fluxo maior de investidores para a Bolsa, em especial de estrangeiros, além de turbinar os resultados das empresas.

Não à toa a grande expectativa em relação aos indicadores de atividade referentes a dezembro de 2019 que serão divulgados esta semana: vendas do varejo (hoje), serviços (amanhã) e o índice de atividade econômica do Banco Central, IBC-Br (sexta-feira).

Conforme pesquisa do Projeções Broadcast, as vendas do varejo ampliado, que incluem o setor de veículos e de material de construção, devem cair 0,2% em dezembro ante novembro.

Uma frustração com esse indicador, ou seja, se a queda for maior do que o consenso das estimativas aponta, poderá deflagrar uma nova rodada de revisão para baixo do PIB, uma vez que um desempenho mais fraco da atividade econômica na virada de 2019 para este ano acaba resultando num carrego mais baixo para as estimativas de 2020.

Não se deve esperar, contudo, que as projeções para o crescimento do PIB em 2020 desabem. Por enquanto, a situação é: a economia brasileira segue em recuperação, embora em ritmo mais lento do que o esperado até o início do ano. Em outras palavras: o crescimento não será tão forte quanto o que se esperava no meio da euforia que tomou conta do mercado na virada do ano passado.

Na mais recente pesquisa Focus, do BC, a projeção de expansão do PIB neste ano segue em 2,30%. Se os indicadores de atividade a serem divulgados nesta semana voltarem a decepcionar, é possível que esse consenso das estimativas do PIB na pesquisa Focus comece a recuar, embora de forma gradual.

No entanto, se a fraqueza observada até o momento nos indicadores do quarto trimestre seguir contaminando a atividade econômica no primeiro trimestre de 2020, não se pode descartar que a projeção do crescimento do PIB neste ano possa cair até o patamar de 2%.

Por outro lado, se o resultado das vendas do varejo, serviços e IBC-Br de dezembro surpreender positivamente, o mercado não vai se animar tanto, pois deverá esperar uma consistência maior do desempenho da atividade econômica – se isso perdurar ao longo do primeiro trimestre deste ano – antes de retomar as apostas de crescimento de 2,50%.

De qualquer forma, o que se discute neste momento não é se a recuperação da economia brasileira corre risco de não acontecer, mas sim a magnitude dessa retomada, afinal uma revisão para baixo das projeções do PIB neste ano de 2,30%, atualmente, para 2,0% – no cenário mais pessimista – não é uma diferença que mude o cenário totalmente. Desastre era se o PIB voltasse a crescer apenas 1%, como nos últimos anos.

Afeta, contudo, um pouco o sentimento. Não só dos empresários, como também dos investidores. Fica difícil ver o Ibovespa disparar para novos recordes de alta ou até recuperar os 119 mil pontos se a aceleração da economia perder fôlego. E ainda nem se sabe a magnitude do impacto do coronavírus sobre o PIB brasileiro.


Paulo Delgado: Como as democracias adoecem

Lesões oportunistas são obra de ideologias diversas que enfraquecem uma nação

Para saber como as democracias morrem há legistas mais capazes na autópsia. Mas para diagnosticar como adoecem melhor observar o mal-estar dos fatos polêmicos à luz da ousadia pessoal dos influentes que os cometem e da letargia cívica com que os influenciados reagem a eles. Lesões oportunistas são obra de ideologias diversas que enfraquecem uma nação e comprometem sua saúde democrática.

Neste artigo olho um período cheio de egolatrias em que ficamos à mercê da marca do outro. Assim como a gula, apetite sem limite de quem se sente situado no topo da cadeia alimentar, a voracidade é mecanismo próprio do mau instinto de quem não tem predador natural.

Se todos têm suas próprias razões no que fazem e estão tão mergulhados de interesse nelas, não se trata de liberdade de pensamento e é difícil imaginar reflexão de boa-fé. Existem ficções e existem fatos concretos. Embora pouco praticada entre nós, a psico-história da política costuma ser mais hábil para entender os venenos sutis que alimentam a ambição dos que são notícia.

