Day: janeiro 24, 2020

El País: Sergio Moro retorna à ‘frigideira’ de Bolsonaro e pode perder comando da Segurança

Presidente estimula debate sobre divisão da pasta de Justiça e Segurança, comandadas por ex-juiz da Lava Jato. Medida que contraria ministro é pleito de policiais e bombeiros, boa parte da base eleitoral do presidente

Em um movimento que enfraquece politicamente o mais popular dos ministros brasileiros e possível presidenciável, Sergio Moro, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aceitou reativar o debate sobre a recriação do Ministério da Segurança Pública. Hoje, a área é um dos braços da pasta da Justiça, comandada desde o início de 2019 por Moro, o ex-juiz da Operação Lava Jato que arrebatou parte da opinião pública num país divido e polarizado.

Na manhã desta quinta-feira, antes de embarcar para uma viagem oficial para a Índia, Bolsonaro disse a jornalistas que estava estudando o assunto a pedido do Conselho Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consep). O colegiado, formado pelos secretários das 27 unidades da federação, se reuniu nesta semana em Brasília. Os secretários foram recebidos pelo presidente na tarde de quarta-feira, em uma audiência que não estava inicialmente prevista na sua agenda.

Alguns sinais políticos foram dados durante esse encontro. Participaram dele dois ministros, o general Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional, e o general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Nem Moro nem nenhum de seus subordinados estiveram na reunião. E a audiência foi transmitida ao vivo pela conta do presidente no Facebook. Foi uma maneira de prestar contas a boa parte de sua base eleitoral —policiais, bombeiros e outros agentes de segurança.

Se a pasta for dividida, como fora na gestão Michel Temer (MDB), Moro ficaria com a Justiça e outro político assumiria a Segurança, conforme dito pelo próprio presidente. “Se for criado, aí ele [Moro] fica na Justiça. É o que era inicialmente. Tanto é que, quando ele foi convidado, não existia ainda essa modulação de fundir com o Ministério da Segurança”, disse o presidente em contraposição ao que afirmara em novembro de 2018, quando, recém-eleito, afirmou que o então juiz seria o responsável por comandar as duas áreas. Em caso de separação, Moro perderia poder, já que a Polícia Federal migraria para a nova pasta, e também orçamento. Em 2019, a área de segurança representou 88% dos 17 bilhões de reais do ministério.

Questionado se iria se manifestar sobre o tema, Moro, que começou a semana mostrando lealdade à toda prova ao presidente quando questionado no programa Roda Viva, se calou. Fez circular a versão, porém, de que o fatiamento poderia levar, sim, a que ele deixasse o Governo. Por ora, o ministro parece não querer confrontar o presidente diretamente, como o fez recentemente quando Bolsonaro sancionou o juiz das garantias aprovado pelo Legislativo. O ministro já teve outros momentos de fritura no Governo Bolsonaro —o jargão para quando um político começa a ser desprestigiado entre seus aliados. Seja como for, Moro fez nessa quinta-feira um movimento político valioso, para tempos em que as redes sociais são essenciais para eleições. Abriu uma conta no Instagram, terreno onde Bolsonaro, seu chefe e possível adversário em 2022, tem quase 15 milhões de seguidores. Em três horas Moro atingiu a marca de 125.000 adeptos.

Na pressão contra Moro

Um dos cotados para o potencial ministério que esvaziaria a pasta de Moro é o ex-deputado-federal Alberto Fraga (DEM-DF), um tenente-coronel da reserva da Polícia Militar que já foi condenado pela Justiça a uma pena cinco anos de prisão pelo pagamento de propina. Ele recorre da sentença em liberdade, enquanto é um dos principais conselheiros de Bolsonaro nessa área. Fraga tem acesso VIP ao gabinete presidencial e, ainda na campanha eleitoral de 2018, era apontado como um dos possíveis assessores ou ministros.

