Day: dezembro 19, 2019
Ribamar Oliveira: Orçamento impositivo alastra-se pelo país
Modalidade já é adotada por 13 Estados, o DF e mais 9 capitais
Até o fim de 2018, 13 Estados brasileiros, o Distrito Federal e nove capitais adotavam algum tipo de Orçamento impositivo, de acordo com pesquisa realizada pelo professor Rodrigo Luís Kanayama, chefe do Departamento de Direito Público da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em conversa com o Valor, Kanayama alertou para o fato de que os números podem ter aumentado neste ano e que a sua pesquisa não abrangeu os municípios do interior.
No caso dos Estados, cinco deles adotam em suas constituições a obrigatoriedade para a execução de todas as programações orçamentárias. Outros sete e o Distrito Federal tornaram obrigatória a execução apenas das emendas parlamentares, e um deles, das emendas e das decisões tomadas em audiências públicas sobre o Orçamento.
Seis Estados inscreveram o princípio em suas legislações antes de o Congresso Nacional incluir na Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional 86/2015, a obrigatoriedade de execução das emendas individuais dos parlamentares ao Orçamento. De 2015 a 2018, outros seis Estados foram pelo mesmo caminho.
A aprovação das emendas constitucionais 100 e 102 à Constituição da República, neste ano, poderá abrir uma verdadeira avenida para que outros Estados e municípios avancem em direção ao Orçamento impositivo. A emenda 100 tornou obrigatória a execução das emendas de bancada estadual e determinou que “a administração tem o dever de executar as programações orçamentárias, adotando os meios e as medidas necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade".
A emenda 102 estabeleceu que a obrigatoriedade de execução “aplica-se exclusivamente às despesas primárias discricionárias”, que são os investimentos e o custeio da máquina pública. Como as demais despesas são de execução obrigatória por algum dispositivo constitucional ou legal, todo o Orçamento passou a ser impositivo.
A tradição brasileira é de Orçamento apenas autorizativo, como lembrou o professor Kanayama. No fim da década de 1990, alguns parlamentares deram início a um movimento a favor do Orçamento impositivo. A PEC 77/1999, de iniciativa do então senador Iris Rezende, do PMDB goiano, propôs a obrigatoriedade da execução orçamentária. A bandeira foi, então, empunhada pelo então poderoso senador Antônio Carlos Magalhães, do PFL da Bahia, que, em 2000, apresentou uma proposta no mesmo sentido. Naquela época não se falava em emenda impositiva, mas na obrigatoriedade de execução de todas as programações orçamentárias.
O movimento foi uma reação ao uso excessivo, por parte do Executivo, da barganha na execução das emendas que os parlamentares faziam ao Orçamento, para que eles aprovassem as propostas de interesse do governo. A crítica principal era que o Executivo executava o que queria e que o Orçamento tinha virado uma peça de ficção.
Em 2015, os parlamentares impuseram uma derrota à ex-presidente Dilma Rousseff e aprovaram a Emenda Constitucional 86, que tornou obrigatória a execução das emendas parlamentares individuais ao Orçamento, até o limite de 1,2% da receita corrente líquida da União.
O máximo que o então governo conseguiu foi que 50% dos recursos seriam destinados obrigatoriamente à área da saúde. Depois vieram as emendas 100, 102 e agora a emenda 105, que permite ao parlamentar doar ao município ou governo que desejar, sem destinação específica e sem fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU), até a metade do valor de suas emendas individuais.
Para o professor Kanayama, a mudança que está ocorrendo no Orçamento é de fundamental importância, pois altera a relação entre o Executivo e o Legislativo. “A força que o Parlamento ganha é muito grande”, avaliou. Ele acredita que, se a prática se espalhar para os municípios do interior, é alto o risco de que ocorra um aumento da ineficiência na alocação dos recursos públicos.
A procuradora Élida Graziane Pinto, do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, acha que o país caminha para uma espécie de “parlamentarismo fiscal”. Para ela, está ocorrendo uma paulatina reversão do poder que o Executivo tinha de capturar lealdades parlamentares por meio das emendas ao Orçamento. “Assim, tem sido expandido o nicho de deliberação autônoma do Congresso em caráter obrigatório para o Executivo”, observou. “Como o presidente Bolsonaro cedeu espaço para o Congresso, foi mais fácil para este acelerar o processo da impositividade orçamentária que diminui a discricionariedade do Executivo em favor da ampliação de poder do Legislativo”.