Anda, evidente, muito mal conduzida nossa democracia. Mas isso não significa que tenha morrido. Lembra mais a lenda brasileira de que ninguém presta e não vai dar em nada. Lenda que impulsiona o caráter arbitrário do tipo que manda ver. Um costume primitivo, institucional, cuja dimensão ainda não compreendemos inteiramente. É onde estacionou a curva da civilização brasileira e dali jamais passou. Ali onde o mundo em que são cometidos crimes e as aberrações legais ameaça ficar parecido com o mundo onde deveria ser possível corrigir suas consequências.

Assim se pode inferir um pouco da hilária história do escritório especialista em convencimento, dissuasão e oferecimento de conduta sobre dívida, confusões financeiras e contábeis de países e instituições enroladas, descuidadas da responsabilidade pública e coletiva. Era uma auditoria nacional ou uma exigência extraterritorial? Bem, depende de onde importa a justiça para o caso. Se é preciso limpar a barra nos EUA, o ônus da prova cabe ao acusador. Eu escolheria Londres, onde o ônus da prova cabe ao acusado e se evita a promiscuidade do advogado com o cliente. Todos sabem que em negócio corrosivo a ferrugem parece não corromper o ferro. E os zelosos guardiões do fundo que ampara o trabalhador acabaram pagando, de fato, um milionário honorário de sucumbência.

Bem, sobre a turma do entretenimento fácil tivemos um cardápio variado. Permanece a sina de que o lucro velhaco e a guerra pelo mercado brasileiro fazem da internet uma trincheira, com essa mania de viciar idiotas em aplicativos, vídeos e competições arranjadas. Manifestos em forma de ficção política e humorística ofereceram insultos em vertigem à democracia e ao espírito do País. Do mesmo naipe que o empréstimo bancário expatriado saiu pela porta dos fundos. Está fácil açoitar o nazareno, pois romanos sempre gostaram de rir de judeus. Tudo converge para dois martírios: o do sagrado pela piada grossa que quer ser humor e o da opinião pessoal que quer ser história.

E assim, glória do inadmissível, chegamos à encruzilhada de a liberdade de imprensa receber goela abaixo hacker como fonte. Dá vontade de rir recorrer a jornais estrangeiros para ampliar o ilícito! Outra vez o estilo manda ver dando a linha que já destruiu ideais na esquerda por achar que causa justa limpa conduta suja.

Em seguida, em movimento digestivo aquoso e rápido, próprio do apetite de mandar, relembro a amarga definição de um ex-presidente do Supremo, quando saiu a decisão do presidente interino: o STF é uma porta que só abre por dentro. O elo mais alto da cadeia alimentar da Justiça joga no lixo decisão do Congresso exigindo dos representantes do povo o princípio da obediência devida, pois não há mais garantia em juiz. A desordem de princípios e a falta de domínio de si de magistrados são adoecimentos.

Não me parecem dilemas morais ou políticos. Estamos afundados é na era em que os que comem sentem fome. E até Regina, admirada por ser sempre a mesma, é atacada por tutores ideológicos que a querem outra e aproveitam para descarregar sua alma empanturrada de ênfases sobre ela. Bem, a volta ao mundo em 12 dias pelo interino voador, usando um avião da FAB como uber, resume tudo, pois lembra assustadoramente o fastio de viver do filme A Comilança.

Olhando bem, a marca atual é a de que cada um só faz servir a si próprio. Nossa época está melhor se ajustando a um tipo de racismo não estudado pela antropologia, uma etnia específica do cara de pau. O pode-tudo da ficção vivida como realidade é geral. Um jogo de fascismos, essa certa visão de si mesmo que provoca disputa e cria rivais. Mas como o campo gravitacional da luta mudou de lado na última eleição, a autoanálise dos derrotados é mais indicada do que o desencanto ou manipulações.