A pressão pela recriação do ministério não tem vindo apenas dos secretários, mas também dos governadores, capitaneados por Ibaneis Rocha (MDB-DF), e pelos conselhos Nacionais dos Comandantes Gerais das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares. “Com a junção da Segurança com o MJ, houve um retrocesso. Não é pela pessoa do ministro, mas se o presidente foi eleito com essa bandeira da segurança, foi uma incongruência extinguir esse ministério”, afirmou o presidente do Maurício Teles Barbosa, secretário na Bahia.

No caso dos governadores, a principal queixa foi sobre o contingenciamento de 1,1 bilhão de reais do Fundo Nacional de Segurança Pública, uma verba que deveria ser automaticamente repassada pela União para os Estados. Essa distribuição só ocorreu depois de uma decisão judicial no fim do ano passado.

A separação, entretanto, encontra resistência até entre bolsonaristas. Um deles é o deputado Capitão Augusto (PRB-SP), presidente da Frente Parlamentar da Segurança na Câmara, a chamada “bancada da bala”. Ele foi um dos mentores do ministério na gestão Temer. Agora, diz que a divisão nesse momento seria desfavorável ao próprio governo Bolsonaro. “Ao invés de se mandar a mensagem de apoio àquele que representa o combate à corrupção, o Moro, estaríamos valorizando os corruptos e a oposição”, avaliou.

Para Augusto, o Governo Bolsonaro e o próprio ministro sofreram duras derrotas no Congresso Nacional em 2019. Entre elas estão a desidratação do pacote anticrime de Moro, a aprovação da lei de abuso de autoridade, a transferência do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF) do Ministério da Justiça para o Banco Central, além da não votação do projeto de lei que determina a prisão de condenados após condenação em segunda instância.

Entre pesquisadores também há a análise de que o momento para a cisão é inapropriado. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, entende que tecnicamente ter um ministério próprio é o melhor para a área, mas defende que criá-lo agora poderia fortalecer alguns discursos corporativos sem a garantia de que o substituto de Moro terá a força política que ele tem. “De um lado, temos um ministro forte, com capacidade de mobilizar o Judiciário e o Legislativo. De outro temos uma insegurança sobre o que seria feito caso ele deixasse o Governo”, ponderou o diretor-executivo do Fórum, Renato Sérgio de Lima.


Fernando Gabeira: Ascensão e queda de Alvim

Predominância da visão de esquerda na cultura brasileira jamais será superada na truculência

O episódio Roberto Alvim me colheu num lugar distante dos grandes centros, em áreas sem conexão. Alegrou-me a ampla rejeição interna e externa ao seu discurso. Mas, infelizmente, Alvim não me surpreendeu.

Ele já havia apontado em artigos sua política, raiz dessa aberração, sustentando que o governo via a cultura como uma plataforma para a defesa de suas ideias. Basicamente, ele nega a autonomia da arte e a vê ora como sua aliada, ora aliada do PT. Portanto, é reduzida a propaganda partidária. E qualquer força política que tente transformar a arte em departamento de propaganda acaba fazendo dela uma divisão de seu exército. Como tinha escrito isso antes, não me surpreendeu que Alvim, com tantos outros nazistas para escolher, se tenha fixado em Goebbels. Era o ministro da Propaganda.

Ao repetir um discurso nazista, Roberto Alvim subitamente buscou um elo para as peças da engrenagem que estavam soltas. Guerra cultural, bombardeio de arte conservadora. É um todo coerente, A arte tem de ser nacional, diz ele. Num mundo cada vez mais interligado, o que significa isso?

No passado já discutimos bobagens sobre a bossa nova. Diziam que não era genuinamente brasileira, tinha influência do jazz. E o rock brasileiro conheceu a oposição contra a guitarra elétrica. Um dos filmes brasileiros mais analisados no exterior é Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, sobre o País mudando de cara, diferente da idealização das elites. Temo que um filme como esse fosse combatido pelos que defendem a ideia de que a arte seja nacional, por fugir a seus padrões. Na visão autoritária, o que não é nacional é cosmopolita, alvo de duas forças, o nazismo e o stalinismo.