Ainda é difícil prever as consequências para o sistema político brasileiro da mudança que está em curso.
Inconstitucional
Especialistas consultados pelo Valor garantem que um aspecto da proposta orçamentária aprovada pelo Congresso Nacional, na noite de terça-feira, poderá ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Em seu parecer, o relator-geral da proposta, deputado Domingos Neto (PSD-CE), promoveu uma redução da ordem de R$ 6 bilhões nos gastos de pessoal em 2020, condicionada à aprovação da proposta de Emenda Constitucional 186/2019, que permite que o governo diminua a jornada de trabalho e o salário dos servidores em até 25%. A economia com pessoal foi usada para programar outros gastos.
O problema é que o parágrafo terceiro do artigo 166 da Constituição proíbe, expressamente, a redução da dotação para o pagamento de pessoal e encargos sociais por meio de emenda parlamentar. Em conversa com o Valor, o deputado Domingos Neto observou que a lei orçamentária aprovada determina que, no caso da não implementação dos dispositivos da PEC 186, poderão ser recompostos os valores das despesas de pessoal com o cancelamento dos gastos que ficaram condicionados. “Avaliamos pela constitucionalidade exatamente por entender que fica preservado o Orçamento em todas as circunstâncias”, disse.
'A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva', critica Randolfe Rodrigues à revista Política Democrática
Senador alerta para a crescente contaminação da água no país; publicação pode ser acessada de graça no site da FAP
Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP
“A fiscalização do uso dos agrotóxicos no Brasil é inexpressiva”, afirma o senador Randolfe Rodrigues (Rede), em artigo de sua autoria publicado na revista Política Democrática online de dezembro. A publicação tem acesso gratuito no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. “Governo Bolsonaro envenena o Brasil”, diz o parlamentar.
» Acesse aqui a 14ª edição da revista Política Democrática online
De acordo com Randolfe, os critérios usados pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para liberação de agrotóxicos, produzidos em uma escala nunca antes vista, são, no mínimo, questionáveis. “Essa situação pode ser bem ilustrada com o caso da reavaliação, em fevereiro deste ano, do agrotóxico glifosato, na qual o órgão concluiu que a substância não apresenta perigo para a saúde”, afirma ele. “No entanto, essa conclusão colide com estudos desenvolvidos em diversas instituições brasileiras e internacionais, como o Instituto Nacional do Câncer e a Agência Internacional para a Pesquisa do Câncer, ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde)”, critica.
O senador da Rede cita, no artigo publicado pela revista Política Democrática online, que a contaminação da água está crescendo rapidamente. Em 2014, segundo ele, 75% dos testes realizados pelas empresas de abastecimento de 1.396 municípios detectaram todos os 27 agrotóxicos que são obrigados, por lei, a testar. Destes 27 produtos, conforme acrescenta, 21 estão proibidos na Europa. Esse percentual subiu para 84% em 2015, para 88% em 2016, chegando a 92%, em 2017.
“Toda essa grave situação piorou muito com o novo governo”, afirma Randolfe. Em outro trecho, o senador diz que “controle de agrotóxicos é assunto de grande complexidade e envolve poderosos interesses”. “Uma coisa é certa: não se pode mais admitir que, sob o pretexto de produzir alimentos baratos, a população brasileira seja obrigada a comer alimentos contaminados com substâncias cancerígenas e ter os recursos hídricos, o solo e o ar poluídos por tantas substâncias perigosas”, assevera o parlamentar.
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Eugênio Bucci: Sob ataque o regime da liberdade de imprensa
Em 2019 o presidente moveu sua guerra suja contra o jornalismo. Como será 2020?
Entre os balanços negativos que o governo federal deixa em 2019, não nos esqueçamos da campanha estridente para desmoralizar a imprensa. Poucas vezes um presidente da República se empenhou tanto em difamar as redações profissionais. Segundo levantamento da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a autoridade máxima do Poder Executivo alcançou, entre 1.º de janeiro e 30 de novembro de 2019, a marca de 111 ataques à imprensa. A campanha infamante cravou a média de um insulto a cada três dias.