O poder arbitrário continua um obscurantismo que cumpre a função de agravar ou criar uma fragilidade identitária nas pessoas. Para ganhar adeptos para a fantasia de imperfeição, grosseria, desconfiança e desânimo que adoece a democracia.

* Paulo Delgado é sociólogo.


Vera Magalhães: O clima pesou

Enchentes são outra mostra de que emergência climática não é para ‘daqui a 500 anos

Quem esteve no Fórum Econômico Mundial, em Davos, em janeiro, sentiu que, no intervalo de apenas um ano, a preocupação com a emergência climática e as formas de retardá-la deixaram de ser uma pauta lateral para se tornar uma das prioridades de países e investidores.

No mesmo intervalo de tempo, o governo Jair Bolsonaro deixou de ser uma incógnita em relação à qual havia grande desconfiança, graças às demonstrações de desapreço pela questão ambiental, para se tornar uma certeza de ameaça aos esforços globais para mitigar os efeitos do aquecimento.

Não foi por acaso que até Bolsonaro sentiu que o clima já tinha esquentado e designou uma comissão, liderada pelo vice Hamilton Mourão, para intervir na gestão ambiental da Amazônia.

Se faltavam evidências, ainda assim, de quão atrasados estamos em entender o que a ciência já demonstrou a respeito das consequências da emergência climática, as chuvas violentas que castigaram grandes capitais do Sudeste neste verão vieram completar o álbum.

Ricardo Salles – ainda hoje ministro do Meio Ambiente, embora manietado pela intervenção em sua pasta –, chegou a dizer, quando ainda ostentava o discurso negacionista que agora tenta mitigar, que a preocupação com o clima era algo para “daqui a 500 anos”. Algumas declarações se tornam históricas pela sua clarividência. Outras viram memes pelo seu histrionismo. Esta certamente não se enquadra no primeiro grupo.

Enquanto carros boiavam nas principais avenidas de São Paulo e paulistanos iam trabalhar de bote inflável ou trator, as autoridades municipais se reuniam numa espécie de missa macabra na Prefeitura, convocada às pressas pelo prefeito Bruno Covas, para, visivelmente atônitas, dizer que choveu demais e tudo poderia ser pior se não fosse o bom trabalho da gestão municipal.

Repetiu a linha de argumentação, com uma arrogância e agressividade totalmente fora do tom para alguém que deveria pedir desculpas à população por um dia de caos e barbárie, no dia seguinte em entrevistas ao rádio e à TV.

É evidente que sucessivas gestões, e não apenas a Doria-Covas, falharam em planejar obras para escoar as chuvas, subestimaram o efeito das mudanças no clima e abusaram do direito de encher a cidade de concreto, tornando-a impermeável. Foram, além de tudo, omissas quanto ao adensamento de encostas e áreas de manancial, que ficam mais vulneráveis em ocasiões em que de fato o índice pluviométrico sobe – e ele vem subindo nos últimos anos, e continuará a subir, ninguém pode alegar que os cientistas têm ficado roucos de tanto alardear isso, sendo chamados de histéricos por políticos preguiçosos, presunçosos ou ambos.

Bolsonaro foi eleito e governa com base num discurso que trata ciência como inimiga e promove crendices, interesses de aliados, fake news e ideologia barata a políticas de Estado. No reino de Salles, essa fórmula levou ao desmonte de todo o arcabouço de fiscalização de abusos e crimes ambientais.

Para completar o desastre, Estados e municípios, com governos das mais diferentes vertentes políticas, repetem o descaso com meio ambiente e clima que destrói biomas como a Amazônia também nos grandes centros urbanos.