Essa história de que a arte deve ser heroica é um passo para condenar os dramas do indivíduo, suas hesitações e seus fracassos, e catalogá-los como arte decadente, seja na literatura ou na pintura abstrata. Alvim não disse apenas algo escandaloso. Foi coerente e seguiu os passos lógicos da orientação geral: guerrear na cultura, formular um programa que produza heróis e patriotas. É como se sentiam muitos alemães sob o governo de Hitler.

Como há ainda tantas peças soltas que se podem ligar e produzir uma faísca como o discurso de Alvim, é fundamental contar com a resposta nacional e do exterior. Para mim, é a garantia de que em termos estratégicos esses tresloucados não vão prevalecer. Isso não significa que não possam causar grande mal, antes de sua derrota. Daí a necessidade de pensar cada vez mais numa frente democrática, superar pequenas diferenças, ressentimentos, admitir que estamos em perigo e não bastam reações pontuais.

Um dos pontos que precisam de impulso comum é o reconhecimento da autonomia da arte, que não pode ser reduzida a propaganda partidária. Aparentemente é uma tese simples. Mas na prática ainda há expectativa sobre uma arte engajada, participante e transformadora. Belas palavras, mas o que significam realmente?

Dois autores que nos anos 1960 eram considerados alienados são os que sobreviveram com mais força: Clarice Lispector e Guimarães Rosa. No caso de Clarice, foi patética a resistência ao intimismo, à descrição subjetiva do mundo – tudo isso a jogava fora da história. E o curioso é que Clarice, numa grande manifestação contra a ditadura, estava lá de mãos dadas com outros artistas, no Rio.

Não que as pessoas não devam ter uma ideia de como deva ser a arte, nem que os artistas tenham de se encerrar numa torre de marfim. O diabo é querer transformar sua visão de arte numa política de governo, numa expectativa de definir seus rumos, marcar seus limites ou até transfigurá-la numa linha auxiliar de partido.

Os artistas sofreram muito sob o comunismo. Visitei o museu de Anna Akhmatova, em São Petersburgo, depois de ler uma história da cultura russa. O que ela sofreu sob o stalinismo, filho preso, bloqueio de trabalho, parece além da capacidade humana. O nazismo mandava para campos de concentração, executava, bania obras.

O princípio que os une é o mesmo: ter uma causa superior a tudo, à qual todos, principalmente os artistas, devem ser unir, sob pena de se tornarem inimigos do país que os fanáticos julgam encarnar. Isso explica como eles associam o rock and roll ao satanismo, ao aborto, dizem que Theodor Adorno escrevia as músicas dos Beatles e insultam, como Alvim, uma artista como Fernanda Montenegro. Eles estão em guerra contra o diferente, o que no fundo é contra a liberdade do artista e do indivíduo.

Creio haver uma predominância da visão de esquerda na cultura brasileira. Mas ela jamais será superada na truculência. Esta é a forma de confirmar a supremacia da esquerda: admissão de que só pode ser superada por caminhos autoritários. A única forma com possibilidade de equilibrar o jogo é o embate de ideias na cultura e a aparição de talentos nas artes.

É irreal esperar uma arte conservadora a partir do governo, ou uma arte revolucionária a partir de partidos de esquerda. Há um campo de direita mais sofisticado. Seu avanço no universo cultural pode até ser invalidado por essa visão bélica do governo. É como se Bolsonaro repetisse velha frase, de origem alemã: quando ouço falar em cultura, saco minha pistola.

Para desfazer, com o mínimo de traumas, essa teia perigosa será preciso muita habilidade coletiva. Uma frente, em certos momentos históricos, pode cumprir esse papel.


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