No cômputo da Fenaj aparecem episódios da mais tosca brutalidade verbal. Mesmo quem não gosta de jornalismo se sente vexado. Num post de 9 de agosto, por exemplo, o presidente reclamou da ausência de punição contra “excessos” dos jornalistas. Além de mal-educado, o chilique é desinformado, pois todas as legislações democráticas, desde a histórica Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, na França, preveem a responsabilização dos que abusam da liberdade de expressão (está lá, no artigo 11 da declaração).
Naquele mesmo dia 9 de agosto, no Palácio do Alvorada, ao lado do ministro da Justiça, o presidente permitiu-se uma agressão suplementar (essa, aliás, nem consta do rol organizado pela Fenaj). Dirigindo-se a um grupo de repórteres, fez uso de sua rispidez habitual: “Se excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora, tá certo?”.
O que vem a ser “excesso jornalístico”? Ninguém sabe. A lei conhece a figura do abuso de um direito, assim como conhece o abuso de poder, mas não estabelece nada sobre “excesso jornalístico”. Nem teria como estabelecer. A locução adjetiva carece de objeto. É só na escuridão das fantasias tanáticas do sujeito que a pronuncia que ela ganha sentido: para esse sujeito, o jornalismo não passa de um impulso desagradável (como a raiva, como as explosões de mau humor), é uma forma de demência que precisa ser vigiada e contida. No léxico presidencial, o jornalismo não é profissão ou função social, mas uma neurose que acomete indivíduos desviantes. Por isso o presidente, que nunca diria “excesso advocatício”, “excesso médico” ou “excesso arquitetônico”, sai por aí falando em “excesso jornalístico”. Para ele, o jornalismo encerraria uma disfunção tóxica. Em doses moderadas, já faz um mal danado. Em “excesso”, deveria dar cadeia.
Excessos à parte, não há muito a fazer quanto ao despreparo do governante de turno. Temos de conviver com isso. Cumpre-nos, isso sim, entender sua lógica ilógica. Se seus discursos desinformam os brasileiros e deformam as linhas de equilíbrio da opinião pública, o que nos cabe, dentro de todos os limites, é escrever para esclarecer, mesmo que em vão. A gente pode (e deve) perguntar: o que pretende essa caótica retórica que atira randomicamente contra repórteres, órgãos de imprensa (que ele ocasionalmente chama de “inimigos”) e quem mais estiver na frente? Seria sua finalidade quebrar um jornal especificamente ou caluniar este ou aquele profissional de forma seletiva?
A resposta é “não”. O propósito dos 111 ataques em 11 meses é quebrar a vigência da liberdade de imprensa. O presidente parece saber, mesmo sem saber como sabe, que sem liberdade de imprensa a sociedade estará entregue às mentiras e, de modo especial, às piores mentiras, as que são enunciadas pelo poder. Ele quer menos liberdade para os jornalistas checarem os fatos porque – ao menos é o que parece – quer mais espaço para mentir.
Inconscientemente coerente com seu propósito pulsional, ele esconde que a liberdade de imprensa, mais do que uma prerrogativa burocrática do profissional, é um direito de toda a sociedade. Fala como se a liberdade de imprensa fosse a “exclusão de ilicitude” dos jornalistas. Nada mais mentiroso. O jornalista é, sim, quem em primeiro lugar exerce a liberdade de imprensa, mas o jornalista não é o beneficiário da liberdade de imprensa. O beneficiário é a sociedade. O jornalista exerce a liberdade como um dever e, agindo assim, assegura que a sociedade possa desfrutar a liberdade de imprensa como um direito. Se não pudesse contar com o direito à liberdade de imprensa, a sociedade não teria como se proteger contra as inverdades que aparecem na propaganda do poder. Ficaria indefesa.
Contra tudo isso o discurso presidencial convida a sociedade a repudiar a imprensa. Culpa os jornalistas por todos os relatos inverídicos que circulam, caracteriza os repórteres e os articulistas como vilões e, por meio desses artifícios, procura angariar apoio para, intimidando os jornalistas, esvaziar esse direito essencial de toda a sociedade.