A preservação ambiental e os esforços para retardar o aquecimento não são coisa de “comunista” ou de “pirralhas”. Trata-se da grande preocupação global hoje. Aquilo que, no fim do dia, será um dos principais fatores para definir se um país será digno de integrar fóruns e organismos multilaterais e receber investimentos ou se será considerado um pária aos olhos do resto do mundo e merecedor de retaliações e boicotes para negócios e acordos. Por enquanto estamos avançando em desabalada carreira para ficar no segundo bloco.


Vinicius Torres Freire: Governo paga a conta de bobagens, e ano começa mal no Congresso

Plano de zerar imposto de combustíveis morre, mais vetos de Bolsonaro caem

O governo começa o ano no Congresso pagando contas de sua balbúrdia boquirrota, de sua falta de planejamento, de articulação política e de prioridades. Mau sinal para um ano parlamentar curto e mais difícil por causa da eleição e porque a boa vontade parlamentar já não é a mesma de 2019.

O programa reformista ainda deve andar neste ano, no essencial. Mas, como previsto, muito deputado e senador se pergunta por que deve sustentar a estabilidade político-econômica do governo de Jair Bolsonaro, aprovando leis duras, sem nenhum bônus e, além do mais, sofrendo campanhas de difamação das milícias virtuais bolsonaristas.

Para começar, era bravata e bazófia aquela história de “zerar” impostos sobre combustíveis (“zere o seu que eu zero o meu”, disse mais ou menos Bolsonaro). O presidente e suas milícias fizeram chacrinha nas redes por uns dias com essa ideia obviamente lunática de deixar de tributar combustíveis, começando pelo ICMS, o que quebraria de vez os estados.

O ministro Paulo Guedes e os governadores, avacalhados por Bolsonaro, “concordaram” em deixar que o assunto seja tema dos debates da reforma tributária e do pacto federativo —“na volta a gente compra”, como diziam as mães. Em resumo, houve uma tentativa de sair de fininho do vexame de uma ideia inviável, mera demagogia agressiva.

O saldo da bravata é um tanto mais de desmoralização político-intelectual do Planalto, como se fosse possível, e ainda mais desconfiança dos governadores.

Para continuar, os parlamentares vão derrubar mais vetos de Jair Bolsonaro a novidades na lei que dá diretrizes para a proposta e a organização do Orçamento, algumas de fato amalucadas.

No essencial de um assunto muito enrolado, o Congresso acabou ficando com mais poderes para definir investimentos. Para tanto, vai derrubar vetos de Bolsonaro, mas fez um acordo para não passar um trator na vontade presidencial, acordo o que deixou muito parlamentar com ainda mais má vontade com o governo, para dizer a coisa de modo suave.

“Pelo visto a promessa de empoderar o Parlamento não era 100% verdadeira, mas tudo bem, não vamos brigar por isso”, escarneceu, de leve, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Como se não bastasse, o dia foi de fofoca e idas e vindas a respeito do que, faz semanas, era uma das prioridades do governo neste ano, a reforma administrativa (revisão de carreiras, cargos, reajustes, estabilidade e avaliação do funcionalismo). O governo não conseguia se decidir se manda ou não a emenda constitucional para o Congresso.

Por que a indecisão? Em parte, Bolsonaro teme causar revolta contra seu governo. Em parte, o filme dessa reforma ficou queimado ou pelo menos borrado pelo fato de Paulo Guedes ter chamado servidores de “parasitas”, na semana que passou.

Em parte, ainda não se sabe qual será a recepção do projeto no Congresso, que começa o ano de mau humor com o governo e menos disposto a carregar nas costas e sozinho, sem apoio do Planalto, projetos em tese impopulares.

Os parlamentares ainda esperam sinais da opinião pública antes de pensar se vão embalar outro Mateus que não pariram, ainda mais em ano eleitoral (e, pior ainda, desagradando a parentes, agregados, bases eleitorais e tantos amigos do funcionalismo na Casa).

Pelo jeito, até que o “parlamentarismo branco” organize a pauta do governo, não saberemos bem o que será do governo (sic).