Um jornal sozinho não entrega a verdade de mão beijada a ninguém, sabemos disso. Mas, repetindo, uma sociedade com órgãos de imprensa sérios, profissionais e independentes está mais protegida contra fraudes e estratégias de tapeação. A melhor forma de entendermos a liberdade de imprensa é concebê-la como um regime geral para o fluxo das ideias na sociedade democrática. A liberdade de imprensa é o princípio norteador do regramento que autoriza os jornalistas a verificarem diariamente os indícios da verdade factual e assim realizar um trabalho que, se não encontra a verdade pronta e acabada, impõe limites decisivos contra as propagandas do poder.
Se cumprirem seu dever de exercer a liberdade, os órgãos de imprensa ajudam a sociedade a se proteger contra os mentirosos que tentam primeiro tapeá-la para depois oprimi-la. Será por isso que o presidente está em campanha contra a liberdade? Talvez.
Fiquemos com os fatos. Quando ataca pessoalmente uma repórter do Estado, quando tenta afastar ilegalmente a Folha de S.Paulo de uma licitação, quanto chama a Rede Globo de “inimiga”, o chefe de Estado não quer apenas ofender o Estado, a Folha ou a Globo. Ele quer ferir o regime da liberdade de imprensa. Por isso em 2019 moveu sua guerra suja contra a imprensa. Como será 2020?
*Jornalista, é professor da ECA-USP
William Waack: Capitalismo político
A modernidade do choque no Brasil entre economia ‘liberal’ e autoritarismo político
O debate se a Lava Jato destruiu empresas e empregos ou se salvou a “ética” que permite o funcionamento virtuoso de instituições públicas e privadas revela um aspecto mais profundo das relações que organizam o funcionamento da economia brasileira. Na verdade, a pergunta levantada pela Lava Jato é outra. É o grau de aproximação do Brasil com o chamado “capitalismo político”.
O termo não é novo, mas voltou à moda devido ao sucesso do livro Capitalism, Alone (assim mesmo, com vírgula), de Blanko Milanovic, um intelectual de origem iugoslava atualmente na City University de Nova York e com longa passagem por instituições multilaterais como o Banco Mundial – experiência que o ajudou a escrever outra obra recente de sucesso, sobre o desequilíbrio global. A tese central dele é a de que pela primeira vez na História da humanidade um só sistema econômico prevalece – o capitalismo – e a ele pertence o futuro. Mas a qual capitalismo?
O tipo que se revela de grande êxito é o “capitalismo político”, em oposição ao capitalismo liberal meritocrático. Seus grandes expoentes são China, Rússia, Índia e vários asiáticos e, entre suas características principais, segundo Milanovic, destacam-se a ausência da aplicação uniforme das regras legais e a imensa autonomia do Estado. Nesse modelo, prossegue o autor, não são as elites econômicas que tomam as decisões em função de seus interesses, mas uma elite política que as coopta e as dirige em função de seus objetivos políticos – o paralelo com o PT e os “campeões nacionais” é evidente.
A corrupção num sistema desses é endêmica, pois os códigos legais são usados para favorecer amigos ou punir inimigos. Nesse sentido, a Lava Jato revelou as entranhas do “capitalismo político” à brasileira, incluindo o entusiasmo com que elites empresariais abraçaram o programa de um partido político que parecia haver encontrado no favorecimento de setores da economia a chave para se perpetuar no poder. Ao destruir o esquema petista, a Lava Jato afastou o Brasil do “capitalismo político”?
As elites empresariais empolgadas com os aspectos “liberais meritocráticos” dos planos da equipe de Paulo Guedes e, ao mesmo tempo, entusiásticas apoiadoras de Sérgio Moro e do que ele significa ainda não se deram conta totalmente de que os dois “modelos” estão em choque. Parte fundamental do embate entre setores do STF e expoentes da Lava Jato, por exemplo, se dá em torno do controle de quem investiga, dos limites de quem pune – por último, de quem controla a esfera da política.
Hoje empresários honestos temem mais a Receita Federal do que os homens vestidos de preto de Curitiba, sem perceber que a margem de ação que se atribuíram órgãos investigativos é uma demonstração da autonomia do Estado e de corporações que dele se apropriaram (como o alto funcionalismo público, entendido como elite política também). Não são grupos que aplaudem o “capitalismo meritocrático”. Seu viés ideológico, ainda que não petista, é claramente da permanência do controle do Estado sobre a iniciativa privada.
A empolgação (justa e legítima, importante assinalar) de elites econômicas pelo binômio Guedes-Moro turva a percepção básica de que o capitalismo meritocrático, ao contrário do capitalismo político, depende da aplicação estrita da “rule of law” (aqui o STF tem dado péssimo exemplo). São elites que olham para a eficiência administrativa de regimes sob o capitalismo político (como a China) e sonham com um grau de autoritarismo que permita destravar os óbvios obstáculos à expansão da economia brasileira, muitos deles localizados num Estado balofo e perdulário.
Milanovic sugere que o capitalismo político tem mais chances de sobrevivência. Nesse sentido, com forte dose de ironia, o Brasil está abraçando a modernidade.
El País: Câmara aprova processo de impeachment de Trump, que será julgado pelo Senado dos EUA
O presidente norte-americano é acusado de abuso de poder e obstrução. Ele será o terceiro julgado da história
Donald Trump tornou-se nesta quarta-feira o terceiro presidente da história norte-americana que será submetido a um processo de impeachment. Uma Câmara dos Deputados totalmente dividida aprovou levar Trump a julgamento no Senado por abuso de poder e obstrução do Congresso após um escândalo sobre a suposta pressão da Casa Branca sobre a Ucrânia para obter benefícios eleitorais ao republicano. Após um longo e sombrio debate, às vezes teatral, a maioria democrata votou a favor das duas acusações, com todos os republicanos contra, em um claro reflexo da natureza partidária, quase tribal, desse processo. Os fundadores da Constituição planejaram remover um presidente em caso de "crimes graves ou delitos". Seus herdeiros a transformaram em uma guerra sem quartel.
"Resolução 755 para o impeachment de Donald John Trump, presidente dos Estados Unidos, por crimes e ofensas graves". Um cabeçalho de 18 palavras convocou os 431 membros da Câmara dos Deputados a votar se julgariam o líder do país mais poderoso do mundo por pressionar o Governo de Kiev a iniciar investigações que o favoreciam para a reeleição em 2020. Por volta das três da tarde (cinco horas da tarde, horário de Brasília), o debate parlamentar havia se tornado um acidente de trem entre republicanos e democratas sobre a culpa ou inocência de Trump."Hoje estamos aqui para defender a democracia do povo", disse a presidente da Câmara, a veterana democrata Nancy Pelosi, ao abrir o debate. Pelosi, terceira autoridade da nação e líder dos democratas em Washington, apareceu de vestido escuro e falou em um tom calmo e sério, tentando transmitir uma ideia de solenidade institucional que contraria as críticas de Trump e dos republicanos, que acusam a oposição de agir de maneira partidária. Pelosi citou a Constituição e os pais fundadores e descreveu o presidente como "uma ameaça contínua à segurança nacional". Enquanto isso, Donald Trump escreveu em sua conta do Twitter, em letras maiúsculas e vários pontos de exclamação: “Que mentiras hediondas da esquerda radical! (...) Este é um ataque à América e ao Partido Republicano!”
O que vem agora no Senado
No julgamento, que ocorrerá no Senado após o recesso de fim de ano após o sinal verde da Câmara, os legisladores deverão revisar os depoimentos, chamar novas testemunhas se acharem necessário, examinar os documentos, as evidências e decidir se, de fato, o presidente dos Estados Unidos cometeu algum "crime ou ofensa grave", como diz a Constituição, que torna necessária sua remoção.Os senadores são obrigados a tomar suas decisões independentemente da cor política do presidente que julgam, mas a deliberação parece uma pantomima. A maioria dos legisladores democratas vê Trump culpado e todos os republicanos o consideram inocente. Nesta quarta-feira, com 233 dos 431 assentos ocupados pelos democratas, o julgamento do presidente já era dado como certo. No Senado, com 53 senadores republicanos em 100, a absolvição também parece decidida, já que um veredicto de culpado exige uma maioria de dois terços. À diferença do Brasil, nos EUA o presidente só deve ser afastado se for condenado na etapa final, não havendo a figura do afastamento temporário.